Processo nº 512/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 23 de Novembro de 2023
ASSUNTO:
- Impugnação de deliberação social
- Realização do capital social
- Excepção
- Ónus da prova
SUMÁRIO:
- A não realização da obrigação de entrada é uma excepção impeditiva do exercício do direito do sócio que pode ser invocada por quem de direito, mas que como excepção impeditiva do direito cabe a quem a invoca fazer a prova de não ter sido realizada a obrigação de entrada.
- Não era ao Autor que cabia demonstrar ter realizado a sua obrigação de entrada, mas a sociedade é que tinha o ónus de demonstrar que não foi realizada.
- A natureza exceptiva desta matéria – realização do capital social – é tão evidente que poderia a mesma ser fundamento da impossibilidade do aumento de capital nos termos do nº 2 do artº 261º do C.Com. mas aí caberia o ónus da prova ao Autor.
Rui Pereira Ribeiro
(Relator)
Processo nº 512/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 23 de Novembro de 2023
Recorrente: (A)
Recorrida: (B) Limitada
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
(A), com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
(B) Lda., também, com os demais sinais dos autos,
Pedindo o Autor/Recorrente que seja declarada a nulidade de deliberação social.
Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente e em consequência, absolve-se a Ré do pedido.
Não se conformando com a decisão proferida vem o Autor e agora Recorrente interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
A. O recurso incide sobre a (única) questão considerada improcedente pelo Tribunal a quo, o qual considerou que “(...) para decidir se o autor [ora Recorrente] tem o direito substantivo de obter a declaração de nulidade da deliberação social tomada pela assembleia geral da ré [ora Recorrida] (...) haverá que apurar:
1 - Se o autor é sócio da ré e, em caso de resposta afirmativa;
2 - Se o autor realizou a sua obrigação de entrada e, também em caso de resposta afirmativa;
3 - Se a deliberação impugnada foi fomada em reunião de assembleia geral convocada ou;
4 - Se a mesma deliberação é contrária aos bons costumes;
5 - Se tal deliberação viola as regras destinadas a proteger os credores sociais.”
B. A forma como estas 5 questões foram tratadas pelo Tribunal explica o erro flagrante da decisão tomada.
C. As duas primeiras questões (as únicas aprovadas efetivamente na decisões proferida) respeitam a excepções invocada pela Ré - que a esta competiam provar e fazer proceder (o que não aconteceu).
D. A Tribunal, num claro atropelo das regras processuais e do princípio do dispositivo, tratou de forma oposta (e inconsistente) as duas questões colocadas pela Ré - o que inquinou a sentença de forma irremediável.
E. Na primeira questão o Tribunal a quo considerou que improcede a ilegitimidade substantiva por falta de qualidade de sócio, mais considerando que:
“Cabia, pois, à ré provar que o autor não é seu sócio porque perdeu a posição negocial constitutiva da ré.
(...)
Como a ré não demonstrou a factualidade que lhe competia demonstrar por fazer parte do seu ónus de alegação e de prova, resta considerar o autor como sócio da ré e, como tal, como titular do direito de impugnar as deliberações sociais da assembleia geral da ré.” - sublinhado nosso.
F. A sentença em recurso ancorou - e bem - a sua fundamentação na presunção derivada do registo comercial do Recorrente enquanto sócio da Recorrida, nos termos do artigo 8.º do Código do Registo Comercial, não tendo a Recorrida ilidido tal presunção “como era seu ónus”, mais determinando que “dos factos provados não decorre qualquer causa de exclusão do autor como sócio da ré, designadamente nos termos do disposto no art. 371º, nº 1 do Código Comercial. Nem ao tribunal foi pedido que averiguasse se haveria razão para o excluir e que, em consequência, o considerasse excluído e lhe recusesse o direito de invalidar deliberações sociais da ré. Este pedido não foi feito. nem para ter apenas efeitos de excepção, obstando a pretensão do autor, nem para ter efeitos reconvencionais de declaração de exclusão.”
G. O Tribunal a quo adoptou um novo critério controverso e ilegal para decidir a questão 2, pois esta resulta de uma excepção invocada pela Ré onde o Tribunal não retirou as necessárias conclusões (improcedência da excepção) do facto de a Ré nada ter provado a esse respeito.
H. O Tribunal a quo efectuou uma manobra processual de difícil compreensão quanto à questão 2 [“Se o autor realizou a sua obrigação de entrada e, também em caso de resposta afirmativa;”] a partir do momento em que deliberou pela primeira vez ampliar a base instrutória.
I. O Tribunal, a partir do momento em que foi decidida esta ampliação da base instrutória, passou a tratar de forma ambígua e confusa a excepção da Ré, desonerando esta das suas responsabilidades processuais e imputando as mesmas ao A.
J. O Tribunal a quo, à revelia da lei e das normas processuais aplicáveis, usou um poder jurisdicional que lhe compete (o de ampliação oficiosa da base instrutória) para uma finalidade que a lei não permite - imputar ao A. o ónus de prova das excepções da Ré.
K. O Tribunal desdobrou o quesito da Ré em dois quesitos de sentido oposto (a confusão total), decidindo também convolar o ónus de prova da execpção da Ré num ónus do A..
L. É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
M. Em nenhum momento a Recorrida requereu que se averiguasse se havia motivo para determinar que o Recorrente não realizou a sua obrigação de entrada de capital, quer para efeitos de excepção, quer em sede de reconvenção.
N. O Tribunal considerou na fundamentação que “não se provou que [o Recorrente] pagou nem se provou que não pagou” a obrigação de entrada de capital.
O. Ao conhecer de matéria que extravasava os poderes de cognição, o Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, o que determina a nulidade da douta sentença recorrida, nos termos da al. d), do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
P. Na factualidade dada como provada, a decisão proferida está em completa oposição com os factos carreados para os autos e pela própria fundamentação contida na sentença ora em recurso.
Q. O Recorrente beneficia da presunção derivada do registo, ou seja, escusa de provar a sua condição de sócio, uma vez que o registo definitivo constitui presunção legal de que existe essa realidade jurídica (nos termos dos artigos 342.º e 343.º do CC).
R. O Tribunal decidiu erradamente que “(...) o autor [ora Recorrente] não logrou demonstrar que cumpriu a sua obrigação de entrada para realização do capital social da ré [ora Recorrida].” (!?!) quando resulta dos autos que:
a. Foi a Recorrida a alegar a não realização do capital social pelo Recorrente, pelo que incumbe a esta provar tal facto, enquanto facto extintivo do direito do Recorrente - cfr. 335.º, n.º 2 do CC;
b. o Recorrente beneficia ainda da presunção legal, fundada no registo, que incumbe à Ré ilidir - cfr. artigo 337.º do CC.
S. Toda a factualidade dada como provada é consistente com a definição do Recorrente enquanto sócio da Recorrida e, investido nos direitos e obrigações que lhe assistem nessa qualidade, conforme resulta da matéria de facto dado como provada.
