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Processo nº 256/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 07 de Dezembro de 2023

ASSUNTO:
- Renovação de autorização de residência
- Residência habitual

SUMÁRIO:
1. No n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, o legislador veio esclarecer que o conceito de residência habitual relevante enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, não exige que Macau constitua o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, o qual nem sequer precisa de aqui ter a sua habitação para pernoitar.
2. Resulta expressamente daquela norma que «não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial», pelo que, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso, residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades.

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Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 256/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 07 de Dezembro de 2023
Recorrentes: A, B, C e D
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A, B, C e D, todos, com os demais sinais dos autos,
  vêm interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 31.01.2023 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência, formulando as seguintes conclusões:
1. O acto recorrido é o despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças no uso das competências delegadas pelo Chefe do Executivo da RAEM em 31 de Janeiro de 2012 que conforme as competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 3/2020, concordou com a análise feita na proposta e, nos termos do artigo 19.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e do artigo 43.º n.º 2 alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021 subsidariamente aplicável por força do artigo 23.º do mesmo Regulamento Administrativo, indeferiu o pedido de renovação do Requerente e dos seus agregados familiares beneficiados.
2. Salvo o devido respeito, os Recorrentes não podem concordar com o ponto de vista e o entendimento acima referidos. O acto administrativo recorrido padece manifestamente do vício de violação dos princípios da boa-fé, da colaboração e do inquisitório e do vício de erro na aplicação do artigo 4.º n.º 4 da Lei n.º 8/1999 e do artigo 43.º n.º 2 alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021 por erro no reconhecimento dos factos, pelo que, vêm interpor o presente recurso contencioso.
3. Quanto à violação dos princípios da boa-fé, da colaboração e do inquisitório, em 11 de Agosto de 2020 e 26 de Janeiro de 2022, o IPIM pediu ao CPSP para fornecer os registos de entrada e saída dos 4 Recorrentes, e conforme os registos de entrada e saída do 1.º Recorrente, da 2.ª Recorrente e da 4.ª Recorrente, entendeu ser insuficiente para revelar que eles têm centro da vida em Macau e assim reconheceu que os Recorrentes não preenchem a condição da manutenção da autorização de residência, isto é, residência habitual na RAEM.
4. Para isso , em 14 de Novembro de 2020, o 1.º Recorrente e a 2.ª Recorrente apresentaram resposta à audiência escrita, na qual mencionaram as razões da sua ausência temporária de Macau, cujo conteúdo se transcreve, em síntese, o seguinte: “Nos últimos anos, dado que tenho fábrica no interior da China, tenho de tratar dos assuntos diários desta, o meu cônjuge também me coadjuva no tratamento dos assuntos da fábrica no interior da China e os meus filhos ainda estão pequenos, não podendo viver e estudar sozinhos em Macau, pelo que, eles só podem residir comigo no interior da China”.
5. Após a resposta do 1.º Recorrente e da 2.ª Recorrente, o IPIM não pediu aos dois Recorrentes para esclarecer mais profundamente as razões da sua ausência temporária de Macau, e no processo, também não se revela que a Administração realizou investigação da referida situação.
6. Segundo o entendimento do Tribunal de Última Instância no acórdão proferido no processo n.º 109(sic)/2019, impõe-se que a Administração verifique “se, apesar da ausência de Macau, o 1.º Recorrente e a 2.ª Recorrente mantêm residência habitual em Macau”, isto é, deve verificar se o 1.º Recorrente e a 2.ª Recorrente preenchem a situação excepcional prevista no artigo 4.º n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 8/1999: apesar da ausência, se mantêm residência habitual em Macau.
7. Porém, no procedimento do presente pedido de renovação da autorização de residência temporária, sem efectuar qualquer investigação para verificar se, apesar da ausência, o 1.º Recorrente e a 2.ª Recorrente mantêm residência habitual em Macau ou solicitar-lhes para fazer esclarecimento complementar, a Administração determinou que os 1.º e 2.ª Recorrentes escolheram não residir em Macau conforme a sua própria vontade e assim reconheceu que a referida situação não constitui obstáculo razoável.
8. De facto, a intenção inicial dos 1.º Recorrente e 2.ª Recorrente de criar nova companhia e nova fábrica no interior da China durante a epidemia em 2020 é para desenvolver as actividades do mesmo género em Macau quando as condições da E, Ltd. sejam maduras, e a ausência temporária de Macau deles deveu-se ao impacto causado pelas políticas de prevenção epidémica e de passagem fronteiriça, o que fez com que eles não pudessem deixar de permanecer temporariamente na companhia do interior da China durante o período inicial da criação da companhia.
9. Assim, sem investigar pormenorizadamente as situações concretas da ausência temporária de Macau dos 1.º e 2.ª Recorrentes nem lhes solicitar para fazer esclarecimento complementar e apresentar provas, a Administração concluiu arbitrariamente que os Recorrentes não têm residência habitual em Macau, pelo que, tal acto violou o princípio da boa fé, o princípio da colaboração e o princípio do inquisitório, devendo ser anulado.
10. Em relação ao erro na aplicação do artigo 4.º n.º 4 da Lei n.º 8/1999 e do artigo 43.º n.º 2 alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021 por erro no reconhecimento dos factos, do conteúdo da aludida Proposta resulta que os fundamentos com base nos quais foi reconhecido que os Recorrentes não preenchem o requisito da residência habitual são principalmente os registos da entrada e saída dos 1.º Requerente, 2.ª Recorrente e a 4.ª Recorrente que revelam que eles não estavam em Macau na maior parte do tempo e com base nisso foi reconhecido que eles não se deslocavam regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial na RAEM, pelo que, não preenchem o artigo 43.º n.º 5 da Lei n.º 16/2021 e foi reconhecido que o Recorrente e os seus agregados familiares não têm centro da vida na RAEM, não tendo, por isso, residência habitual na RAEM.
11. Salvo o devido respeito, entendem os Recorrentes que a decisão recorrida padece do vício de erro na aplicação do artigo 4.º n.º 4 da Lei n.º 8/1999 e do artigo 43.º n.º 2 alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021 por erro no reconhecimento dos factos.
12. Quanto ao sentido da “residência habitual”, nos termos do artigo 4.º n.º 1 da Lei n.º 8/1999, a residência habitual implica que o indivíduo reside legalmente em Macau e tem a sua residência habitual em Macau. A “residência habitual em Macau” é um conceito indeterminado, devendo ser integrada por dois elementos constitutivos: o “corpus” consubstancia uma residência efectiva externamente visível e o “animus” consubstancia uma mentalidade e vontade de ter a sua casa em Macau.
