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Processo nº 155/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 30 de Novembro de 2023

ASSUNTO:
- Renovação da autorização de residência temporária
- Alteração da situação jurídica relevante
- Prazo para se constituir nova situação jurídica relevante

SUMÁRIO:
- Comunicada a cessação da situação jurídica relevante cabia à Administração fixar prazo para o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível nos termos do nº 2 do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
- Nunca tendo sido fixado prazo à Recorrente para fazer prova de nova situação jurídica atendível para efeitos de renovação de residência, não podemos afirmar que a prova da situação jurídica relevante haja sido feita fora do prazo ou que não manteve o exercício profissional por conta de outrem durante todo o tempo da autorização de residência.


____________________
Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 155/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 30 de Novembro de 2023
Recorrentes: A e B
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A e B, ambos, com os demais sinais dos autos,
  Vêm interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 06.01.2023 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência, formulando as seguintes conclusões:
1. No presente caso, em 08/01/2022, a 1.ª recorrente A comunicou o IPIM da extinção da situação jurídica durante o prazo legal.
2. No entanto, o IPIM não respeitou o art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 por não ter fixado explicitamente um prazo para ela se constituir em nova situação jurídica atendível, a fim de evitar o cancelamento ou a não renovação da sua autorização de residência temporária.
3. O regime instituído no art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 serve precisamente para enfrentar de modo flexível a incerteza durante a mudança de emprego, para que pessoas como a 1.ª recorrente possam arranjar novo emprego dentro de um certo período, correspondendo assim à exigência respeitante.
4. A entidade recorrida não observou o art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 por não ter fixado um prazo para a 1.ª recorrente, nem ter exigido explicitamente que a recorrente se constituísse em nova situação jurídica atendível dentro do prazo fixado.
5. Mesmo depois da apresentação pela 1.ª recorrente das declarações da sua contratação em 21/01/2021 e das do ingresso na carreira em Agosto de 2021, ninguém a comunicou da falta de conformidade do seu ingresso na carreira em Agosto de 2021 com o requisito de emprego constante junto de uma entidade local. Nem se exigiu explicitamente que a recorrente se constituísse em nova situação jurídica atendível dentro do prazo fixado.
6. Então, a 1.ª recorrente desconhecia que lhe seria indeferido o pedido de renovação de residência em Agosto de 2021 aquando do ingresso no novo emprego. Além disso, perdeu a oportunidade para recuperar a situação. Se a 1.ª recorrente tivesse sabido que não seria atendida em Agosto de 2021 aquando do ingresso no novo emprego, certamente teria abandonado o emprego e arranjado um outro para poder começar a trabalhar mais cedo.
7. A entidade recorrida faltou ao cumprimento claro e determinado do disposto no art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que indica de maneira particularmente explícita “da exigência de constituir-se em nova situação jurídica atendível num certo prazo”, violando então o art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
8. A entidade recorrida violou o art.º 3.º, n.º 1 do CPA, segundo o qual os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos; e o art.º 8.º, n.º 1 do CPA, segundo o qual no exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
9. Conforme o art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, confere-se à entidade recorrida o dever de fixar um prazo para a 1.ª recorrente se constituir em nova situação jurídica atendível. A entidade recorrida, no entanto, não apenas não lhe fixou explicitamente um prazo para ela se constituir em nova situação jurídica atendível, nem sequer indicou, no mínimo dos mínimos, um prazo e as consequências, de forma apropriada actuando em boa fé, o que deixou a 1.ª recorrente sem perceber o que podia fazer para defender o seu interesse.
10. Portanto, a decisão recorrida violou art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o princípio da legalidade previsto pelo art.º 3.º, n.º 1 do CPA e o da boa fé previsto pelo art.º 8.º, n.º 1.
11. Dentro dos documentos entregue a 05/03/2021 que ficaram admitidos, estavam uma declaração escrita e 4 anexos, No anexo 2, a Faculdade de Turismo e Gestão Internacional da Universidade XXX apontava claramente “comunicação oficial da contratação”.
12. A proposta aprovada pela decisão recorrida indicava no art.º 9.º, n.º 2 que em 21/01/2021, a 1.ª recorrente obteve a intenção de contratação por parte da Faculdade de Turismo e Gestão Internacional da Universidade XXX. Tratava-se, na realidade, de uma apreciação errada dos pressupostos de facto e de uma conclusão errónea.