T. A contradição que a lei exige para determinar a nulidade da sentença, radica na oposição entre os fundamentos vertidos e a decisão final proferida - cfr. artigo 571.º, n.º 1 al. d) do CPC.
U. O Tribunal não pode abster-se de decidir sobre os pedidos formulados pelo Recorrente, invocando a falta de realização do capital social e a impossibilidade de exercício de direitos sociais por um lado, e por outro admitir como provado os factos relativos à cessão de quotas do Recorrente, validando a sua posição na sociedade e validando os actos por este praticados, no cumprimento dos seus direitos e obrigações societários.
V. Decidiu mal o Tribunal a quo, estando a sentença ferida de nulidade por oposição entre os fundamentos (não foi provada a falta de realização do capital social do Recorrente) e a decisão (qualificação como sócio remisso), ou seja, os fundamentos da decisão impugnada estão em contradição com a decisão final proferida, nos termos do artigo 571.º, n.º 1 alínea c) do CPC.
W. Conceber que o Recorrente não procedeu à realização do capital social a que estava obrigado é um exercício abusivo e meramente ficcional, revelador de manifesta má-fé e que revela um profundo desconhecimento dos factos.
X. O dever de realizar a entrada (em dinheiro, em espécie ou em indústria quando admissíveis) vincula necessariamente os sócios que constituem ou participam na constituição de uma sociedade comercial (sócios fundadores) - cfr. artigo 196.º, al. a) do Código Comercial.
Y. As entradas dos sócios vão formar e/ou integrar o património da sociedade, podendo as entradas em dinheiro ser realizadas imediatamente (no acto constitutivo) ou diferidas no tempo - cfr. artigo 203º do CCom.
Z. Ao dever do sócio de realizar uma entrada, corresponde um direito de crédito da sociedade relativo à prestação correspondente, ou seja, a sociedade é credora da entrada do sócio - tanto no caso em que as entradas são imediatamente realizadas ou no caso de serem diferidas.
AA. Em nenhum momento da vida societária foi questionada a (falta) realização da participação social do Recorrente, nem nunca existiu qualquer actuação dos sócios que demonstrasse tal entendimento ou omissão, não tendo igualmente existido qualquer tentativa de cobrança (coerciva ou simples) da sociedade pela prestação correspondente e alegadamente em falta.
BB. A vida societária foi pautada pelo reconhecimento do cumprimento das obrigações de entrada de capital social do Recorrente, enquanto sócio maioritário e gerente-geral (cfr. alíneas s) e t) dos factos provados).
CC. A invocação pela Recorrida da falta de qualidade de sócio do Recorrente, bem como a falta da realização do capital social, quando sempre resultou da sua conduta o contrário, nomeadamente, tendo admitido e validado a cessão de quotas, mais convocado o Recorrente para a alegada Assembleia Geral de aumento de capital (cfr. alíneas u) e y) dos factos provados), resulta num ilegítimo exercício de um direito e num flagrante atentado à boa-fé, resultando tal prática num veníre contra factum proprium.
DD. Resultou da prova oferecida pelo Recorrente a factualidade para demonstrar a realização do capital social, tendo sido feita prova de pagamentos à sociedade, onde se inclui o pagamento do capital social (por documentos a fls. 1, 1129, 1130, 1131, 1133), tendo sido igualmente demonstrada a capacidade financeira do Recorrente à data para fazer face a esse encargo.
EE. Estão reflectidos depósitos em dinheiro pelo Recorrente nas contas da sociedade, o que demonstra inequivocamente a realização da entrada de capital social - se tal facto fosse controvertido, o que não é verdade.
FF. Do depoimento testemunhal dos auditores (C) e (D) foi confirmada a regularidade das contas da Recorrente nos anos em que os mesmos foram responsáveis pelas mesmas.
GG. Estas testemunhas, vieram atestar (i) que as contas em questão não tinham qualquer irregularidade (inclusivamente quanto ao pagamento do capital social) e (ii) que a realização do capital social não é efectuada através de um pagamento directo e isolado (mas ao invés, pela alocação da respectiva quantia das contribuições efectuadas pelos sócios).
HH. A sentença está ferida de erros grosseiros e nulidades insanáveis, o que determina que se deve ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Judicial de Base com vista ao julgamento de todas as questões enunciadas, nomeadamente, o verdadeiro thema decidendum dos presentes autos, o que ainda não aconteceu.
II. O Tribunal errou ao aplicar os dispositivos que fundamentam a decisão tomada, em particular os artigos 204.º no. 3 e o 230.º, ambos do Código Comercial, pois este último artigo não condiciona o direito de impugnação a qualquer requisitos e muito menos (como entende e mal, o Tribunal) ao prévio pagamento da contribuição de capital. Nem de outro modo poderia ser ...
JJ. O entendimento do Tribunal - ao considerar que o artigo 204.º no. 3 do Código Comercial prevalece sobre o artigo 230.º do mesmo Código - está desconforme à lei e ao seu espirito, pois o direito de impugnação judicial não está sujeito a condições na lei comercial (e onde a lei não distingue, não deve o intérprete fazê-lo).
KK. A lógica do artigo 204.º do Código Comercial condiciona a aplicação deste normativo à iniciativa da sociedade de (i) interpelar ao pagamento do capital social (o que nunca foi feito, como é óbvio) e (ii) recorrer depois a juízo para exigir o seu pagamento.
Termos em que se requer a V.ªs Ex.ªs, que seja dado provimento ao presente recurso, determinando a nulidade da sentença proferida, mais determinando a baixo dos autos ao Tribunal Judicial de Base para decisão em conformidade, nos termos dos artigos 571.º, n.º 1 als. c) e d) do CPC.
Sem conceder, e a título meramente subsidiário, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, mais se determinando correcção da sentença em conformidade, declarando a nulidade da deliberação social de aumento de capital, tomada em 8 de Novembro de 2012.
