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Processo nº 201/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 30 de Novembro de 2023

ASSUNTO:
- Renovação da autorização de residência
- Residência habitual

SUMÁRIO:
- A residência habitual na RAEM é um pressuposto da manutenção e da renovação da autorização temporária de residência.
- Através da norma do n.º 5 do artigo 46.º da Lei n.º 16/2021, o legislador veio esclarecer que, o conceito de residência habitual relevante enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, não exige, contrariamente ao que vinha sendo decidido, que Macau constitua o local onde se encontra radicado o centro de interesses, o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, que aqui nem sequer precisa de ter a sua habitação, pelo que, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades.
-À luz da lei é também residente habitual quem em Macau exerce uma actividade académica, profissional ou empresarial e que, por causa do exercício dessa actividade, aqui se desloca regular e frequentemente.


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Rui Pereira Ribeiro









Processo nº 201/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 30 de Novembro de 2023
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 27.01.2023 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência, formulando as seguintes conclusões:
1. A Recorrente, A, veio, nos termos dos artigos 25º, n.º 2, alínea a), e 26º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Administrativo Contencioso, em conjugação com o art.º 36º, n.ºs 1 e 2, alínea 1) da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária), conforme o regime da anulabilidade previsto no art.º 21º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso e no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, interpor recurso contencioso para o TSI, contra o despacho do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária relativo a técnicos especializados, pedindo a declaração de anulação da decisão do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária relativo a técnicos especializados deduzido pela Recorrente.
2. No uso das competências executivas delegadas pelo Chefe do Executivo da RAEM, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu em 27 de Janeiro de 2023 o despacho supramencionado;
3. O acto administrativo recorrido consiste no despacho de indeferimento proferido em 27 de Janeiro de 2023 pelo Secretário para a Economia e Finanças com base nos fundamentos de indeferimento concretamente revelados no parecer constante da Proposta n.º .../2014/02R do IPIM. No referido despacho decidiu-se indeferir o pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária relativo a técnicos especializados deduzido pela Recorrente (ora acto administrativo recorrido: Doc. 1).
4. Por art.º 1º da Ordem Executiva n.º 110/2014, o Chefe do Executivo delegou as competências no Secretário para a Economia e Finanças para tratar dos assuntos referidos no art.º 3º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999;
5. O Secretário para a Economia e Finanças proferiu o despacho de indeferimento em apreço, por força das competências que lhe foram delegadas ao abrigo do art.º 1º da Ordem Executiva n.º 110/2014, com vista a tratar dos assuntos referidos no art.º 3º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999; deste modo, a Entidade Recorrida, Secretário para a Economia e Finanças, é competente para proferir a decisão recorrida.
6. Nos termos do art.º 36º, n.ºs 1 e 2, alínea 1) da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária), compete ao TSI julgar os actos praticados pelos Secretários por causa do exercício das suas funções, e os recursos contenciosos das decisões dos tribunais de primeira instância; assim sendo, o TSI é competente para o julgamento do presente caso.
7. A Recorrente, A, recebeu, em 22 de Fevereiro de 2020, por via postal, do IPIM a Notificação de indeferimento – Pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária de técnicos especializados (P.../2014/02R); (Doc. 2)
8. O acto administrativo recorrido violou os princípios e preceitos jurídicos aplicáveis, constituindo anulabilidade prevista no art.º 21º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso, e no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo.
9. A Recorrente, A, é portadora do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM n.º ..., emitido em 10 de Abril de 2018 pela Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM, e do Passaporte da República Popular da China n.º ..., emitido em 6 de Março de 2023 pela Administração Nacional de Imigração da China (Doc. 3 e 4);
10. Conforme o acto administrativo recorrido, os fundamentos de indeferimento concretamente revelados no parecer constante da Proposta n.º .../2014/02R do IPIM expõem: “Em 8 de Janeiro de 2015, pela primeira vez, foi deferido o pedido de autorização de fixação de residência temporária formulado pela Recorrente; em 14 de Fevereiro de 2018, pela primeira vez, foi deferido o pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária até 8 de Janeiro de 2021; e, em 22 de Setembro de 2020, foi apresentado o presente pedido de renovação.”
11. Segundo o ponto 4 da referida Proposta n.º .../2014/02R:
“Para efeitos de renovação, a requerente apresentou os documentos comprovativos do contrato de trabalho e os respectivos documentos de que constam (vide fls. 11 a 29):
Designação do empregador: Companhia de Televisão por Satélite X, Lda. (vide fls. 14)
Cargo assumido: Vice-editor-chefe e assistente do presidente (vide fls. 14)
Salário de base: MOP30.000,00 (vide fls. 14)
Data de contratação: início de funções a 9 de Novembro de 2007, contrato sem prazo (vide fls. 14)”