13. Portanto, pelo vício de erro nos pressupostos de facto de que enferma, a decisão recorrida é anulável.
14. Além disso, mesmo na hipótese de discordância do acima referido, também é de considerar que a actividade pedagógica dependia da disposição de semestre. Em geral, o novo semestre inicia em Setembro, que coincide com o ingresso no trabalho da maior parte dos novos docentes.
15. Segundo resultam dos dados existentes, durante o inteiro ano de 2021, a sociedade encontrava-se no fundo do poço em termos de emprego por causa da pandemia Covid-19. O desemprego disparou-se. Era extremamente difícil arranjar emprego. A 1.ª recorrente nunca estava preguiçosa em arranjar-se um emprego. Foi contratada de maneira contínua pela Faculdade de Turismo e Gestão Internacional da Universidade XXX. O ingresso oficial no trabalho em Agosto no caso da recorrente correspondia à normalidade do funcionamento social, o que não é imputável à 1.ª recorrente. Portanto, não se pode considerar que a 1.ª recorrente não estava contratada continuadamente por uma entidade de Macau.
16. Visto que na proposta nunca se falou de tais factores (invocados pela 1.ª recorrente), a entidade recorrida nem tomou em conta o facto acima referido para decidir de forma adequada e razoável, com base no poder discricionário conforme a última parte do art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
17. Portanto, a entidade recorrida, não tendo considerado os factores acima referidos que deviam ter sido apreciados exercendo o poder discricionário de acordo com a última parte do art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, violou o disposto na última parte do art.º 18.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
18. Se se vier a considerar que foi exercido o poder discricionário acima referido, a 1.ª recorrente sempre entende que a decisão recorrida se enquadra no previsto pelo art.º 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC sobre o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
19. Pois a Lei Básica confere aos residentes a liberdade de escolha de profissão. Para além do direito ao trabalho, tem-se também o direito ao descanso. Apesar da exigência da constância de contratação da recorrente para fins da autorização de residência, na observância da liberdade de escolha de profissão, do direito ao trabalho e do direito ao descanso, a exigência da constância de contratação fica sujeita a certas limitações ou a uma certa flexibilidade. Um rigor em excesso ofenderá a liberdade de escolha de profissão conferida pela Lei Básica, bem como o direito ao trabalho e o ao descanso previstos pela Lei das relações de trabalho.
20. Obviamente é incensurável nem a escolha do emprego por parte da 1.ª recorrente, nem a celebração do contrato de trabalho. A execução efectiva do trabalho em Agosto não era imputável à 1.ª recorrente. Visto que a 1.ª recorrente trabalha em Macau continuadamente há cerca de 8 anos (de 2015 a 2023), entretanto havia só 6 meses de preparativos pedagógicos que não são consideráveis como interrupção de trabalho, sobretudo para fins de constância de contratação para a fixação de residência temporária de quadros dirigentes.
21. Devia-se ter respeitado o direito de escolher emprego da 1.ª recorrente. Há circunstâncias restringentes no seu emprego, pois que em termos objectivos, dependia do período de abertura do novo ano lectivo que em Macau cai em Setembro. Por isso, apesar do início do trabalho efetivo só com uns meses de intervalo (o acordo de contratação foi em 21/01), para fins de renovação da autorização de residência, é de ser considerado como serviço constante na mesma, sob pena de constituir o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários previsto pelo art.º 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC, a violação da liberdade de escolha de profissão conferida pela Lei Básica, do direito ao trabalho e ao descanso consagrados na Lei das relações de trabalho.
22. O IPIM não indicou em termos claros aos recorrentes “a decisão final eventualmente a tomar” no ofício n.º OF/00636/DJFR/2021 com que se comunicaram a 1.ª recorrente e o 2.º recorrente, apontando apenas que a documentação submetida pelos recorrentes era “desfavorável para o seu pedido de renovação da autorização de residência temporária ora em apreço”.
23. Com apenas a indicação de que seria “desfavorável” para o seu pedido, a recorrente não tinha como nem conseguiu adivinhar o que o IPIM lhe faria e de facto isso induziu a recorrente no engano pois pensou que precisava simplesmente de prestar ulteriores explicações.
24. Sem conhecer qual acto administrativo desfavorável que a Administração lhes praticaria, os dois recorrente não tinham como prever o resultado do procedimento administrativo, então como podiam eles dois defender-se de modo correcto, cabal e efectivo? Tendo em conta as actuais notificações de audiência administrativa, raramente se fala apenas da desfavorabilidade sem deixar clara a decisão que se virá tomar.
