Processo nº 313/2023
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 11 de Janeiro de 2024
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 27.02.2023 que indeferiu o recurso hierárquico do despacho de indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência, formulando as seguintes conclusões:
1. Em 14 NOV 2012 a Administração deferiu o pedido da aqui recorrente e, até 2019, a recorrente por duas vezes requereu a renovação da sua autorização de residência.
2. Cada uma dessas renovações foi deferida pela Administração após junção pela recorrente tão-somente dos respectivos comprovativos de: i) depósito em banco de Macau; e ii) do cumprimento do ónus de inaliabilidade do imóvel que tinha adquirido em 2013.
3. Após ter pedido a 3.ª renovação em 2019, por decisão do Presidente do I.P.I.M. de 2 MAR 2022, foi negada a autorização de residência sob a invocação, pela primeira vez, de que a recorrente não permaneceu em Macau senão por um reduzido número de dias e, pois, isso, não satisfez o requisito da residência habitual em Macau, decisão do Presidente do I.P.I.M. de 2 MAR 2022 que, após recurso hierárquico necessário de 11 ABR 2022, foi mantida ex vi do despacho a quo.
4. O período compreendido entre 2012 e 2019 - contado da fixação inicial da autorização de residência até ao pedido da 3.ª renovação - foi já conhecido, aferido e acolhido por parte da Administração através de actuações e operações procedimentais que, por 2 vezes, culminaram em encadeados e sucessivos actos administrativos de renovação da autorização de residência e, logo, cada um dos 2 intercalares actos administrativos de renovação assentou, pressupôs e como que irreversivelmente confirmou e validou tudo quanto havia sido já lógica, cronológica e antecedentemente objecto de processamento administrativo de acertamento e validação.
5. Os despachos que aprovaram a 1.ª e a 2.ª renovações da autorização de residência são actos decisórios finais em que culminou toda uma anterior actuação administrativa de verificação quanto à subsistência dos requisitos e pressupostos da autorização de residência inicialmente conferida à requerente desde 14 NOV 2012 e re-aferidos aquando da 1.ª renovação e da 2.ª renovação e, por isso, tais actos administrativos de 1.ª e 2.ª renovação valem como títulos jurídico-administrativos de atestação de que a situação fáctica e o respectivo enquadramento jurídico satisfizeram (ou continuaram a satisfazer) os normativos legais aplicáveis.
6. Tais títulos jurídico-administrativos configuram momentos de estrita e inescapável auto-vinculação da Administração, isto é, - saliente-se -, de toda a Administração, que não apenas do órgão instrutório e decisório com concreta intervenção na sua prolação (o I.P.I.M.).
8. Nunca a Administração anteriormente ao projecto de decisão desfavorável notificado na sequência do pedido da 3.ª renovação estipulou, quantificou ou minimamente exigiu um período anual mínimo imperativo de dias durante os quais a recorrente devesse estar adentro de fronteiras, isto é, em Macau, situação essa que, querendo-o a Administração, o ordenamento jurídico da R.A.E.M. claramente lhe teria permitido, bastando apor à outorga inicial ou a alguma das 2 renovações um dos elementos acessórios a que alude o art. 111.º do C.P.A.: condição ou modo.
9. A recorrente sempre primou pela máxima e inteira transparência quanto à sua situação e localização geográfica ao longo de todo o período em que tem estado juridicamente relacionada com a R.A.E.M. após lhe ter sido conferida em 2012 a autorização de residência pois que sempre ab initio informou a Administração que morava quer na Malásia quer na Indonésia.
10. Informação que, chegada ao conhecimento da Administração logo desde 2012, desta não suscitou qualquer reação, reserva, ressalva, aviso, cominação, nada.
11. Não poderia posteriormente vir o I.P.I.M. - ou um outro órgão, ainda que hierarquicamente cimeiro ou superior, da Administração - pretender re-apreciar ou re-aferir uma decisão que já adquiriu, interna e externamente, força de caso decidido e que, pois, obriga inelutavelmente a Administração.
