Processo n.º 889/2022
(Autos de recurso cível)
Data: 30/Novembro/2023
Recorrente:
- (A) (requerente nos autos de inventário)
Recorrido:
- Banco B (credor reclamante)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Por apenso ao processo de insolvência intentada contra (C), foi deduzido processo de separação de bens entre os cônjuges em que é requerente (A), esposa daquele insolvente.
Foi nomeado para exercer as funções de cabeça-de-casal o próprio insolvente (C).
Na conferência de interessados, o juiz decidiu que os juros de mora à taxa anual de 5,5%, contados a partir de 24.4.2017 até 6.11.2020, são da responsabilidade da recorrente.
Acto contínuo, ambas as partes aprovaram por unanimidade a dívida (única), constante da relação de bens, no valor de MOP3.572.355,09, acrescido de juros de mora à taxa anual de 5,5% contados a partir de 12.10.2018 até 6.11.2020, tendo ainda acordado que por aquela dívida aprovada responde em primeiro lugar o bem 1-A da relação de bens e, não sendo suficiente para liquidar a dívida, respondem os outros bens constantes da relação de bens.
Mais acordaram as partes que, após liquidada a dívida, os restantes bens seriam repartidos entre o casal.
Os credores reclamantes o Banco B e a sociedade XX, bem assim o Ministério Público, não se opuseram ao referido acordo.
Acto contínuo, o juiz de primeira instância proferiu despacho sobre a forma da partilha.
Inconformada com o referido despacho, recorreu a requerente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. 雖然尊重原審法院的理解,然而,在計算遲延利息方面,上訴人認為被上訴批示違反了夫妻共同財產的法律規定以及民事訴訟法典第1100條第1款c項規定。
2. 在上述利害關係人會議中,上訴人之訴訟代理人一直維持反對上訴人應支付截至上述會議舉行之日的相關遲延利息的意見。
3. 上訴人曾向原審法院申請上述利害關係人的庭審錄音,但得到原審法院回覆表示基於沒有錄音而無法提供(卷宗第359頁)。
4. 上訴人與待分割財產管理人(C)於2014年1月6日在澳門以一般共同財產制註冊結婚,其後購入位於氹仔埃武拉街X號XX19樓K座的獨立單位(以下稱為“K19”),並將“K19”抵押予債權人B銀行作出意定抵押(登錄編號1xxx45C),物業登記日期為2014年1月13日。
5. 故此,上述“K19”單位是上訴人與待分割財產管理人(C)在一般共同財產制的狀況下購入,根據澳門民法典第1603條第1款規定,屬夫妻共同擁有之財產。
6. 上述將“K19”抵押予債權人B銀行所產生之債務,根據澳門民法典第1558條第1款a項規定,屬夫妻雙方負責之債務。
7. 根據被上訴批示的內容,簡而言之,原審法院認為在遲延利息方面,由於(C)已被宣告為無償還能力,而上訴人沒有被宣告無償還能力,因此在遲延利息方面將兩人分開計算,並認為上訴人須獨自負責以全數債務本金為基礎所計算的自2018年10月12日起計之利息。
8. 主流學說認為,澳門制度下的夫妻共同財產屬共同擁有,在進行分割前,沒有份額,因此夫妻共同財產是一個整體的財產。
9. 夫妻共同財產所衍生的夫妻債務亦應相同理解。
10. 根據澳門民事訴訟法典第1100條第1款c項規定,(C)被宣告無償還能力後,其債務(包括“K19”的債務)之利息停止計算,亦即是說,(C)不須支付債權人B銀行於2017年4月24日後產生之遲延利息。
11. 上訴人與(C)完成財產分割前,關於“K19”的財產性質仍然屬共同擁有的夫妻財產,所衍生的夫妻共同債務亦然;原審法院將遲延利息的計算分開處理,判處僅上訴人須支付相關遲延利息,但是,於分割前,“K19”仍然屬於夫妻共同財產,不計份額無法單純分開計算,因此,判處僅上訴人須支付分割前的相關遲延利息,等同判處已宣告無償還能力的(C)支付遲延利息,因為在分割前,上訴人於“K19”的財產部份必然包含(C)的部份,而(C)於“K19”的財產部份中亦必然包含上訴人的部份。
12. 故此,基於(C)於2017年4月24日被宣告為無償還能力,相關債務的利息停止計算,基於夫妻共同財產制度的性質,整個夫妻共同財產所衍生債務產生之遲延利息亦應隨之停止計算;倘若僅要求他方配偶支付全額的遲延利息,那麼等同規避了夫妻共同財產在法律上的整體性以及民事訴訟法典第1100條1款c項規定的法律原意。
13. 綜上,在本案情況中,被宣告無償還能力後的遲延利息是無法分開計算的,基於此,上訴人認為被上訴批示的決定違反了夫妻共同財產的法律規定以及民事訴訟法典第1100條1款c項規定,並應判處上訴人不須支付自2017年4月24日起計之相關遲延利息。
