打印全文
Processo nº 543/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 30 de Novembro de 2023

ASSUNTO:
- Rectificação do registo
- Causa de pedir

SUMÁRIO:
- A rectificação do registo processa-se nos termos do artº 114º e seguintes do CRP, isto é, por acordo de todos os interessados ou por decisão judicial.
- A causa de pedir são os factos jurídicos de onde emerge o direito e na sua petição o Conservador invoca os factos de onde resulta como e porquê foi lavrado o averbamento nº 4.
- A rectificação judicial é pedida porque se entende que o registo não pode ser feito por ter sido lavrado nos termos elencados na factualidade invocada e provada e esta é que é a causa de pedir.
- A decisão recorrida aprecia os factos invocados e apurados, procedendo à análise das regras que presidem à realização da rectificação do registo, concluindo, e bem, que não havia título legal que fundamentasse a realização do averbamento.
- Concluindo-se em face da factualidade apurada que o registo havia sido lavrado sem título suficiente para o efeito e que estava preenchida a alínea b) do artº 17º do CRP sendo o registo nulo, e uma vez que os registos nulos nos termos da indicada norma são considerados como individamente lavrados e susceptíveis de serem cancelados nos termos do artº 117º do mesmo Código, bem se decidiu na decisão recorrida.


____________________
Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 543/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Novembro de 2023
Recorrentes: A e B
Recorrida: Conservatória do Registo Predial
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  Conservador da Conservatória do Registo Predial, com os demais sinais dos autos,
  veio instaurar processo de rectificação judicial contra,
  C, D, E, A e B, também, com os demais sinais dos autos.
  Pedindo que o averbamento nº 4 à inscrição nº 18XXX2C do imóvel descrito sob o nº 22XX7, seja declarado nulo por indevidamente lavrado porquanto ao tempo em que foi realizado já tinha decorrido o prazo para a arguição da anulabilidade, transformando-se o negócio anulável em negócio válido.
  Proferida sentença foi julgada parcialmente procedente a acção e os pedidos formulados pelo Requerente, ordenando, em consequência, o cancelamento do averbamento nº 4 à inscrição hipotecária nº 18XXX2C da fracção autónoma “E17” do prédio descrito sob o nº 22XX7, fls. XX, do Livro XX, absolvendo do demais peticionado pelo Requerente.
  Não se conformando com a sentença vieram os Requeridos e agora Recorrentes interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedido:
a) O pedido julgado procedente, tendo em vista a declaração de nulidade do averbamento nº 4 à inscrição nº 18XXX2C, tinha como fundamento exclusivo a circunstância de, ao tempo em que foi realizado, já ter decorrido o prazo para a arguição da anulabilidade por falta de consentimento conjugal previsto no artº 1554º, nº 2, do Cód. Civil.
b) O processo de Rectificação Judicial de registo foi intentado, por falta de acordo no processo para a rectificação do registo no âmbito do artº 120º do CRP e promovido oficiosamente nos termos do artº 121º, nº 2, do CRP, exclusivamente para dar cumprimento do Despacho proferido pelo Sr. Director da DSAJ no Recurso Administrativo nº 14/2018/CRP.
c) Nesse despacho o Sr. Director da DSAJ limitou-se a concordar com o Parecer nº 88/DSAJ/DARN/2018, de 28/11/2018 (fls. 58 a 65), aderindo às suas conclusões e onde se encontra a fundamentação para o pedido que veio a ser formulado pelo Sr. Conservador nos presentes autos.
d) Assim, a causa de pedir do presente processo de Rectificação Judicial, na qual assentou o pedido de declaração de nulidade do averbamento nº 4 à inscrição nº 18XXX2C, foi o mero decurso do tempo previsto no artº 1554º, nº 2, do Cód. Civil para a arguição da anulabilidade da falta do consentimento conjugal, que sanou essa anulabilidade.
e) Ao declarar nulo o averbamento nº 4 à inscrição nº 18XXX2C por ter sido lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado, a sentença recorrida cometeu uma nulidade por excesso de pronúncia.
f) Como tal, a sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia nos termos do artº 571º, nº 1, alínea d), segunda parte, do CPC, na parte em que determinou o cancelamento do averbamento nº 4 da inscrição hipotecária 18XXX2C registada sobre a fracção autónoma “E17” do prédio descrito sob o nº 22XX7 a folhas XX do Livro XX.
Sem conceder,
g) Ao averbar a caducidade do registo de hipoteca, o Sr. Conservador limitou-se a cumprir a regra imperativa da caducidade dos registos prevista no artº 12º, nº 1 do CRP.
h) O averbamento da caducidade (logo que verificada) configura um acto vinculado para o Conservador.
i) O averbamento nº 4 (da alteração do registo definitivo da hipoteca em registo provisório por natureza e a subsequente verificação da caducidade da hipoteca) resulta da rectificação ao regime matrimonial de bens do D e da E feita pela apresentação nº 36 de 17/12/2014 à inscrição nº 15XXX5G de 16/04/2007.
j) Por decorrência da rectificação da inscrição nº 15XXX5G pela apresentação nº 36 de 17/12/2014, no sentido de passar a constar que o regime de bens do D era o da “comunhão de adquiridos” e não o da “separação”, a Conservatória do Registo Predial de Macau tinha de, oficiosamente, alterar todos os registos incompatíveis com a rectificação do registo de aquisição, designadamente o registo de hipoteca (por divergência do regime de bens do D).
k) O averbamento de conversão do registo definitivo de hipoteca em registo provisório por natureza, ao contrário do entendimento plasmado na sentença recorrida, não tinha de assentar em qualquer título específico ou resultar de um processo de rectificação previsto no artº 114º do CRP, porque foi elaborado por dependência do único registo que foi efectivamente rectificado (cf. averbamento nº 1 à inscrição nº 15XXX5G de fls. 15 ou 334): ou seja, o registo da aquisição da aquisição do bem imóvel sobre o qual incidia a inscrição hipotecária.
l) Aliás, nos averbamentos à inscrição que forem oficiosos e dependentes de outro registo – cfr. artº 97º, nº 1, alínea e), segunda parte, do CRP – o título bastante para o efeito há-de ser o mesmo que levou à elaboração do registo do qual depende, não sendo por isso necessário fazer-lhe menção, tal como sucedeu no presente caso.
m) Na sentença recorrida foi assim feita uma errada aplicação do disposto nos artigos 17º, alínea b), 117º, 119º e 97º, nº 1, alínea e), segunda parte, todos dos CRP.
Pedindo que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue improcedente o pedido de declaração de nulidade do averbamento nº 4 à inscrição nº 18XXX2C.
  