12. De requerimento apresentado em conformidade com o estatuto da Companhia de Televisão por Satélite X, Lda. se constata que Hong Kong é o local de residência declarado pelo presidente da aludida companhia, Sr. B. Na verdade, o mandatário judicial, por seu trabalho, sabe que o Sr. B ainda não regressou à RAEM (Doc. 5);
13. Para além do cargo de vice-editor-chefe, a Recorrente assume, por cumulação de funções, o cargo de assistente do presidente, porém, de acordo com a especulação lógica feita com base no requerimento apresentado em conformidade com o estatuto da sobredita companhia, pelo menos, o Sr. B (B) não regressou a Macau depois de Outubro de 2020, pelo que a Recorrente, como assistente do presidente, precisava auxiliar o presidente a trabalhar fora de Macau;
14. Mais, a Recorrente, como empregadora, vice-editor-chefe e assistente do presidente desta companhia, desde 2018, devido à expansão da actividade da rede de X e à implementação da nova plataforma de APP, a par disso, durante a pandemia, mormente, para garantir a inspecção anual da estação de televisão (em geral é iniciada no início de Setembro e terminada em Dezembro), responsabiliza-se permanentemente pelo trabalho de ligação entre a estação de televisão e a Administração Nacional de Rádio e Televisão, a fim de facilitar o envio de documentos e a comunicação imediata com Beijing, por conseguinte, esta companhia destacou uma equipa de editores, incluindo a Recorrente, para Zhuhai (Doc. 6);
15. A Recorrente trabalhava em Zhuhai, e o código de circulação era controlado durante a pandemia, por isso, se ela tivesse registo de entrada e saída da fronteira, seria dificultada a sua circulação, nomeadamente a sua entrada em Beijing, afectando a inspecção anual da estação de televisão realizada no Interior da China;
16. As folhas do Passaporte da RPC n.º ... (passaporte antigo) da Recorrente, emitido em 15 de Janeiro de 2018 pelo Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros na Região Administrativa Especial de Macau, foram quase preenchidas no início de 2021, pelo que, para efeitos de substituição do passaporte, a Recorrente pediu várias vezes informações à Direcção dos Serviços de Migração de Zhuhai, e, por seu turno, essa entidade respondeu que, devido à pandemia, a substituição do passaporte poderia não ser autorizada durante a pandemia, e que seria cortado um canto do passaporte, ficando sem efeito, caso tivesse sido apresentado o respectivo requerimento (Doc. 7);
17. O domicílio oficial da Recorrente situa-se fora da província de Guangdong (está na cidade de Zhuzhou da província de Hunan), portanto, geralmente, a substituição do passaporte dura, pelo menos, 20 dias úteis, sendo relativamente longo o período de autorização e resposta. Na altura, a Recorrente não sabia quando terminaria a pandemia, deixando de requerer a substituição do passaporte, visto que pretendia guardar o reduzido espaço em branco da folha do passaporte para ser usado no caso de emergência (Doc. 8);
18. Posteriormente, expirou-se também a declaração para entrada e saída da fronteira do Interior da China requerida pela Recorrente junto do IPIM, pelo que a Recorrente não podia entrar e sair frequentemente de Macau, e só podia usar o Salvo-conduto Duplo para a deslocação entre o Interior da China e a RAEM;
19. Até o término da pandemia, recentemente, a Recorrente requereu a substituição do passaporte no seu domicílio oficial (cidade de Zhuzhou da província de Hunan) (Doc. 4).
20. Ademais, segundo o ponto 6 da Proposta n.º .../2014/02R: “Mais, conforme as situações familiares declaradas pela requerente, ela própria e seus dois ascendentes habitavam em Zhuhai, não se mostrando que Macau era o centro de vida familiar da requerente;”
21. A Recorrente não concorda com o ponto 6 da Proposta n.º .../2014/02R que apontou que Macau não era o centro de vida familiar da Recorrente por o primeiro pedido de autorização de residência temporária formulado pela Recorrente não ter estendido aos seus ascendentes;
22. O pedido da Recorrente não estendeu aos seus ascendentes, porque estes já eram idosos e estavam habituados a viver no Interior da China; a par disso, a proposta não devia concluir que Macau não fosse o centro de vida familiar da Recorrente, por os ascendentes desta se encontrarem em Zhuhai;
23. Por motivo de trabalho, a Recorrente foi destacada para o Interior da China, além disso, por ser solteira e não ter nenhum filho, ela podia visitar ou viver com seus ascendentes em Zhuhai quando se encontrava no Interior da China. Isto não significa que Macau não fosse o centro de vida familiar da Recorrente.
24. Como é sabido, a pandemia da COVID-19 causou impactos inestimáveis a todos os sectores em Macau, até ao funcionamento do Governo da RAEM, dos tribunais e dos casinos, bem como à indústria de turismo de Macau; e, todos os residentes de Macau precisavam de fazer, desnecessariamente, o isolamento domiciliar, reduzindo a saída do domicílio;
25. O funcionamento dos serviços públicos e privados só começou a ser gradualmente recuperado a partir do término da pandemia declarado pelo Estado.
26. A Entidade Recorrida não observou o justo impedimento existente durante a pandemia para tratar flexivelmente do assunto relativo ao período de permanência da Recorrente em Macau, ou seja, não considerou que a Recorrente se tivesse ausentado de Macau com justa causa;
27. Durante a pandemia, devido à evitação da concentração de pessoas, à realização da medição de temperatura corporal, à apresentação da declaração de saúde, à suspensão de alguns serviços e a demais obstáculos, afigura-se que os serviços públicos e privados apenas funcionavam meio dia; muitas vezes, a Recorrente encontrava-se no Interior da China e não podia regressar subitamente à RAEM, uma vez que ela vivia em Zhuhai e em Macau, bem como era destacada para o Interior da China por um longo período de tempo, a par disso, tinha receio de que fosse infectada pela COVID-19 na passagem da fronteira ou o Código de Saúde revelasse o registo de saída da fronteira, afectando o seu trabalho no Interior da China, nomeadamente a sua entrada em Beijing e a inspecção anual da estação de televisão realizada no Interior da China.