綜上所述,請求上訴法院根據裁定上訴人理由成立,並作出以下判處:
- 宣告廢止被上訴批示中關於債權人B銀行之遲延利息之決定;以及
- 改為判處上訴人及待分割財產管理人(C)須支付予債權人B銀行之遲延利息之期間為截至2017年4月24日止。”
*
Ao recurso respondeu o Banco B nos seguintes termos conclusivos:
“I. A cônjuge do Insolvente (A) veio recorrer do conteúdo da acta da conferência de interessados realizada no passado dia 6 de Novembro de 2020, constante a fls. 351 a 353 dos vertentes autos, nomeadamente da parte relativa à decisão de adicionamento à única verba passiva da responsabilidade da recorrente pelo pagamento dos juros vencidos à taxa anual de 5.5% sobre o capital em dívida de MOP3.314.426,23, calculados desde o dia 12 de Outubro de 2018 até o dia da realização da conferência de interessados, ou seja, 6 de Novembro de 2020.
II. Entendeu o douto Tribunal a quo, e bem, que o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 1100º do Código de Processo Civil, em relação à cessação da contagem dos juros a partir da declaração da insolvência não se aplica à Recorrente, porquanto não lhe foi declarada a insolvência.
III. As disposições legais invocadas pela Recorrente, a saber, a alínea a) do n.º 1 do artigo 1558º e o n.º 1 do artigo 1603º ambos do Código Civil, não se aplicam nos presentes autos, porquanto o Insolvente e a Recorrente adquiriram a fracção autónoma designada por “K19” (verba n.º 1 dos activos que compõem a massa objecto de partilha) enquanto casados no regime de comunhão geral, sendo tais artigos aplicáveis àqueles casados sob o regime de comunhão de adquiridos.
IV. O bem onerado a favor do credor reclamante, ou seja, a fracção autónoma “K19” faz parte do património comum, nos termos do artigo 1609º do Código Civil, sendo a dívida daí decorrente da responsabilidade comum segundo o disposto no n.º 1 do artigo 1561º do mesmo Código.
V. Na verdade, o referido crédito resultante do incumprimento da obrigação contratual de pagamento, decorre de um empréstimo bancário concedido, em 11 de Dezembro de 2013, pelo credor reclamante ao casal, ou seja, o Insolvente e Recorrente.
VI. Mas tal não quer dizer que a declaração de insolvência do cônjuge marido produza efeitos sobre as obrigações assumidas pela Recorrente, em concreto nos juros a que a mesma se obrigou a pagar com a celebração do contrato de mútuo, uma vez que o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 1100º do Código de Processo Civil apenas se opera única e exclusivamente na esfera jurídica do Insolvente.
VII. O Legislador foi muito claro ao prever expressamente no artigo 1100º do Código de Processo Civil que “a declaração da falência determina a cessação da contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido”, pelo que não se admite aqui o recurso a interpretação extensiva, nos termos do n.º 2 do artigo 8º do Código Civil.
