Processo n.º 295/2023
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data : 13 de Dezembro de 2023
Assuntos:
- Pressupostos legalmente exigidos para renovação da autorização da fixação de residência temporária em Macau
SUMÁRIO:
I - O conceito de residência habitual - um conceito jurídico indeterminado que não confere, à luz do entendimento pacífico da jurisprudência, margem de livre apreciação à Administração Pública -, tem sido construído a partir da norma do artigo 30.º do Código Civil de Macau, fazendo-o coincidir com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o centro de interesses vitais, o centro efectivo da vida de determinada pessoa, sendo, portanto, um local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais.
II – Com a norma do n.º 5 do artigo 46.º da Lei n.º 16/2021, 16 de Agosto, o legislador veio “ampliar” o conceito de residência habitual relevante para efeitos da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, estipulando que, quer as pessoas que em Macau fixam com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida e como tal residem habitualmente em Macau, quer as outras que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem “regular e frequentemente” para exercer tais actividades.
III – De acordo com os registos de entrada e saída do pai do Recorrente, verifica-se que também este não reside nem trabalha em Macau, porquanto, entre 2017 e 31 de Julho de 2020, permaneceu em Macau por apenas 23 dias, partindo-se desta factualidade, é de concluir que, no período em causa, o Recorrente (menor) não fez de Macau o centro permanente dos seus interesses pessoais e familiares relevantes, tendo vivido sempre com a sua família no interior da China, o que é razão bastante para manter a decisão do indeferimento do pedido da renovação da fixação de residência temporária em Macau por não preencher os pressupostos legalmente exigidos, julgando-se improcedente o recurso em causa.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 295/2023
(Autos de recurso contencioso)
Data : 13 de Dezembro de 2023
Recorrente : A (menor, representado pelo seu pai B)