25. No presente caso, o IPIM não comunicou os recorrentes em termos explícitos do acto eventualmente praticado, o que equivale a não realizar a audiência, pois que durante a “audiência escrita”, a recorrente não emitiu o seu parecer sobre o resultado do procedimento administrativo (uma decisão desfavorável para a recorrente). Não chegou a exercer plenamente o seu direito de oposição.
26. Violou, portanto, o art.º 10.º e o art.º 93.º do CPA, bem como, de forma indirecta, o direito de defesa e o de igualdade consagrados pelos art.º 25.º, art.º 30.º e art.º 36.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões:
I. Não há litígio entre as partes quanto aos factos.
II. A Administração não tinha que fixar à Recorrente o prazo previsto no n. 2 do art. 18 do RA 3/2005, pois ela própria submeteu à apreciação da Administração uma nova Situação profissional.
III. Considerando que a nova situação submetida à apreciação da Administração era uma mera expectativa de emprego, a iniciar-se muito meses depois, justifica-se que a Administração a não tenha aceite.
IV. A entidade recorrida ouviu e ponderou tudo o que a Recorrente quis dizer, em sede de audiência, tendo-a informado antecipadamente que se inclinava para o indeferimento.
V. A decisão final do procedimento não pode ser tomada antes de audiência.
VI. A Recorrente escolheu livremente a sua profissão.
VII. A Administração não impediu a Recorrente de trabalhar, antes retirou as necessárias consequências do facto de ela não trabalhar.
VIII. A administração actuou discricionariamente.
IX. Só a violação intolerável dos princípios jurídicos que regem o acto administrativo legitima a intervenção judicial em recurso contencioso.
X. A Recorrente não concretiza as arguições de erro manifesto ou total desrazoabilidade no uso de poderes discricionários.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, ambas silenciaram.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer com o seguinte teor:
  «1.
  A e B, melhor identificados nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto do Secretário para a Economia e Finanças de indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária dos Recorrentes na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i.)
  Comecemos por fazer um sucinto enquadramento do caso no que tange aos seus aspectos factuais que se nos afiguram mais relevantes. São os seguintes.
  Em 14 de Julho de 2017, a Recorrente A foi pela primeira vez autorizada a residir temporariamente em Macau, pelo período de 3 anos, ao abrigo da alínea 3) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 em 14 de Julho de 2017, de acordo com o qual a residência temporária podia ser concedida aos «quadros dirigentes e técnicos especializados contratados por empregadores locais que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau». Ao tempo, a Recorrente trabalhava para a sociedade comercial C, Ltd (Macau) como Directora da Qualidade de Serviço.
  Com vista a obter a renovação da autorização de residência, a recorrente, no momento próprio apresentou junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) o respectivo requerimento.
  Na pendência do pedido de renovação, concretamente, no dia 8 de Janeiro de 2021, a Recorrente comunicou ao IPIM a cessação do contrato de trabalho com a C em 8 de Dezembro de 2020 e, dias mais tarde, em 21 de Janeiro de 2021, deu conhecimento ao IPIM de que, a partir de Agosto de 2021, iria passar a trabalhar na Universidade XXX como docente na Faculdade de Turismo e Gestão Internacional.
  Por despacho de 6 de Janeiro de 2023, a Entidade Recorrida indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária da Recorrente com fundamento nas normas dos artigos 18.º, n.º 1 e 19.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e no facto de aquela ter terminado a sua relação laboral com a C e não ter conseguido demonstrar que trabalhou de forma constante para uma entidade patronal local.
  (ii.)
  (ii.1.)
  A Recorrente começa por imputar ao acto recorrido a violação da norma legal do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, uma vez que, segundo diz, a Administração não lhe fixou explicitamente um prazo para ela se constituir em nova situação atendível.
  Cremos, salvo o devido respeito, que não tem razão.
  A norma do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, regula a situação em que, durante o período da residência temporária, ocorre uma alteração da situação. Quando tal suceda, o n.º 2 do referido artigo determina que, após comunicação do interessado da referida alteração, o IPIM o notifique para, em prazo que fixará, constituir nova situação atendível, sendo que, se o não fizer ou se a alteração não for aceite, tal implicará o cancelamento (em rigor, trata-se de uma revogação) do acto de autorização de residência.