28. A Recorrente tinha condições de realizar os trabalhos rotinários em Macau, mas passou a habitar fora de Macau só por decisão da sua empregadora e por causa da pandemia que durou cerca de três anos, e não por sua vontade, sendo este um justo impedimento.
29. O acto administrativo recorrido não atendeu ao justo impedimento existente durante a pandemia, bem como violou o princípio geral do direito administrativo – princípio da boa fé, previsto no art.º 8º do Código do Procedimento Administrativo e observado no exercício de poderes discricionários.
30. Por cima, o IPIM aguardou o momento em que se verificaram as condições objectivas desfavoráveis à Recorrente, e aproveitou-as como fundamentos de facto do procedimento administrativo da recolha de elementos para a elaboração da Proposta n.º .../2014/02R que indeferiu o pedido de renovação formulado pela Recorrente, o que frustrou manifestamente a confiança ou expectativa da Recorrente no seu acto prévio, violando o princípio geral do direito administrativo – princípio da boa fé, previsto no art.º 8º do Código do Procedimento Administrativo e observado no exercício de poderes discricionários.
31. Nesta conformidade, vem a Recorrente, A, solicitar ao douto TSI que julgue procedente o recurso contencioso interposto, visto que o acto administrativo recorrido deve ser anulado, por padecer do vício de violação do princípio geral do direito administrativo – princípio da boa fé, previsto no art.º 8º do Código do Procedimento Administrativo e observado no exercício de poderes discricionários.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões:
1) A decisão da entidade recorrida de 27/01/2023, que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária da recorrente contenciosa, não padece dos vícios invocados pela mesma.
2) A Administração não errou ao determinar que a recorrente não tinha residência habitual em Macau.
3) Ao analisar se está preenchida a condição de “residência habitual”, deve ter-se em conta, para além do lugar onde a pessoa reside, o centro da sua vida pessoal e as várias relações (jurídicas) construídas naquele local, devendo essas relações ser “efectivas e estáveis”.
4) No caso dos presentes autos, os registos dos movimentos fronteiriços da recorrente revelam que desde Fevereiro de 2020, a mesma ficou fora de Macau a maior parte do tempo. Também foi registado que não entrou em Macau por um período de tempo de seis meses consecutivos. O número de vezes e a frequência com que a recorrente entrou na Região não revelam que a mesma entrou no território com frequência e regularidade.
5) Acresce que a recorrente declarou que a sua morada era em Zhuhai, o que mostra que ela não tinha residência habitual em Macau.
6) A recorrente indicou complementarmente no procedimento de renovação que ela necessitava de viajar entre Zhuhai e Macau por necessidade do trabalho, no entanto, nunca apresentou prova no procedimento administrativo (tal como documento comprovativo emitido pela entidade empregadora). Portanto, isso não pode servir de razão para acusar a decisão recorrida de não ponderar os motivos justos da sua ausência de Macau.
7) Ainda que a recorrente invocasse as causas acima indicadas pelas quais tinha de trabalhar no Interior da China, não se encontrou nos autos qualquer prova quanto à necessidade de trabalhar no Interior da China.
8) Em conclusão, dos registos dos movimentos fronteiriços da recorrente contenciosa resultou que a mesma raramente voltou para Macau durante o período entre Fevereiro de 2020 e Outubro de 2021 (mormente em 2021, foi registado que a recorrente não entrou no território durante vários meses). Os seguintes factos – a recorrente residia no Interior da China, não residia/pernoitava em Macau, o número de vezes e a frequência com que a recorrente entrou na Região não revelam que a mesma entrou no território com frequência e regularidade, a mesma não tinha motivos justos para a sua ausência de Macau – mostram que, objectivamente, a recorrente não desenvolveu a vida pessoal em Macau, nem estabeleceu relação efectiva e estável com a Região. Pelo exposto, não está preenchido o requisito de residência habitual em Macau.
9) O artº 43º, nº 2/al. 3), da lei nº 16/2021 prevê explicitamente que o titular da autorização de residência deve ter residência habitual na RAEM, sob pena de revogação ou de não renovação da sua autorização de residência.
10) O regime de autorização de residência tem um certo sentido constitucional.
11) Assim sendo, no intuito de salvaguardar os interesses da sociedade como um todo e o valor fundamental do regime de fixação de residência por investimento em imóveis, a autorização de residência não deve ser renovada em caso de violação dos pressupostos ou condições para a concessão de autorização de residência.
12) No caso vertente, a Administração executou a lei por a recorrente não satisfazer os requisitos legais, não se verificando qualquer erro notório ou grave, pelo que não foi violado o princípio da boa fé.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, apenas a Entidade Recorrida o fez oferecendo o merecimento dos autos.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
a) No seguimento do pedido de renovação da autorização de residência em Macau formulado pela Recorrente foi o mesmo indeferido por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 27.01.2023, nos termos e com os fundamentos da Proposta nº .../2014/02R elaborada pela IPIM, a qual consta de fls. 16 a 21 e traduzida a fls. 77 a 88 e com o seguinte teor:
Proposta n.º .../2014/02R
Pedido de autorização de fixação de residência temporária de técnicos especializados – Renovação
Requerente – A
Aplicação do Regulamento Administrativo n.º 3/2005