Contra-alegando veio a Ré e agora Recorrida, apresentar as seguintes conclusões:
a) A sentença recorrida não incorreu nos vícios que lhe foram apontados pelo Autor nas conclusões das suas alegações de recurso.
b) Primeiro, porque Autor não impugnou a decisão de facto nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 599.º do CPC.
c) Segundo, porque não se verifica vício da nulidade da sentença por excesso de pronúncia invocado na alínea O) das conclusões das alegações, uma vez que os fundamentos invocados pelo juiz conduziram logicamente ao resultado expresso na decisão.
d) Terceiro, porque não se verificam os vícios da violação das presunções legais (alínea Q) das conclusões); do ónus da prova e da sua inversão (alínea R) das conclusões) e do erro na aplicação dos artigos 204.º n.º 3 e o 230.º, ambos do Código Comercial (alíneas JJ) e KK) das conclusões).
e) Isto porque o Recorrente confunde a questão do reconhecimento da sua qualidade de sócio da Ré, que não foi posta em crise na sentença de que recorre, com a questão da sanção aplicada ao sócio pelo incumprimento da obrigação da realização das participações sociais, apesar do Tribunal a quo a ter explicado de forma cristalina.
f) E é precisamente porque ao Autor foi reconhecida a qualidade de sócio que é aplicável ao caso concreto o art.º 204.º, n.º 3, do C. Comercial, no qual se dispõe que enquanto se verificar o incumprimento, o sócio não poderá exercer os direitos sociais correspondentes à parte em mora, nomeadamente o direito aos lucros.
g) De resto, ao contrário do alegado pelo Recorrente, na decisão recorrida não se defendeu a prevalência do disposto no art.º 204.º, n.º 3, do C. Comercial sobre o disposto no art.º 230.º do mesmo código, mas sim que a primeira norma é condição sine qua non para o exercício de direitos sociais.
h) Já a questão de saber a quem incumbe o ónus da prova da realização do capital social da Ré por parte do Autor e se o facto é extintivo ou constitutivo do direito do Autor, o Tribunal a quo também esclareceu de forma cristalina a fls. 1679v da sentença recorrida porque é que a prova do cumprimento da obrigação de entrada é um facto constitutivo do direito social que o Autor pretendia exercer por via da acção que intentou contra a Ré.
i) E este entendimento do Tribunal a quo vem apoiado pela jurisprudência dos tribunais superiores na esteira da mais autorizada doutrina, conforme resulta, entre outros, do acórdão do STJ, de 16-12-1999 (Processo 1265/98) que foi citado no corpo destas contra-alegações por conter o critério legal de resolução da “questão” suscitada pelo Autor.
j) Nada obsta, pois, que seja negado provimento ao recurso do Autor com base nos mesmos fundamentos invocados na decisão impugnada (art.º 631.º, n.º 5, do CPC).
k) Sem conceder, caso assim não se entenda, requer-se sejam conhecidas as questões prejudicadas pela solução dada ao litígio nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 630.º, n.º 2, do CPC.
l) Subsidiariamente, prevenindo a necessidade da sua apreciação no caso de Tribunal ad quem julgar procedente o recurso interposto pelo Recorrente, requer-se, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 590.º, n.º 1, do CPC, sejam apreciados os fundamentos da defesa alegados nos artigos 24.º a 25.º da Contestação em que a parte vencedora decaiu, com as legais consequências.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) A ré é uma sociedade constituída no dia 22 de Março de 1991, tendo começado as suas operações no dia 15 de Abril de 1991.
b) A ré tendo como objecto social a indústria de construção civil e de execução de obras públicas e operações sobre imóveis.
c) O capital social da esta sociedade, era de MOP300.000,00 (trezentas mil patacas) à data da sua constituição.
d) O Sr (E), a 24 de Novembro de 2011, comprou a quota no valor nominal de MOP135.000 (pelo preço de 2.500.000) ao sócio (F).
e) (G) Limitada (controlada pelo Sr (E)) comprou a quota no valor nominal de MOP135.000 (também pelo preço de 2.500.000) ao sócio (H) (que havia adquirido a quota de (I) a 3 de Agosto de 2000).
f) Ficando assim a Sociedade com três sócios:
- Sr (A) com quota no valor nominal de MOP30.000;
- Sr (E) com quota no valor nominal de MOP135.000;
- (G) Limitada com quota no valor nominal de MOP135.000.
g) A 8 de Novembro de 2012, sócios da sociedade, resolveram aumentar o capital social da empresa em 33333,333333333336%, para o valor de MOP100.000.000 (cem milhões de patacas).
h) Assim, com o aumento do capital social, o sócio Sr (E) passou a deter, 54,97% do capital social (isto é, a sua quota na sociedade tem o valor nominal de MOP54.970.000 em MOP100.000.000).
i) Com o aumento do capital social, a outra sócia, (G) Limitada, passou a deter uma participação de 45% do capital social (isto é, a sua quota tem o valor nominal de 45.000.000, num total de 100.000.000).
j) O Sr (E) agiu também em representação da sócia (G) Limitada, pois é seu Administrador do Grupo A, isto é, um dos administradores com o poder de vincular a Sociedade – sendo o outro a sua mulher (J), administradora da Grupo B.
k) A Sócia (G) Limitada, transmitiu as respectivas quotas para as sociedades (K) Limitada e (L) Limitada, tendo ficado cada uma destas Sociedades com uma quota de MOP450.000.
l) As sociedades referidas no parágrafo K), supra, tem a sede na mesma morada em Macau.
m) As sociedades referidas no parágrafo K), supra, tem as mesmas sócias: Com (M) Limited (com MOP$75.000,00 ou 75% das quotas) e (N) Limited (com MOP$25.000,00 ou 25% das quotas).
n) As sociedades referidas no parágrafo K), supra, são vinculadas pela assinatura isolada de dois administradores: (E) e a sua mulher (J).
o) (G) Limitada (ex-sócia da ré) teve como sócios fundadores (E) e a sua mulher (J).
p) Consta o Registo Comercial que o autor é sócio da ré. (Q 1.º)
q) A quota do (A) na sociedade ré foi confiscada por sentença do Processo nº XX da série “Nam Ieng Cho (2003)” do Tribunal Popular da Região de Nanhai da Cidade de Foshan da Província de Guangdong a qual foi depois sucessivamente confirmada pelo Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Foshan da Província de Guangdong e pelo Tribunal Superior Popular da Cidade de Foshan da Província de Guangdong. (Q 1.ºA)
r) Consta o Registo Comercial que os sócios-fundadores, da ré são o autor (A), (I) e (F). (Q 2.º)
s) Consta o Registo Comercial que inicialmente a parte do capital social pertencente a cada um dos sócios era a seguinte: (Q 3.º)
- o Sr. (A) detinha uma quota de 228,000.00;
- o Sr. (I) detinha uma quota de 36,000.00;
- e o Sr. (F) detinha uma quota de 36,000.00
t) Na altura o autor foi nomeado como gerente-geral. (Q 5.º)
u) Consta o Registo Comercial que por escritura de 5 de Maio de 1998 o autor cedeu parte da sua quota, dividindo a mesma em duas partes iguais de MOP99,000, que cedeu a (F) e a (I), tendo o autor reservado para si uma quota de MOP30,000. (Q 6.º)
v) O autor cumpriu uma pena de prisão de 13 anos e 4 meses, durante o período de 27 de Setembro de 2001 a 25 de Janeiro de 2015 na República Popular da China. (Q 7.º)
w) Por causa do aumento do capital social referido em G) a quota que no registo comercial consta como sendo a que o autor detém no capital social da ré passou a ser de 0,033%, quando anteriormente era de 10%. (Q 8.º)
x) Para o propósito do aumento do capital social referido em G) foi convocada a assembleia geral. (Q 9.º)
y) Para tal foi a convocatória enviada ao sócio (A), ora autor, para as suas moradas registadas na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis e, para o estabelecimento prisional de Gaoming da Província de Guangdong da Região de Gaoming da Cidade de Foshan da Província de Guangdon da RPC (中國廣東省佛山市高明區廣東省高明監獄), a saber: (Q 10.º)
- Estrada Noroeste da Taipa, Jardins do Oceano, Edifício XX, 21º andar A, Macau;
- Avenida da Amizade, nº XX, 1º andar AF, Macau;
- Bem como para a Secção de Assuntos Prisionais do Estabelecimento Prisional de Gaoming da Província de Guangdong, da Região de Gaoming da Cidade de Foshan da Província de Guangdong da RPC, para o devido encaminhamento.