VIII. A cessação da contagem dos juros que aqui se discute é uma das consequências da declaração de insolvência destinada à determinação e fixação da massa da insolvência, e como tal, não pode a Recorrente tirar proveito indevido dessa operação, porquanto tal cessação não é um benefício de carácter familiar, nem há aqui necessidade de fixar a massa activa e/ou passiva da Recorrente para efeitos de declaração de insolvência do cônjuge marido, salvo no que respeita à partilha em processo de separação de bens por motivos do regime de bens em vigor.
IX. Aliás, a declaração da insolvência do cônjuge marido não é um facto extintivo do direito de crédito do credor reclamante sobre os juros vencidos e vincendos sobre todas e quaisquer dívidas em que o Insolvente faça parte.
X. Termos em que, é da opinião do credor reclamante que o douto Tribunal a quo andou bem ao entender que a Recorrente se deve responsabilizar pelo pagamento dos juros vencidos à taxa anual de 5.5% sobre o capital em dívida de MOP3.314.426,23, calculados desde o dia 12 de Outubro de 2018 até o dia da realização da conferência de interessados, não se impondo os presentes autos decisão diversa da que foi proferida pelo douto Tribunal a quo.
XI. No entanto, caso V. Exas. vierem entender que o douto Tribunal a quo tenha interpretado erradamente o disposto no artigo 1100º do Código de Processo Civil, o que apenas por mero dever e cautela de patrocínio se concebe, o credor reclamante não pode deixar de referir que, não obstante serem aplicáveis o disposto nos artigos 1558º e/ou 1561º do Código Civil em relação à responsabilidade conjunta, tal não permite concluir que existe aqui uma obrigação conjunta de pagamento.
XII. Estando em causa o cumprimento da obrigação contratual decorrente do contrato de mútuo a que alude o artigo 1070º do Código Civil, dispõe o artigo 506º do mesmo Código que o regime-regra é o das obrigações conjuntas, uma vez que a solidariedade só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
XIII. Mas o legislador não foi ao ponto de exigir, para efeitos de estipulação de solidariedade, uma declaração expressa das partes, contentando-se, na falta de qualquer exigência especial de lei, com qualquer forma de declaração, expressa ou tácita.
XIV. É patente no caso em apreço a existência de um acordo de solidariedade, desde logo porque os valores emprestados pelo credor reclamante foram solicitados por ambos (Insolvente e Recorrente), tendo sido tais quantias depositadas em conta titulada pelos mesmos, e que, ao contrário do que sucederia numa obrigação conjunta, não houve descriminação de partes nem diferenças de conteúdo quanto aos montantes que caberia a cada um dos nubentes por virtude do contrato celebrado com o credor reclamante.
XV. Além disso, a Recorrente obrigou-se a liquidar o montante mutuado através do pagamento das prestações mensais, na sua íntegra, e não apenas do seu quinhão, ao invés do que aconteceria se se tratasse de uma obrigação conjunta.
XVI. Estes facta concludentia permitem concluir, de acordo com as regras interpretativas consagradas nos artigos 228º e ss do Código Civil, que, de uma forma tácita, a Recorrente e o Insolvente se obrigaram perante o credor reclamante a cumprir, de forma solidária, as obrigações resultantes do contrato de mútuo que celebraram.
XVII. Assim sendo, a obrigação de restituição dos mutuários da quantia mutuada, que inclui o capital e juros vencidos e vincendos, consiste numa obrigação solidária, pelo que a Recorrente responde solidariamente pela totalidade do valor emprestado e juros decorrentes do incumprimento da obrigação contratual, tendo o credor reclamante o poder de exigir a totalidade da prestação, do mesmo modo que cada um dos devedores responde por toda ela, nos termos do disposto no artigo 505º do Código Civil.
XVIII. Termos em que, deverá a Recorrente ser julgada responsável pelo pagamento integral dos juros entretanto vencidos após a declaração de Insolvência do seu cônjuge, por se ter obrigado a cumprir, de forma solidária, as obrigações resultantes do contrato de mútuo celebrado com o credor reclamante.