Despacho do Secretário para a Economia e Finanças
Por força das competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 3/2020, concordo com a análise realizada na presente proposta, e, nos termos do art.º 43º, n.º 2, alínea 3), e n.º 3 da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente ao abrigo do art.º 23º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, indefiro o pedido de renovação formulado pela requerente.
Secretário para a Economia e Finanças
(Assinatura vide o original)

27 de Janeiro de 2023

Parecer do Presidente do Conselho de Administração do IPIM, substituto
Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças
Concordo com a análise e a proposta. Venho propor que seja indeferido o pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária formulado pela seguinte interessada.
Número
Nome
Relação
1
A
Requerente
Submeto à consideração do Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças.
(Assinatura vide o original)
…/Presidente, substº.
12.08.2022

Parecer do vogal executivo do Conselho de Administração do IPIM
Concordo com o proposto.
(Assinatura vide o original)
Vogal executivo

12.08.2022
Parecer do Chefe da Divisão dos Assuntos de Fixação de Residência
Concordo com o proposto.
(Assinatura vide o original)
Chefe da Divisão dos Assuntos de Fixação de Residência

09.08.2022

Assunto: Apreciação do pedido de fixação de residência temporária
Exmo. Sr. Chefe da Divisão dos Assuntos de Fixação de Residência
N.º
Nome
Relação
Doc. Ident./N.º
Validade do Doc. Ident.
Validade da autorização de fixação de residência temporária
Data da apresentação do 1º pedido de extensão aos membros de agregado familiar
1
A
Requerente
Passaporte da RPC n.º ...
14/01/2028
08/01/2021
Não existe
1. Dados de identificação da interessada:

2. Em 8 de Janeiro de 2015, pela primeira vez, foi deferido o pedido de autorização de fixação de residência temporária formulado pela requerente, A; em 14 de Fevereiro de 2018, pela primeira vez, foi deferido o pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária até 8 de Janeiro de 2021; e, em 22 de Setembro de 2020, foi apresentado o presente pedido de renovação.
3. Conforme os elementos constantes do processo, não foi detectado nenhum registo criminal da requerente.
4. Para efeitos de renovação, a requerente apresentou os documentos comprovativos do contrato de trabalho e os respectivos documentos de que constam (vide fls. 11 a 29):
Designação do empregador: Companhia de Televisão por Satélite X, Lda. (vide fls. 14)
Cargo assumido: Vice-editor-chefe e assistente do presidente (vide fls. 14)
Salário de base: MOP30.000,00 (vide fls. 14)
Data de contratação: início de funções a 9 de Novembro de 2007, contrato sem prazo (vide fls. 14)
5. Por ofícios n.ºs OF/06053/DJFR/2020 e OF/05580/DJFR/2021, datados de 14 de Outubro de 2020 e 23 de Novembro de 2021, respectivamente, este Instituto pediu ao Corpo de Polícia de Segurança Pública o fornecimento dos registos de migração da requerente e dos respectivos elementos (vide fls. 36 a 50 e 77 a 82):
Data
Número de dias de permanência da requerente em Macau
01.01.2017-31.12.2017
81
01.01.2018-31.12.2018
166
01.01.2019-31.12.2019
181
01.01.2020-31.12.2020
121
01.01.2021-31.10.2021
5
Os registos de migração da requerente acima expostos não são suficientes para demonstrarem que, durante o período de validade da autorização de residência temporária, a requerente estivesse centrada e focada em Macau, sendo desfavoráveis ao pedido de renovação da autorização de residência temporária em causa.
6. Assim sendo, por ofício n.º OF/00046/DJFR/2021, de 5 de Janeiro de 2021, este Instituto notificou a requerente do procedimento de audiência instaurado, solicitando-lhe que apresentasse a descrição do trabalho e os respectivos documentos comprovativos relativos às situações supramencionadas. De acordo com os registos de expedição postal facultados pela Direcção dos Serviços de Correios, o aludido ofício foi expedido ao destinatário em 13 de Janeiro de 2021 (vide fls. 73 a 76), contudo, a requerente, não tendo observado o art.º 94º do Código do Procedimento Administrativo, não se pronunciou no prazo de 10 dias designado por este Instituto.
7. Com base nos documentos relativos ao pedido em questão, cumpre analisar as situações da permanência da requerente em Macau:
(1) Nos termos do art.º 43º, n.º 2, alínea 3) da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente ao abrigo dos artigos 18º e 23º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a interessada devia manter os pressupostos ou requisitos e as situações jurídicas relevantes subjacentes à concessão da autorização de residência, bem como residir habitualmente em Macau, durante o período de residência temporária da mesma em Macau;
(2) Nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 4º da Lei n.º 8/1999: “Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores;
(3) Segundo os registos de migração em apreço, no período compreendido entre 2017 e 31 de Outubro de 2021, os números de dias em que a requerente permaneceu em Macau em cada ano são de 81 dias, 166 dias, 181 dias, 121 dias e 5 dias, respectivamente; os números de vezes em que a mesma entrou em Macau são de 80 vezes, 166 vezes, 181 vezes, 112 vezes e 5 vezes, respectivamente; das 544 vezes da entrada em Macau, apenas 3 vezes ela permaneceu em Macau por um período de 2 a 8 dias; nas restantes situações, ela entrou e saiu de Macau no mesmo dia ou entrou e saiu várias vezes de Macau no mesmo dia; a par disso, ela saiu de Macau desde Abril de 2021 e, durante seis meses, até 31 de Outubro de 2021, nunca regressou a Macau, o que revela que, na maior parte do período de validade da autorização de residência temporária, a requerente não esteve presente em Macau;