12. Ao não ter assim entendido e ao ter, pois, colocado em causa e destruído juridicamente todo o período em que tinha sido outorgada e por duas vezes renovada a autorização de residência - com base numa inovatória exigibilidade de certo número inquantificado de dias por ano em Macau, nunca antes cominada à recorrente até 2019 -, violou a decisão recorrida o princípio da legalidade acolhido no art. 3.º, n.º 1, do C.P.A., desde logo na dimensão da auto-vinculação da Administração ao seu próprio agir procedimental perante a recorrente, face ao que o despacho recorrido deverá ser invalidado por violação de lei, o que aqui se invoca como fundamento específico para a sua anulação por V. Ex.as, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e a al. d) do n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
13. O fim e desiderato do subjacente instituto jurídico - outorga administrativa de autorização de residência a quem fizesse um investimento imobiliário relevante - era a captação de dinheiro adveniente do exterior tendo em vista a dinamização do mercado imobiliário de Macau e também a cobrança de impostos pelas Finanças de Macau.
14. A recorrente fez a sua parte, isto é, fez e financiou um investimento imobiliário relevante em Macau há já mais de 10 anos, deixando aqui dentro das fronteiras de Macau o respectivo pagamento do preço, que, ademais, foi taxado e tributado de acordo com a lei, sendo que, como contrapartida ou sinalagma de tal investimento imobiliário, a Administração conferiu-lhe o título jurídico de autorização de residência e por duas vezes o renovou.
15. Sabendo a Administração que a recorrente vivia e habitava fora de Macau desde o início, se a Administração conferiu essa autorização de residência originária e se a renovou por 2 vezes, tal significa que a Administração reconheceu a recorrente como pessoa com “residência habitual” em Macau no sentido normativo específico e diferenciado que tal conceito jurídico sempre teve e tem face a um “investidor imobiliário”, seja nos quadros do DL 50/83/M de 17 DEZ - cfr. o seu art. 2.º, al. a) -, do DL 3/84/ de 28 JAN - cfr. o seu art. 2.º, al. a) -, do DL 15/95/M de 27 MAR - cfr. o seu art. 2.º, n.º 1, al. e) - ou, por fim, do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR - cfr. o seu art. 1.º, al. 4).
16. Com efeito, não está em causa a atribuição de autorização de residência para prestação de trabalho presencial em Macau, para presencialmente se coabitar com o cônjuge ou algum familiar nem sequer para efeitos de reagrupamento familiar pois que, nesses outros casos, muito naturalmente se exige, pressupõe e faz pleno sentido que o beneficiário dessa autorização deva efectivamente viver e habitar dentro das fronteiras de Macau.
17. In casu, trata-se, diferentemente, de uma autorização de residência de tipo e natureza diversa, destinada a captar e trazer capital exterior para Macau, a dinamização do mercado de imobiliário e tributação em prole das Finanças da R.A.E.M., sendo com base nessa ratio legis que se ilumina e pode compreender por que motivo a recorrente, de tudo tendo informado a Administração - logo ab initio e aquando de cada uma das 2 renovações -, tenha visto a Administração deferir quer o pedido inicial quer cada uma das 2 sucessivas renovações.
18. Não ocorreu qualquer facto superveniente nem adveio qualquer circunstância ou vicissitude posterior à autorização inicial de 14 NOV 2012 ou a cada uma das 2 renovações que permitisse, ou mesmo impusesse, à Administração, a partir de 2019, trazer inovatoriamente à colação e como que exigir, inovatória e retroactivamente, um requisito nunca antes por si comunicado, exigido ou cominado como sendo de verificação obrigatória para o efeito do deferimento inicial ou de cada uma das 2 renovações.
19. Não existe por parte da Administração qualquer conhecimento superveniente de circunstâncias pretéritas, só entretanto por si conhecidas, pois quer a morada quer o domicílio oferecidos desde 2012 pela recorrente sempre se situaram fora de Macau.
20. Não pode a Administração, sob pena de venire contra facto proprio e, pois, violação do princípio da boa fé, invocar ou alegar conhecimento superveniente de tais elementos de facto, sempre desde há mais de 10 anos do seu conhecimento e sempre por si aceites e acolhidos em cada uma das 3 referidas decisões administrativas.