z) (F) não esteve na RAEM no dia 22/03/2000. (Q 13.º)
aa) Os montantes depositados na conta bancária da ré, mencionados a fls. 1207 a 1218, foram devolvidos aos respectivos depositantes com excepção de MOP856.983,10. (Q 14.º)
b) Do Direito
Nas alegações de recurso fala-se num erro de apreciação da prova que, contudo, em momento algum se concretiza, não se dizendo qual o quesito que se entende que haja sido erradamente respondido pelo que, em face das exigências do artº 599º do CPC só pode o recurso improceder quanto a esta parte.
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Do direito à invalidação das deliberações sociais.
Nos termos do disposto no art. 230º do Código Comercial só os sócios, o órgão de fiscalização, os membros deste órgão e os administradores têm legitimidade para impugnar as deliberações sociais.
A qualidade de sócio é, como tem vindo a dizer-se, relevante no âmbito da legitimidade substantiva, confere um direito substantivo ou uma faculdade substantiva de invalidar e não apenas um direito processual de demandar judicialmente para invalidar. Trata-se de um direito substantivo pertencente ao feixe de direitos que compõe a posição de sócio, na expressão de (Y). A posição de sócio não é apenas uma posição legitimadora da presença em juízo conferindo legitimidade processual. É uma posição substantiva integrada por direitos e deveres substantivos onde se encontra a faculdade de invalidar deliberações sociais viciadas. Tal direito, ou a titularidade de tal direito depende, pois, da qualidade de sócio no momento em que a questão é conhecida, rectius, no momento do encerramento da discussão em primeira instância (art. 566º do CPC).
Da qualidade de sócio da ré por parte do autor.
Ser sócio de uma sociedade comercial, ser titular do direito de sócio ou da situação jurídica complexa de sócio é ser titular de um conjunto de posições jurídicas activas e passivas, direitos e deveres.
Sócio de uma sociedade comercial é o titular actual dessa sociedade comercial ou de parte dela.
As sociedades comerciais são constituídas através de negócio jurídico1.
Quando admitidas sociedades unipessoais, o negócio jurídico constitutivo das sociedades comerciais pode configurar negócio unilateral ou contrato, o contrato de sociedade2 3.
O sócio é, pois, aquele que celebrou o negócio jurídico constitutivo de uma sociedade e aquele que posteriormente adquiriu a posição negocial do celebrante original, desde que mantenha essa posição negocial por não a ter perdido, designadamente por exoneração ou exclusão.
Ser sócio é, essencialmente, equivalente a celebrar um contrato de sociedade ou um negócio unilateral constitutivo de uma sociedade e equivalente a adquirir a posição de quem celebrou tais negócios.
Não é sócio apenas quem cumpre o contrato de sociedade que celebrou, mas quem o celebrou4. Assim como não é comprador quem paga o preço da coisa comprada, mas quem celebra o contrato de compra e venda, também não é sócio quem cumpre obrigações sociais, mas quem acordou que as cumpriria.
Da repartição do ónus da prova.
O autor arroga-se sócio da ré, pelo que lhe caberia provar os factos constitutivos desse seu direito, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC. Porém, o autor consta do registo comercial como sendo sócio da ré (al. l) da factualidade provada). Ora, nos termos do art. 8º do Código do Registo Comercial, presume-se que o autor é sócio da ré, o que inverte o ónus da prova, sendo a ré que tem de provar que o autor não é seu sócio (art. 337º, nº 1 do CC).
A ré não negou que o autor tivesse sido seu sócio, mas disse que perdeu essa qualidade por força de uma decisão judicial. Está, pois, provado que o autor foi sócio da ré, restando saber se perdeu essa qualidade.
A perda da qualidade de sócio por força de uma decisão judicial é um facto extintivo do direito do sócio, ou melhor, da posição de sócio e do já referido feixe de direitos. A perda da qualidade de sócio, enquanto facto extintivo do direito que o autor invocou, configura uma excepção peremptória e, como tal, pertence ao ónus da prova do réu, nos termos do disposto no nº 2 do art. 335º do CC.
“Cada uma das partes terá assim (o ónus) de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à sua excepção”5.
Mas este ónus de prova do réu é, no caso em apreço, especialmente agravado. É que, como se disse, o autor consta do registo comercial como sendo sócio da ré (al. l) da factualidade provada). Ora, nos termos do art. 8º do Código do Registo Comercial, presume-se que o autor é sócio da ré, presunção que impõe à ré o ónus da prova do contrário para ilidir a referida presunção (art. 343º, nº 2 do CC).
A consequência do incumprimento do ónus de prova é a decisão desfavorável à parte onerada6.
Vejamos em que medida a ré deu cumprimento ao ónus de prova que sobre ela impende relativamente ao facto que funciona como excepção ao direito invocado pelo autor, extinguindo-o – a existência de uma sentença que confiscou a participação social do autor na ré.
A ré diz que o autor já não é seu sócio porquanto perdeu essa qualidade por força de uma decisão judicial dos tribunais da China continental que lhe confiscou toda a participação social que detinha na própria ré.
O autor reconhece no art. 12º da réplica a existência da referida decisão, embora diga que tem “dimensão” diferente da que a ré lhe atribui. Provou-se, no entanto, que a “dimensão” da decisão é a que lhe foi atribuída pela ré – “confisco de toda a participação social do autor no capital social da ré” (al. m) da factualidade provada em resposta ao quesito 1º-A da base instrutória, aditado na sequência do alegado pela ré no artigo 24º da sua contestação e nos termos da sua reclamação de fls. 344 contra o despacho que fixou a base instrutória).
Parece, pois, que a ré deu cumprimento ao ónus de prova dos factos que lhe cabe provar.
Da eficácia jurídica da decisão dos tribunais do exterior da RAEM.
É claro que a eficácia jurídica de tal decisão de confisco consiste na extinção da qualidade de sócio da ré que o autor tinha. É que “as decisões judiciais são obrigatórias para quaisquer entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades” (art. 7º, nº 4 do CC e art 8º, nº 2 da LBOJ). Além disso, dispõe o art. 371º do Código Comercial, aplicável às sociedades por quotas, como é o caso da ré, que “um sócio pode ser excluído … por decisão judicial…”.