Entidade Recorrida : Secretário para a Economia e Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A (menor, representado pelo seu pai B), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 02/03/2023, veio, em 19/04/2023, interpor o recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 6, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 司法上訴人之父親B以不動產投資為依據於2007年04月04日獲批臨時居留許可申請,其已取得澳門永久性居民身份證;於2012年10月31日獲批惠及卑親屬司法上訴人的臨時居留許可,並於2019年12月30日獲批臨時居留許可續期至2021年08月09日。
2. 於2021年02月26日,澳門貿易投資促進局行政管理委員會代主席根據第68/2020號經濟財政司司長批示,行使由經濟財政司司長就不動產臨時居留許可申請作出決定的執行權限之轉授權,以司法上訴人在臨時居留許可存續期間沒有在澳門特別行政區通常居住為理由,宣告司法上訴人獲批有效期至2021年08月09日的臨時居留許可失效。
3. 於2021年04月13日,司法上訴人透過訴訟代理人對上述決定提出訴願。
4. 於2023年03月27日,司法上訴人之訴訟代理人收到澳門貿易投資促進局發出之附件一之通知,被訴當局宣告駁回必要訴願並維持原決定。
I. 違反法律
5. 根據被訴決定的內容顯示,被訴當局主要是基於司法上訴人於2017年至2020年7月31日每年留澳日數極少,且亦不在澳門居住及工作,認為司法上訴人個人、家庭及社會生活基礎不在澳門,亦未能顯示司法上訴人現時及將來以澳門為生活中心,生活及生存聯繫的固定核心的地方也不在澳門,故此根據第8/1999號法律第4條第4款規定的各種情況,得出司法上訴人於臨時居留許可存續期間沒有在澳門通常居住的結論,並駁回訴願。
6. 司法上訴人於2011年06月03日出生,由小學一年級開始就讀江門市蓬江區XXXX學校(見必要訴願之附件二,相關內容在此視為完全轉錄)。
7. 眾所周知,內地小學的功課量及補課率均不輕,而司法上訴人就讀的小學亦然,每周需上課6天,餘下一天亦需做功課及預習,因此,司法上訴人的父母為了司法上訴人的學業成績,在司法上訴人上學期間,安排司法上訴人在學校周邊住宿,便利司法上訴人往返學校上課,以縮短司法上訴人的通勤時間。
8. 但是不能忽略的是,正如司法上訴人的父親B於2020年12月15日提交予被訴當局的書面回覆中提及,司法上訴人非常喜歡澳門,每逢假期均會返回澳門生活。
9. 因此,根據司法上訴人的本澳出入境資料顯示,可以看到司法上訴人每年的長期假均會返回澳門生活。
10. 事實上,司法上訴人的父親B在澳門之自置居住物業(氹仔珍珠圍XXXXXX)及車位(氹仔珍珠圍XXXXXXX)自購入後一直沒有出租(附於必要訴願之附件四,相關內容在此視為完全轉錄),一直是司法上訴人一家在澳門生活居住的場所。
11. 如果司法上訴人不以澳門為生活中心、只喜歡在內地生活,那麼司法上訴人不會每年均返回澳門一段時間。
12. 再者,司法上訴人的父親B、母親C、二妹D、三妹E均已於2007年—2015年取得澳門永久性居民身份證(附件二,為以上四人之澳門永久性居民身份證副本),司法上訴人的父母在組織家庭時已決定一家人一起在澳門定居,以澳門為現時及將來的生活基礎地區。
13. 也就是說,司法上訴人在內地逗留的目的便是為了上學,內地對司法上訴人來說只是臨時居留地,而實際上的永久居住地是澳門。
14. 司法上訴人在江門市的學校上學,是司法上訴人的父親對學校質素的選擇,也符合大灣區融合的概念;司法上訴人不是去歐美留學而一去不返,他在大灣區上學、完成學業後將回澳門生活,為澳門的發展盡一份力,這也與當初批准司法上訴人來澳居留的原意相符合,也符合國家對大灣區規劃及區內互通互聯的理念。
15. 我們不應該僅僅基於司法上訴人在大灣區上學而未能時常回澳,便認定司法上訴人沒有在澳門通常居住。
16. 參考澳門中級法院第268/2021號合議庭裁判內容,其中認為:關於出國求學,這涉及到的是居民高等教育的權利,每個人都有選擇的自由。
17. 該案與本案情節大致相同,且司法上訴人以澳門為生活中心,出外留學只是暫時性,完成學業後會回澳發展,故此,有充分理由對司法上訴人的臨時居留許可作出續期。
18. 該案與本案情節大致相同,且司法上訴人以澳門為生活中心,出外留學只是暫時性,完成學業後會回澳發展,故此,有充分理由對司法上訴人的臨時居留許可作出續期。
19. 如果一家五口中只有司法上訴人無法取得在澳居留的資格,由於其父母及兩名姊妹已於澳門生活,那麼意味著現年只有12歲的司法上訴人無可選擇地與父母及兩名姊妹分隔開,他只能在澳門以外地區獨自生活,對其生活水平及成長等人身利益將造成損害。