21. Qualquer autorização ou modificação ao standard decisório apenas pode ocorrer quando lei prévia assim o permita e, caso a lei o permita, sempre tal novo standard decisório terá o de vigorar apenas para o futuro e para procedimentos administrativos futuros, ou seja, sempre terão de ser ressalvadas e salvaguardadas as relações administrativas ou os efeitos das relações administrativas iniciadas antes dessa nova lei e standard.
22. E, sobretudo, deve tal novo standard decisório ser impreterivelmente levado ao conhecimento do seu destinatário comunicando-lhe em termos cominatórios qual a consequência para si desvantajosa de, a partir de determinado momento em diante, não satisfazer ou cumprir o que quer que resulte desse novo standard.
23. Doutro modo, existirão decisões surpresa, conforme ocorre in casu, que trazem rupturas imprevistas em relações jurídicas em curso, como acontece na situação vertente, mais acrescendo que foi a própria Administração que sempre deu sinais expressos - pelo menos entre 2012 e 2019 - de que o facto de a recorrente viver e habitar fora de Macau, quer aquando do pedido inicial quer nas 2 renovações, não obstava ao deferimento da autorização de residência e renovações ao abrigo do conceito jurídico-normativo e teleológico de residente habitual com base em investimento imobiliário.
24. Nenhuma das sucessivas “leis da residência por investimento imobiliário” - DL 50/83/M de 17 DEZ, DL 3/84/M de 28 JAN, DL 15/95/M de 27 MAR e Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR - menciona qualquer número mínimo de dias para necessariamente o investidor estar em Macau.
25. As regras relevantes para o investimento imobiliário apenas poderiam ser alteradas após mudança de lei e mediante decisão administrativa expressa e com comínação prospectiva, isto é, destinada a apenas a vigorar para o futuro, nunca para relações em curso e, sobretudo, com efeitos ablatórios totais e pretensamente retroactivos.
26. Tendo presente a título ilustrativo o ponto VI do acórdão do T.S.I. proferido em 2 JUL 2020 no processo 473/2019R, a recorrente sustenta e pugna que a conduta da Administração violou o princípio da boa-fé e da tutela da confiança na vertente de venire e que, pois, ao reter e omitir pelo menos de 2012 a 2019 a aposição de termo ou modo, ou ao nunca indicar expressamente um prazo mínimo de dias para, daí em diante, permanência na R.A.E.M., a Administração fez-se incorrer no instituto jurídico que vale como um dos remédios operativos face à violação da boa-fé, ou seja, a suppressio,
27. Assim, a decisão a quo feriu o princípio da boa-fé e da tutela da confiança na sua dimensão de venire e, por conseguinte, é judicialmente anulável por violação do art. 8. do C.P.A., devendo também ser julgado que ficou suprimido o poder da Administração de cancelar o por si anteriormente decidido.
28. Ao não ter assim interpretado e aplicado o art. 8.º do C.P.A., o despacho recorrido deverá ser julgado em violação de lei e, logo, anulado, o que aqui se invoca como fundamento específico para a sua anulação por V. Ex.as, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e a al. d) do n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
29. Pese embora se mencione em diversos segmentos da informação do I.P.I.M. em que que, por remissão, se fundamentou o acto a quo aplicabilidade do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR, o certo é que o acto recorrido alude e invoca o regime da nova Lei 16/2021 de 16 AGO, concretamente o seu art. 43.º, n.º 2, al. 3), tal como aliás, por lapso, a aqui recorrente fez em sede de recurso hierárquico necessário (cfr. art. 28.º).
30. Ora, a verdade é que a Lei 16/2021 de 16 AGO entrou em vigor a 17 NOV 2021, isto nos termos do seu art. 106.º e tendo em conta que foi publicada no Boletim Oficial de 16 AGO 2021, sendo que no elenco taxativo dos diplomas revogados pela Lei 16/2021 de 16 AGO - cfr. o seu art. 105.º - não consta o Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR.
31. Por fim, consta do art. 104.º da Lei 16/2021 de 16 AGO a expressa ressalva de que o Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR continuará a produzir todos os seus efeitos jurídicos até que, por via de “diplomas legais” - que não de “interpretação administrativa” -, venha a ser alterado, suspenso ou revogado.