Porém, tendo a decisão de confisco sido proferida por tribunais do exterior da RAEM, a referida eficácia extintiva dos direitos sociais do autor restringe-se à jurisdição onde foi proferida essa decisão e só se estende à jurisdição da RAEM depois de a referida decisão de confisco proferida por tribunais do exterior ser aqui revista e confirmada (arts. 1199º, nº 1, 416º, nº 3, 574º, nº 1 e 680º, nº 1 do CPC). Com efeito, em princípio, as decisões dos tribunais só têm valor jurídico integral dentro dos limites da jurisdição onde foram proferidas, sendo através de uma decisão de outra jurisdição que nesta jurisdição se lhes reconhece aquele valor.
É certo que a decisão do exterior pode aqui ser considerada como elemento de prova de quaisquer factos que possa indiciar ou demonstrar, mas só cria, modifica ou extingue direitos privados na RAEM se aqui for revista e confirmada. Só depois de revista e confirmada tem aqui eficácia jurídica e valor jurídico suficiente para, só por si, provocar alterações jurídicas, criando, extinguindo, modificando direitos e deveres jurídicos. Portanto, a referida decisão pode ser valorada para prova de factos a que este tribunal reconheça ou negue eficácia extintiva da qualidade do autor como sócio da ré, como seja, por exemplo, a eventual actuação do autor em prejuízo dos interesses da ré. Mas aquela decisão do exterior da RAEM não tem aqui efeitos de caso julgado material se aqui não for revista e confirmada. Portanto, antes de confirmada tem valor probatório de factos e depois de confirmada tem efeitos sobre direitos, designadamente constitutivos e extintivos.
Não consta da factualidade provada que foi revista e confirmada na RAEM a decisão do exterior que confiscou integralmente a participação social do autor na ré. Nem tal facto (revisão e confirmação) consta provado nos autos por documento com força probatória plena, confissão, reconhecimento ou falta de impugnação (art. 562º, nº 3 do CPC). Nem tal facto foi alegado pelas partes. Não pode, pois, ser considerado para a decisão a proferir que a decisão de confisco foi revista e confirmada e que, como tal, tem aqui efeitos extintivos do direito do autor de sócio da ré e da inerente faculdade de impugnar deliberações sociais da mesma ré.
Restaria então este tribunal conhecer e decidir ele próprio se ocorre razão para considerar extinto o direito de sócio que o autor invoca. Questão que apenas foi colocada por via de excepção, mas não por via reconvencional. Porém, a ré fundou a sua excepção apenas no facto de ter havido uma decisão judicial de tribunais do exterior da RAEM. A ré não invocou outras factos cuja eficácia jurídica determine a perda da qualidade de sócio por parte do autor. Se os tivesse invocado, já poderia invocar a sentença do exterior para tentar prová-los, pois que para a sentença do exterior servir de meio de prova não carece de revisão e confirmação.
Porém, dos factos provados não decorre qualquer causa de exclusão do autor como sócio da ré, designadamente nos termos do disposto no art. 371º, nº 1 do Código Comercial7. Nem ao tribunal foi pedido que averiguasse se haveria razão para o excluir e que, em consequência, o considerasse excluído e lhe recusasse o direito de invalidar deliberações sociais da ré. Este pedido não foi feito, nem para ter apenas efeitos de excepção, obstando à pretensão do autor, nem para ter efeitos reconvencionais de declaração de exclusão.
Beneficiando o autor da presunção derivada do registo comercial, tem de ser aqui considerado como sócio da ré (art. 8º do Código do Registo comercial), pois que a ré não fez prova do contrário para ilidir a referida presunção, como era seu ónus (arts. 337º e 343º, nº 2 do CC).
Acresce que, tendo a ré alegado o confisco da participação social do autor, cabia à ré o ónus da prova desta excepção, enquanto facto extintivo do direito que o autor pretende exercer (art. 335º, nº 2 do CC), cabendo-lhe, portanto, demonstrar que tal confisco tem eficácia na jurisdição da RAEM por aqui ter sido revisto e confirmado.
Cabia, pois, à ré provar que o autor não é seu sócio porque perdeu a posição negocial constitutiva da ré. E cabia-lhe alegar e provar os factos onde ancorar a conclusão que o autor deve ser excluído da qualidade de sócio, designadamente por lhe ter causado prejuízos relevantes. Como a ré não demonstrou a factualidade que lhe competia demonstrar por fazer parte do seu ónus de alegação e de prova, resta considerar o autor como sócio da ré e, como tal, como titular do direito de impugnar as deliberações sociais da assembleia geral da ré.
Improcede, pois, a excepção em apreço (ilegitimidade substantiva por falta da qualidade de sócio que o autor invocou para si próprio).
Da realização da obrigação do autor de entrada para o capital social da ré.
Para o caso de o autor ser reconhecido como sócio da ré, veio esta invocar outro facto contra a pretensão de invalidação da deliberação social impugnada: a fa7lta de realização da obrigação de entrada. Disse a ré que o autor não realizou a sua obrigação de entrada e que tal facto o impede de exercer o seu direito de sócio de impugnar as deliberações sociais. Mais à frente se analisará se tal facto tem eficácia exceptiva ou outra.
Dispõe o nº 3 do art. 204º do Código Comercial que “enquanto se verificar o incumprimento” da obrigação de entrada, “o sócio não poderá exercer os direitos sociais correspondentes à parte em mora, nomeadamente o direito aos lucros”.
Da aplicação da lei no tempo.
A referida norma do art. 204º, nº 3 do actual Código Comercial entrou em vigor depois de constituída a ré e, muito provavelmente, depois de vencidas as obrigações de entrada dos respectivos sócios. Cabe então saber se esta norma se aplica à obrigação de entrada do autor nascida antes da entrada em vigor da mencionada norma e, provavelmente (os factos provados não são esclarecedores) também vencida antes daquela entrada em vigor.
Nos termos do disposto nos arts. 2º e 9º do Decreto-Lei nº 40/99/M, que aprovou o actual Código Comercial, a aplicação no tempo da norma em questão rege-se pelos princípios gerais sobre aplicação da lei no tempo.
Ora, tal norma dispõe directamente sobre o conteúdo da relação jurídica que existe entre os sócios e entre estes e a sociedade (o regime da realização da obrigação de entrada). E a nova regulação é feita com independência dos factos que deram origem a tal relação jurídica existente entre os sócios e entre estes e a sociedade, designadamente a celebração originária do contrato de sociedade ou a aquisição posterior da qualidade de sócio por aquisição de participação social anterior ou subscrição de aumento do capital social, etc.
Nesta situação, a lei nova aplica-se a situações pré-existentes que subsistam à data da entrada em vigor da lei nova (art. 11º do CC). Aplica-se, pois, a lei nova à situação em apreço nos presentes autos.
Da prescrição da obrigação de entrada.