20. 根據上述陳述及司法上訴人之狀況(尤其他的家庭成員身份狀況),雖然司法上訴人於澳門的逗留日數較短,但此僅僅基於他於內地上學的臨時原因,而司法上訴人現時及將來的永久居住地均為澳門。
21. 因此,司法上訴人仍然屬於在澳門通常居住,其情況未有違反第4/2003號法律第9條第3款,以及第5/2003號行政法規第24條第2項之規定;倘若宣告司法上訴人的臨時居留許可失效時,將違反行政程序法典第3條所規定之合法性原則,並根據同一法典第124條規定,有關決定應被撤銷。
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 24 a 26, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Para se poder concluir que uma pessoa tem residência habitual em Macau é necessário que ela tenha aqui o centro efectivo e estável da sua vida pessoal;
II. A tal conclusão não basta a intenção ou os planos do interessado ou dos seus representantes legais;
III. O recorrente e o seu progenitor vivem no interior da China, onde um estuda e outro trabalha, e só raramente se deslocam a Macau;
IV. A falta de residência habitual era causa de caducidade da autorização temporária de residência;
V. Ao declarar a caducidade a Administração usou de poderes vinculados;
VI. O acto impugnado está conforme ao direito aplicável.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 67 a 69, pugnando pelo improvimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
批示:
同意本建議書的分析,根據第3/2020號行政命令所授予之權限,駁回必要訴願,並維持原決定。
經濟財政司司長
F
2023年3月2日
事由:建議駁回必要訴願(第0351/2006/07R號卷宗)
建議書編號:PRO/00928/AJ/2021
日期:26/04/2021
投資居留及法律廳G高級經理 閣下:
1. 訴願人B,以不動產投資為依據於2007年4月4日獲批臨時居留許可申請,其已取得澳門永久性居民身份證;於2012年10月31日獲批惠及卑親屬A的臨時居留許可,並於2019年12月30日獲批臨時居留許可續期至2021年8月9日。
2. 基於訴願人卑親屬A在臨時居留許可存續期間沒有在澳門特別行政區通常居住,根據第68/2020號經濟財政司司長批示,澳門貿易投資促進局行政管理委員會代主席行使由經濟財政司司長就不動產臨時居留許可申請作出決定的執行權限之轉授權,於2021年2月26日作出批示,宣告利害關係人A獲批有效期至2021年8月9日的臨時居留許可失效。
3. 就有關決定,本局已於2021年2月26日透過第OF/00982/DJFR/2021號公函向訴願人作出通知。根據郵電局簽收紀錄,該函件已於2021年3月16日被成功派遞(見附件1)。
4. 根據第68/2020號經濟財政司司長批示第3條規定:“對行使本轉授權而作出的行為,可提起必要訴願”。
7. 是項必要訴願主要內容如下:
1) 訴願人之卑親屬A於2011年6月3日出生,由小學一年級開始就讀江門市蓬江區XXXX學校,現時為該校小學四年級學生,訴願人為了卑親屬A的學業及便利其返校上課,而安排卑親屬A在該校周邊住宿。
2) 訴願人決定讓卑親屬A繼續在上述學校就讀直至小學畢業,之後回澳升讀中學及在澳居住;另,訴願人在澳自置的物業(氹仔珍珠圍XXXXXXX)一直沒有出租,一直用作訴願人及卑親屬A在澳生活時居住,亦為日後卑親屬A回澳升讀中學時的居所。
3) 訴願人之卑親屬A每年均會返回澳門一段時間,雖然逗留日數較短,但此僅因其在內地上學的臨時原因,而其現時及將來的永久居住地均為澳門。
4) 基於上述事實,律師認為訴願人之卑親屬A未有違反第4/2003號法律第9條第3款以及第5/2003號行政法規第24條第2項之規定;倘若宣告卑親屬A的臨時居留許可失效,將違反《行政程序法典》第3條所規定的合法性原則,並根據同一法典第124條規定,有關決定應被撤銷。
8. 就是項必要訴願作分析如下:
1) 在本個案中,由於聲明異議人的卑親屬是根據第3/2005號行政法規第5條規定以家團成員身份而獲批臨時居留許可,故卑親屬亦為臨時居留許可的利害關係人,而該行政法規第23條規定:“入境、逗留及定居於澳門特別行政區的一般制度,補充適用於按照本行政法規的規定申請臨時居留許可的利害關係人。”
2) 第4/2003號法律第9條第3款及第5/2003號行政法規第24條第2款規定,“利害關係人在澳門特別行政區通常居住是維持居留許可的條件”;“基於下列原因,將引致居留許可失效:出現按原則性法律及本行政法規規定引致許可不能維持的任何情況,尤其利害關係人沒有在澳門特別行政區通常居住。”
3) 由上述條文可知,通常居住作為維持臨時居留許可的條件為法律所規定,即屬強制性法律規定,因此,為申領永久性居民效力,利害關係人須在獲批臨時居留許可存續期間遵守相關法律規定。
4) 行政當局透過治安警察局提供的出入境紀錄,查明利害關係人A在2017年至2020年7月31日期間的留澳日數分別為12、21、4及0日,每年留澳日數極少,透過卷宗資料文件,顯示利害關係人A自2014年至2016年於“江門市第一幼兒園”就讀,其後自2017年至今則於“江門市XXXX學校”就讀(見附件3),加上訴願人在訴願中也指出利害關係人A由小學一年級開始就讀“江門市蓬江區XXXX學校”,可見其於臨時居留許可存續期間一直在中國內地讀書。另外,利害關係人A主要家庭成員(即訴願人)亦不在澳門生活,透過卷宗內所載訴願人的出入境紀錄及有關文件顯示,其2017年至2020年7月31日每年留澳日數極少,最多只有23天,且亦不在澳門居住及工作,以上事實反映了利害關係人個人、家庭及社會生活基礎不在澳門。
5) 律師指出利害關係人A每年均會返回澳門一段時間,雖然逗留日數較短,但此僅因其在內地上學的臨時原因,而其現時及將來的永久居住地均為澳門,就此僅提交由“XXXX學校”發出的“在讀證明”、中國內地銀行的“電子回單”,以及利害關係人於2020年曾入境澳門的紀錄,然而,相關資料不足以反映其因在內地上學而暫時未能於臨時居留許可期間在澳居住,更未能顯示其現時及將來以澳門為生活中心。
6) 儘管訴願人已購置位於澳門氹仔珍珠圍XXXXXX單位及車位“BC/V2”,但從利害關係人A的留澳日數和期間,加上在必要訴願中亦承認利害關係人因於內地讀書之便而常居於內地,故未能反映澳門該不動產為其之慣常住所。上述事實也反映利害關係人A最為重要的生活及生存聯繫之固定核心的地方並不在澳門。
7) 此外,律師指出訴願人決定讓利害關係人A繼續在中國內地就讀直至小學畢業,之後回澳升讀中學及在澳居住;須指出,利害關係人A自2012年10月31日獲批臨時居留許可,自該日起其已具備條件在本澳生活,但從上述事實顯示其於臨時居留許可存續期間一直未以本澳為生活中心,因此,訴願人述及的上述意向未能推翻利害關係人A未有以本澳為生活中心的既定事實。
8) 在本個案中,利害關係人A不符合上述法律規定的要件,故依法導致不利於其臨時居留許可的相關法律後果,法律並未賦予行政當局其他選擇。
9) 總結而言,行政當局是基於利害關係人在臨時居留許可期間的留澳日數甚少,透過各項資料,綜合考慮第8/1999號法律第4條第4款所指之各種情況,得出利害關係人於臨時居留許可存續期間沒有在澳門通常居住的結論,有關行政行為依法作出,合法適當,並未顯示當中違反了任何法律規定和原則。
9. 綜上所述,本局對本個案進行覆檢,基於以上事實與法律依據,有關行政行為依法作出,合法適當,經研究分析是項必要訴願,由於未能證實澳門特別行政區經濟財政司司長轉授權澳門貿易投資促進局行政管理委員會代主席於2021年2月26日所作的宣告利害關係人A(A)獲批有效期至2021年8月9日的臨時居留許可失效的決定有違法或不當之行為,故建議呈請經濟財政司司長閣下駁回是項必要訴願,並維持澳門貿易投資促進局行政管理委員會代主席於2021年2月26日作出的決定。
上述意見,謹呈上級審閱及批示。
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IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificado nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o recurso hierárquico do acto de declaração de caducidade do acto de autorização da sua residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i.)
Está em causa no presente recurso contencioso o indeferimento do recurso hierárquico do acto que declarou a caducidade do acto que autorizou o Recorrente a residir temporariamente na RAEM.