(4) Embora, no período entre 2018 e 2019, a requerente tenha mantido pelo menos 11 vezes da entrada em Macau em cada mês, em Janeiro de 2020, registaram-se 12 vezes da entrada da mesma em Macau, a seguir, entre Fevereiro e Abril, não houve nenhum registo da entrada da mesma em Macau, entre Maio e Julho, ela entrou 1 vez, 7 vezes e 8 vezes em Macau, respectivamente, entre Agosto de Dezembro, voltou a entrar pelo menos 11 vezes em Macau em cada mês; a par disso, apenas em Janeiro, Março e Abril de 2021, a requerente entrou em Macau 3 vezes, 1 vez e 1 vez, respectivamente, mas, em Fevereiro e Maio a Outubro, ela não entrou em Macau. Conforme o período e a frequência das entradas em Macau, não se averigua que a requerente tenha exercido, regular e frequentemente, actividades profissional remunerada ou empresarial no período em apreço, não sendo compatível com a situação prevista no n.º 5 do art.º 43º da Lei n.º 16/2021 – “considera-se que não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial”.
(5) Pelo pedido de autorização de fixação de residência temporária, a requerente declarou o seu endereço residencial actual – “cidade de Zhuhai da província de Guangdong da RPC (中國廣東省珠海市…)”, a par disso, conforme a análise do período e frequência das entradas da mesma em Macau, constata-se que a requerente não tinha residência habitual em Macau;
(6) Mais, conforme as situações familiares declaradas pela requerente, ela própria e seus dois ascendentes habitavam em Zhuhai, não se mostrando que Macau era o centro de vida familiar da requerente;
(7) Embora a requerente tenha respondido que, por motivo de trabalho, precisava deslocar-se permanentemente entre Zhuhai e Macau, é indispensável indicar que à interessada cabe o ónus da prova e a requerente nunca apresentou documento emitido pela sua empregadora que demonstrasse que ela tinha de trabalhar fora de Macau, pelo que tal motivo não serve da justa causa da falta da residência habitual da requerente em Macau;
(8) É necessário afirmar que a lei preceitua que a residência habitual é o requisito da manutenção da autorização de fixação de residência temporária, portanto, a interessada devia observar a respectiva disposição legal desde a concessão da autorização de fixação de residência temporária. Com efeito, a requerente obteve a autorização de fixação de residência temporária em 8 de Janeiro de 2015, mas ainda decidiu viver em Zhuhai mesmo que tivesse condições de realizar os trabalhos rotinários em Macau, sendo esta uma opção pessoal dela. Deixa de habitar em Macau por vontade própria não é um justo impedimento;
(9) Ademais, a requerente obteve a autorização de fixação de residência temporária há pelo menos 7 anos, porém os documentos apresentados juntamente com o presente pedido apenas mostram que ela é empregada de uma instituição sediada em Macau, e não a existência de mais vínculo entre ela e Macau, o que revela que a requerente tem pouca intenção de permanecer em Macau;
(10) Findo o procedimento de audiência, não se verifica outra causa justificativa que impeça que a requerente viva e habite em Macau. Pelas circunstâncias acima expostas, averigua-se que a interessada não reside habitualmente na RAEM.
8. Pelo exposto, a residência habitual da interessada na RAEM é o requisito da manutenção da autorização de fixação de residência, contudo, conforme os registos de migração facultados pelo CPSP, desde a obtenção da autorização de fixação de residência temporária, na maior parte do tempo, a requerente não se encontrava presente em Macau. Findo o procedimento de audiência, tendo-se em consideração as situações referidas no n.º 4 do art.º 4º da Lei n.º 8/1999, constata-se que, durante o período de validade da autorização de residência temporária, a interessada não residia habitualmente em Macau. Deste modo, propõe-se ao Secretário para a Economia e Finanças que, no uso das competências delegadas pelo Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, e nos termos do art.º 43º, n.º 2, alínea 3), e n.º 3 da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente ao abrigo do art.º 23º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, seja indeferido o pedido de renovação da autorização de fixação de residência temporária ora formulado pela requerente, A.
À consideração superior
O Técnico,
(Assinatura vide o original)