Nas suas alegações de Direito veio o autor dizer que está prescrito o direito da ré de pedir a exclusão do autor como sócio da própria ré por falta de realização da obrigação de entrada no capital social.
Prescrita a obrigação de entrada, cessariam os efeitos da falta de realização daquela obrigação, designadamente cessaria o impedimento do sócio remisso de quinhoar nos lucros e de impugnar deliberações sociais.
Porém, a referida prescrição não foi invocada quando devia sê-lo, na fase em que a parte contrária dela se poderia defender com alegação de factos e produção de provas. Acresce que a prescrição não é de conhecimento oficioso, assim como não era na vigência do anterior código civil (art. 296º do actual Código Civil e art. 303º do anterior).
Pelo exposto, porque não foi colocada no tempo próprio para ser devidamente processada assegurando as garantias processuais e a necessária discussão que esclarece para decidir com clareza, não pode conhecer-se da prescrição mencionada nas alegações de Direito apresentadas pelo autor.
Que direitos não pode exercer o sócio remisso?
O normativo referido não faz qualquer distinção. Apenas refere que são direitos “correspondentes à parte em mora” e dá um exemplo: “o direito aos lucros” 8.
São escassos os elementos interpretativos a que se pode recorrer. A nota justificativa do Coordenador do Projecto do Código Comercial alude ao princípio da efectiva realização e intangibilidade do capital social.
O impedimento do exercício dos direitos sociais é claramente uma sanção para o incumprimento da obrigação de entrada. Portanto, em primeiro lugar, para respeitar a natureza sancionatória o sócio remisso estará impedido de exercer direitos de participação na vida da sociedade que sejam do seu interesse pessoal, como é claramente o direito aos lucros expressamente mencionado na lei. E crê-se, acompanhando a opinião do Professor Teixeira Garcia, é a mesma a razão de decidir relativamente ao direito de voto.
Aqui chegados, impõe-se concluir que se o sócio remisso não tem direito a votar em assembleia de sócios, também não terá que ser convocado. Admite-se que mantenha o direito à informação. Porém, a assembleia geral não se destina ao exercício desse direito.
Já o direito de impugnar as deliberações sociais é um direito que pode ser exercido egoisticamente no interesse do sócio ou no interesse da sociedade. Nesta ordem de razões será de concluir que o sócio remisso não poderá defender os seus interesses pessoais através do exercício do direito de impugnação e que poderá defender os interesses da sociedade. De facto, por estar em mora na realização da obrigação de entrada não é concebível que seja impedido de defender a sociedade de deliberações inválidas que a prejudiquem. Seria um impedimento sem justificação na sua razão de existir.
Ora, o autor veio defender-se contra a falta da sua convocação e contra a redução percentual da sua participação social na ré. Caso seja remisso, trata-se de interesses pessoais seus que não poderá defender pela via do direito de impugnação.
Mas o autor, veio ainda dizer que a deliberação impugnada não respeita os bons costumes por ser fictícia e contender com a defesa dos credores. Porém, mesmo com a invocação desta factualidade como causa de invalidade da deliberação, o que o autor visa defender é o valor percentual da sua participação social e não os credores sociais ou a sociedade. Assim, caso seja remisso, também não poderá defender remotamente o seu interesse pessoal pela via do direito de impugnação socorrendo-se de um fundamento mediato respeitante ao interesse da sociedade.
Vejamos, então se o autor é sócio remisso da ré.
Da repartição do ónus da prova9.
Na base instrutória quesitava-se se o autor pagou e se não pagou em realização da sua obrigação de entrada (quesitos 4º e 4º-A). Não se provou que pagou nem se provou que não pagou. Claramente a pergunta positiva visa permitir a decisão no caso de o ónus da prova ser do autor e a pergunta negativa no caso de o ónus da prova ser da ré.
O cumprimento da obrigação enquanto extintivo do direito de crédito correspondente pertence por norma ao ónus da prova do réu demandado para ser condenado a cumprir. Assim, se estivesse em causa o crédito da ré a receber a participação do autor enquanto seu sócio, seria ao autor que caberia provar o pagamento ou a realização da entrada. Está em causa o direito do sócio à impugnação das deliberações sociais. É o pagamento que é facto constitutivo do referido direito social ou é o não pagamento que é facto impeditivo do exercício daquele direito?
Embora os factos negativos como o não pagamento sejam de prova mais difícil que os factos positivos, o autor enquanto pagador e a ré enquanto recebedora estão em posição semelhante em termos de grau de dificuldade para se desenvencilharem do ónus de prova.
A letra da lei aponta para que seja a falta de realização da obrigação de entrada um facto impeditivo do exercício dos direitos sociais do sócio, uma excepção do âmbito do ónus da prova da aqui ré. Com efeito, o art. 230º do Código Comercial confere o direito de impugnação ao sócio, sem outros requisitos ligados ao cumprimento das suas obrigações e o nº 3 do art. 204º do mesmo código refere que o sócio não poderá exercer os direitos sociais enquanto se verificar o incumprimento.
No entanto, a natureza sancionatória do impedimento do exercício dos direitos sociais ao sócio remisso aponta também para que seja o sócio que se propõe exercer um direito social que tenha de comprovar que reúne esta tão particular condição do exercício que pretende. Pelo menos, quando a parte contrária a questiona.
Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (art. 335º, nº 3 do CC). Cabe, pois, ao autor, demonstrar que cumpriu a sua obrigação de entrada, dizendo qual era essa obrigação nos termos do acto constitutivo da sociedade ou de eventuais alterações e dizendo o meio através do qual a realizou.
Ora, tendo em conta a resposta negativa dada pelo tribunal colectivo ao quesito 4º da base instrutória, o autor não logrou demonstrar que cumpriu a sua obrigação de entrada para realização do capital social da ré.
Pelo exposto se conclui que o autor, contrariamente ao que era seu ónus, não logrou demonstrar que reúne as condições para impugnar a deliberação social que pela presente acção veio impugnar. Por isso, não pode proceder a impugnação feita pelo autor.
Como se disse em sede de enumeração das questões a decidir, procedendo a questão acabada de conhecer é desnecessário conhecer das demais questões enunciadas supra, devendo concluir-se que improcede a pretensão do autor.».
Analisando.
A questão a decidir neste recurso prende-se com a decisão sobre o ónus da prova da realização ou não realização da obrigação de entrada no capital social da Ré.
Havia-se quesito sobre o item 4º na Base instrutória o seguinte:
4º
Aquando da constituição da (B) Limitada, o autor, (A), pagou as entradas no capital social?
Por despacho de fls. 1106 ao abrigo do artº 553º nº 2 al. f) do CPC foi determinado adicionar à Base Instrutória o quesito 4ºA com a seguinte redacção:
4ºA
O autor não pagou a quantia correspondente ao valor nominal da sua quota social na ré com a finalidade de realização da sua obrigação de entrada no capital social da ré?
Desta adição resultou ficar com a mesma questão quesitada na forma negativa e na positiva.