32. Assim, o despacho recorrido deverá ser julgado em violação de lei e, logo, anulável atento esse segmento da sua fundamentação de direito em que se louvou no regime sediado no art. 43.º, n.º 2, al. 3) da Lei 16/2021 de 16 AGO, invalidade que aqui se invoca como fundamento específico para a sua anulação por V. Ex.as, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e a al. d) do n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
33. E, por assim ser, a disciplina jurídica chamada a regular a situação jurídica sob impugnação será, além do regime do C.P.A., aquela que consta do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR, de acordo com o princípio tempus regit actum.
34. Mudando de entendimento a Administração quanto ao por si antes decidido, pelo menos entre 2012 e 2019, tal modificação de entendimento viria a corresponder na esfera da recorrente a um eventual e superveniente decaimento dos requisitos originalmente aceites e exigidos à mesma.
35. Pelo que, perante tal novo entendimento - possivelmente conducente ao decaimento da situação juridicamente relevante na base da autorização de residência -, caberia legalmente ao I.P.I.M. ter fixado, informado e cominado a recorrente de qual o prazo para que, nos termos do n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005, constituísse uma nova situação que sustentasse o seu direito de residência: «(...) A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o recorrente se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo IPIM ou a alteração for aceite pelo órgão competente.(...)».
36. Tal reconstituição seria, in casu, o ónus de passar a recorrente, desse momento em diante, a permanecer determinado lapso temporal de dias por ano em Macau sendo que, contudo, nunca o I.P.I.M. notificou a recorrente para que, a partir de determinado momento, passasse cominatoriamente a permanecer em Macau certo quantum de dias por ano.
37. Considerando a omissão desse trâmite essencial colocado pela lei a cargo do I.P.I.M. - de fixação de um prazo para reconstituição de nova situação atendível -, esta mesma actuação procedimental omissiva do I.P.I.M. deve ser enquadrada na segunda parte do citado n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR: «(...) A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o recorrente se constituir em nova situação juridica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto para a Promoção do Investimento e Comércio de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente. (...)».
38. Apenas quando a recorrente foi notificada em 2019 para efeitos de audiência prévia, é que tomou conhecimento de que o I.P.I.M. considerava a sua situação como desfavorável e que, como tal, a 3.ª renovação da sua autorização de residência outorgada em 2012 estaria em risco por não permanecer (nem antes ter permanecido!) certo número de dias por ano em Macau.
39. Tal fundamento, apontado pelo I.P.I.M. em sede de projecto de decisão de 2019, contrariou por completo a anterior conduta omissiva e silente do I.P.I.M. que, desde 14 NOV 2012 nunca lhe fixou qualquer prazo ou data para esta constituisse uma nova situação atendível (de permanência anual mínima), isto apesar de tal dever de fixação resultar da lei, apud n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR.
40. A decisão ora recorrida fez errada interpretação e aplicação quer da primeira quer da segunda parte do n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005 e, consequentemente, configura-se como um acto anulável, ex vi do art. 124.º do C.P.A., invalidades que aqui se invocam como fundamentos específicos para a sua revogação por V. Ex.as, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e a al. d) do n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões:
I. A falta de residência habitual é um ónus que recai sobre todos os titulares de autorizações temporárias de residência, seja qual for o fundamento da autorização;
II. Era assim ao abrigo da Lei 4/2003 e continua a ser assim ao abrigo da Lei 16/2021;
III. Ao RA 3/2005 aplica-se subsidiariamente o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência;
IV. Esse regime geral consta hoje da Lei 16/2021;
V. A expressão “situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização”, usada no art. 18 do RA 3/2005, refere-se apenas aos investimentos, ao contrato de trabalho ou à aquisição de imóveis que, nos termos do seu art. 1, fundamentou a autorização de residência.
Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, ambas silenciaram.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
1. Por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 27.02.2023, foi indeferido o recurso hierárquico interposto do despacho de indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência, nos termos e com os fundamentos da Proposta nº PRO/00823/AJ/2022 elaborada pela IPIM, a qual consta de fls. 42 a 48 e traduzida a fls. 64 a 78 e com o seguinte teor:
«Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Despacho:
Nos termos da competência conferida pela Ordem Executiva n.º 3/2020, concordo com a análise da presente proposta, indeferindo o recurso hierárquico necessário e mantém-se a mesma decisão.
