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Processo nº 701/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Novembro de 2023
Recorrente: (X) (Autor)
Recorrida: Y Resorts, S.A. (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
Por sentença de 15/05/2023, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré Y Resorts, S.A. a pagar ao Autor (X) a quantia de MOP$113,424.80, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (Y) na compensação devida ao Autor, ora Recorrente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) à luz da Lei n.º 7/2008;
2. In casu, impõe-se apreciar a interpretação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito do n.º 2 do art.42.º da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação da Ré (Y) numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de Petição Inicial;
Mais detalhadamente.
3. Resulta da matéria de facto assente que:
- De 01/10/2011 a 31/03/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (7.º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (8.º)
- Entre 01/10/2011 e 31/03/2021, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias (...). (9.º)
- No referido período, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho (10.º).
4. Não obstante a referida matéria de facto provada, com vista a apurar o valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois;
5. E, a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre outro, no facto de se acreditar que a douta Decisão não ter factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base Instrutória;
6. Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7.º dia, após 6 dias consecutivos de trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7.º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8.º dia após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito;
7. De onde, salvo melhor opinião, deve a Recorrida (Y) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$136,683.33, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal - e não apenas MOP$17,203.34, conforme parece resultar da douta Sentença que, salvo o devido respeito, nesta parte poderia estar um pouco mais clara, correspondente ao seguinte (remuneração diária vezes o número de dias de descanso - que para facilidade de raciocínio, se expõe na seguinte tabela):
De
A
Remuneração
N.º de dias de descanso
Total
01/10/2011
31/12/2014
8,100
156
42,120.00
01/01/2015
31/03/2019
8,450
207
58,305.00
01/04/2019
31/10/2021
11,200
97
36,213.33
8. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43.º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 214 a 220, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
­ De 01/10/2011 ao presente, o Autor encontrou-se ao serviço da Ré (Y), a desempenhar funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
­ Durante a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (B)
­ Era a Ré quem fixava o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (C)
­ Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (D)
­ Entre 01/10/2011 e 31/10/2021, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho nos dias seguintes: (E)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de ausência
2011
2011
24
2012
2012
24
2013
2013
24
2014
2014
24
2015
2015
24
2016
2016
24
2017
2017
24
2018
2018
24
2019
2019
24
2020
2020
24
2021
2021
24
­ Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (F)
­ De 01/10/2011 a 31/10/2021, a Ré (Y) pagou ao Autor as seguintes quantias a título de salário de base mensal e subsídio de alojamento: (1º)
De
A
Salário de base mensal (MOP)
Subsídio de Alojamento (MOP)
01/10/2011
31/12/2014
$7,500.00
$600.00
01/01/2015
31/03/2019
$7,850.00
$600.00
01/04/2019
31/10/2021
$10,600.00
$600.00
­ Entre 01/10/2011 e 31/10/2021, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (2º)
­ Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (3º)
­ Entre 01/10/2011 e 31/10/2021, o Autor compareceu ao serviço da Ré com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da al. E) dos Factos Assentes. (4º)
­ A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (5º)
­ A Ré (Y) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (6º)
­ De 01/10/2011 a 31/03/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (7º)
­ A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (8º)
­ Entre 01/10/2011 e 31/03/2021, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, sem prejuízo da al. E) dos Factos Assentes. (9º)
­ No referido período, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (10º)
­ No referido período, a Ré não concedeu ao Autor todos os dias de descanso compensatório na sequência do trabalho prestado ao sétimo dia após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (11º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
Este TSI tem entendido, de forma unânime, que o trabalho prestado ao sétimo após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso semanal, não obstante o Autor ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
A razão de ser consiste em “o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade” (cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 89/2020, de 16/04/2020).
Por outro lado, “(...) uma coisa é a continuidade das actividades de casino, outra coisa é a inviabilidade de assegurar aos seus guardas de segurança o gozo de um descanso de vinte e quatro horas consecutivas num período de sete dias.
  Não podemos aceitar que, dado o número gigantesco, que aliás é facto notório, dos elementos do pessoal de segurança da Y, como é que não é viável mobilizá-los por forma a conciliar o normal funcionamento dos casinos com a não prestação de serviço por um número razoável dos guardas de segurança durante apenas vinte e quatro horas em cada período de sete dias!
  Aliás, se é viável, (...) o gozo pelo Autor de um dia de descanso ao oitavo dia, não se vê por quê motivo não é viável o gozo do tal dia ao sétimo dia!
  De qualquer maneira, o dito oitavo dia que o Autor gozou nunca é qualificável como descanso semanal a que se refere o art. 42.º da Lei n.º 7/2008 (...)” (Cfr. o Ac. do TSI n.º 944/2020).
Assim, o descanso remunerado do trabalhador no oitavo dia não pode ser qualificado como descanso semanal sem acordo das partes ou quando a natureza da actividade da empresa não torne inviável o gozo no sétimo dia, antes deve ser qualificado como dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado no dia de descanso semanal a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008.
Neste conformidade, o Autor tem o direito de receber: HKD$8100 / 30 * 156 + MOP$8,450 / 30 * 207 + MOP$11,200 / 30 * 97 = MOP$136,638.33.
*
Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor, decidindo-se revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, no total de MOP$136,638.33, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
*
Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 23 de Novembro de 2023.

  Ho Wai Neng
  (Relator)
  
  Tong Hio Fong
  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  
  Rui Pereira Ribeiro
  (Segundo Juiz-Adjunto)




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