  No caso, porém, a alteração da situação profissional da Recorrente não ocorreu durante o período da autorização de residência temporária, o qual terminou no mês de Julho de 2020, mas na pendência do pedido de renovação dessa autorização e já depois do termo desta, pelo que a norma legal directamente aplicável não é a do artigo 18.º, mas, antes, a do artigo 19.º do citado Regulamento Administrativo.
  De acordo com o n.º 2 desse artigo 19.º, a renovação da autorização de residência pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, mas nada se diz aí relativamente a um dever de a Administração fixar prazo ao interessado para constituir nova situação relevante. O que se compreende, aliás, tendo em conta que do que aí se trata é da prática de um acto de renovação da autorização de residência em cujo contexto decisório a Administração irá apreciar a concreta situação efectiva do interessado, tendo em vista determinar se estão ou não verificados os pressupostos da renovação. Sendo isto assim, parece-nos que a Administração não estava por lei obrigada a fixar explicitamente um prazo para a Recorrente para constituir nova situação atendível na sequência da comunicação, por parte desta, da cessação do seu anterior contrato de trabalho.
  Deste modo, o acto recorrido não está inquinado de violação relevante do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, nem, como é óbvio, de violação do princípio da legalidade previsto no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, que, de resto, não tem, neste conspecto, qualquer relevância autónoma, nem, enfim, do princípio da boa fé consagrado no artigo 8.º do mesmo diploma legal, uma vez que tal princípio, como se sabe, apenas constitui limite ou critério de actuações discricionárias da Administração, o que, no caso, não ocorre.
  (ii.2.)
  Alega ainda a Recorrente que o acto recorrido sofre de erro nos pressupostos de facto em virtude de, segundo diz, a Administração não ter considerado que a mesma celebrou, em 21 de Janeiro de 2021, um autêntico contrato de trabalho com a Universidade XXX e não uma mera intenção de contratação ou uma promessa de contratação que não teve, dizemos, nós, imediata expressão no plano dos factos.
  Também neste ponto nos parece que a alegação não colhe.
  Com efeito, independentemente da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Recorrente e a Universidade de Macau, como contrato promessa de contrato de trabalho ou como contrato de trabalho, o facto que a Administração considerou na fundamentação da sua decisão foi o de que, de acordo com o teor dos documentos juntos pela própria Recorrente, apesar de aquele acordo ter sido celebrado em Janeiro de 2021, esta só em Agosto de 2021 iria começar a trabalhar, pelo que faltaria o exercício contínuo de uma actividade profissional por parte da Recorrente, o que, por sua vez, justificaria o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência.
  Ora, aquele facto concernente à data em que a Recorrente iria iniciar o exercício de funções na Universidade XXX é incontroverso, sendo por ela aceite. Daí que se nos afigure não ser possível assacar ao acto recorrido o invocado erro nos pressupostos de facto.
  (ii.3.)
  O terceiro vício alegado pela Recorrente é do erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício por parte da Administração do poder discricionário que lhe é conferido pela norma do n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
  Não nos parece que assim seja. Embora a Administração tenha fundamentado o acto recorrido na expressa invocação da norma do n.º 2 do artigo 18.º, não é menos certo que também o fez por apelo ao n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e tal como acima referimos, é esta a norma que regula directamente em matéria de renovação da autorização. É, por isso, à sua luz que devemos apreciar a legalidade da actuação administrativa aqui questionada. É o que, de seguida, faremos.
  Como decorre da citada norma do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, constitui requisito legal da renovação da autorização da residência temporária, a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial. Esta regra, conhece, no entanto, uma excepção que neste contexto é relevante. Segundo o disposto na alínea 2) daquele número, entretanto revogada, mas aplicável à situação em apreço, tratando-se da renovação das autorizações de residência temporária dos técnicos especializados e quadros dirigentes não estava essa renovação dependente da manutenção do vínculo contratual que fundamentou o pedido inicial. Todavia, numa situação em que aquele vínculo se não tivesse mantido, a lei exigia a prova de novo exercício profissional por conta de outrem por parte do interessado e do cumprimento das respectivas obrigações fiscais.
  Como se vê, a norma do n.º 2 do artigo 19.º não confere, expressis verbis, margem de discricionariedade à Administração, embora se deva entender que o faz implicitamente, na medida em que, tendo ocorrido alteração na situação profissional do interessado, caberá à Administração avaliar se, em face dessa alteração, se justifica ou não a renovação da autorização, reproduzindo o tipo de juízo discricionário a que se refere a parte final do n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, na exacta medida em que, aquilo que está em causa na renovação da autorização de residência temporária é um juízo de interesse público em tudo idêntico ao que está presente no momento da primeira autorização.