13. Além disso, a prática judicial também considera que a jurisprudência do Tribunal de Última Instância sobre “ter domicílio permanente em Macau” definido no artigo 1.º n.º 1 alínea 9) da Lei n.º 8/1999 é igualmente aplicável a “ter residência habitual em Macau”. No acórdão proferido no Processo n.º 21/2014, o Tribunal de Última Instância apontou que: II – Para efeitos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea 9), da Lei n.º 8/1999, tem domicílio permanente ou definitivo em Macau quem, além de residir habitualmente em Macau, tem aqui centrado a sua economia doméstica, quem tem em Macau o centro da sua vida profissional e familiar (ou, quem não exercendo profissão em Macau, possui meios de subsistência estáveis), quem paga os seus impostos em Macau, com intenção de aqui permanecer definitivamente. III - Domicílio permanente, no contexto do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea 9), da Lei n.º 8/1999, mencionado na conclusão II -, é um conceito indeterminado, sendo que na parte em que se refere ao centro da vida doméstica do residente, não confere à Administração qualquer margem de livre apreciação; já na parte em que se trata de apurar se o interessado tem intenção de permanecer definitivamente em Macau, há uma intenção de conferir à Administração uma margem de livre apreciação, por estar em causa um juízo de prognose, fundamentalmente, mas não exclusivamente, com suporte nos elementos mencionados no artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 8/1999.
14. Aliás, os n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999 referem claramente: a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau. Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, incluindo: (1) O motivo, período e frequência das ausências; (2) Se tem residência habitual em Macau; (3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; (4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.
15. Por outro lado, na elaboração da Lei n.º 16/2021 - regime jurídico do regime jurídico do controlo de migração e das autorizações de permanência e residência na Região Administrativa Especial de Macau, a 3.ª Comissão Permanente referiu, no seu Parecer n.º 4/VI/2021, sobre o artigo 43.º da referida Lei:
“Foi aditado um novo n.º 5 ao artigo 43.º da Proposta de Lei, na versão alternativa, que introduz esclarecimentos materiais ao conceito de residência habitual.
Conforme foi referido pela jurisprudência recentemente, a residência habitual tem sido entendida como exigindo um elemento de conexão entre a pessoa e a RAEM, expressando uma íntima e efectiva ligação a um local (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter (e manter) a sua residência. Tal obriga a que os interessados, que pretendam obter uma autorização de residência, regra geral, tenham que habitar e manter a sua habitação em Macau, de forma permanente, e ainda de terem (e manterem) a intenção de residir na RAEM.
A Proposta de lei, na sua versão alternativa, pretende esclarecer indubitavelmente o conceito de residência habitual, ao permitir que quem não pernoite na RAEM, tendo habitação e casa de família no exterior, as se desloque diariamente à RAEM para trabalhar, para exercer uma actividade profissional ou empresarial, para estudar ou para outra finalidade similar atendível, possa ser considerado como mantendo a sua residência habitual em Macau (cf. Artigo 43.º, n.º 5 da Proposta de Lei).
Em opção não estava contida na versão inicial da Proposta de Lei e resultou dos trabalhos desenvolvidos na especialidade, em sede de Comissão, onde se procurou esclarecer como o novo regime previsto na presente iniciativa legislativa se iria aplicar a quem trabalhe diariamente em Macau, mas tenha a sua habitação no exterior, por exemplo em Zhuhai ou na Ilha da Montanha.
Tendo sido questionado como o conceito tradicional de residência habitual, que obriga que se permaneça e se tenha habitação em Macau, se iria articular com o plano de desenvolvimento do Governo da RAEM na Ilha da Montanha (por exemplo, o “Projecto dos Novos Moradores de Macau”) e com as políticas de cooperação aprofundada com as cidades da Grande Baía, para facilitar a circulação regional de pessoas, para os interessados que tenham um local de residência habitual nas cidades da Grande Baía e exerçam a sua actividade profissional em Macau.
Este ponto foi alvo de uma reflexão muito aprofundada pelo proponente, tendo-se optado por aditar o novo n.º 5 ao artigo 43.º na versão alternativa da Proposta de Lei que prevê que quem não pernoite na RAEM, mas se desloque regularmente para estudar ou exercer uma actividade profissional ou empresarial em Macau não deixe de ser considerado como tendo residência habitual na RAEM”.
16. Quanto à situação da permanência na RAEM do requerente do pedido de residência de menos de 183 dias, seguidos ou interpolados, os pontos 76 a 78 do aludido Parecer também referiram: “Naturalmente, a Administração admite excepções (permanência física na RAEM de menos de 183 dias, seguidos ou interpolados), em situações decorrentes da legislação em vigor ou, em geral em situações devidamente justificadas e comprovadas tais como, ausência no exterior para tratamento médico, assistência a familiar doente, realização de cursos académicos ou profissionais não existentes ou dificilmente disponíveis na RAEM, profissões artísticas ou outras que exijam períodos de permanência no exterior mais longas, etc. Isto significa que é possível que uma pessoa esteja ausente de Macau por períodos significativos e, mesmo assim, se considere, para efeitos da lei migratória, que aqui mantém a sua residência habitual em Macau.” Como se referiu na resposta à questão anterior, a Administração admite excepções ao requisito da permanência física na RAEM por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, anualmente, em situações decorrentes da legislação em vigor. Todavia, a proposta de lei pode ser melhorada de forma a permitir uma maior mobilidade de pessoas entre a RAEM e as outras zonas da China vizinhas da RAEM. Este objectivo pode ser prosseguido prevendo-se que não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloca regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial (vide novo n.º 4 do artigo 43.º da proposta de lei)”. O caso das pessoas que trabalham diariamente em Macau, mas que tem casa em Zhuhai, ou na Ilha da Montanha, são tratados, de acordo com a lei em vigor, segundo o referido na resposta à questão 96 (no ponto 76 do parecer). No entanto, com a introdução da alteração referida na resposta anterior, o regime ficará mais flexível, de forma facilitar a circulação regional de pessoas, mas sem deixar de exigir às mesmas uma significativa conexão com a RAEM.”
17. Analisando sinteticamente o conteúdo da Proposta n.º 0298/2012/03R, os Recorrentes entendem que o acto recorrido não considerou as seguintes circunstâncias fácticas e situações relevantes. Em primeiro lugar, o 1.º Recorrente é um comerciante, sendo sócio e administrador da E, Ltd., companhia estabelecida e registada em Macau, e representante legal da Companhia de F, Sucursal de XX, companhia estabelecida no interior da China em 23 de Setembro de 2020, as suas actividades são principalmente nas cidades da Grande Baía, como Macau, Zhuhai e Jiangmen, entre as quais, as mais relevantes são em Macau.
18. Para pedir fixação de residência em Macau por investimento relevante, o 1.º Recorrente estabeleceu a E, Ltd. em Macau em 2011 (registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 39XX9(SO)), e para operar esta companhia, o 1.º Recorrente e outro sócio investiram, no total, mais de dez milhões de patacas na aquisição da fábrica e dos equipamentos.
19. Da certidão de registo comercial da E, Ltd. constante do processo resulta que o 1.º Recorrente é sócio e administrador desta, e desde a sua criação até agora, a companhia é administrada e operada pelo 1.º Recorrente e todos os assuntos da companhia são tratados pelo 1.º Recorrente. Desde a sua criação até agora, a E, Ltd. tem operação e funcionamento efectivos e cumpriu as obrigações de declarar e pagar os impostos.