Acabou o tribunal por não dar por provada nenhuma das formulações.
Em sede de decisão de direito e depois de nos termos do artº 553º nº 2 al. f) do CPC se ter entendido que havia de adicionar à Base Instrutória a matéria do quesito 4ºA na sua formulação negativa e que correspondia ao que havia sido invocado no artº 34º da contestação – matéria exceptiva - vem a concluir-se que ao Autor cabia o ónus da prova porque lhe cabia demonstrar reunir as condições para impugnar a deliberação social.
Ora, não podemos deixar de apontar a contradição de raciocínios, pois se o ónus da prova cabia ao Autor, então tal facto haveria de fazer parte da causa de pedir, isto é, haveria de ter sido invocado logo em sede de p.i. e a não ter sido assim, haveria de ter sido o Autor convidado a aperfeiçoar a sua p.i. sob pena de estar votada ao insucesso a acção.
Tal não aconteceu, e salvo melhor opinião bem.
Cabendo o ónus da prova ao Autor de que havia realizado a sua obrigação de entrada a formulação do quesito teria de ser na forma positiva como constava do quesito 4º, que, diga-se em momento algum havia sido invocada na p.i..
Se este era um facto constitutivo do direito do Autor, que houvesse de ter sido invocado como causa de pedir e cabendo-lhe o ónus da prova, a simples invocação de que tal não era verdade feita pela Ré em sede de contestação era mera impugnação dos factos invocados em sede de causa de pedir e constitutivos do direito que não havia de ser quesitada.
Pergunta-se assim, se se entendia que era ao Autor que cabia demonstrar ter realizado a sua obrigação de entrada porque se foi quesitar a matéria do artº 34º da contestação?
Parece haver uma contradição, mas não há.
Não sendo atacada em sede de recurso a circunstância de terem sido formulados os quesitos 4º e 4ºA um na formulação positiva outro na negativa, e como tal não sendo essa matéria objecto de decisão, o certo é que a matéria levada à base instrutória deve sê-lo nos termos em que foi invocada e de acordo com o ónus da prova.
Salvo melhor opinião, nunca havia de ter sido quesitada a matéria do quesito 4º se esta não foi invocada pelo Autor nem este houvesse que demonstrar ter realizado a sua obrigação de entrada, e bem se andou ao aditar o quesito 4ºA por resultar da contestação da Ré invocada como excepção impeditiva do direito do Autor.
Reza o artº 204º do C.Com. o seguinte:
1. Os direitos da sociedade à realização das participações de capital são irrenunciáveis e insusceptíveis de compensação.
2. O sócio que não realizar pontualmente a participação a que está obrigado, responde, para além do capital vencido, pelos respectivos juros moratórios e ainda pelos demais prejuízos que do seu incumprimento resultarem para a sociedade.
3. Enquanto se verificar o incumprimento, o sócio não poderá exercer os direitos sociais correspondentes à parte em mora, nomeadamente o direito aos lucros.
Reza também o artº 205º do C.Com. quanto às entradas dos sócios o seguinte:
1. Os credores de qualquer sociedade podem:
a) Exercer os direitos da sociedade relativos às participações de capital não realizadas e exigíveis;
b) Promover judicialmente a realização das participações de capital antes de exigíveis, desde que isso seja necessário para a conservação da adequada garantia dos seus créditos.
2. A sociedade pode ilidir o pedido desses credores, satisfazendo os seus créditos, quando vencidos, ou, quando por vencer, garantindo adequadamente tais créditos ou satisfazendo-os com o desconto correspondente à antecipação.
Da leitura destes dois preceitos resulta que há um crédito da sociedade sobre o sócio enquanto este não realizar a sua obrigação de entrada, crédito esse que é irrenunciável e insusceptível de compensação – artº 204º nº 1 do C.Com. – e que pode até ser reclamado pelos credores da sociedade.
Como resulta do nº 3 do artº 204º do C.Com. é até possível que essa realização esteja em falta apenas em parte, quando se diz “a parte em mora”.
Ora, se por exemplo um dos sócios realizar apenas parte da entrada de capital poderá apenas quinhoar nos lucros na proporção da parte realizada, e se entender estar em causa o direito de voto, poderá também apenas votar na proporção da parte realizada.
Mas haverá o sócio que ter de demonstrar a todo o tempo que realizou a sua obrigação de entrada cada vez que tiver de exercer o seu direito a voto, a participar nos lucros, etc.?
Ora, nunca tal se viu, nem na letra da lei encontra algum apoio.
Cabe à sociedade registar as entradas dos sócios até porque tal matéria é do interesse dos credores.
O sócio constando como tal até prova em contrário assim se presume e que está no pleno exercício dos seus direitos, como aliás em momento anterior da decisão em causa se decidiu.
A não realização da obrigação de entrada é uma excepção impeditiva do exercício do direito do sócio que pode ser invocada por quem de direito, mas que como excepção impeditiva do direito cabe-lhe fazer a prova de não ter sido realizada a obrigação de entrada.
Destarte não era ao Autor que cabia demonstrar ter realizado a sua obrigação de entrada, mas a sociedade é que tinha o ónus de demonstrar que não foi realizada.
Aliás a natureza exceptiva desta matéria – realização do capital social – é tão evidente que poderia a mesma ser fundamento da impossibilidade do aumento de capital nos termos do nº 2 do artº 261º do C.Com. mas aí caberia o ónus da prova ao Autor.
No caso dos autos a falta de consciência dos fundamentos que as partes invocam é tal, que o Autor que não quer ver aprovada a deliberação do aumento de capital invoca o preceito (261º, nº 2) mas sustenta que o capital realizado está integralmente realizado, e a Ré que quer ver aprovada a deliberação do aumento de capital social vem invocar que o mesmo não havia sido integralmente realizado o que nos termos do nº 2 do artº 261º seria impeditivo da deliberação aqui impugnada.
Que dizer de tal saber na arte de usar o direito?
Não se fez prova de que o capital social não havia sido realizado e menos ainda que o Autor não o haja realizado.
Assim sendo, não tendo sido feita prova alguma nessa matéria impõe-se concluir que o Autor não estava inibido de vir impugnar a deliberação social como fez.
De acordo com o disposto no nº 2 do artº 630º do CPC cabe agora decidir as demais questões suscitadas, as quais já foram devidamente debatidas em 1ª instância e sobre as quais as partes já se pronunciaram não havendo que dar cumprimento ao disposto no nº 3 do mesmo preceito, sendo elas a saber:
- Se a deliberação impugnada foi tomada em reunião de assembleia geral não convocada;
- Se a deliberação em causa é contrária aos bons costumes;
- Se a deliberação viola regras destinadas a proteger credores sociais.
Dispõe o artº 221º do C.Com. que as reuniões da assembleia geral são convocadas pelo presidente da mesa nos termos legais.
O artº 222º do C.Com. estabelece quais os elementos que devem constar do aviso convocatório.