O Secretário para a Economia e Finanças
(ass. e carimbo - vide originais)
B
27 de Fevereiro de 2023
Parecer:
Concordo com o conteúdo da presente proposta e submetê-la à apreciação e à aprovação do Secretário para a Economia e Finanças.
(ass.-vide original)
O Presidente, subst.º/ C
20.05.2022
Concordo com o conteúdo da presente proposta e submetê-la à apreciação do Presidente do Conselho de Administração, subst.º.
(ass.-vide original)
O Vogal Executivo/ D
20.05.2022
Concordo com o conteúdo da presente proposta. Analisado o presente recurso hierárquico necessário, e tendo revisto o processo, considera-se que o despacho proferido em 2 de Março de 2022 pelo Presidente do Conselho de Administração do IPIM é legal e adequado, pelo que se propõe a Vossa Excelência, Secretário para a Economia e Finanças, que exerça os poderes conferidos pelo Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, para indeferir o recurso hierárquico necessário e manter o acto administrativo recorrido.
À consideração superior.
(ass.-vide original)
Dra. E/
Directora do Dept.º Jurídico e de Fixação de Residência
19 de Maio de 2022
Assunto: Sugestão de indeferimento do recurso hierárquico necessário (proc. n.º 0290/2008/03R)
Proposta n.º PRO/00823/AJ/2022
Data: 16/05/2022
Exma. Dra. E, Directora do Dept.º Jurídico e de Fixação de Residência
1. À recorrente, A, foi concedida, pela primeira vez, em 14 de Novembro de 2012, uma autorização de residência temporária ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, com base na aquisição de bem imóvel, e a respectiva autorização de residência temporária foi renovada em 17 de Setembro de 2019 até 11 de Março de 2022.
2. Como a recorrente não residia habitualmente na RAEM durante a duração de autorização de residência temporária, o Presidente do Conselho de Administração do IPIM, no exercício dos poderes subdelegados pelo Secretário para a Economia e Finanças, fez o despacho em 2 de Março de 2022. Nos termos do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que é aplicável subsidiariamente o disposto na alínea 2) do artigo 42.º e na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, revogou a autorização de residência temporária concedida à recorrente A, válida até 11 de Março de 2020.
3. Em relação à decisão acima referida, este IPIM notificou, em 2 de Março de 2022, a recorrente, através do ofício n.º OF/00715/DJFR/2022, que foi entregue com sucesso em 10 de Março de 2022, de acordo com o registo de assinaturas dos Serviços de Correios e Telecomunicações (ver Doc. 1).
4. Nos temos do artigo 3.º do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 68/2020, “Dos actos praticados no uso da competência ora subdelegada, cabe recurso hierárquico necessário.” Em resposta à decisão acima referida, a recorrente, através de advogado autorizado, apresentou o presente recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Economia e Finanças em 11 de Abril de 2022 (ver Doc. 2).
5. Em conformidade com o n.º 1 do 155.º do Código do Procedimento Administrativo, é de trinta dias o prazo para a interposição do recurso hierárquico necessário. o registo da assinatura e da recepção dos documentos relevantes mostra que a data de apresentação do recurso hierárquico necessário respeitou o prazo legal.