20. De facto, não se deve ignorar que, o indício da operação e funcionamento efectivos que mostra a manutenção de um projecto de investimento relevante é uma das condições necessárias à renovação da autorização de residência temporária do Recorrente, pelo que, a manutenção do bom funcionamento e desenvolvimento da “E, Ltd.” é muito importante para a renovação da autorização de residência temporária do Recorrente. Sendo uma companhia de comércio de importação e exportação que tem como actividade principal a importação de produtos alimentares, como mariscos secos, barbatanas de tubarões, ninhos de pássaros, a E, Ltd. tem de importar em Macau produtos de alta qualidade que não estão disponíveis em Macau e podem atrair consumidores, a fim de ampliar as opções dos consumidores locais em produtos de diversas espécies.
21. Sendo sócio e administrador da “E, Ltd.”, para além dos trabalhos administrativos quotidianos da companhia, o 1.º Recorrente tem como função principal expandir os canais de origem dos produtos, assegurar o fornecimento dos produtos vindos de todo o mundo e fiscalizar a qualidade dos produtos, pelo que, precisa de encontrar e negociar frequentemente com os comerciantes grossistas, importadores e distribuidores de todo o mundo e também precisa de deslocar-se aos diferentes países ou regiões (nomeadamente diferentes províncias do interior da China, Vietname, Hong Kong, Taiwan, Tailândia) para realizar visitas aos fornecedores, pelo que, para o bom funcionamento da “E, Ltd.”, o 1.º Recorrente não pode deixar de ausentar-se temporariamente de Macau. Actualmente, os produtos importados pela “E, Ltd.” vêm principalmente dos Estados Unidos, Austrália, Espanha, Noruega, Nova Zelândia, Vietname, Hong Kong e interior da China.
22. Por outro lado, para além do comércio de importação acima referido, as actividades da “E, Ltd.” também incluem a actividade de transformação e de produção e o comércio de importação e exportação a que diz respeito. Sendo sócio e administrador da E, Ltd., o 1.º Recorrente deseja sempre que possa expandir e desenvolver as actividades da companhia mediante diversos canais, dando, nomeadamente, prioridade às de produção da comida cozida, gestão de restauração e entrega de comida, a fim de alargar o âmbito das actividades da companhia e aumentar suas receitas.
23. Para isso, o 1.º Recorrente tem procurado tal oportunidade de negócio, desejando aproveitar o vasto mercado do interior da China como zona- piloto para desenvolver o referido plano de negócio e trazer todas as experiências obtidas para a E, Ltd., de forma que a “E, Ltd.” possa aproveitar tal vantagem para explorar as actividades dos mesmos géneros no mercado de Macau, tentar ligar as actividades das companhias de Macau e do interior da China e promover a cooperação, no intuito de responder ao Acordo de Investimento no âmbito do Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o Continente Chinês e Macau implementado em 2017 e as Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau publicadas em 2019. Durante a epidemia ocorrida em 2020, o Recorrente teve uma oportunidade de negócio que permitiu o Recorrente desenvolver as actividades de produção e venda da comida cozida e de entrega colectiva de refeição no Distrito de Pengjiang da Cidade de Jiangmen como zona-piloto.
24. Em 23 de Setembro de 2020, o 1.º Recorrente criou uma companhia filial denominada “Companhia de F, Lda., Sucursal de Jiangmen” (doravante designada simplesmente por “F”) no interior da China e celebrou o “contrato de cooperação para a prestação de serviços de entrega de alimentos e bebidas às escolas do Distrito de Pengjiang da Cidade de Jiangmen” com a Direcção dos Serviços de Educação do Distrito de Pengjiang da Cidade de Jiangmen, conforme o qual, a “F” tem de ajudar a Direcção dos Serviços de Educação do Distrito de Pengjiang da Cidade de Jiangmen a prestar serviços de entrega de refeições para estudantes na escola.
25. Dado que tal novo negócio se iniciou durante a epidemia de COVID-19, para que pudesse tratar e resolver imediatamente os casos de emergência importantes, como procedimentos administrativos da Administração já estabelecidos, riscos de segurança alimentar e coordenação com as exigências das medidas de prevenção epidémica, o 1.º Recorrente que é o representante legal da companhia e o seu cônjuge B (2.ª Recorrente) não puderam deixar de permanecer o mais possível na companhia para evitar qualquer imprevisibilidade das políticas de prevenção epidémicas e de passagem fronteiriça de Macau e do interior da China, pois o 1.º Recorrente teve medo de que caso surgissem quaisquer problemas relevantes durante a sua residência em Macau, ele não poderia regressar imediatamente ao local para proceder ao tratamento, causando assim graves consequências. Pelo que, no período inicial da criação da dita companhia, meramente por causa da imprevisibilidade das políticas de prevenção epidémica e de passagem fronteiriça, o 1.º Recorrente e o seu cônjuge não puderam deixar de permanecer temporariamente na companhia para gerir os respectivos negócios.
26. Actualmente, através dos negócios realizados pela “F” na Cidade de Jiangmen como zona-piloto, o 1.º Recorrente já dominou certa técnicas e experiências profissionais, pretendendo introduzir as respectivas técnicas para Macau, a fim de desenvolver outras actividades da E, Ltd.. Porém, o 1.º Recorrente está a enfrentar o problema de não poder ser renovada a sua residência temporária, pelo que, ele não se atreve a concretizar o referido plano. Obviamente, isto causa obstáculo para o desenvolvimento da E, Ltd..
27. Além disso, ao longo dos anos, o 1.º Recorrente tem doado regularmente às instituições sem fins lucrativos de Macau para cumprir as suas responsabilidades sociais.
28. Daí, pode-se ver que, para o 1.º Recorrente, a RAEM é o núcleo onde o 1.º Recorrente desenvolve a sua carreira pessoal. O 1.º Recorrente tem-se dedicado ao desenvolvimento das actividades da referida companhia e tem-se preocupado com a RAEM. Caso o 1.º Recorrente não tivesse residência habitual em Macau, o 1.º Recorrente não veio a Macau com grandes somas de dinheiro para aqui fazer investimento e desenvolver a sua carreira. Pelo que, o 1.º Recorrente ausenta-se temporariamente de Macau meramente com o propósito de exercer actividade profissional e empresarial no exterior, não se podendo julgar com base nisso que o 1.º Recorrente não tem centro da vida em Macau.
29. Em segundo lugar, é de referir que, dos registos de entrada e saída do 1.º Recorrente resulta que nomeadamente em 2019, o Recorrente permaneceu em Macau por 119 dias, com 122 vezes da entrada e saída de Macau, pelo que, sendo um comerciante, o 1.º Recorrente deve ser considerado que entrou e saiu regular e frequentemente de Macau para exercer actividade empresarial.
30. Só que no período compreendido entre o início de 2020 e 2022, a epidemia causada pelo novo coronavírus ocorreu ininterruptamente em diferentes províncias do interior da China e Macau, e no início da epidemia, Macau e várias regiões do interior da China caíram, de repente, em um estado estático, e mesmo que a epidemia em Macau se encontrasse numa situação relativamente estável em algum tempo, o interior da China e Macau implementaram rigorosas limitações à entrada e saída das pessoas provenientes das regiões com alto risco de contágio, incluindo necessitaram de fazer testes de ácido nucleio, submeter-se ao isolamento centralizado, realizar a gestão de saúde e o monitoramento de saúde domiciliário, o que afectou gravemente a circulação das pessoas e produtos de Macau e do interior da China. Esta enorme mudança também é fielmente revelada nos registos de entrada e saída do Recorrente. O número de dias da permanência em Macau do Recorrente baixou dramaticamente de 119 dias em 2019 para 15 dias em 2020 e 37 dias em 2021, e a frequência da entrada e saída também baixou significativamente de 122 vezes em 2019 para 13 vezes em 2020 e 27 vezes.