  Notificada a Requerente/Recorrida para contra-alegar esta silenciou.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Em 12/11/2014 sob a apresentação n.º 114 foi registada definitivamente hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada por E17 do prédio descrito sob o n.º 22XX7, inscrita sob o n.º 18XXX2C.
2. Na escritura de constituição da hipoteca o hipotecante foi dado como casado em separação de bens (escritura de 12/11/2014).
3. Pela apresentação n.º 140 de 19/11/2014, foi efectuado registo provisório por natureza, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 86.º do CRP, da acção de execução específica, sendo autores F, casado com G no regime da comunhão de adquiridos e réu (D) o titular inscrito, casado no regime de separação de bens.
4. Por meio da apresentação n.º 130, de 28/09/2018, foi apresentado na Conservatória do Registo Predial, um pedido de rectificação ao averbamento n.º 4 que incide sobre a instrução hipotecária n.º 18XXX2C, fracção “E17”, do prédio descrito sob o n.º 22XX7, no sentido de ser mantido o registo de hipoteca a favor de C.
5. Na sequência do pedido de registo formulado pela apresentação acima mencionada, foi o mesmo recusado, tendo sido proferido o despacho do Conservador de fls. 53-54, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Pela apresentação n.º 36 de 17/12/2014, foi efectuado averbamento de rectificação à inscrição de aquisição n.º 15XXX5G, passando a constar que “o regime de bens do sujeito activo é “regime da comunhão de adquiridos” e não “regime da separação”, com base na rectificação feita em 21/11/2014 da escritura de compra e venda, outorgada no dia 3 de Abril de 2007, no Cartório Notarial do notário privado H, a folhas 145 do livro de notas para escrituras diversas n.º 255.
7. Quando foi pedida e averbada a rectificação id. no item n.º 6, sem se ter pedido simultaneamente idêntica rectificação da hipoteca.
8. Pela apresentação n.º 229 de 16/06/2015 foi convertido em definitivo o registo da acção de execução específica.
9. A requerimento de F e G (cfr. fls. 24 a 26, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e pela apresentação n.º 52 de 15/03/2018, foi averbado sob o n.º 4 à inscrição hipotecária 18XXX2C a rectificação quanto ao regime de bens do sujeito passivo passando a contar que “o regime de bens do sujeito passivo foi rectificado para o da comunhão de adquiridos, consequentemente a inscrição supra passa a ter carácter provisória por natureza, nos termos do artigo 86.º, n.º 1, al. d) do CRP, a qual já se encontra caduca pelo decurso da provisoriedade”.
10. Pela apresentação n.º 137 de 18/04/2018 foi efectuado registo definitivo de aquisição a favor de A, casado com B no regime da comunhão de adquiridos, com base em escritura de compra e venda, outorgada no dia 18 de Abril de 2018, no Cartório Notarial do notário privado, I, a folhas 118, do livro de notas para escrituras diversas n.º 123.
11. Em 07/11/2018 foi interposto o recurso administrativo por C pretendendo que o averbamento n.º 4 à inscrição hipotecária, não deveria ter sido declarado o seu caracter provisório e sua caducidade.
12. Ao recurso foi dado provimento no sentido de dever ser rectificado o registo, nos termos do art.º 114.º e seguintes do CRP, repondo-se a referida inscrição hipotecária como definitiva.
13. Em cumprimento da decisão do recurso, foi convocada conferência de todos os interessados referidos, tendo comparecido A e sua mulher B acima identificados, faltando os restantes interessados devidamente notificados.
  
