Processo nº 220/2023
(Reclamação para a conferência)
Data: 11 de Janeiro de 2024
Recorrente: (A)
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
(A), com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso contencioso do Despacho de 27.02.2023 do Secretário para a Economia e Finanças no qual foi indeferido o recurso hierárquico interposto pelo Recorrente e mantida a decisão que declarou a caducidade da autorização de residência temporária da cônjuge do Recorrente (B).
A fls. 82 foi proferido despacho de indeferimento liminar por se entender que havia de estar em juízo a cônjuge do Recorrente por ser a titular da situação jurídica subjacente ao despacho recorrido.
Daquele despacho veio o Recorrente reclamar para a conferência, sustentando em síntese que tanto o Recorrente como o seu cônjuge têm legitimidade para interpor o presente recurso uma vez que a decisão administrativa impugnada que invalida a autorização de residência da cônjuge viola os interesses legalmente protegidos de ambos.
Para além da reclamação foi também junta aos autos p.i. corrigida onde surge a cônjuge do Recorrente (B) como Recorrente, tendo para o efeito junto aos autos procuração forense e declaração de ratificação do processado.
Notificada a entidade Recorrida para dizer o que tiver por conveniente, pela mesma foi sustentado ser a cônjuge do Recorrente quem tem legitimidade para atacar o acto recorrido, aceitando a substituição processual decorrente da nova p.i.
Pelo Ministério Público foi emitido Parecer com o seguinte teor:
«(i)
Constitui objecto da presente reclamação para a conferência a douta decisão proferida pelo Excelentíssimo Senhor Relator de indeferimento liminar da petição inicial com fundamento na ilegitimidade do Recorrente, constante de fls. 82 a 83 dos presentes autos.
(ii)
Como já tive oportunidade de o referir em situações processuais semelhantes, propendo, não sem dúvidas, no sentido de considerar, que o Recorrente, e agora Reclamante, (A), tem, nos termos previstos na segunda parte da alínea a) do artigo 33.º do CPAC, legitimidade processual activa para interpor o presente recurso contencioso, porquanto, ele próprio, se arroga a titularidade de um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento desse recurso. Acompanho assim, aliás, aquele que é, se bem o interpreto, o sentido da jurisprudência do Tribunal de Última Instância sobre a matéria (cfr. acórdãos do Tribunal de Última Instância de 28.04.2004, Processo n.º 8/2004 e de 15.12.2010, processo n.º 48/2010).
Na verdade, de acordo com a que me parece ser a melhor doutrina, o interesse directo e pessoal a que a mencionada norma legal alude traduz-se «na utilidade, benefício ou vantagem, de natureza patrimonial ou meramente moral, que poderá advir da anulação do acto impugnado e que pode não corresponder à titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido, mas à simples de detenção de um mero interesse de facto» (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Coimbra, 2010,. P. 371).
Ora, no caso, estou modestamente em crer que, sendo o Recorrente cônjuge da titular da autorização de residência temporária cuja caducidade foi declarada através do acto recorrido, a qual, de resto, foi concedida na sequência de requerimento apresentado pelo Recorrente com fundamento no artigo 5.º, alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, será de considerar preenchido o pressuposto processual da respectiva legitimidade.
(iii)
Concluindo, parece ao Ministério Público, salvo melhor opinião, que a presente reclamação para a conferência deve ser deferida.»
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Da sinopse dos autos resulta que o acto impugnado que declarou a caducidade de autorização de residência de (B), cônjuge do Recorrente (A), foi sempre notificado ao aqui Recorrente original, havendo sido este quem interpôs recurso hierárquico e do resultado do mesmo foi notificado.
Este modo de proceder da Entidade Recorrida tem levado a que os recursos contenciosos dos actos impugnados sejam instaurados sem que a pessoa titular do direito à residência que foi objecto dos actos impugnados esteja nos autos, situação que entendemos é geradora de ilegitimidade.
Por analogia com a situação prevista no artº 396º do CPC tem vindo a ser prática deste tribunal o convite aos Recorrentes para corrigirem as petições iniciais apresentadas fazendo constar os verdadeiros titulares do direito, juntando as competentes procurações forenses e declarações de ratificação do processado.
O despacho de indeferimento liminar objecto desta reclamação não pode ser objecto de recurso antes de ser submetido a reclamação para a conferência.
Logo, o despacho de indeferimento liminar susceptível de recurso a que alude o nº 1 do artº 396º do CPC só aconteceria se nesta reclamação viesse a ser confirmado aquele que é objecto desta.
Destarte, no momento em que foi apresentada a nova p.i. estava ainda o Autor aquém do início da contagem do prazo de 10 dias a que alude o artº 396º do CPC, pelo que, se tem a nova p.i. apresentada por tempestiva.
Da nova p.i. resulta ser (B) Recorrente não se opondo a Entidade Recorrida à substituição processual, pelo que, estando sanada a falta de legitimidade do Recorrente pela intervenção de (B), impõe-se conceder provimento à reclamação, decidindo em conformidade.
Termos em que, pelos fundamentos expostos, deferindo a reclamação apresentada, revoga-se o despacho de indeferimento liminar, aceita-se a petição inicial apresentada a fls. 90 e ordena-se a notificação1 da Entidade Recorrida para querendo contestar no prazo legal, fazendo constar as prescrições previstas nos artº 53º a 55º do CPAC.
Sem custas pelo incidente.
Notifique.
RAEM, 11 de Janeiro de 2024
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
1 Já não se diz citação uma vez que já teve intervenção nos autos.
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220/2023 RECL P/CONF 1