31. Tal como já acima referido, em Setembro de 2020, o Recorrente estabeleceu uma companhia no interior da China que é uma companhia recém-criada para tentar exercer as actividades de produção e venda da comida cozida e de entrega colectiva de refeição no Distrito Pengjiang da Cidade de Jiangmen como zona-piloto. Na altura, perante a imprevisibilidade das políticas de prevenção epidémicas e de passagem fronteiriça implementadas por Macau e pelo interior da China, o Recorrente não pôde deixar de permanecer temporariamente na companhia para operar tal companhia recém-criada. A diminuição significativa da frequência da entrada e saída do 1.º Recorrente em 2020 e 2021 deveu-se meramente ao impacto causado pela epidemia e pelas políticas de passagem fronteiriça, pelo que, não se pode concluir que o 1.º Recorrente e os seus agregados familiares não têm residência habitual em Macau só com base nos aludidos dados.
32. É de salientar que, o elemento constitutivo mais nuclear duma família é a próxima geração que constitui a essência dos pais, e o planeamento da vida da próxima geração também é a tarefa principal de cada família. Para arranjar o seu filho e a sua filha menores (isto é, o 3.º Recorrente e a 4.ª Recorrente) a estudar em Macau, o 1.º Recorrente tinha procurado uma escola adequada para eles, porém, como pai, os pressupostos a considerar são os de não afectar, na maior extensão possível, a boa situação de estudo que o filho e a filha menores têm e encontrar efectivamente uma escola adequada em Macau.
33. Em 2019, o Recorrente já organizou tudo para o seu filho C (3.º Recorrente) passar a viver em Macau nos meados de 2020 após a conclusão do 9.º ano de escolaridade no interior da China, de forma que o seu filho pudesse adaptar a vida em Macau o mais rápido possível e continuar o seu estudo na Escola Secundária G no novo ano lectivo. Porém, devido à ataque da epidemia, o 1.º Recorrente obrigou-se a adiar o aludido plano para o início de 2021, altura em que a epidemia em Macau se encontrava em estado relativamente estável, pelo que, desde Janeiro de 2021, o filho do 1.º Recorrente, C (3.º Recorrente), desloca-se por si próprio a Macau para frequentar aulas e regressa à residência em Zhuhai após as aulas.
34. Quanto à 4.ª Recorrente, na altura, a 4.ª Recorrente estudava na Escola Secundária anexa à Universidade de H de Guangdong que é uma escola de primeira linha da província. Durante o estudo, a filha do Recorrente alcançou sempre um excelente desempenho em aprendizagem e um bom comportamento escolar e obteve melhores notas na turma. Para que a 4.ª Recorrente pudesse frequentar directamente o 10.º ano de escolaridade na Escola Secundária G em Macau, o 1.º Recorrente deixou a 4.ª Recorrente a concluir o ensino médio no interior da China e depois frequentar directamente o 10.º ano de escolaridade nessa escola com classificação de distinção.
35. Actualmente, o filho e a filha menores do Recorrente, ou seja, o 3.º Recorrente e a 4.ª Recorrente, adaptam muito a vida em Macau, têm boa relação com os professores e colegas da escola, participam activamente nas actividades escolares e voluntárias organizadas pela escola e já têm o sentido de pertença a Macau.
36. Antes da epidemia, o 1.º Recorrente já se esforçou a procurar uma escola adequada para o filho e a filha menores e, durante a epidemia, também arranjou respectivamente o 3.º Recorrente e a 4.ª Recorrente a estudar na escola de Macau para continuar o estudo. Além disso, para que o 1.º Recorrente o os seus agregados familiares possam ter um espaço da vida confortável em Macau, o 1.º Recorrente toma de arrendamento uma fracção autónoma do 39.º andar A do Bloco XX do Edifício XX na Rua XX. Tudo isso basta para saber que o Recorrente e os seus agregados familiares têm sempre a vontade de ter residência habitual em Macau.
37. Pode-se afirmar que, actualmente, os 4 Recorrentes vivem permanentemente em Macau e têm centrado aqui os seus assuntos diários, o centro da vida do 1.º Recorrente e dos seus agregados familiares já mudou para a RAEM.
38. De facto, caso não fossem afectados pela imprevisível epidemia causada pelo novo coronavírus, o 1.º Recorrente e os seus agregados familiares não precisaram de mudar o seu hábito da vida e os arranjos originais para evitar o impacto causado pelas políticas de prevenção epidémica e de passagem fronteiriça, podendo também o 3.º Recorrente e a 4.ª Recorrente vir a Macau para estudar conforme o original plano de estudo.
39. Dado que o acto recorrido reconheceu que o 1.º Recorrente não tem residência habitual em Macau só com base nos seus registos de entrada e saída nos anos de 2020 e 2021, não considerando que o 1.º Recorrente não pôde vir a Macau meramente por ter necessidade de operar a sua companhia recém-criada que foi afectada pela epidemia e pelas políticas de passagem fronteiriça em 2020, porém, na realidade, é óbvio que antes da epidemia, o 1.º Recorrente se deslocava regular e frequentemente a Macau para exercer actividades empresariais.
40. Pelos acima expostos, a decisão proferida pelo Secretário para a Economia e Finanças em 31 de Janeiro de 2023 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência do Requerente e dos seus agregados familiares beneficiados violou o artigo 4.º n.º 4 da Lei n.º 8/1999 e o artigo 43.º n.º 2 alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021, aplicando erradamente o artigo 122.º n.º 2 alínea c) do Código do Procedimento Administrativo, devendo ser revogada.
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões:
I. As únicas questões que o recurso verdadeiramente levanta são as de saber se os recorrentes tinham residência habitual em Macau e se a Administração pecou por falta de instrução.
II. No entanto, os próprios recorrentes confirmaram no procedimento administrativo factos que têm necessariamente de ser qualificados como falta de residência habitual de Macau.
III. A mesma conclusão resulta da restante prova coligida durante a instrução.
IV. Assim sendo, nada mais havia que se justificasse investigar durante a instrução do procedimento.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, vieram os Recorrentes fazê-lo.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela procedência parcial do recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  Dos autos consta a seguinte factualidade:
a) Por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 31.01.2023, foi indeferido o pedido de renovação de autorização de residência em Macau dos Recorrentes, nos termos e com os fundamentos da Proposta nº 0298/2012/03R elaborada pela IPIM, a qual consta de fls. 20v a 24 e traduzida a fls. 81 a 98 e com o seguinte teor:
Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Proposta n.º 0298/2012/03R Requerimento de autorização da residência temporária por titular de investimento relevante - Renovação
Requerente: A É aplicável o Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Parecer do Secretário para a Economia e Finanças
Nos termos da competência delegada por Ordem Executiva n.º 3/2020, concordo com a análise feita na presente proposta e nos termos dos artigos 19.º, n.º 2 e 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, subsidiariamente aplicável por força do artigo 43.º, n.º 2, alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021, é indeferido o pedido de renovação do requerente e dos seus membros dos agregados familiares por extensão.
O Secretário para a Economia e Finanças
(ass.: vide original)
Lei Wai Nong
    IPIM
Em, 3 de Fevereiro de 2016
Assinatura: (vide original)
Em 31 de Janeiro de 2023