b) Do Direito

  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «A questão a resolver consiste em saber se o averbamento n.º 4 (cfr. fls. 17 dos autos) lavrado à inscrição hipotecária n.º 18XXX2C mencionado no ponto 9 dos factos assentes(sic) é nulo, e deve ser, consequentemente, cancelado por processo de rectificação nos termos do artigo 117.º do CRP.
  Antes de analisar concretamente os fundamentos deduzidos pelo requerente e requeridos, o Tribunal, considerando a complexidade do caso, entende necessário recapitular os factos:
1. Resulta do registo de fls. 15 dos autos que, por escritura de compra e venda celebrada em 3 de Abril de 2007, D adquiriu a propriedade da fracção autónoma “E17” em causa. Em 16 de Abril de 2007, foi efectuado o respectivo registo de aquisição (inscrição n.º 15XXX5G), onde constava que D e o cônjuge E estavam casados no regime de separação de bens.
2. De acordo com o registo de fls. 16 dos autos, por escritura de constituição de hipoteca outorgada em 12 de Novembro de 2014, D constituiu hipoteca a favor de LI/LEI [sic] C, sobre a fracção autónoma “E17”. Em 12 de Novembro de 2014, foi efectuado o respectivo registo de hipoteca (inscrição n.º 18XXX2C), onde constava que D e o cônjuge E estavam casados em separação de bens.
3. Por escritura pública celebrada em 21 de Novembro de 2014, foi averbada, em 17 de Dezembro de 2014, uma rectificação à inscrição n.º 15XXX5G (averbamento n.º 1, vide fls. 15 dos autos), no sentido de rectificar o regime de bens do adquirente (proprietário) D da fracção autónoma “E17” do da separação de bens para o da comunhão de adquiridos.
4. O requerente (conservador da Conservatória do Registo Predial) foi da opinião de que a referida rectificação do regime de bens do casal teria necessariamente impactos directos na hipoteca constituída a favor de LI/LEI [sic] C por parte de D em 12 de Novembro de 2014, uma vez que, sem o consentimento do cônjuge, D não tinha legitimidade para, por si só, onerar o imóvel em causa (cfr. artigo 1548.º, n.º 1 do C. Civil). Logo, entendeu que o acto de constituição de hipoteca padecia do vício de anulabilidade.
5. Com base na sua convicção da existência do vício de anulabilidade, o requerente, a pedido de F e G (vd. fls. 24 a 26 dos autos) e ao abrigo do artigo 86.º, n.º 1, al. d) do CRP, procedeu à rectificação, por averbamento (n.º 4, cfr. fls. 17 dos autos), da inscrição n.º 18XXX2C em 15 de Março de 2018, tornando provisória por natureza a inscrição da hipoteca originariamente definitiva.
6. No mesmo dia da referida rectificação, o requerente declarou a caducidade, pelo decurso do prazo da inscrição provisória, do referido registo hipotecário (inscrição n.º 18XXX2C).
7. O requerente não procedeu a qualquer processo de rectificação de registo em relação ao supramencionado averbamento.
8. O credor hipotecário LI/LEI [sic] C, por estar inconformado com a decisão de declaração de caducidade do registo, dela interpôs recurso administrativo em 7 de Novembro de 2018. O recurso foi julgado procedente, visto que, apesar da falta de consentimento do cônjuge relativamente à hipoteca constituída por D em 12 de Novembro de 2014 a favor de LI/LEI [sic] C, já decorreu o prazo máximo de 3 anos para o exercício do direito de anulação a que alude o artigo 1554.º, n.º 2 do C. Civil.
*
  Fundamentos deduzidos pelo requerente
  Os principais fundamentos em que assente o presente processo de rectificação judicial intentado pelo requerente (conservador) são: no dia em que se lavrou o averbamento n.º 4 à inscrição n.º 18XXX2C (isto é, 15 de Março de 2018), já decorreu sobre o acto hipotecário praticado por D sem consentimento do seu cônjuge, o prazo máximo de 3 anos para o exercício do direito de anulação a que alude o artigo 1554.º, n.º 2 do C. Civil. O que significa que, ao declarar a caducidade do registo provisório do dito acto de hipoteca, o vício de anulabilidade do mesmo já foi sanado pela caducidade da acção, passando o acto a ser válido. Pelo que não se deve declarar caducado o registo provisório da hipoteca, devendo antes o converter em definitivo.
*
  Fundamentos de oposição apresentados pelos requeridos
  Os 4º e 5ª requeridos opuseram-se à rectificação (vd. fls. 244 a 249 dos autos), refutando o entendimento do requerente do modo seguinte: primeiro, os requeridos entendem que a caducidade do direito de anulação só ocorre quando declarada por decisão judicial; segundo, a questão de caducidade do direito de anulação aqui em causa não é de conhecimento oficioso pelo tribunal nem pela Conservatória do Registo Predial; por último, os requeridos entendem que o registo provisório do direito hipotecário caducou em 13 de Novembro de 2017, pelas 18h00, mesmo que se entenda que a questão de caducidade do direito de anulação é de conhecimento oficioso, tal caducidade só devia ter lugar às 24h00 do dia 13 de Novembro de 2017, pelo que o registo provisório do acto caducou muito antes da sanação deste.
*
  Cumpre agora apreciar as questões suscitadas pelas partes.
  A primeira questão a resolver consiste em saber se, para efeitos da eliminação do estado provisório do registo, a caducidade do direito de anulação previsto no artigo 1554.º, n.º 2 do C. Civil depende de decisão judicial ou do mero decurso do tempo.
  A esse respeito, parece existir divergências na doutrina. Por exemplo, a académica portuguesa MARIA GUERRA entende que “É de exclusiva verificação judicial a caducidade do direito de arguir a anulabilidade de um negócio jurídico por falta de consentimento de terceiro ou de autorização judicial.” - «Código do Registo Predial Anotado», 2005, 3ª ed., p. 166.
  Sobre a mesma questão se pronunciou o Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, no processo RP172/2000, do seguinte modo: “A verificação da caducidade do direito (potestativo) de arguir a anulabilidade ocorre com: a) a prova de que o titular do direito tomou conhecimento da celebração do contrato, nomeadamente mediante notificação judicial avulso; b) a prova de que tal titular não exerceu aquele direito no prazo legal, que poderá ser feita através de certidão passada pelo tribunal competente comprovativa de que não foi instaurada a respectiva acção de anulação.”1
  No entender de VICENTE MONTEIRO: “Em todo o caso, face às soluções adoptadas no actual Código, julgamos excessiva a exigência referida naquele parecer, na parte em que se refere à necessidade de exibir a certidão judicial. (…) Logo, temos de concluir que, seja em que situação for, não tendo sido efectuado o registo provisório da acção de anulação do registo em causa, terá de concluir-se que, decorrido o prazo de caducidade para arguir a anulação, poderá, não só converter-se o registo em definitivo, se ainda estiver em vigor, como efectuar-se o registo definitivo do respectivo facto, se ele vier a ser de novo requerido.”2