XIX. Nestes termos, deverá ser mantida na íntegra a douta decisão em crise, e julgado improcedente o recurso e todos os pedidos aí formulados pela Recorrida, deles se absolvendo o credor reclamante, ora Recorrida.
Assim se fazendo JUSTIÇA!”
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Posteriormente, pelo funcionário de justiça foi elaborado o mapa de partilha, tendo a juiz de primeira instância proferido, a final, sentença homologatória da partilha, nos seguintes termos transcritos:
“在本劃分財產案中,待分割財產管理人為(C)。
現對載於卷宗第372頁至第373頁之分割表作出確認判決,並依據分割表將有關財產分予各利害關係人,而財產的具體分配則按照利害關係人會議上所作的決定處理。
主案的扣押範圍縮減至待分割財產管理人(C)在本案獲分配之財產。
根據《民事訴訟法典》第992條(因同一法典第1030條第1款而適用)之規定,本院判處各利害關係人按利害關係人會議上之協議清償債務。
依據《民事訴訟法典》第1021條(因同一法典第1030條第1款而適用)之規定繳交訴訟費用。
通知及作出登錄。”
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Novamente inconformada, do despacho interpôs a recorrente recurso jurisdicional para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
“1. 雖然尊重原審法院的理解,然而,在計算遲延利息方面,上訴人認為被上訴判決及財產分割表違反了夫妻共同財產的法律規定以及民事訴訟法典第1100條1款c項規定。
2. 在利害關係人會議中,上訴人之訴訟代理人一直維持反對上訴人應支付截至上述會議舉行之日的相關遲延利息的意見。
3. 上訴人曾向原審法院申請上述利害關係人的庭審錄音,但得到原審法院回覆表示基於沒有錄音而無法提供(卷宗第359頁)。
4. 上訴人與待分割財產管理人(C)於2014年1月6日在澳門以一般共同財產制註冊結婚,其後購入位於氹仔埃武拉街X號XX19樓K座的獨立單位(以下稱為“K19”),並將“K19”抵押予債權人B銀行作出意定抵押(登錄編號1xx5C),物業登記日期為2014年1月13日。
5. 故此,上述“K19”單位是上訴人與待分割財產管理人(C)在一般共同財產制的狀況下購入,根據澳門民法典第1603條第1款規定,屬夫妻共同擁有之財產。
6. 上述將“K19”抵押予債權人B銀行所產生之債務,根據澳門民法典第1558條第1款a項規定,屬夫妻雙方負責之債務。
7. 簡而言之,原審法院認為在遲延利息方面,由於(C)已被宣告為無償還能力,而上訴人沒有被宣告無償還能力,因此在遲延利息方面將兩人分開計算,並認為上訴人須獨自負責以全數債務本金為基礎所計算的自2018年10月12日起計之利息。
8. 主流學說認為,澳門制度下的夫妻共同財產屬共同擁有,在進行分割前,沒有份額,因此夫妻共同財產是一個整體的財產。
9. 上訴人認為,夫妻共同財產所衍生的夫妻債務亦應相同理解。
10. 根據澳門民事訴訟法典第1100條第1款c項規定,(C)被宣告無償還能力後,其債務(包括“K19”的債務)之利息停止計算,亦即是說,(C)不須支付債權人B銀行於2017年4月24日後產生之遲延利息。
11. 上訴人與(C)完成財產分割前,關於“K19”的財產性質仍然屬共同擁有的夫妻財產,所衍生的夫妻共同債務亦然;原審法院將遲延利息的計算分開處理,判處僅上訴人須支付相關遲延利息,但是,於分割前,“K19”仍然屬於夫妻共同財產,不計份額無法單純分開計算,因此,判處僅上訴人須支付分割前的相關遲延利息,等同判處已被宣告無償還能力的(C)支付遲延利息,因為在分割前,上訴人於“K19”的財產部份必然包含(C)的部份,而(C)於“K19”的財產部份中亦必然包含上訴人的部份。
12. 故此,基於(C)於2017年4月24日被宣告為無償還能力,相關債務的利息停止計算,基於夫妻共同財產制度的性質,整個夫妻共同財產所衍生債務產生之遲延利息亦應隨之停止計算;倘若僅要求他方配偶支付全額的遲延利息,那麼等同規避了夫妻共同財產在法律上的整體性以及民事訴訟法典第1100條1款c項規定的法律原意。
13. 綜上,在本案情況中,被宣告無償還能力後的遲延利息是無法分開計算的,基於此,上訴人認為被上訴批示的決定違反了夫妻共同財產的法律規定以及民事訴訟法典第1100條1款c項規定,並應判處上訴人不須支付自2017年4月24日起計之相關遲延利息。
綜上所述,請求上訴法院根據裁定上訴人理由成立,並作出以下判處:
- 宣告廢止被上訴判決及財產分割表中關於債權人B銀行之遲延利息之決定;以及
- 改為判處上訴人及待分割財產管理人(C)須支付予債權人B銀行之遲延利息之期間為截至2017年4月24日止。”
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Notificadas as restantes partes, apenas veio responder ao recurso o reclamante o Banco B, pela seguinte forma conclusiva:
“I. A cônjuge do Insolvente (A) veio recorrer da Douta Sentença proferida a fls. 425 dos vertentes autos que condenou no pagamento da dívida conforme apurada em sede do mapa de partilha de fls. 372 a 373, nela incluindo os juros vencidos sobre o capital em dívida de MOP3.314.426,23, calculados à taxa anual de 5.5% desde o dia 12 de Outubro de 2018 até o dia da realização da conferência de interessados, ou seja, 6 de Novembro de 2020.
II. Aquando de determinação da responsabilidade pelo pagamento dos juros reclamados pelo Credor Reclamante, entendeu o douto Tribunal a quo, e bem, que o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 1100º do Código de Processo Civil, em relação à cessação da contagem dos juros a partir da declaração da insolvência, não se aplica à Recorrente, porquanto não lhe foi declarada a insolvência.
III. As disposições legais invocadas pela Recorrente, a saber, a alínea a) do n.º 1 do artigo 1558º e o n.º 1 do artigo 1603º ambos do Código Civil, não se aplicam nos presentes autos, porquanto o Insolvente e a Recorrente adquiriram a fracção autónoma designada por “K19” (verba n.º 1 dos activos que compõem a massa objecto de partilha) enquanto casados no regime de comunhão geral, sendo tais artigos aplicáveis àqueles casados sob o regime de comunhão de adquiridos.
IV. Atento já ter sido a matéria de juros colocada em causa em sede do recurso interposto pela Recorrente a fls. 357 e 368 a 371v, entende o Credor Reclamante que o presente recurso se trata de uma dupla impugnação de uma mesma condenação, facto que não se admite sob pena de se frustrarem os efeitos legais do primeiro recurso.
V. A acta elaborada a fls. 351 a 353 não sofre de qualquer vício, não tendo a Recorrente apresentado suporte probatório para a alegada discordância, entendendo-se, por isso, que não estão verificados os requisitos da reclamação descritos no n.º 2 do artigo 1017º ex vi n.º 4 do artigo 1028º ambos do CPC.
VI. Mesmo que se entenda que o crédito não deveria ter sido reconhecido nos termos do artigo 992º do CPC, ou ainda que o Douto Tribunal a quo tenha interpretado erradamente o disposto no artigo 1100º do CPC, o que apenas por mero dever e cautela de patrocínio se concebe, o certo é que houve em acordo de solidariedade nos presentes autos, conforme previsto no artigo 505º do CC, pelo que nunca poderia ter sido conjunta obrigação assumida pela Recorrente e aqui Insolvente.
VII. Não obstante ter servido de garantia de pagamento do referido crédito o património comum do casal, tal não significa que a obrigação seja comum, nem que a cônjuge mulher pudesse beneficiar da cessação da contagem de juros prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 1100º do Código de Processo Civil, porquanto tal se opera única e exclusivamente na esfera jurídica do Insolvente.