Parecer do Presidente do Conselho de Administração do IPIM
Concordo com a análise e a proposta efectuados, propõe o indeferimento do pedido de renovação de autorização da residência temporária dos seguintes interessados.
N.º de ordem
Nome
Relação
1
A
Requerente
2
B
Cônjuge
3
C
Descendente
4
D
Descendente
À consideração de S. Exa. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, para o efeito de apreciação e despacho.
(ass.: vide original)
                     I/Presidente
Em 25 de Fevereiro de 2022
Parecer de chefia da Divisão de Assuntos de Fixação e Residência
Parecer de chefia do Departamento Jurídico de Fixação e de Residência
Concordo com o conteúdo proposto na proposta. À consideração superior de V. Exa., para apreciação e despacho.
(ass.: vide original)
Director-Adjunto da Divisão de Assuntos de Fixação e Residência
J
Em 23 de Fevereiro de 2022
Concordo com o conteúdo proposto na proposta.
(ass.: vide original)
Directora do Departamento Jurídico de Fixação e de Residência
K
Em 24 de Fevereiro de 2022
Assunto: Apreciação do requerimento de autorização da residência temporária
Ao Director-Adjunto da Divisão de Assuntos de Fixação e Residência:
1. Informações de identificação dos interessados, a seguir:

N.º de ordem

Nome

Relação

Documento/n.º
Prazo de validade do documento
Prazo de validade de autorização da residência temporária até
Apresentação inicial de extensão e data de requerimento
1
A
Requerente
BIRNP nº 15XXXX1(9)
Passaporte da RPC n.º E5XXXX74