  Atento o exposto, constata-se que há entendimento que suporta que a caducidade do direito da acção depende da declaração judicial, uma vez que só através da declaração judicial se dá resposta definitiva a um acto jurídico com eficácia pendente. No entanto, em situações concretas, tal exigência pode onerar consideravelmente o requerente do registo (provisório) – tem de intentar acção exclusivamente para pedir a declaração judicial da caducidade do direito de anulação por não exercício tempestivo, pois só com a declaração do tribunal é que o registo provisório pode converter-se em definitivo. Portanto, outra opinião defende que a caducidade do direito não é de exclusiva verificação judicial, podendo a mesma ocorrer com a prova de que o titular do direito tomou conhecimento do negócio jurídico anulável, e a prova de que tal titular não exerceu aquele direito no prazo legal, que poderá ser feita através de certidão passada pelo tribunal competente comprovativa de que não foi instaurada a respectiva acção de anulação. E o académico VICENTE MONTEIRO avança mais um passo, argumentando que, decorrido o prazo de caducidade para arguir a anulação sem que tenha sido efectuado o registo provisório da acção de anulação do registo em causa, deve o registo converter-se em definitivo, se ainda estiver em vigor.
  Salvo o devido respeito por opinião diversa, a meu ver, mesmo que se entenda que o acto de D de constituir hipoteca padece de anulabilidade, não é adequado converter o registo provisório em definitivo meramente com base na inexistência do registo da acção de anulação no prazo de caducidade. Isto porque, ao abrigo do disposto no artigo 325.º, n.º 2 e 296.º, n.º 1 do C. Civil, se a caducidade for estabelecida no domínio de direitos não excluídos da disponibilidade das partes, não pode a mesma ser suprida oficiosamente pelo tribunal, pelo que, igualmente, não pode ser invocada pela Conservatória do Registo Predial.
  Na verdade, nos termos do artigo 415.º do CPC, o tribunal só pode conhecer oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado. No entanto, a prescrição e a caducidade dos direitos disponíveis são justamente excepções peremptórias dependentes da vontade das partes. Logo, o que pode ocorrer é que, se o interessado que tem legitimidade para exercer o direito de anulação insistir em instaurar a acção de anulação apesar da óbvia extemporaneidade, o tribunal deve admitir e conhecer da acção de acordo com a lei desde que o objecto desta esteja no domínio de direitos não excluídos da disponibilidade e o réu não tenha deduzido a excepção peremptória da caducidade. Neste caso, é possível que a acção e os pedidos do autor acabem por ser julgados procedentes, com a anulação do acto jurídico pelo tribunal.
  Por conseguinte, é arriscado e inseguro terminar o estado provisório do registo com o mero decurso do tempo e a inexistência do registo da acção de anulação – pois isso comporta risco de segurança transaccional para o terceiro que tem confiança no registo público.
  Além disso, o disposto nos artigos 86.º, n.º 1, al. d) e artigo 87.º, n.º 2 do CRP, quando interpretado de forma conjunta, também permite concluir que assentar a conversão do registo em definitivo meramente no decurso do tempo vai igualmente contra a lógica por detrás dessas normas.
  Em primeiro lugar, de acordo com o artigo 86.º, n.º 1, al. d), é provisória por natureza a inscrição “de negócio jurídico anulável por falta de consentimento de terceiro ou de autorização judicial, antes de sanada a anulabilidade ou de caducado o direito de a arguir”. Aqui o termo legal usado é “caducado o direito de a (anulabilidade) arguir”, em vez de “decorrido o prazo de caducidade do direito”, pois como anteriormente se referiu, a caducidade do direito de anulação não depende do mero decurso do tempo, mas também, em certas situações, da invocação do interessado.
  Segundo, à luz do artigo 87.º, n.º 2 do mesmo livro de leis, a inscrição referida na alínea d), se não for também provisória com outro fundamento, mantém-se em vigor pelo prazo de 3 anos, renovável por períodos de igual duração, a pedido dos interessados, mediante documento que comprove a subsistência da razão da provisoriedade.
  Além disso, dispõe o artigo 12.º, n.ºs 1 e 2 que “Os registos caducam por força da lei ou pelo decurso do prazo de duração do direito inscrito.”; “Os registos provisórios caducam se não forem convertidos em definitivos ou renovados dentro do prazo da respectiva vigência, quando a renovação seja permitida nos termos deste Código.”
  Se, por mera hipótese, o simples decurso do tempo bastasse para converter o registo provisório em definitivo, então, no caso da situação prevista no artigo 86.º, n.º 1, al. d), o decurso do supra aludido prazo de 3 anos de provisoriedade não teria como consequência a caducidade do registo provisório, mas antes a conversão deste em definitivo, o que violará as normas gerais de caducidade dos registos provisórios. Logo, salvo excepção legalmente consagrada, tal interpretação não é de admitir. No nosso entender, salvo disposição legal em contrário, cabe ao requerente do registo (provisório) a responsabilidade/ónus de eliminar a causa da provisoriedade da inscrição. Tendo o requerente do registo apresentado um título viciado de anulabilidade, não deveria ele próprio fazer prova da sanação do vício ou da caducidade do direito de anulação?
  Logo, impõe-se concluir que no caso da inscrição provisória prevista no artigo 86.º, n.º 1, al. d), o que resultará do acto negativo do requerente é a caducidade da inscrição em vez da sua conversão em definitivo.
  Na verdade, nos termos do artigo 325.º, n.º 2, conjugado com o artigo 296.º, n.º 1, ambos do C. Civil, a caducidade pode ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita. Logo, para efeitos da conversão do registo provisório em definitivo, parece que a invocação da caducidade do direito não tem que ser necessariamente judicial, visto que pode ser também extrajudicial, como por exemplo invocar a caducidade junto da Conservatória do Registo Predial. Seja como for, o requerente (conservador) não pode, pelo mero decurso do tempo, suprir, de ofício, a caducidade, uma vez que em causa está um direito de hipoteca, ou seja, direito manifestamente disponível.
  Logo, razão não assiste ao requerente quando invoca a caducidade da acção para apoiar que o averbamento n.º 4 à inscrição n.º 18XXX2C é um registo indevidamente lavrado.
*
  Registos indevidamente lavrados
  Dispõe o artigo 114.º, nº 1 do CRP que “Os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados podem ser rectificados por iniciativa do conservador ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito.”