VIII. O legislador foi muito claro ao prever expressamente no artigo 1100º do Código de Processo Civil que “a declaração da falência determina a cessação da contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido”, pelo que não se admite aqui o recurso a interpretação extensiva, nos termos do n.º 2 do artigo 8º do Código Civil.
IX. A cessação da contagem dos juros que aqui se discute é uma das consequências da declaração de insolvência destinada à determinação e fixação da massa da insolvência, e como tal, não pode a Recorrente tirar proveito indevido dessa operação enquanto não for declarada a sua insolvência.
X. A declaração da insolvência do cônjuge marido não é um facto extintivo do direito de crédito do Credor Reclamante sobre os juros vencidos e vincendos sobre todas e quaisquer dívidas em que o Insolvente faça parte.
XI. Termos em que, é da opinião do credor reclamante que o douto Tribunal a quo andou bem ao entender que a Recorrente se deve responsabilizar pelo pagamento dos juros vencidos, não se impondo os presentes autos decisão diversa da que foi proferida pelo douto Tribunal a quo.
XII. No que respeita à natureza da obrigação, atento estar em causa o cumprimento da obrigação contratual decorrente do contrato de mútuo a que alude o artigo 1070º do Código Civil, é do entendimento do Credor Reclamante que se deve afastar a regra da responsabilidade conjunta prevista em regime supletivo no artigo 506º do CC.
XIII. Para efeitos de solidariedade, é suficiente a existência de uma declaração tácita nesse sentido, conforme dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de Fevereiro de 2020 proferida em sede do processo n.º 1990/19.5T8VIS.C1, segundo o qual: “Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade, devendo ser aferida por um “critério prático”, baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende.”
XIV. Para efeitos de determinação do elemento objectivo da declaração tácita, importa referir que, nos presentes autos, patente será a existência de um acordo de solidariedade, desde logo porque os valores emprestados pelo credor reclamante foram solicitados por ambos (Insolvente e Recorrente), tendo sido tais quantias depositadas em conta titulada pelos mesmos, e que, ao contrário do que sucederia numa obrigação conjunta, não houve descriminação de partes nem diferenças de conteúdo quanto aos montantes que caberia a cada um dos nubentes por virtude do contrato celebrado com o credor reclamante.
XV. Além disso, a Recorrente obrigou-se contratualmente a liquidar o montante mutuado através do pagamento das prestações mensais, na sua íntegra, e não apenas do seu quinhão, ao invés do que aconteceria se se tratasse de uma obrigação conjunta.
XVI. Aliás, nas alegações deduzidas pela Recorrente, apenas se limitou a invocar que a dívida era da responsabilidade de ambos os cônjuges porque respeita a uma dívida contraída na constância do casamento, nada dizendo em relação à hipótese da Recorrente apenas ter utilizado o dinheiro emprestado na parte que lhe cabia.
XVII. Estes facta concludentia permitem concluir, de acordo com as regras interpretativas consagradas nos artigos 228º e ss CC, que, de uma forma tácita, a Recorrente e o Insolvente se obrigaram perante o credor reclamante a cumprir, de forma solidária, as obrigações resultantes do contrato de mútuo que celebraram.
XVIII. Assim sendo, a obrigação de restituição dos mutuários da quantia mutuada, que inclui o capital e juros vencidos e vincendos, consiste numa obrigação solidária conforme definido pelo artigo 505º do CC, pelo que a Recorrente responde solidariamente pela totalidade do valor emprestado e juros decorrentes do incumprimento da obrigação contratual, tendo o Credor Reclamante o poder de exigir a totalidade da prestação, do mesmo modo que cada um dos devedores responde por toda ela.
XIX. Termos em que, deverá ser julgada improcedente o recurso e todos os pedidos aí formulados pela Recorrida, mantendo-se na íntegra a douta Decisão em crise com condenação da Recorrente no pagamento integral dos juros vencidos sobre o capital em dívida de MOP3.314.426,23, calculados à taxa anual de 5.5% desde o dia 12 de Outubro de 2018.