2025/08/18

2020/05/28

Inaplicável
2
B
Cônjuge
BIRNP nº 15XXXX7(6)
Passaporte da RPC n.º EBXXXX80

2027/09/04

2020/05/28

2012/05/29
3
C
Descendente
BIRNP nº 15XXXX5(0)
Passaporte da RPC n.º EAXXXX10
2022/07/06
2020/05/28
2012/05/29
4
D
Descendente
BIRNP nº 15XXXX7(7)
BIRP da RAEHK n.º S1XXXX7(9)

Inaplicável

2020/05/28

2012/05/29
2. Em 11 de Novembro de 2013, o requerente foi, pela primeira vez, autorizado o requerimento de autorização da residência temporária.
3. Conforme os elementos dos autos, o requerente mantém-se a relação matrimonial com cônjuge, e de momento tanto o requerente, bem como cônjuge, ambos não constam qualquer violação de crime.
4. Para melhor confirmação da relação de parentesco entre o requerente e os descendentes acima referidos, tendo o requerente já apresentado os documentos comprovativos de relação de parentesco no requerimento inicial.
5. Para o objectivo de renovação, o requerente tinha apresentado a este Instituto os documentos comprovativos do respectivo investimento, cujo seguintes informações (vide documentos de pág. 38 a 201):
Denominação comercial: Companhia “L”, Limitada (vide pág. 41)
Capital social: 500.000,00 patacas (vide pág. 41)
Quota social: 50%, equivalente a 250.000,00 patacas (vide pág. 41)
Actividades em exercício: Venda por grosso de mariscos secos, barbatanas de tubarões, ninhos de andorinhas, produções adicionais e o respectivo comércio de exportação e importação (vide pág. 41)
Endereço de actividades: Avenida da XX, n.º XX, Edifício Industrial “XX”, XX.º andar XX, de Macau (vide pág. 42)
Números de trabalhadores do estabelecimento de actividades: No segundo trimestre do ano 2020, foram contratados 5 trabalhadores residentes e 12 trabalhadores não residentes (vide pág. 219)
6. Acompanhamento e análise, a seguir:
(1) Tendo o requerente baseado na fundamentação do projecto de investimento da Companhia “L”, Limitada e da detenção de 50% de quota social da dita companhia, assim, foi autorizado a autorização da residência temporária. O investimento principal do aludido projecto é de actividades de venda por grosso de mariscos secos, barbatanas de tubarões, ninhos de andorinhas, produções adicionais e o respectivo comércio de exportação e importação. Ademais, conforme o relatório de inspecção in loco do caso de investimento relevante, efectuado por este Instituto, demonstrava com indícios que o projecto de investimento relevante do requerente, operava e funcionava, efectivamente (vide pág. 235).
(2) Segundo o documento comprovativo de quota social, apresentado por requerente, nesta vez, mostrava que o mesmo mantém a detenção dos 50% de quota social da Companhia “L”, Limitada, ou seja, a idêntica percentagem de quota inicial na altura de autorização.
(3) Conforme os “Recibos de contribuições do regime obrigatório de segurança social”, do segundo trimestre do ano 2020, da Companhia “L”, apresentado por requerente, mostrava que a dita companhia teve contratados, nomeadamente, 5 trabalhadores residentes e 12 trabalhadores não residentes, e desde o primeiro trimestre do ano 2018 a segundo trimestre do ano 2020, a companhia mantinha, continuadamente, contratados um número não inferior a 4 trabalhadores residentes (vide pág. 201 a 220).
(4) De acordo com o balanço (vide pág. 125 a 140) verificado por auditor inscrito na aludida companhia, apresentado por requerente, o respectivo investimento constava a seguinte situação:
Modalidades (patacas)
Ano 2018
Ano 2019
Imóveis, Fábricas e Equipamentos (valor de custo)
12.174.772,00
12.209.084,00
Despesas financeiras
119.561,00
101.611,00
Outras despesas de operações
481,778.00
621.816,00
Despesas do pessoal
1.882.202,00
2.137.310,00
Valor total de investimento
14.658.313,00
15.069.821,00
Valor de investimento, calculado proporcionalmente da quota social do requerente
7.329.156,50
7.534.910,50
Através do balanço, verificado por auditor inscrito, apresentado por requerente, mostrava que a aludida companhia mantinha, continuadamente, a operar e investir em Macau, nos anos 2018 e 2019.
(5) Pelo exposto, o requerente detém ainda os 50% de quota social da Companhia “L”, Limitada, tendo esta companhia cumprida a obrigação de declaração e pagamento dos respectivos impostos, não constava qualquer indício de suspensão ou tinha sido suspendido o seu funcionamento.
7. Além do mais, tendo este Instituto enviado em 11 de Agosto de 2020 e 26 de Janeiro de 2022, os Ofícios n.ºs OF/04383/DJFR/2020 e OF/00281/DJFR/2022, respectivamente, ao Corpo de Policia de Segurança Pública (CPSP) para o efeito de recolha de informações dos registos de entradas e saídas de fronteiras dos requerente e seus membros dos agregados familiares, cuja informações a seguir (vide pág. 239 a 260):
Períodos
Dias de permanências do requerente A
01/01/2017 a 31/12/2017
41
01/01/2018 a 31/12/2018
92
01/01/2019 a 31/12/2019
119
01/01/2020 a 31/12/2020
15
01/01/2021 a 31/12/20201
37

Períodos
Dias de permanências de cônjuge
B
01/01/2017 a 31/12/2017
7
01/01/2018 a 31/12/2018
2
01/01/2019 a 31/12/2019
3
01/01/2020 a 31/12/2020
2
01/01/2021 a 31/12/20202
36

Períodos
Dias de permanências do descendente C
01/01/2017 a 31/12/2017
2
01/01/2018 a 31/12/2018
2
01/01/2019 a 31/12/2019
1
01/01/2020 a 31/12/2020
3
01/01/2021 a 31/12/20203
151