  Estatui o artigo 19.º, n.º 1 do mesmo livro de leis que “O registo é inexacto quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade.”
  Preceitua o artigo 117 do mesmo Código que “Os registos indevidamente lavrados que enfermem de nulidade nos termos da alínea b) do artigo 17.º podem ser cancelados mediante consentimento de todos os interessados ou por decisão judicial em processo de rectificação.”
  Prescreve o artigo 119.º do mesmo Código que “Pode proceder-se à rectificação do registo mediante o acordo de todos os interessados inscritos ou por decisão judicial.”
  In casu, o que temos perante nós não é qualquer inexactidão do registo previsto no artigo 19.º, n. 1. No que tange à nulidade do registo (artigo 17.º), em princípio, “A nulidade só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado, salvo no caso de rectificação de registos nulos, nos termos do disposto nos artigos 114.º e seguintes.”
  Dito de outra forma, nem todos os registos nulos podem ser rectificados, mas a lei permite a rectificação, mediante decisão judicial em processo de rectificação, dos registos nulos a que alude o artigo 17.º, al. b) (cfr. artigo 117.º).
  De acordo com o artigo 567.º do CPC3, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes.
  Embora a razão não tenha sido dada ao requerente quando invoca a caducidade da acção de anulação para argumentar que o averbamento n.º 4 à inscrição n.º 18XXX2C é um registo indevidamente lavrado, os factos provados nos autos levam o Tribunal a crer que há outros factos que impõem a conclusão de registo indevidamente lavrado.
  Portanto, o Tribunal tomou as medidas de fls. 296 dos autos, solicitando ao requerente que confirmasse se tinha procedido ao processo de rectificação antes de fazer o averbamento n.º 4 em causa, e se o credor hipotecário tinha concordado e participado no processo. O requerente respondeu negativamente a fls. 301 dos autos.
  Seguidamente, os 4º e 5ª requeridos foram notificados da resposta do requerente, e pronunciaram-se a fls. 347 a 348 dos autos. No entender dos dois requeridos, o conservador ao fazer o averbamento n.º 4 à inscrição n.º 18XXX2C procedeu a uma “requalificação” do registo, a qual resultou do averbamento n.º 1 à inscrição n.º 15XXX5G, não havendo as situações de nulidade previstas nas alíneas b) e e) do artigo 17.
  Voltemos ao nosso caso. Cumpre salientar que o averbamento n.º 4 à inscrição n.º 18XXX2C contém dois actos: a alteração do registo hipotecário definitivo para provisório, e a declaração de caducidade do registo provisório pelo decurso do prazo de validade do mesmo.
  Quanto ao primeiro acto, afigura-se-me que há uma falta completa de título.
  Tanto o requerente como os 4º e 5ª requeridos consideram o acto de o conservador converter o registo definitivo da hipoteca em provisório como “requalificação” do registo. Mas qual o fundamento jurídico desta requalificação? Na verdade, foi mediante o registo definitivo da hipoteca que o credor hipotecário LI/LEI [sic] C adquiriu o direito hipotecário, por o registo ser a condição constitutiva da constituição de hipoteca – artigo 683.º do C. Civil. Ora, a “requalificação”, por parte do conservador, do registo definitivo da constituição da hipoteca – a qual o tornou provisório – afecta e lesa directamente o direito adquirido do credor hipotecário, uma vez que é o registo definitivo da hipoteca que produz os efeitos de garantia real; ao passo que o registo provisório está sujeito ao prazo de validade, e os seus efeitos dependem da conclusão do registo definitivo. Logo, o acto de “requalificação” praticado pelo conservador directamente degradou um direito constituído para um direito a ser formado. Tal modo de mudança do registo de direito é previsto no CRP? Não. O regime de “convolação” consagrado no artigo 65.º, n.º 1 deste livro de leis limita-se a ser aplicável ao espaço temporal entre a formulação do pedido de registo e a decisão do deferimento ou indeferimento do mesmo. Uma vez efectuado o registo definitivo, não deve ser “requalificado”, nomeadamente para provisório.
  O Tribunal não entende porque é que a rectificação do regime de bens do casal descrito no registo de aquisição (15XXX5G) a favor de D da fracção autónoma “E17” em 2007 impõe necessaria e directamente a requalificação do seu acto de constituição de hipoteca em 2014. As duas inscrições não ocorreram ao mesmo tempo, e fundaram-se em títulos diferentes. Quanto à aquisição da propriedade, o registo de aquisição teve como título a escritura de compra e venda outorgada em 3 de Abril de 2007; no que tange à constituição da hipoteca, o respectivo registo alicerçou-se na escritura de hipoteca de 12 de Novembro de 2014. Houve um intervalo temporal de 7 anos entre a celebração destas duas escrituras públicas. Mesmo que se entenda que D e o cônjuge sempre adoptam o regime da comunhão de bens, é difícil compreender como é que o conservador podia, sem que tenha rectificado a escritura da hipoteca ou o registo hipotecário para suprir a deficiência do título, alterar um registo definitivo para provisório através de “requalificação”.
  No entanto, atento o teor do averbamento n.º 4 à inscrição n.º 18XXX2C, parece fluir, quer do assunto descrito no averbamento, quer dos termos aí utilizados, que o conservador fez uma decisão de rectificar o registo.
  Então, a questão é que, qual o fundamento da rectificação? Foi o acordo de todos os interessados? Ou foi a decisão judicial? Nenhum dos dois. Os fundamentos em que se baseou foram o averbamento n.º 1 à inscrição n.º 15XXX5G e o requerimento unilateral de F e G (cfr. fls. 23 a 26 dos autos). É óbvio que nenhum disso podia servir de título legal a fundamentar a rectificação do registo, posto que tal como anteriormente se referiu, o artigo 119.º do CRP dispõe que “Pode proceder-se à rectificação do registo mediante o acordo de todos os interessados inscritos ou por decisão judicial.” Por conseguinte, salvo o devido respeito por diversa opinião, tendo o conservador feito o averbamento n.º 4 à inscrição n.º 18XXX2C (rectificação do registo) com fundamentos diferentes dos legalmente exigidos, tal averbamento não pode deixar de ser um registo nulo previsto no artigo 17.º, al. b) do CRP.
  Sendo nulo o primeiro acto de alterar o registo definitivo de hipoteca para provisório, é igualmente nulo o segundo acto que declarou a caducidade do registo provisório pelo decurso do prazo de validade do mesmo.
  Concluindo, por haver registo nulo a que se refere o artigo 17.º, al. b), na ausência do acordo de todos os interessados, deve recorrer-se ao processo de rectificação judicial para o cancelamento do averbamento n.º 4 à inscrição n.º 18XXX2C.
  Quanto ao pedido de conversão em válido do negócio jurídico viciado de anulabilidade, deve ser indeferido por tudo o que se deixou exposto.».
  