Assim se fazendo JUSTIÇA!”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Está em causa as seguintes decisões:
Primeira decisão:
“首先,針對財產目錄唯一項債務之金額,由於有關金額已是截至2018年10月11日之債務金額,故在此僅考慮是否加上2018年10月11日之後的遲延利息。針對待分割財產管理人(C)的部分,由於待分割財產管理人(C)已於2017年4月24日被宣告處於無償還能力狀況,而根據《民事訴訟法典》第1100條第1款C項之規定,破產一經宣告,破產人債務之利息停止計算(同適用於無償還能力情況),債權人B銀行不得向待分割財產管理人(C)追討財產目錄唯一項債務自2018年10月11日之後的遲延利息。
至於利害關係人(A)方面,由於利害關係人(A)沒有被宣告處於無償還能力狀況,批准在財產目錄加入債權人B銀行要求支付之自2018年10月11日之後的遲延利息,亦即利害關係人(A)需支付的部分包括本金澳門元3,314,426.23元自2018年10月12日直至本會議舉行之日按年利率5.5%計算的遲延利息。
基於上述,本法庭僅批准在財產目錄唯一項債務加入以下內容: “並加上本金澳門元3,314,426.23元自2018年10月12日直至本會議舉行之日,按年利率5.5%計算的遲延利息 (此部分僅由利害關係人(A)負責支付)”
(…)
分割方式方面,待分割財產管理人(C)與利害關係人(A)於2014年1月6日在澳門以一般共同財產制度註冊結婚,其後於2016年4月29日將婚姻財產制度改為分別財產制度,改變財產制度時,待分割財產管理人(C)與利害關係人(A)沒有就夫妻共同財產進行任何分割。因此,根據《民法典》第1556條之規定,應將財產目錄內的夫妻共同財產平分成兩份,其中一份屬待分割財產管理人(C)所有,至於另外一份則屬利害關係人(A)所有。具體的財產分配按利害關係人會議上的決定內容處理。”
Segunda decisão:
“判決
在本劃分財產案中,待分割財產管理人為(C)。
現對載於卷宗第372頁至第373頁之分割表作出確認判決,並依據分割表將有關財產分予各利害關係人,而財產的具體分配則按照利害關係人會議上所作的決定處理。
主案的扣押範圍縮減至待分割財產管理人(C)在本案獲分配之財產。
根據《民事訴訟法典》第992條(因同一法典第1030條第1款而適用)之規定,本院判處各利害關係人按利害關係人會議上之協議清償債務。
依據《民事訴訟法典》第1021條(因同一法典第1030條第1款而適用)之規定繳交訴訟費用。
通知及作出登錄。”
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É bom de ver que tanto uma como outra, lidam com a mesma questão, que é a de saber se a recorrente como sendo cônjuge do insolvente, teria ou não que assumir por si só os juros de mora contados até à data da conferência de interessados, à taxa anual de 5,5%.
Entende a recorrente que não, alegando que o juiz do tribunal recorrido aplicou incorrectamente o disposto no artigo 1562.º, alínea c) do Código Civil e artigo 1100.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
Antes de mais, convém realçar que o recurso da primeira decisão é irrecorrível, nos termos do artigo 1011.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, em que se dispõe o seguinte: “O despacho determinativo da forma de partilha só pode ser impugnado no recurso ordinário interposto da sentença da partilha.”
Assim sendo, sem necessidade de delongas considerações, há-de rejeitar o primeiro recurso.
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Apreciemos apenas o segundo recurso, em que versa a mesma questão.
Sustenta a recorrente que, sendo cônjuge do insolvente, pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, respondem os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges, conforme se estatui na alínea c) do artigo 1562.º do Código Civil.
E alega ainda que decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 1100.º do CPC que “a declaração da falência determina a cessação da contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido”, e não sendo divisível essa dívida, entende a recorrente que ela também não é obrigada a pagar juros a partir de 24.4.2017, data em que o seu marido foi declarado insolvente.
Vejamos.