  No entanto, esse juízo discricionário só tem lugar quando o interessado se encontra a exercer uma nova profissão, tal como resulta da alínea 2) do n.º 2 do artigo 19.º do citado Regulamento. Só depois de demonstrado que o interessado se encontra a trabalhar é que se coloca a questão de saber se o exercício dessa profissão justifica ou não, na perspectiva do interesse público a renovação da autorização.
  Ora, no caso, o que a Administração verificou foi que a Recorrente não manteve o vínculo laboral que fundamentou a autorização de residência temporária, sem que tenha sido feita a prova de que a mesma, após a cessação do anterior contrato de trabalho, iniciou novo exercício profissional, para usarmos as palavras da lei, pelo que, nessa circunstância, estava inverificado pressuposto legal indispensável à renovação da autorização.
  Não se vê, portanto, em nosso modesto entendimento, que a Administração tenha incorrido em erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários que, em bom rigor, não chegou sequer a exercer.
  Também não colhe, com todo o respeito, a invocação feita pela Recorrente de que a Administração terá violado a liberdade de escolha da profissão conferida pela Lei Básica e o direito ao trabalho e ao descanso, porquanto, como pensamos ter demonstrado, a Administração se limitou a aplicar a lei, sem que, de maneira alguma, tenha interferido com a opção da Recorrente no que ao exercício da sua profissão, escolha desta incluída, diz respeito.
  (ii.4.)
  Finalmente, também foi invocado pela Recorrente o vício procedimental consistente na violação do direito de audiência prévia, que teria resultado, em seu entender, de a Administração não lhe ter comunicado o sentido provável da decisão, em contravenção, portanto, ao estatuído no artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
  Não nos parece.
  De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 93.º do CPA, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados sobre o sentido provável desta. No caso, resulta da notificação efectuada pela Administração que esta, face aos elementos recolhidos no procedimento, considerava que os mesmos eram desfavoráveis à pretensão da Recorrente de renovação da autorização de residência, e se é certo que não foi transmitido expressamente a esta que o sentido provável da decisão era o indeferimento do pedido, nenhum outro sentido um declaratário normal podia extrair da comunicação efectuada, como parece evidente. Com a notificação efectuada, a Recorrente ficou em plenas condições de poder trazer ao procedimento todos os elementos que considerasse relevantes no sentido de influir sobre a decisão final, como, efectivamente fez, pelo que, se preterição de alguma formalidade da notificação tivesse ocorrido, no que se não concede, a verdade é que a mesma se teria irremediavelmente degradado em não essencial, pois que foi atingido o fim visado com a respectiva imposição legal.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
a) Em 16.08.2017 foi emitido a A, do sexo feminino, casada, de nacionalidade Chinesa, o BIRNP nº XXXX, válido até 14.07.2020 – fls. 124 do PA -;
b) A autorização de residência de A foi concedida com base no seguinte contrato de trabalho:
Entidade empregadora: C (Macau) Co., Ltd. Cargo de trabalho: DIRETOR DE QUALIDADE DE SERVIÇOS-HOTEL
Remuneração base mensal: MOP 73.500,00
Data de Contratação: Desde 3 de Março de 2015, o contrato é válido até 31 de Março de 2021
c) Foi emitido a B, do sexo masculino, casado, de nacionalidade Chinesa, o BIRNP nº XXXX, válido até 14.07.2020 – fls. 124 do PA -;
d) A e B são casados entre si – fls. 11 do PA -;
e) Em 08.01.2021 A comunicou ao IPIM que cessou a relação de trabalho com o C (Macau) Co., Ltd. em 08.12.2020 – fls. 125 do PA -;
f) Em 21.01.2021 A comunicou que havia sido confirmada a sua contratação como professora sénior a tempo inteiro em Agosto de 2021 na FITM da UXXX – fls. 128 do PA -;
g) Foram emitidas pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) em 09.07.2020, 31.12.2020, 16.06.2021, 09.12.2021, 09.06.2022 várias declarações, válidas por seis meses, de que o pedido de renovação da autorização de residência dos Requerentes estava em fase de apreciação – cf. fls. 120, 121, 219, 220, 211, 212, 204, 205, 195 e 196 do PA -;
h) Por despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças de 06.01.2023 com base no parecer nº 0543/2015/01R foi indeferido o pedido de renovação de residência da requerente e do seu agregado familiar, com o seguinte fundamento:
«1. Seguem os dados de identificação dos interessados:
N.º
Nome
Relação
Documento n.º
Documento válido até
Residência temporária autorizada até
Primeiro pedido de extensão em
1
A
Requerente
BIRHK permanente n.º XXXX
N / A
14/07/2020
15/12/2015
2
B
Cônjuge
Passaporte canadiano n.º XXXX
10/07/2025
14/07/2020
15/12/2015
2. Autorizou-se à requerente o pedido de fixação de residência temporária pela primeira vez em 14/07/2017.
3. Não resulta dos autos infracção penal da requerente ou do seu cônjuge. Além disso, está em constância a relação matrimonial da requerente com seu cônjuge.
4. Para renovação, a requerente submeteu documentos comprovativos do contrato e outros relacionados, dos quais resultava o seguinte (vd. páginas 17 a 63)
 Entidade patronal: C, Ltd (Macau) (vd. página 53)
Posto: DIRECTOR OF SERVICE QUALITY – HOTEL (“Diretor de qualidade de serviço – hotel”) (vd. página 53)
Salário mensal base: MOP$ 73.500,00 MOP (vd. página 53)
Data de contratação: ingresso no posto a 03/03/2015, contrato válido até 31/03/2021 (vd. página 53)
5. No entanto, a 08/01/2021 a requerente veio a comunicar o IPIM de ter terminado em 08/12/2020 a relação laboral com a C, Ltd (Macau), com apresentação de documentos comprovativos emitidos pela entidade (vd. páginas 57 e 125).
6. A 21/01/2021 a requerente veio outra vez a comunicar o IPIM e dessa vez de ter sido contratada como Senior Lecturer (“docente principal”) de tempo inteiro pela Faculdade de Turismo e Gestão Internacional da Universidade XXX com confirmação por parte da Universidade, com o ingresso na carreira em meados de Agosto de 2021 (vd. página 128).
7. Resulta dos documentos respeitante que depois de ter-se desligado da C, Ltd (Macau) a 08/12/2020, a requerente não estava continuamente empregada por uma entidade patronal local e não mantinha a situação juridicamente relevante que tinha fundamentado a concessão da autorização durante todo o período de residência temporária autorizada.
8. O que é desfavorável para o seu pedido de renovação da autorização de residência temporária ora em apreço. Portanto, o IPIM realizou audiência escrita à interessada em 11/02/2021 (vd. páginas 132 a 137); mais tarde, em 05/03/2021, a requerente apresentou o seu parecer de resposta (vd. páginas 138 a 144), alegando essencialmente o seguinte:
(1) A requerente reiterou ter obtido confirmação de contratação por parte da Universidade XXX, com o ingresso na carreira em meados de Agosto de 2021. Só que ainda estavam a redigir o contrato, pelo que podia submeter os documentos comprovativos do emprego só mais tarde.
(2) Invocava ainda o facto de ter trabalhado por mais de uma década em Macau e que esperava poder dar um contributo para a causa de turismo e de educação da RAEM e da Área da Grande Baía com a sua habilitação académica e experiência de trabalho.
9. Acerca do parecer de resposta da requerente, segue a nossa análise:
(1) Nos termos do art.º 18.º, n.º 1 e do art.º 19.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o interessado deve manter a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização durante todo o período de residência temporária autorizada. A renovação é concedida apenas quando o interessado conseguiu manter inalterados os pressupostos tomados em consideração quando lhe foi deferido o pedido pela primeira vez.
(2) A requerente terminou a relação laboral com a C, Ltd (Macau) em 08/12/2020. Mais tarde, em 21/01/2021, obteve a intenção de contratação da Universidade XXX, na qual se indicou a data de ingresso na carreira, i.e., em meados de Agosto de 2021. É preciso apontar todavia que a intenção de contratação não é bastante para estabelecer relação laboral. Além disso, a requerente não entregou documentos comprovativos da nova relação laboral, pelo que não se pode dar por certo que a requerente já foi contratada por uma entidade laboral local. Além disso, não satisfaz os pressupostos que fundamentaram a concessão da autorização do seu pedido original.