6 de Agosto de 2022
Elaborada por: …
b) A Recorrente foi notificada daquele Despacho em 22.02.2023 – cf. fls. 23 -.

b) Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto do Secretário para a Economia de indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i.)
  Baseou-se o acto recorrido na consideração, por parte da Administração, de que a Recorrente não teve residência habitual na RAEM e na aplicação subsidiária das normas da alínea 3) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
  A Recorrente, na douta petição inicial, limita-se a imputar ao acto recorrido o vício de não ter atendido ao que chama de «justo impedimento» durante o período da pandemia para permanecer em Macau e o vício resultante da violação do princípio geral da boa fé.
  Vejamos.
  (ii.)
  (ii.1.)
  Se bem interpretamos o sentido da alegação da Recorrente, esta, ao invocar o dito «justo impedimento», aquilo que verdadeiramente pretende é questionar o pressuposto da sua falta de residência habitual em Macau que foi considerado pela Administração e fundamentou o acto impugnado.
  Em todo o caso, salvo o devido respeito, parece-nos que a Recorrente não tem razão. Procuraremos, de modo breve, justificar.
  A residência habitual na RAEM é um pressuposto da manutenção e da renovação da autorização temporária de residência. É isso o que resulta da norma da alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, a qual é aplicável à situação em apreço em virtude da norma remissiva constante do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, segundo a qual «é subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau».
  Antes da entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, os nossos Tribunais tenderam a construir o conceito de residência habitual (o qual, sempre se diga, sendo um conceito jurídico indeterminado, não confere, segundo o entendimento pacífico da nossa jurisprudência, margem de livre apreciação à Administração), a partir da norma do artigo 30.º do Código Civil, fazendo-o coincidir com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o seu centro de interesses vitais, o centro efectivo da sua vida, constituindo, portanto, o local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais. Deste modo, sempre se afastou do conceito o local que serve de mera passagem, ou aquele no qual uma pessoa está por curtos e intermitentes períodos de tempo (veja-se, por exemplo, neste sentido, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 182/2020).
  Todavia, através da norma do n.º 5 do artigo 46.º da Lei n.º 16/2021, o legislador veio esclarecer que, o conceito de residência habitual relevante enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, não exige, contrariamente ao que vinha sendo decidido, que Macau constitua o local onde se encontra radicado o centro de interesses, o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, que aqui nem sequer precisa de ter a sua habitação. Na verdade, resulta expressamente daquela norma que «não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial», pelo que, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades.
  Como se vê, a lei procedeu a uma definição de residente habitual para efeitos de manutenção e de renovação da autorização de residência que é bem mais ampla do que aquela que vinha sendo decantada pelos Tribunais: à luz da lei é também residente habitual quem em Macau exerce uma actividade académica, profissional ou empresarial e que, por causa do exercício dessa actividade, aqui se desloca regular e frequentemente.
  Este último requisito necessário ao preenchimento do conceito legal de residente habitual é caracterizado pela respectiva imprecisão e indeterminação, embora não nos pareça que, através da respectiva utilização, o legislador tenha pretendido conferir discricionariedade à Administração. Com efeito, julgamos não se poder dizer que o tipo de valoração que o conceito suscita faça apelo à experiência e a apreciações que são próprias da Administração, nem a um saber específico da Administração, nem a uma especial preparação técnico-científica do órgão administrativo ou a uma legitimação especial da autoridade responsável pela decisão, nem, finalmente, a um juízo de prognose ou de avaliação prospectiva associado à descrição do núcleo típico de competências de determinada autoridade administrativa (sobre este ponto, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, volume I, Coimbra, 2020, pp. 257-258). Significa isto, pois, que na densificação casuística do conceito não caberá à Administração a última palavra, podendo os tribunais, em sede contenciosa, sindicar com plenitude o modo como a Administração actuou.
  (ii.2)
  Face aos elementos de facto que fluem dos autos e que constituíram os pressupostos de facto do acto recorrido, parece-nos legítimo concluir que, como a Administração também concluiu, a Recorrente, entre Janeiro de 2017 e Outubro de 2021, não teve residência habitual em Macau. Com efeito, resulta daqueles elementos que, em 2017, a Recorrente permaneceu em Macau 81 dias, em 2018, 166 dias, em 2019, 181 dias, em 2020, 121 dias e em 2021, 5 dias. Além disso, entre Abril de 2021 e Outubro de 2021, a Recorrente nunca entrou em Macau e das 544 vezes que a Recorrente entrou em Macau antes de Abril de 2021, apenas por 3 vezes ela permaneceu por um período de tempo de 2 a 8 dias, sendo que, nas restantes 541 vezes, a Recorrente entrou e saiu no mesmo dia.