  Antes de mais impõe-se referir que doravante sempre que nos referirmos ao averbamento nº 4 à inscrição nº 18XXX2C da fracção E17 do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição nº 22XX7 a folhas XX do Livro XX, diremos apenas “averbamento nº 4”.
  
  Vem o Recurso interposto da sentença recorrida invocando-se a nulidade da mesma por excesso de pronúncia dado que decidiu com base numa causa de pedir – nulidade do averbamento nº 4 com base em título insuficiente – quando a causa de pedir da declaração de nulidade do averbamento nº 4 era de que quando o averbamento nº 4 foi realizado já tinha decorrido o prazo para arguição da anulabilidade transformando-se o negocio anulável em negócio válido.
  Mais se sustenta em sede de conclusões de recurso que o averbamento da caducidade da hipoteca era um acto vinculado para o Conservador porque ao rectificar o registo de aquisição do direito quanto ao regime de bens do titular inscrito de “separação” para “comunhão de adquiridos” tinha de rectificar todos os registos que houvessem sido feitos incompatíveis com a rectificação do registo de aquisição.
  
  Não procedem as conclusões de recurso.
  De acordo com o disposto no artº 279º do C.Civ. «a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal», regra esta que é transversal a todo o nosso sistema jurídico.
  Visam estes autos que se proceda à rectificação judicial do averbamento nº 4 sendo que o pedido formulado é de que:
  - O registo seja declarado nulo;
  - Porque indevidamente lavrado porquanto ao tempo em que foi realizado já tinha decorrido o prazo para a arguição da anulabilidade, transformando-se o negócio anulável em negócio válido.
  Entendem os Recorrentes que como se concluiu que o fundamento invocado para a nulidade não era procedente era a sentença recorrida nula por excesso de pronúncia dado que concluiu pela nulidade do registo com outro fundamento.
  Ora, não lhe assiste razão, tanto mais que se invoca ser nulo o registo e assim se concluiu.
  Sendo a nulidade de conhecimento oficioso, sendo pedido que se declare determinado acto “nulo” ainda que a causa invocada não se demonstre mas da factualidade apurada resulta a verificação de outra que igualmente conduza à nulidade não pode o tribunal deixar de a declarar mesmo que a causa que a determina não haja sido invocada.
  Por outro lado, as causas de nulidade do registo vêm elencadas no artº 17º do CRP que a seguir se transcreve:
  O registo é nulo:
  a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em título falso;
  b) Quando tiver sido lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado;
  c) Quando enfermar de omissão ou inexactidão de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere;
  d) Quando tiver sido validado por pessoa sem competência funcional, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 363.º do Código Civil;
  e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo.
  Como facilmente se constata em nenhuma daquelas alíneas se tem como causa da nulidade o registo “indevidamente lavrado porquanto ao tempo em que foi realizado já tinha decorrido o prazo para a arguição da anulabilidade, transformando-se o negócio anulável em negócio válido”.
  O fundamento invocado – salvo melhor opinião erradamente em sede de pedido – haveria de ser subsumido a uma das alíneas do citado artº 17º, a qual salvo melhor opinião não haveria de poder ser outra que não fosse a alínea b) com base na qual o Tribunal recorrido concluiu pela nulidade, disposição legal esta – o artº 17º que nem sequer era invocada em sede de p.i., o que é inócuo uma vez que o tribunal não está cingido à subsunção de direito que as partes fazem dos factos.
  De essencial na p.i. dizia-se que foi feito o averbamento nº 4 como e porquê, sem que se invocasse que a rectificação havia sido feita por acordo de todos os interessados nem tão pouco com base em decisão judicial, dali resultando como havia sido feita, apenas por iniciativa e vontade do Conservador o que está reflectido nos factos apurados.
  Contudo, em exemplar actuação o tribunal ainda confirmou que assim havia sido tomando as medidas de fls. 296 às quais alude na decisão recorrida, sendo certo que, da factualidade apurada já resultava que o credor hipotecário não teve qualquer participação no processo e que estes autos de rectificação judicial resultam do recurso administrativo que aquele – o credor hipotecário – havia interposto do acto que culminou na prática do averbamento nº 4.
  De notar ainda que nos autos o que está em causa é a prática de um acto de registo – o averbamento nº 4 – que declarou a caducidade de registo antes feito a favor de determinado sujeito – o credor hipotecário – o qual pediu que fosse rectificado o averbamento nº 4 no sentido de ser mantido o registo da hipoteca. Recusada a prática do acto foi interposto recurso administrativo da recusa ao qual foi dado provimento mandando-se o Conservador proceder no sentido que havia sido requerido, isto é, proceder à rectificação do registo.
  A rectificação do registo processa-se nos termos do artº 114º e seguintes do CRP, isto é, por acordo de todos os interessados ou por decisão judicial.
  Na impossibilidade de rectificação por acordo veio a ser requerida a tribunal a rectificação judicial por se entender que o registo – o averbamento nº 4 – era nulo.
  Voltando ao que já supra se disse na causa da nulidade do registo nada se disse apenas se invocando o argumento que em termos de direito substantivo se entendeu que o registo não havia de ter sido lavrado.