Períodos
Dias de permanências do descendente D
01/01/2017 a 31/12/2017
2
01/01/2018 a 31/12/2018
1
01/01/2019 a 31/12/2019
0
01/01/2020 a 31/12/2020
2
01/01/2021 a 31/12/20204
8
Segundo os registos de entradas e saídas de fronteiras dos requerente, cônjuge e dois descendentes, são insuficientes a mostrar que os mesmos considerassem Macau como seu centro de vida. A residência habitual na RAEM é uma condição para a manutenção de autorização da residência temporária dos interessados, caso os interessados não reúnam o requisito para manter a autorização da residência, assim, é desfavorável para ora pedido de renovação de autorização da residência temporária.
8. Atendendo a supra situação, tendo este Instituto procedido a audiência escrita ao interessado (vide pág. 261 a 269). Consequentemente, o interessado apresentou a resposta e os respectivos documentos comprovativos (vide pág. 270 a 273), cujo seguintes conteúdos:
(1) O requerente salientava que nestes últimos anos, teve ele instalado fábricas no interior do continente, pelo que necessitava de tomar contas de actividades do dia quotidiano, enquanto a cônjuge tinha que apoiar o mesmo nos assuntos das fábricas, e os descendentes eram ainda pequenos, assim, não podiam de viver e estudar sozinhos em Macau, por isso, só podiam apenas seguir o requerente a viver no interior do continente;
(2) O requerente declarava que dado o tempo já passou, ele é impossível de aplicar medidas para recuperar a situação, mas tanto ele próprio, bem como os membros dos agregados familiares, gostavam muito de Macau, e sentiam mesmo pertença desta região, que estão dispostos em futuro considerar Macau como seu próprio centro de vida e iniciar os assuntos de vida quotidiana nesta região. Assim, deseja que este Instituto se considere a situação real, deferindo o pedido de renovação de autorização da residência temporária dos requerente e seus membros dos agregados familiares;
(3) O requerente declarava para reunir nos termos do regulamento actualizado, deste Instituto, caso fosse deferido o presente pedido, tanto o requerente, bem como os seus membros dos agregados familiares considerarão com certeza que Macau é como o próprio centro de vida e iniciarão os assuntos de vida quotidiano nesta região.
9. Findo o procedimento de audiência escrita, atendendo a nova Lei n.º 16/2021 – “Regime jurídico do controlo de migração e das autorizações de permanência e residência na Região Administrativa Especial de Macau”, entrou em vigor, em 15 de Novembro de 2021, donde foi revogado o artigo 105.º da Lei n.º 4/2003, e estipulado nos termos do artigo 43.º, n.º 5 que: “…considera-se que não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial”, daí que o requerente tinha apresentado a este Instituto, em 12 de Novembro de 2021, o pedido de reapreciação (vide pág. 301), nos termos do artigo 97.º, n.º 1 da Lei n.º 16/2021, a fim de reapreciar a sua situação jurídica à luz do disposto no artigo 43.º, n.º 5 da mesma lei, em relação à sua residência habitual.
10. Atendendo o requerente tinha apresentado o pedido de reapreciação, assim, nos termos da Lei n.º 16/2021, tendo este Instituto procedido a reapreciação quanto à situação da residência habitual dos interessados, cuja seguinte análise efectuada:
(1) Nos termos do disposto nos artigos 18.º e 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, subsidiariamente aplicável por força do artigo 43.º, n.º 2, alínea 3) da Lei n.º 16/2021, devem os interessados manter os pressupostos ou requisitos, as situação jurídica relevante e residência habitual em Macau, constantes no requerimento de autorização da residência, durante o período da residência temporária.
(2) Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999: “Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.”
(3) Na sequência da situação de permanência em Macau dos requerente, cônjuge e descendente, D, foi feita a seguinte análise:
(3.1) Conforme as informações de entradas e saídas de fronteiras, de 2017 a 2021 do requerente, o mesmo entrou em Macau, durante o período de autorização da residência temporária, nomeadamente, de 32, 83, 122, 13 e 27 vezes. Das 277 vezes de registos de entradas de fronteiras, houve apenas com registo de 54 vezes, que tinha permanecido em Macau, em 2 dias, consecutivas ou mais; quanto à cônjuge do requerente, entrou em Macau, durante o período acima citado, num total de 23 vezes, houve apenas com registo de 9 vezes, que tinha permanecida em Macau, em 2 dias, consecutivas ou mais; em relação ao descendente, D, entrou em Macau, durante o período acima citado, num total de 4 vezes, houve apenas com registo de 3 vezes, que tinha permanecido em Macau, em 2 dias, consecutivas ou mais. Nesses registos, houve situação que não entraram em Macau, com mais de 12 meses, isto mostra que a maior parte dos tempos dos interessados acima referidos, não estavam em Macau.
(3.2) Apesar de o requerente era titular de quota social dum órgão empresarial (Companhia “L”, Limitada) em Macau, mas, conforme a informação da situação de família, constante no requerimento de autorização da residência temporária, o requerente era recrutado pela “Companhia de Produtos Alimentar “M”, Limitada, de Cidade XX, de Província Guang Dong”, no cargo de “Presidente”, quanto à cônjuge assumia no cargo de “Gerente-Geral”, também da mesma companhia e o descendente, D, frequentava na escola secundária, dependente da Universidade de N.
(3.3) Conjugado a análise das situações de permanências em Macau, carreiras profissionais e estudo dos requerente, cônjuge e descendente, D, mostravam-se que os mesmos não desloquem regular e frequentemente na RAEM para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial, pelo que não reúnem nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da Lei n.º 16/2021.
(3.4) O requerente tinha declarado no requerimento de autorização da residência temporária que o próprio, a cônjuge e os dois descendentes, todos residiam em XX, da China (中國XX市XX區XX大道XX村XX路XX號) (vide pág. 1 e 9 a 11), aliás, na resposta escrita do requerente, tendo mencionada expressamente que eles não viviam em Macau, conjugado os períodos e números de vezes de entradas em Macau dos interessados, era difícil reflectir que a residência habitual deles seja Macau.
(3.5) O requerente e cônjuge basearam no motivo que os mesmos possuíam fábricas no interior do continente, assim, tinham que tomar contas dessas actividades no dia quotidiano, mais, os dois descendentes não conseguiam ainda viver e estudar sozinhos em Macau, pelo que não residiam habitualmente em Macau. É de salientar que a residência habitual é um requisito para a manutenção de autorização da residência temporária, nos termos da lei, os interessados devem cumprir, legalmente, desde a sua autorização. O requerente e cônjuge decidiram o exercício de actividade de negócio no interior do continente e arranjaram uma escola do interior do continente para os descendentes a frequentarem, isto tudo pertencem opção pessoal do próprio requerente, e que optou por sua vontade em não residir em Macau, pelo que seja impossível considerar-se como um justo impedimento.
(3.6) Conforme as informações do formulário de declaração da situação familiar (vide pág. 3 a 4), os requerente, cônjuge, ascendentes e descendentes, todos residiam, trabalhavam e estudavam na cidade de XX, só até a 2021, é que o descendente, C, deslocava sozinho, diariamente, entre interior do continente e Macau, para a escola. Analisado por uma forma geral, designadamente, o local de domicílio de residência dos principais membros da família, é difícil reflectir que o centro de vida da família dos interessados fosse Macau.
(3.7) Para além, é de apontar que os requerente, cônjuge e descendente, D, desde a concessão de autorização da residência temporária, em 25 de Novembro de 2013, contando até ao presente, perfazendo já 7 anos de tempo, mas, conforme os documentos apresentados por requerente no presente pedido ou no procedimento de audiência escrita, tudo mostram-se que para além de actividades de negócios em Macau exercidas por requerente, parece que não havia mais outras ligações com esta região, isto reflecte que as vontades de permanências em Macau dos requerente, cônjuge e descendente, D, não são altas.
(3.8) Após o procedimento de audiência escrita, não veja nenhum motivo justo fazendo com que os interessados não conseguissem residir em Macau, durante o período de autorização da residência temporária, assim, ponderando, globalmente, as diferentes situações estipuladas nos termos do artigo 4.º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999, mais, avaliando a situação pessoal dos interessados e o motivo de ausência de Macau dos mesmos, tudo não conseguem reflectir que o centro de vida dos requerente, cônjuge e descendentes, C e D, fosse Macau, isto reflecte que os interessados não residiram habitualmente na RAEM.
(4) Na sequência da situação de permanência em Macau do descendente, C, foi feita a seguinte análise:
(4.1) A Lei n.º 16/2021 – “Regime jurídico do controlo de migração e das autorizações de permanência e residência na Região Administrativa Especial de Macau”, entrou em vigor, em 15 de Novembro de 20121, donde foi revogado o artigo 105.º da Lei n.º 4/2003, e estipulado nos termos do artigo 43.º, n.º 5 que: “…considera-se que não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial”.
(4.2) Conforme as informações de entradas e saídas de fronteiras, de 2017 a 2020, o descendente, C, permaneceu anualmente em Macau, nomeadamente, de 2, 2, 1 e 3 dias, e a partir do ano de 2021, aumentou a sua entrada de fronteira a 132 vezes, que permaneceu num total de 151 dias, em Macau, donde houve 120 vezes, após a sua entrada de fronteira, saiu logo da fronteira no mesmo dia. Nos respectivos registos de entradas e saídas de fronteiras, mostravam-se que o descendente, C, desde o ano de 2021, de forma rotina, entrava em Macau na parte de manhã e saía na parte da tarde, aliás, possui documento que comprova o mesmo frequentava na Escola Secundária G, desta região (vide pág. 304 a 306). Pelo que constam indícios se mostram o descendente, C, que a partir do ano de 2021, se desloque regular e frequentemente na RAEM para o estudo, iniciando os assuntos do dia quotidiano em Macau, isto reflecte que o seu centro de vida passou a ser em Macau. Nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da Lei 16/2021, embora o descendente do requerente, C, não pernoitava em Macau, durante o ano de 2021, mas, reunindo ao abrigo do disposto do artigo 43.º, n.º 5 da Lei 16/2021, isto é, considera-se que não deixa de ter a sua residência habitual.
(4.3) Por fim, é de salientar que a autorização da residência temporária dos membros dos agregados familiares são adquiridas por extensão a pedido do requerente, as suas renovações de autorização da residência temporária dependem do requerente se reúna ou não as condições, os pressupostos ou requisitos de autorização da residência, enquanto os membros dos agregados familiares não possuem o próprio direito independente para a residência em Macau, pelo que sempre que o requerente não reunisse os pressupostos ou requisitos de autorização da residência, logo, os seus membros dos agregados familiares são obviamente influenciados, sem excepção. Por isso, neste caso, ponderando as supras análises feitas, o requerente não reúne os requisitos para a renovação de autorização da residência temporária antes autorizada, mesmo que o seu descendente, C, reunisse nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da Lei n.º 16/2021, é de propor também o indeferimento do pedido de renovação de autorização da residência temporária, em causa.
11. Analisado em concreto, a residência habitual na RAEM dos interessados é um requisito para a manutenção de autorização da residência, só que conforme as informações de entradas e saídas de fronteiras, fornecidas por CPSP, a maior parte dos tempos dos requerente A, cônjuge, B e descendente D, não estavam em Macau. Mais, com o procedimento de audiência escrita realizado e a reapreciação, requerida por requerente, feita, conjugado uma ponderação global do artigo 4.º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999, tudo se mostram que os interessados não residiram habitualmente em Macau, durante o período de autorização da residência temporária, assim, propõe o indeferimento do presente pedido de renovação de autorização da residência temporária dos mesmos. Para além, atendendo a autorização da residência temporária dos membros dos agregados familiares são adquiridas por extensão a pedido do requerente, as suas renovações de autorização da residência temporária dependem do requerente se reúna ou não as condições, os pressupostos ou requisitos de autorização da residência, enquanto os membros dos agregados familiares não possuem o próprio direito independente para a residência em Macau, pelo que sempre que o requerente não reunisse os pressupostos ou requisitos de autorização da residência, logo, os seus membros dos agregados familiares são obviamente influenciados, sem excepção. Pelo que propõe-se também o indeferimento do pedido de renovação de autorização da residência temporária do descendente, C. Nesta conformidade, propõe-se ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que exercendo a competência delegada por S. Exa. Chefe do Executivo, através do disposto do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, indefira o pedido de renovação de autorização da residência temporária dos requerente A, cônjuge, B e descendentes, C e D, nos termos dos artigos 19.º, n.º 2 e 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, subsidiariamente aplicável por força do artigo 43.º, n.º 2, alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021.
À consideração superior de V. Exa. para o efeito de visto e despacho
O Técnico Superior
(ass.: vide original)
O
Em 23 de Fevereiro de 2022