Nos termos do artigo 1100.º, n.º 1, alínea c), aplicável por força do disposto no artigo 1187.º, ambos do Código de Processo Civil, no tocante aos efeitos em relação aos negócios jurídicos do insolvente, a declaração da falência determina a cessação da contagem de juros sobre as obrigações do mesmo.
Assim sendo, a partir de 24.4.2017, data em que o marido da recorrente foi judicialmente declarado insolvente, deixou de ter necessidade de efectuar a contagem de juros sobre as obrigações do mesmo insolvente.
Não obstante, tal preceito já não é aplicável à recorrente.
Em boa verdade, a lei manda dispensar apenas a contagem de juros sobre as obrigações do insolvente e não simultaneamente sobre as obrigações do cônjuge do insolvente.
Daí que, no vertente caso, só não são contados os juros sobre a dívida contraída pelo marido da recorrente junto do credor reclamante o Banco B, a partir de 24.4.2017, data em que ele foi judicialmente declarado insolvente e, em relação aos juros sobre a parte da dívida assumida pela recorrente, continua a haver lugar a contagem dos juros de mora.
Efectivamente, vindo a cônjuge do insolvente requerer a separação de bens, é no presente apenso que compete determinar se aquela é obrigada a pagar juros e, em caso afirmativo, qual o valor devido.
Conforme dito acima, a declaração da insolvência não determina a cessação da contagem de juros em relação à cônjuge do insolvente, ou seja, só o insolvente, e não a cônjuge do insolvente, está dispensado do pagamento dos juros sobre as obrigações por ele devidas.
E quanto a recorrente deveria pagar?
Resulta dos autos que na altura da aquisição do imóvel e da concessão do empréstimo, a recorrente e o insolvente era casado no regime da comunhão geral, pelo que, a dívida em causa é da responsabilidade comum dos cônjuges, participando os cônjuges por metade no activo e no passivo da comunhão, nos termos dos artigos 1561.º, n.º 1 e 1607.º, n.º 1 ex vi do artigo 1611.º, todos do Código Civil.
Todavia, vem o credor reclamante o Banco B, defender que a obrigação de pagamento da dívida e dos respectivos juros é solidária, daí que entende a cônjuge do insolvente ora recorrente ser responsável pelo pagamento integral dos juros entretanto vencidos após a declaração de insolvência do seu cônjuge.
Ora bem, segundo o disposto no artigo 506.º do Código Civil, a solidariedade da obrigação só existe se ela resultar da lei ou da vontade das partes.
No caso em apreço, não se descortina nenhum caso de solidariedade resultante da lei, nem está demonstrada nos autos a existência de acordo das partes no sentido da solidariedade.
Segundo os elementos constantes dos autos, apenas se verifica que está aberta em nome do insolvente e da recorrente uma conta bancária conjunta destinada para pagamento das prestações do empréstimo (cfr. fls. 246 dos autos) e, na falta de outros elementos que permitam determinar a natureza dessa obrigação (solidária, conjunta ou mista), conclui-se estar perante uma obrigação conjunta.
Sendo a obrigação conjunta, cada um dos devedores só está vinculado a prestar ao credor a sua parte na prestação. No presente caso, uma vez que provada não está a solidariedade da obrigação, a recorrente só é obrigada a pagar metade dos juros de mora à taxa anual de 5,5%, contados a partir de 24.4.2017.
Concede-se, assim, parcial provimento ao recurso, devendo a secção cível do TJB proceder-se a novo cálculo dos juros de mora devidos a partir de 24.4.2017, à taxa anual de 5,5%, sendo a recorrente apenas responsável por metade do valor apurado e, posteriormente, reformular-se o mapa de partilha.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo deste TSI acorda em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela recorrente (A), revogando a sentença recorrida, devendo, em consequência, efectuar-se o novo cálculo dos juros de mora e reformular-se o mapa de partilha conforme explicado acima.
Custas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção de metade para cada um.
Registe e notifique.
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RAEM, 30 de Novembro de 2023
Relator
Tong Hio Fong
Primeiro Juiz-Adjunto
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Segundo Juiz-Adjunto
Fong Man Chong
Recurso Cível 889/2022 Página 8