  Da conclusão que se retirou na decisão recorrida foi que o argumento de direito substantivo com base no qual se entendeu que o registo - averbamento nº 4 – não havia de ter sido realizado não procedia, e correctamente, debruçou-se a decisão recorrida sobre a validade do registo em termos de direito cadastral, ou dito de outra forma, se aquele acto de registo – o averbamento nº 4 – podia ou não ter sido praticado.
  Salvo melhor opinião, o erro em todo este processo – do qual não enferma a decisão recorrida – é que se anda a decidir da razão em termos de direito substantivo em vez de se tentar encontra-la em sede de direito cadastral ou de registo.
  Ao registo cabe praticar os actos que lhe são pedidos de acordo com as regras próprias.
  Usando exemplos dos bancos da Faculdade, se a mesma pessoa vender o mesmo bem a pessoas distintas é evidente que ao praticar a segunda venda e restantes já não tem o direito que vende, mas se for o segundo ou o terceiro a registar primeiro está garantido o trato sucessivo e o acto de registo foi bem praticado, sem prejuízo das consequências que possam advir para o acto registado da eventual invalidade decorrente da inexistência do direito substantivo.
  Ora, nestes autos, seja quando se faz o averbamento nº 4, seja quando se decide o recurso administrativo, seja quando se instaura a acção de rectificação judicial, há sempre a tentação de analisar a questão do ponto de vista do direito substantivo, quando quanto a essa se há litigio haverá que recorrer aos tribunais.
  Por agora, o objecto da decisão é um acto registral que se invoca que não se podia realizar e que se pediu ao Conservador que retirasse, que rectificasse.
  O que havia que decidir era saber se esse acto de registo podia ou não ter sido praticado, e embora não pelos melhores argumentos concluiu-se que o acto não podia ter sido praticado e mandou-se o Conservador proceder à sua rectificação.
  Não conseguindo proceder à rectificação por acordo o Conservador veio pedi-la ao tribunal invocando toda a situação de facto que conduziu à prática do acto cuja rectificação se queria porque se achava que o mesmo não haveria de ter sido lavrado.
  A causa de pedir – essa desconhecida – são os factos jurídicos de onde emerge o direito – nº 4 do artº 417º do CPC -.
  Não é por se invocar a coacção quando os factos integram a simulação que o tribunal está impedido de a declarar – a simulação - nos termos do artº 567º do CPC se os factos subsumíveis à simulação sempre houverem sido invocados e vierem a ser provados.
  O mesmo se passa no caso em apreço.
  Na sua petição o Conservador invoca os factos que entende serem relevantes e de onde resulta como e porquê foi lavrado o averbamento nº 4.
  Digamos que no caso em apreço o porquê – as razões de direito substantivo – constam do próprio averbamento nº 4, mas não é sobre essas que incide este processo, mas tão só, se o averbamento nº 4 podia ser ou não feito, e por se entender que não podia ser feito se requer a rectificação judicial.
  A rectificação judicial é pedida porque se entende que o registo não pode ser feito por ter sido lavrado nos termos elencados na factualidade invocada e provada e esta é que é a causa de pedir.
  Daí depois se integra em termos de direito e se conclui que o registo é nulo, e vai-se ainda mais longe e invoca-se como causa de nulidade uma interpretação de direito substantivo que em momento algum do citado artº 17º do CRP constitui uma das causas de nulidade ali invocadas.
  Voltando à decisão objecto deste recurso.
  Na decisão recorrida faz-se aquilo que não havia ainda sido feito. Desmontando que os argumentos de direito substantivo que os Recorrentes vêm dizer ser a causa de pedir e concluindo-se no sentido de estes não serem fundamento para a rectificação do registo nem daí decorrer a nulidade do mesmo, debruça-se depois a decisão recorrida sobre os factos invocados e apurados, diligenciando até pela confirmação do que já resultava do que se invocava, de não ter havido consentimento do interessado na rectificação do registo, procedendo à análise das regras que presidem à realização da rectificação do registo, concluindo, e bem, que não havia título legal que fundamentasse a realização do averbamento nº 4, o que resulta dos factos invocados (repete-se), isto é, da causa de pedir invocada.
  Destarte, não enferma a decisão recorrida de excesso de pronúncia por decidir com base numa causa de pedir que não havia sido invocada.
  O que se pedia era a rectificação do registo porque se entendia que não havia de ter sido lavrado, tendo sido invocados todos os factos bastante para o efeito, por coincidência qualificava-se a situação de nulidade sem que se invocasse a norma de onde a nulidade emergia.
  As razões de direito porque se entendia ser nulo e consequentemente não havia o registo de ter sido lavrado, são aqui irrelevantes.
  Concluindo-se em face da factualidade apurada que o registo do averbamento nº 4 havia sido lavrado sem título suficiente para o efeito e que estava preenchida a alínea b) do artº 17º do CRP sendo o registo nulo, e uma vez que os registos nulos nos termos da indicada norma são considerados como individamente lavrados e susceptíveis de serem cancelados nos termos do artº 117º do mesmo Código, bem se decidiu na decisão recorrida a qual é de manter nos seus precisos termos improcedendo todas as conclusões de recurso por falta de fundamento legal como daquela resulta.
  