  A partir desta factualidade, facilmente podemos dizer que, no período em causa, a Recorrente não estabilizou a sua vida em Macau, não tendo, pois, chegado a constituir aqui o centro permanente dos seus interesses mais relevantes, uma vez que é evidentemente incompatível com uma conclusão nesse sentido, o facto de a mesma aqui ter permanecido por tão pouco tempo. Aliás, a confirmar isto mesmo, a Recorrente, no pedido de renovação que formulou junto da Administração, indicou como residência actual, um endereço na cidade de Zhuhai, no Interior da China.
  Além disso, também se não demonstra que a Recorrente, no período temporal relevante, tivesse em Macau o local de trabalho contratualmente acordado com a sua Entidade Patronal, nem que, nesse mesmo período, a mesma aqui se tenha deslocado com regularidade e frequência, e, portanto, sem que tenha preenchido um dos requisitos do conceito legal de residência habitual plasmado no n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, precisamente o que exige que as deslocações sejam regulares e frequentes. Na verdade, estando em causa o exercício de uma actividade laboral, estamos em crer que a regularidade e frequência a que a lei se reporta há-de, em princípio, implicar uma deslocação a Macau durante os dias úteis, dado que, aquilo que a lei pretendeu foi, justamente, salvaguardar a situação de pessoas que trabalham e estudam em Macau, embora residam do outro lado da fronteira, seja no Interior da China, seja na Região vizinha de Hong Kong. Se bem vemos, a regularidade e frequência nas deslocações indispensáveis à afirmação da residência habitual não são compatíveis com deslocações esparsas a Macau, nem com longos períodos de ausência da Região.
  Uma última palavra para dizermos que, em nosso modesto entendimento, não colhe a invocação feita pela Recorrente das restrições nas fronteiras que existiram por ocasião da pandemia de covid-19 para justificar o facto de ela ter permanecido tão pouco tempo em Macau, porquanto, no essencial, durante a pandemia, sempre houve canais que permitiram a circulação de pessoas, sem grandes limitações, entre o Interior da China e a RAEM.
  Deste modo e como acima afirmámos, estará, parece-nos, plenamente justificada a conclusão da Administração no sentido de que faltava um pressuposto indispensável à renovação da autorização de residência da Recorrente, qual seja a sua residência habitual em Macau.
  (iii.)
  A Recorrente também alegou, sem substanciar, que o acto recorrido sofre do vício resultante da violação do princípio da boa fé. Segundo diz, a Administração aguardou o momento em que se verificaram condições objectivas desfavoráveis à Recorrente para indeferir o seu pedido de renovação, o que teria frustrado a sua confiança ou legítima expectativa.
  Parece-nos, salvo o devido respeito, que a Recorrente labora em manifesto equívoco.
  Em primeiro lugar, quer-nos parecer que a Administração se limitou, como legalmente lhe competia, tendo em vista a decisão sobre o pedido de renovação da autorização de residência temporária formulado pela Recorrente, a proceder às diligências instrutórias que se lhe afiguraram necessárias para o apuramento da questão da residência habitual da Recorrente, uma vez que a manutenção da mesma é necessária, em princípio, à renovação da autorização, nos termos que resultam do disposto no artigo 43.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 16/2021. A Administração, como é evidente, não aguardou que se verificassem condições desfavoráveis à Recorrente, pela simples razão de que os elementos recolhidos se reportam aos anos de 2017 a 2021, ou seja ao lapso de tempo relevante na perspectiva da renovação da autorização de residência temporária cujo termo, recorde-se, ocorreu em 8 de Janeiro de 2021.
  De acordo com o entendimento que nos parece preferível, a operatividade do princípio da tutela da confiança depende de diversos pressupostos, a saber: a conduta de um sujeito criadora de confiança, sem violação de deveres de cuidado que ao caso caibam; uma situação, justificada objectivamente, de confiança baseada em elementos do caso que lhe atribuam razoabilidade; um investimento de confiança consistente no sujeito confiante ter assentado actividades jurídicas claras sobre as expectativas criadas, um nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro e a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou (na jurisprudência comparada, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, processo n.º 753/11, disponível para consulta em linha e na doutrina, MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª edição, Lisboa, 2008, pp. 222-223 e ainda, em termos não inteiramente coincidentes, PEDRO MONIZ LOPES, Princípio da Boa fé e Decisão Administrativa, Coimbra, 2011, pp. 279-286).
  Ora, no caso, parece-nos que se não verificam os enunciados pressupostos, desde logo e decisivamente, por não vir alegada qualquer conduta da Administração que tivesse sido ou sequer pudesse ter sido criadora de expectativas na Recorrente quanto à irrelevância do local da sua residência habitual para a manutenção e para a renovação da autorização de residência. Não houve, pois, segundo cremos, violação do princípio da boa fé a que alude o artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
  O Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público vem de acordo com aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal em situações idênticas.
  Destarte, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc´s.
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 30 de Novembro de 2023
  Rui Pereira Ribeiro
  (Relator)
  Fong Man Chong
  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng
  (Segundo Juiz-Adjunto)
  Álvaro António Mangas Abreu Dantas
  (Delegado Coordenador do Ministério Público)

201/2023 REC CONT 66