(3) Tendo ponderado e analisado todo o caso, a requerente, encontrando-se na audiência, não apresentou provas suficientes, pelo que não se pode dar por certo que estava empregue continuamente por uma entidade laboral local durante todo o período de residência temporária autorizada. Não manteve a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária. Portanto, propõe-se indeferir o pedido de renovação da requerente ora em análise.
10. Resumindo, como a requerente terminou a relação laboral com a C, Ltd (Macau) em 08/12/2020, ou seja, não conseguiu manter a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização durante todo o período de residência temporária autorizada, não satisfaz os requisitos de renovação da autorização de residência temporária. Realizada a audiência, a requerente não chegou a apresentar documentos capazes de demonstrar a constância do seu emprego por uma entidade patronal local durante todo o período de residência temporária autorizada. Portanto, propõe-se ao Secretário para a Economia e Finanças conforme a competência atribuída pelo Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020 e nos termos do art.º 18.º, n.º 1 e do art.º 19.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, indeferir pedido de renovação da autorização de residência temporária à requerente (A) e o ao seu cônjuge XUE LONG YUAN.».

i) Os Requerentes foram notificados daquele despacho em 14.02.2023 – cf. fls. 239 do PA -;
j) Em 28.05.2021 a Requerente celebrou um contrato de trabalho com a Universidade XXX como professora sénior da Faculdade de Gestão de Turismo Internacional com o salário mensal de MOP28.500,00, contrato esse celebrado até Agosto de 2023, o qual foi entregue à Administração em 07.06.2021 – cf. fls. 226 a 229 do PA -.

b) Do Direito
  
  Começam os Recorrentes por apontar à decisão recorrida o vício de violação de lei por violação do disposto no nº 2 do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
  Reza o indicado preceito o seguinte:
  (…)
  2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
  (…)
  Do citado preceito legal resulta que caso o interessado não mantenha a situação jurídica relevante que fundamentou a concessão da autorização deve comunica-lo ao no prazo de 30 dias, o que a ora Recorrente fez.
  Feita aquela comunicação, não houve por banda da Administração qualquer reacção.
  Entende o Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu Parecer que o caso subjacente a estes autos não se subsume ao disposto no nº 2 do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 porquanto estamos em fase de renovação da autorização de residência.
  Com o respeito devido àquela posição não podemos acompanhar.
  As autorizações de residência dos Recorrentes eram válidas até 14.07.2020.
  Nada se invoca que haja impedido a renovação da autorização de residência em data anterior ao seu terminus, pelo que, na ausência de razão a demora (atrasos apenas à Administração pode ser imputável até porque emitiu por várias vezes declarações, válidas por seis meses, de que o pedido de renovação da autorização de residência dos Requerentes estava em fase de apreciação, nomeadamente, em 09.07.2020, 31.12.2020, 16.06.2021, 09.12.2021, 09.06.2022 – cf. factualidade supra indicada al. g) -.
  Nada havendo que resultasse da actuação dos Recorrentes ou a estes fosse imputável para a demora na decisão sobre o pedido de autorização de residência, e prolongando a Administração essa autorização sem nada decidir, não há fundamento legal algum para que ao cidadão autorizado a residir em Macau não se lhe aplique o disposto no indicado artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
  Destarte, havendo o interessado comunicado a cessação da situação jurídica atendível no prazo de 30 dias fixado no nº 3 do citado artº 18º omissão alguma se pode imputar aos aqui Recorrentes, sem prejuízo do nº 4 do preceito admitir que a comunicação possa ser feita fora de prazo se houver justificação para o efeito.
  Comunicada a cessação da situação jurídica relevante cabia à Administração fixar prazo para o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível nos termos do nº 2 do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, o que até hoje ainda não fez.
  Como resulta da factualidade apurada com relevância para a decisão e dos demais elementos existentes no Processo Administrativo apenso em 21.01.2021 a Recorrente informou que tinha uma proposta de emprego ou contrato de trabalho cuja execução se iria iniciar em Agosto desse ano.
  Em face dessa comunicação a Administração vem a pedir à interessada que junte documentos que demonstrem a existência desse contrato de trabalho, mas em momento algum estabelece o prazo e notifica a interessada para efeitos do nº 2 do indicado artº 18º. Aliás, na própria contestação se reconhece que não se deu cumprimento a essa disposição porque a interessada já havia comunicado que tinha uma situação jurídica relevante para efeitos de manter a autorização de residência.