  Por fim apenas uma alusão a uma afirmação que se faz na fundamentação da sentença no sentido de que «Quanto ao pedido de conversão em válido do negócio jurídico viciado de anulabilidade, deve ser indeferido por tudo o que se deixou exposto.».
  Ora, não sendo esta parte objecto do recurso o certo é que sendo esta acção de rectificação de registo não cabe aqui apreciar da validade do negócio.
  Pelo que nessa parte terá havido excesso de argumentação.
  
  Tal como, desnecessária é a menção de improcedência dos demais pedidos feitos, uma vez que o único pedido feito era a rectificação judicial do registo, não podendo o pedido ser interpretado de outro modo.
  
III. DECISÃO

  Termos em que, pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se a decisão recorrida declarando-se a nulidade e subsequente cancelamento do averbamento nº 4 à inscrição hipotecária nº 18XXX2C da fracção autónoma “E17” do prédio descrito sob o nº 22XX7, fls. XX, do Livro XX, com todas as consequências legais daí decorrentes.
  
  Custas a cargo dos Recorrentes.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 30 de Novembro de 2023
  
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)
  
1 Como citado por VICENTE JOÃO MONTEIRO, in Código do Registo Predial de Macau Anotado e Comentado, CFJJ, 2016, p.416 a 417
2 VICENTE JOÃO MONTEIRO, Código do Registo Predial de Macau Anotado e Comentado, CFJJ, 2016, p. 417
3 Aplicável por força do artigo 123.º, n.º 2 do CRP.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------



543/2023 CÍVEL 1