Baseou-se essa declaração na aplicação subsidiária, por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (segundo esta norma, «é subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau»), da norma do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 (cujo teor é o seguinte: «a residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência») e do n.º 2 do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 (de acordo com o qual, é causa de caducidade da autorização de residência, «qualquer circunstância que, nos termos da lei de princípios e do presente regulamento, seja impeditiva da manutenção da autorização, nomeadamente a falta de residência habitual do interessado na RAEM»), em vigor à data da prática do acto que foi objecto de recurso hierárquico e bem assim na norma do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, em virtude de a Administração ter considerado que o Recorrente não teve residência habitual na RAEM.
(ii.)
O único fundamento invocado no presente recurso é o da violação de lei resultante de, no entendimento do Recorrente, a Administração ter erradamente concluído que o mesmo não tem nem teve residência habitual em Macau.
Cremos, pelas razões que seguem, que o acto recorrido não sofre do alegado vício.
(ii.1.)
Antes da entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, os nossos Tribunais tenderam a construir o conceito de residência habitual (o qual, sempre se diga, sendo um conceito jurídico indeterminado, não confere, segundo o entendimento pacífico da nossa jurisprudência, margem de livre apreciação à Administração), a partir da norma do artigo 30.º do Código Civil, fazendo-o coincidir com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o seu centro de interesses vitais, o centro efectivo da sua vida, constituindo, portanto, o local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais. Deste modo, sempre se afastou do conceito o local que serve de mera passagem, ou aquele no qual uma pessoa está por curtos e intermitentes períodos de tempo (veja-se, por exemplo, neste sentido, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 182/2020).
Todavia, através da norma do n.º 5 do artigo 46.º da Lei n.º 16/2021, o legislador veio esclarecer que, o conceito de residência habitual relevante enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, não exige, contrariamente ao que vinha sendo decidido, que Macau constitua o local onde se encontra radicado o centro de interesses, o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, que aqui nem sequer precisa de ter a sua habitação. Na verdade, resulta expressamente daquela norma que «não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial», pelo que, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades.
Como se vê, a lei procedeu a uma definição de residente habitual para efeitos de manutenção e de renovação da autorização de residência que é bem mais ampla do que aquela que vinha sendo decantada pelos Tribunais: à luz da lei é também residente habitual quem em Macau exerce uma actividade académica, profissional ou empresarial e que, por causa do exercício dessa actividade, aqui se desloca regular e frequentemente (este último requisito necessário ao preenchimento do conceito legal de residente habitual é caracterizado pela respectiva imprecisão e indeterminação, embora não nos pareça que, através da respectiva utilização, o legislador tenha pretendido conferir discricionariedade à Administração. Com efeito, julgamos não se poder dizer que o tipo de valoração que o conceito suscita faça apelo à experiência e a apreciações que são próprias da Administração, nem a um saber específico da Administração, nem a uma especial preparação técnico-científica do órgão administrativo ou a uma legitimação especial da autoridade responsável pela decisão, nem, finalmente, a um juízo de prognose ou de avaliação prospectiva associado à descrição do núcleo típico de competências de determinada autoridade administrativa. Significa isto, pois, que na densificação casuística do conceito não caberá à Administração a última palavra, podendo os tribunais, em sede contenciosa, sindicar com plenitude o modo como a Administração actuou. Sobre este ponto, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, volume I, Coimbra, 2020, pp. 257-258).
(ii.2.)
Face aos elementos de facto que se colhem a partir da leitura dos autos parece-nos legítimo a conclusão da Administração no sentido de que o Recorrente, no período relevante, não teve a sua residência habitual em Macau.
Com efeito, resulta daqueles elementos que, entre 2017 e 31 de Julho de 2020, o Recorrente permaneceu em Macau por um total de 37 dias, sendo que nos anos de 2019 e 2020, esse número foi de 4 e 0 dias, respectivamente. Isto prende-se com a circunstância, também apurada no procedimento administrativo, de o Recorrente frequentar a escola «XXXX School», na cidade de Jiagmen.