Na p.i. invocava-se que a assembleia geral havia sido realizada sem ter sido convocada.
Por banda da Ré esta limitou-se a impugnar estes factos, invocando que o aviso convocatório havia sido enviado para o Autor nas moradas que indica.
Da factualidade apurada resultou demonstrado que:
«x) Para o propósito do aumento do capital social referido em G) foi convocada a assembleia geral. (Q 9.º)
y) Para tal foi a convocatória enviada ao sócio (A), ora autor, para as suas moradas registadas na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis e, para o estabelecimento prisional de Gaoming da Província de Guangdong da Região de Gaoming da Cidade de Foshan da Província de Guangdon da RPC (中國廣東省佛山市高明區廣東省高明監獄), a saber: (Q 10.º)
- Estrada Noroeste da Taipa, Jardins do Oceano, Edifício XX, 21º andar A, Macau;
- Avenida da Amizade, nº XX, 1º andar AF, Macau;
- Bem como para a Secção de Assuntos Prisionais do Estabelecimento Prisional de Gaoming da Província de Guangdong, da Região de Gaoming da Cidade de Foshan da Província de Guangdong da RPC, para o devido encaminhamento.».
À sociedade cabe remeter a convocatória para a morada do sócio, sendo da responsabilidade sócio garantir que a correspondência que lhe é remetida seja por si recebida.
Nada mais se invocando a respeito impõe-se julgar improcedente a acção no que concerne à nulidade invocada decorrente da falta de convocação da assembleia geral.
Quanto a ser a deliberação impugnada contrária aos bons costumes porquanto o Autor ficaria depois do aumento de capital numa situação mais minoritária do que aquela que tinha antes, nada se alega que permita concluir de acordo com a jurisprudência citada que há desarmonia entre o fim social e a deliberação em causa.
Pelo que, nada se invocando de concreto que consubstancie este argumento nada mais há a dizer a não ser que não procede.
Invoca-se ainda a não realização do capital social resultante do aumento e que a sociedade não aprova contas há 2 anos o que nos termos do artº 261º nº 2 do C.Com. impedia o aumento de capital.
Ora, o que o nº 2 do artº 261º do C.Com. diz é que não pode ser deliberado um aumento de capital enquanto não estiver integralmente realizado o capital social inicial.
A sociedade vem invocar que o sócio Autor não realizou ainda a sua obrigação de entrada inicial, o que não se provou.
Por sua vez o Autor vem invocar que a sociedade não aprova contas o que segundo entende se enquadra na situação do nº 2 do artº 161º do C.Com..
Ora, a realização do capital social não se confunde de forma alguma com a aprovação das contas da sociedade, pelo que, carece de fundamento legal o argumento invocado.
Nada mais se invocando de concreto e nada se tendo provado não há fundamento para se concluir que o aumento de capital aprovado pela deliberação impugnada viola normas legais destinadas à protecção de credores ou do interesse público nos termos da al. e) do nº 1 do artº 228º do C.Com..
Mais se invoca a responsabilidade do sócio dominante nos termos da alínea e) do nº 3 do artº 212º do C.Com., contudo a simples conclusão da participação do sócio aqui Autor ter passado a ser menor não é bastante para se concluir que da deliberação em causa resultou uma vantagem indevida para o sócio dominante e consequentemente prejuízo para a sociedade, ou para este outro sócio, ou para credores.
Sendo certo que, do disposto no artº 212º do C.Com. o que resulta é a possibilidade de ressarcimento dos prejuízos causados e não a nulidade ou anulabilidade da deliberação.
No que concerne à realização do capital social regulam os artº 201º do C.Com., não resultando da sua não realização que a deliberação do aumento de capital seja nula ou anulável, assim como, também, não leva a esse feito a saída de capital sem mais se alegar ou dizer.
Destarte, do que se invoca nada resulta que possa ser subsumido ao disposto nos artº 228º e 229º do C.Com. e de onde possa resultar a nulidade ou a anulabilidade da deliberação em causa.
Termos em que, não procedendo os argumentos invocados, a acção apenas pode improceder.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se a acção improcedente por fundamentos diversos dos invocados.
Custas a cargo do Autor/Recorrente em ambas as instâncias.
Registe e Notifique.
RAEM, 23 de Novembro de 2023
Rui Pereira Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 O actual Direito da RAEM já não tipifica o contrato de sociedade que o art. 980º do anterior Código Civil tipificava.
2 Sobre a natureza da sociedade como contrato com efeitos obrigacionais e reais, Raúl Ventura, Apontamentos sobre Sociedades Civis, pgs. 49 a 72.
3 “O acto constitutivo deve ser celebrado por um número de sócios igual, pelo menos, ao mínimo legalmente exigido para cada tipo de sociedade” – art. 179º, nº 5 do Código Comercial.
4 A propósito transcreve-se o seguinte texto da autoria do Professor Teixeira Garcia que apenas se conhece inédito e que aqui se cita com respeitosa presunção de consentimento do seu autor, presunção que assenta na grande contribuição do autor para o cultivo e a divulgação do Direito da RAEM, designadamente o Direito aplicável ao caso sub judice:
“1.2.1.1.1.3.2. Regime jurídico das entradas em dinheiro
Nesta matéria é usual distinguir-se duas noções fundamentais: a subscrição e a realização.
A subscrição faz nascer a condição de sócio e a obrigação deste efectuar a sua entrada, ou seja, de efectuar o pagamento à sociedade do valor da parte de capital que pelo facto da subscrição passa a deter na sociedade;
…
A par destas sanções gerais, a lei prevê regras sancionatórias especiais para as sociedades por quotas (art.ºs 362) e para as sociedades anónimas (art.º410.º), que podem culminar na perda, total ou parcial, a favor da sociedade das quotas ou acções do sócio remisso”.
5 Antunes Varela/Bezerra/Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 455.
6 Cfr. Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ., nº 110, pág. 113. Ac. R. Coimbra, de 87/11/17 (CJ, ano XII, Tom 5, p. 80) “o ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta”. Art. 346º C.C. e 516º do C.P.C.
7 “Um sócio pode ser excluído nos casos especialmente previstos nos estatutos e ainda, por decisão judicial, quando pelo seu comportamento cause prejuízos relevantes à sociedade”.
8 No texto anteriormente referido do Professor Teixeira Garcia é mencionado o direito de voto como um dos direitos que o sócio remisso não pode exercer.
9 Embora para o caso de sociedade em liquidação e afigurando-se que não espelha bem o teor da decisão, o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 12/1/1999 (Colectânea de Jurisprudência, STJ, Ano de 1999, Tomo I, p. 30, citado em Abrantes Geraldes, Sociedades Comerciais, Jurisprudência, 1997 - 2008) refere que cabe ao demandante (sociedade) e não demandado (sócio) provar que não foi integralmente realizada a entrada devida pelo sócio.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
512/2023 CÍVEL 4