  Ora, o que se estabelece na alínea 2) do nº 2 do artº 19º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 é que a renovação pressupõe que “seja feita prova de novo exercício profissional por conta de outrem e do cumprimento das respectivas obrigações fiscais”.
  O que resulta da factualidade apurada é que em 07.06.2021 a Recorrente entregou à Administração o contrato de trabalho que havia celebrado 28.05.2021.
  Nunca tendo sido fixado prazo à Recorrente para fazer prova de nova situação jurídica atendível para efeitos de renovação de residência, o que até se compreende pois no período em causa estava o mundo inteiro a aprender viver com uma pandemia a nível global com repercussões que só tinham paralelo com as guerras mundiais, não podemos afirmar que a prova da situação jurídica relevante haja sido feita fora do prazo, tanto mais que vem sendo comunicada desde 21 de Janeiro do mesmo ano, sem qualquer subterfugio e indicando que o início das funções profissionais por banda da Recorrente seria em Agosto de 2021 – cf. facto da alínea f) dos factos apurados -.
  Querendo e em obediência das normas legais aplicáveis poderia a Administração logo após 8 de Janeiro de 2021 ter fixado à interessada prazo para fazer prova da situação jurídica atendível e uma vez feita essa prova, pronunciar-se se era ou não atendível.
  A Administração nada fez.
  O mesmo se diga após 21 de Janeiro de 2021 quando é informada de que a Recorrente iria ser contratada, sendo certo que perante esta informação a Administração pede que seja feita prova do contrato.
  Em Junho desse ano a interessada junta ao processo administrativo o contrato, mas note-se que até ali ainda não havia sido notificada para os efeitos do nº 2 do citado artº 18º.
  Ano e meio passado, em Janeiro de 2023, vem a Administração invocar que a interessada não manteve durante todo o tempo da autorização de residência o exercício profissional por conta de outrem.
  Ora, salvo melhor opinião do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 não resulta que o interessado tenha de ter de modo contínuo o vínculo contratual que fundamenta o pedido.
  A própria possibilidade de alteração de mudança de entidade patronal que resulta deste preceito pressupõe que possa haver um espaço de tempo em que não haja vínculo algum, o que no mínimo poderá corresponder aos 30 dias que tem para comunicar que o vinculo que fundamentou a autorização de residência cessou (cf. nº 3 do artº 18º), ou mais, caso haja justificação para a comunicação tardia, acrescido ainda do tempo que lhe haja sido concedido para demonstrar que se constituiu em nova situação jurídica atendível, ou se entretanto tiver ocorrido alteração dos 30 dias após esta como resulta do Acórdão deste Tribunal de 29.10.2020, proferido no processo nº 1257/2019.
  Acresce ainda que não fixando o legislador o prazo que a Administração pode conceder para o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível, em momento algum resulta que haja um prazo peremptório para o efeito.
  Certo é que o interessado tem direito a que esse prazo do nº 2 do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 lhe seja fixado.
  Por fim, também não tem qualquer fundamento na letra da Lei que a constituição de situação jurídica atendível haja de ter efeitos imediatos, cabendo a apreciação deste elemento assim como de ser atendível ou não dentro dos poderes discricionários da Administração.
  Ora, no caso em apreço não se fixou o prazo do nº 2 do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 e em momento algum se disse que a situação jurídica em que a interessada se constituiu não era atendível.
  O vício de violação de lei «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» - Cit. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4ª Ed., Vol. II, pág. 350.
  «O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do ato.
  Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre a decisão tomada ou os efeitos de direito determinados pela Administração e o que a norma ordena.
  (…)
  A violação de lei, assim definida, comporta várias modalidades:
a) A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo;
b) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
c) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
d) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
e) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo:
f) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato – designadamente, condição, termo ou modo -, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
g) Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício. Este último aspeto significa que o vício de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.» - Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit. pág. 351 a 353 -.
  Não tendo sido dado cumprimento ao disposto no nº 2 do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 e não resultando da letra lei que a manutenção do vínculo seja contínuo, enferma de vício de lei o acto impugnado por omissão de aplicação de requisito legal imperativo e erro nos pressupostos.
  
IV. DECISÃO
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso revoga-se o acto recorrido.
  
  Sem custas por delas estar isenta a entidade administrativa.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 30 de Novembro de 2023
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
  Fong Man Chong
(1°Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng
(2°Juiz-Adjunto)
  
  Fui presente,
  Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador)

155/2023 REC CONT 66