   Elaborado por: O

b) O Requerente foi notificado daquele despacho em 06.03.2023 – fls. 26 -.

b) Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, B, C, D, todos melhor identificados nos autos, vieram, em coligação passiva, interpor o presente recurso contencioso dos actos do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiram os respectivos pedidos de renovação da autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i)
  Comecemos por enquadrar muito brevemente os actos recorridos (note-se que a utilização do plural na medida em que, embora, formalmente estejam contidos num único despacho, se nos afigura que estão em causa quatro actos de indeferimento de renovação da autorização temporária de residência, um por cada Recorrente).
  No dia 11 de Novembro de 2013, foi concedida ao Recorrente A e estendida aos demais Recorrentes, pelo período de três anos, autorização de residência temporária em Macau ao abrigo do regime resultante do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 com fundamento na realização de investimentos relevantes.
  O Recorrente A requereu a renovação da sua autorização de residência temporária e da autorização dos demais Recorrentes. Tais renovações, em 31 de Janeiro de 2023, através do acto recorrido, foram indeferidas com fundamento na norma do artigo 43.º, n.º 2, alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021, aplicada subsidiariamente por força do disposto no artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, por ter sido considerado que tanto ele como os demais Recorrentes não residiram habitualmente na RAEM.
  (ii.)
  (ii.1.)
  Vejamos, agora, os fundamentos do recurso.
  Os Recorrentes começam por imputar aos actos que agora impugnam, o vício resultante da violação dos princípios da boa fé, da colaboração e do inquisitório.
  Parece evidente, no entanto, salvo o devido respeito, que tal violação não ocorreu.
  Na verdade, a Administração, no exercício da discricionariedade procedimental que a lei lhe confere, em especial no artigo 59.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) procedeu à instrução procedimental nos termos que se lhe afiguraram convenientes, tendo em vista a recolha dos elementos de facto necessários à prolação da decisão sobre o pedido formulado. Não nos parece que nessa actuação discricionária a Administração tenha actuado de forma desrazoável ou manifestamente errónea, nem se vislumbra, estamos em crer, a existência de défice instrutório resultante de violação do princípio do inquisitório plasmado no artigo 86.º do CPA, susceptível de se repercutir na legalidade do acto.
  Ademais, a Administração não deixou de permitir ao Recorrente carrear para o procedimento as informações e os documentos que considerou relevantes, tal como resulta do mero confronto com o processo administrativo instrutor apenso, pelo que não vemos razão para alegar que a Administração não observou o princípio da colaboração ou da boa fé.
  (ii.2.)
  (ii.2.1.)
  Em segundo lugar, os Recorrentes imputam ao acto recorrido o vício da errada interpretação e aplicação do n.º 2, alínea 3) e n.º 3 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021 e em especial do conceito de residência habitual utilizado pelo legislador.
  Vejamos.
  Antes da entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, os nossos Tribunais tenderam a construir o conceito de residência habitual (o qual, sempre se diga, sendo um conceito jurídico indeterminado, não confere, segundo o entendimento pacífico dos nossos Tribunais, margem de livre apreciação à Administração), a partir da norma do artigo 30.º do Código Civil, fazendo-o coincidir com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o seu centro de interesses vitais, o centro efectivo da sua vida, constituindo, portanto, o local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais. Deste modo, sempre se afastou do conceito, o local que serve de mera passagem, ou aquele no qual uma pessoa está por curtos e intermitentes períodos de tempo (veja-se, por exemplo, neste sentido, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 182/2020).
  Todavia, na norma do n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, o legislador veio esclarecer que o conceito de residência habitual relevante enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, não exige que Macau constitua o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, o qual nem sequer precisa de aqui ter a sua habitação para pernoitar. Na verdade, resulta expressamente daquela norma que «não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial», pelo que, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso, residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades.
  Como se vê, a lei procedeu a uma definição de residente habitual para efeitos de manutenção e de renovação da autorização temporária de residência que é bem mais ampla do que aquela que vinha sendo decantada pelos Tribunais: à luz da lei é também residente habitual quem em Macau exerce uma actividade académica, profissional ou empresarial e que, por causa do exercício dessa actividade, aqui se desloca regular e frequentemente.
  Este último requisito necessário ao preenchimento do conceito legal de residente habitual é caracterizado pela respectiva imprecisão e indeterminação, embora não nos pareça que, através da respectiva utilização, o legislador tenha pretendido conferir discricionariedade à Administração. Com efeito, julgamos não se poder dizer que o tipo de valoração que o conceito suscita faça apelo à experiência e a apreciações que são próprias da Administração, nem a um saber específico da Administração, nem a uma especial preparação técnico-científica do órgão administrativo ou a uma legitimação especial da autoridade responsável pela decisão, nem, finalmente, a um juízo de prognose ou de avaliação prospectiva associado à descrição do núcleo típico de competências de determinada autoridade administrativa (sobre este ponto, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, volume I, Coimbra, 2020, pp. 257-258). Significa isto, pois, que na densificação casuística do conceito não caberá à Administração a última palavra, podendo os tribunais, em sede contenciosa, sindicar com plenitude o modo como a Administração actuou.
  Sobre o que deva entender-se por «deslocação regular e frequente» à RAEM, importa salientar duas notas que se nos afiguram relevantes: a primeira é a de de que os requisitos da regularidade e da frequência das deslocações são, de acordo com a letra da lei, cumulativos e não alternativos e a segunda é a de que, no preenchimento do conceito se deve distinguir consoante a finalidade da deslocação, isto é, se a mesma visa o exercício de actividade escolar, profissional ou empresarial. Partindo daqui, cremos que o método de operação não pode deixar de ser casuístico.
  (ii.2.2.)
  A Administração considerou que, tendo em consideração, os dias em que Recorrentes permanecera em Macau, não se poderia concluir que os mesmos se tenham deslocado regular e frequentemente à RAEM para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial. A excepção seria, de acordo com a própria Administração, o Recorrente C [vejam-se as alíneas (3.3) e (4.2) do ponto 7 da proposta que constitui por adesão a fundamentação do acto recorrido].
  Vejamos.
  É pacífico que nenhum dos Recorrentes viveu em Macau durante os anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 e que, por isso, aqui não tinham o respectivo centro de interesses vitais. No entanto e como vimos, esta constatação não é suficiente para que se possa concluir que os mesmos não tiveram residência habitual na RAEM. Isto porque, face ao disposto na norma do n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, não deixa de ter residência habitual quem, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial a residência habitual em Macau. E a verdade é que foi à luz dessa norma que a Administração apreciou a situação dos Recorrentes.
  Cremos, no entanto, e salvo o devido respeito, que essa apreciação só parcialmente foi acertada.
  Com efeito, em relação às Recorrentes B e D, somos modestamente a entender que é de acompanhar a conclusão da Administração. Face ao número de dias em que ambas permaneceram em Macau no período de tempo considerado – 1.1.2017 a 31.12.2021 -, a primeira, um total de 50 dias, e a segunda, um total de 13 dias, não se pode dizer que as mesmas se tenham deslocado à RAEM, nem de modo regular, nem de maneira frequente.
  Diferente nos parece ser a situação do Recorrente A. Na verdade, nos anos de 2017, 2018 e 2019, os anos anteriores às restrições nos movimentos transfronteiriços impostas pela necessidade de combate à pandemia de covid-19, aquele Recorrente deslocou-se à RAEM, em média, mais do que uma vez por semana (no ano de 2019, essa média foi mesmo superior a 2 vezes por semana), pelo que, estando em causa o exercício de uma actividade empresarial, é dizer, de gestão da empresa do Recorrente em Macau, estará preenchido, em nosso modesto entendimento, o conceito de deslocação regular e frequente à RAEM utilizado pelo legislador no n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021. É certo que nos anos de 2020 e 2021, as deslocações diminuíram. Todavia, isso encontrará explicação, com toda a probabilidade, nas restrições às deslocações transfronteiriças que antes referimos, sendo, por isso, inteiramente justificada, sobretudo se tivermos em conta que, mesmo nos anos em causa, o Recorrente não deixou de se deslocar à RAEM.
  Entendemos, assim, que a Administração incorreu em violação de lei ao concluir que a situação do Recorrente A não se enquadra na norma do n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021.
  Finalmente, quanto ao Recorrente C, a Administração considerou que o mesmo, apesar de não pernoitar em Macau, não deixou de ter aqui a sua residência habitual nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, porém, também entendeu que a renovação não seria possível em virtude de a autorização de residência daquele Recorrente depender da subsistência da autorização de residência do Recorrente A, pelo que, indeferida a renovação desta, tal teria de também de implicar o indeferimento da renovação daquela. Ora, atendendo a que, como antes pudemos demonstrar, o indeferimento da renovação da autorização de residência do Recorrente A está ferido de violação de lei, daí decorrerá igualmente que o indeferimento da renovação da autorização de residência do Recorrente C, padece do mesmo vício, justificando-se, por isso, e a nosso ver, a respectiva anulação.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado parcialmente procedente, anulando-se, em consequência, os actos de indeferimento dos pedidos de renovação temporária dos Recorrentes A e C.».
  Concordando com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que:
  - Os actos impugnados no que concerne às Recorrentes B e D não enfermam dos vícios que as Recorrentes lhes imputam, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
  - Os actos impugnados quanto aos Recorrentes A e C enfermam do vício de violação de lei tal como resulta do parecer supra reproduzido, havendo que decidir pela anulabilidade dos mesmos nos termos do artº 124º do CPA.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
  - Negar provimento ao Recurso no que concerne aos actos impugnados quanto às Recorrentes B e D mantendo os mesmos;
  - Conceder provimento ao Recurso no que concerne aos actos impugnados quanto aos Recorrentes A e C anulando-se os mesmos.
  
  Custas a cargo dos Recorrentes B e D fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc´s para cada uma, não se condenando a Entidade Recorrida em custa na parte em que decaiu por estar delas isenta.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 07 de Dezembro de 2023
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
  
1 Deve ler-se “2021” de acordo com a versão chinesa
2 Deve ler-se “2021” de acordo com a versão chinesa
3 Deve ler-se “2021” de acordo com a versão chinesa
4 Deve ler-se “2021” de acordo com a versão chinesa
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256/2023 REC CONT 66