Além disso, de acordo com os registos de entrada e saída do pai do Recorrente, verifica-se que também este não reside nem trabalha em Macau, porquanto, entre 2017 e 31 de Julho de 2020, permaneceu em Macau por apenas 23 dias.
Ora, a partir desta factualidade, podemos dizer que, no período em causa, o Recorrente não fez de Macau o centro permanente dos seus interesses pessoais e familiares mais relevantes, uma vez que é incompatível com uma conclusão nesse sentido o facto de o mesmo aqui ter permanecido por tão pouco tempo e, pelo contrário, viver com a sua família em Jiangmen.
Além disso, também se não demonstra que o Recorrente se deslocasse a Macau com regularidade e frequência, e, portanto, não se mostra preenchido um dos requisitos do conceito legal de residência habitual plasmado no n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021.
Não errou, pois, a Administração ao concluir que o Recorrente não manteve a sua residência em Macau durante o período da autorização de residência.
Uma última nota. É certo que o Recorrente é menor e, como tal, tinha de viver com os seus pais (veja-se, desde logo, o artigo 86.º do Código Civil: «o menor tem domicílio no lugar da residência da família» e também o disposto no n.º 1 do artigo 1741.º do mesmo diploma legal «os menores não podem abandonar a casa de morada da família ou aquela que os pais lhe destinaram, nem dela ser retirados») e é também certo que estes são residentes permanentes e gozam da liberdade fundamental consagrada no artigo 33.º da Lei Básica de emigrarem para outros países ou regiões. Contudo, se bem vemos, daqui nada se pode extrair em sentido invalidante da actuação da Administração que se consubstanciou no acto recorrido, na medida em que isso em nada afecta os respectivos pressupostos. Só os confirma, aliás. O Recorrente, em virtude da respectiva menoridade, residia habitualmente com os pais e frequentava a escola em Jiangmen, fora de Macau, portanto.
Da interpretação que a Administração fez das normas legais que fundamentaram o acto recorrido não decorre, em nosso modesto entendimento, qualquer exigência no sentido de que o Recorrente, enquanto menor, viva separado dos seus pais. Não é disso que se trata. O que sucede é que, justamente por ter de viver com os pais, na sequência de uma decisão livremente tomada por estes, o Recorrente não residiu habitualmente em Macau.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.”
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Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pelo Recorrente, razão pela qual é de julgar improcedente o recurso em análise.
Uma nota final: como o pai já é residente permanente da RAEM, a improcedência desta acção não impede que o pedido da fixação da residência em Macau seja formulado junto dos serviços competentes.
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Síntese conclusiva:
I - O conceito de residência habitual - um conceito jurídico indeterminado que não confere, à luz do entendimento pacífico da jurisprudência, margem de livre apreciação à Administração Pública -, tem sido construído a partir da norma do artigo 30.º do Código Civil de Macau, fazendo-o coincidir com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o centro de interesses vitais, o centro efectivo da vida de determinada pessoa, sendo, portanto, um local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais.
II – Com a norma do n.º 5 do artigo 46.º da Lei n.º 16/2021, 16 de Agosto, o legislador veio “ampliar” o conceito de residência habitual relevante para efeitos da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, estipulando que, quer as pessoas que em Macau fixam com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida e como tal residem habitualmente em Macau, quer as outras que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem “regular e frequentemente” para exercer tais actividades.
III – De acordo com os registos de entrada e saída do pai do Recorrente, verifica-se que também este não reside nem trabalha em Macau, porquanto, entre 2017 e 31 de Julho de 2020, permaneceu em Macau por apenas 23 dias, partindo-se desta factualidade, é de concluir que, no período em causa, o Recorrente (menor) não fez de Macau o centro permanente dos seus interesses pessoais e familiares relevantes, tendo vivido sempre com a sua família no interior da China, o que é razão bastante para manter a decisão do indeferimento do pedido da renovação da fixação de residência temporária em Macau por não preencher os pressupostos legalmente exigidos, julgando-se improcedente o recurso em causa.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente que se fixam em 6 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 13 de Dezembro de 2023.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
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