6. O principal conteúdo deste recurso hierárquico necessário é o seguinte:
1) Foi concedida à recorrente a autorização de residência temporária com base na aquisição de bem imóvel. Um dos objectivos legislativos deste regime jurídico é atrair investimento para Macau, promover o desenvolvimento do mercado imobiliário em Macau e aumentar as receitas fiscais de Macau. A recorrente obteve a autorização de residência temporária em Macau pelo facto de ter adquirido um imóvel em Macau e de ter pago os impostos de acordo com a lei, o que é diferente do sistema de concessão de autorização de residência para trabalhar em Macau ou para reunir com familiares;
2) No seu pedido inicial e nos pedidos de renovação subsequentes, a requerente informou a Autoridade Administrativa de que o seu local de residência habitual era na Indonésia ou na Malásia, ou seja, a Autoridade Administrativa tinha conhecimento de que a requerente sempre residiu fora de Macau. O facto de a Autoridade Administrativa também ter aprovado o pedido de renovação da recorrente significa que este foi reconhecido como “residente habitual” da recorrente em Macau;
3) Que não houve qualquer alteração dos factos supervenientes ou da situação jurídica da recorrente após a primeira concessão da autorização de residência temporária e as renovações dos pedidos, nem houve qualquer alteração ou aditamento aos requisitos de apreciação para a concessão da autorização de residência temporária durante o período, e que nunca houve qualquer menção nos regulamentos administrativos relevantes de um número mínimo ou obrigatório de dias de permanência em Macau, e que a recorrente não foi informada do número de dias de permanência ou do requisito de residência habitual em Macau no momento da concessão da autorização de residência temporária e no momento da renovação do pedido;
4) Para citar o ponto VI do extracto do acórdão do TSI, no proc. n.º 473/2019: “VI - O Recorrente, desde o primeiro momento em que pediu a fixação de residência temporária em Macau, declarava que residia em Zhuhai por várias razões, e mantinha as mesmas declarações nas posteriores renovações de tal autorização, nunca lhe foi suscitado qualquer obstáculo, porém, na última vez de pedido de renovação da fixação de residência temporária em Macau, foi indeferido o seu pedido, com base no simples facto de ele não residir em Macau, não obstante o relatório de registo de entradas e saídas de fronteiras mencionar que o Recorrente no ano de 2018 permanecia mais de 183 dias em Macau, decisão esta que a Entidade Recorrida tomou, para além de prejudicar a expectativa do Recorrente, constitui uma violação do princípio da boa fé previsto no artigo 8.º do CPA, o que é razão bastante para anular a decisão recorrida.” (O Recorrente, desde o primeiro momento em que pediu a fixação de residência temporária em Macau, declarava que residia em Zhuhai por várias razões, e mantinha as mesmas declarações nas posteriores renovações de tal autorização…. porém, na última vez de pedido de renovação da fixação de residência temporária em Macau, foi indeferido o seu pedido, com base no simples facto de ele não residir em Macau, não obstante o relatório de registo de entradas e saídas de fronteiras mencionar que o Recorrente no ano de 2018 permanecia mais de 183 dias em Macau, decisão esta que a Entidade Recorrida tomou, para além de prejudicar a expectativa do Recorrente, constitui uma violação do princípio da boa fé previsto no artigo 8.º do CPA, o que é razão bastante para anular a decisão recorrida. - esta tradução foi feita por nós)
5) Nesta base, é contrário ao princípio da boa fé que a Autoridade Administrativa revogou a autorização de residência temporária com base no facto de a recorrente não residir habitualmente em Macau;
6) Além disso, havia pelo menos cinco membros da família num caso semelhante ao da recorrente, mas a autorização de residência temporária não foi revogada, o que demonstra que a Autoridade Administrativa tomou decisões diferentes em situações semelhantes, em clara violação do princípio da igualdade;
7) Em conclusão, o acto administrativo recorrido é contrário aos artigos 42.º e 43.º da Lei n.º 16/2021, aos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 8/1999 e ao artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que solicita a Vossa Excelência, Senhor Secretário, a revogação da decisão e a manutenção da autorização de residência temporária da recorrente.
7. O recurso hierárquico necessário é analisado como segue:
1) Relativamente à pretensão de que a “residência habitual” não se aplica aos requerentes de autorização de residência temporária com base no investimento em bens imóveis, importa referir que o artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 prevê expressamente que “É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau.” e que este Regulamento Administrativo não exclui a aplicação do regime geral de entrada, permanência e fixação de residência em Macau no que respeita à disposição de residência habitual. A recorrente do presente processo obteve uma autorização de residência temporária nos termos do regulamento administrativo acima referido e é uma interessada regida por esse regulamento, pelo que a Lei n.º 16/2021, o , através das disposições acima referidas, é aplicada subsidiaramente aos interessados com autorização de residência temporária, pelo que não é inadequado que a Autoridade Administrativa determine se a interessada tem residência habitual em Macau, nos termos do disposto na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da referida Lei e nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999;
2) Além disso, o TUI e o TSI de Macau esclareceram repetidamente nos seus acórdãos que o requisito de autorização de residência (residência habitual), tal como estipulado no n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, é aplicável ao Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, tal como estipulado nos artigos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (vide acórdão do TUI, no proc. n.º 182/2020 e os acórdãos do TSI, no proc. n.º 738/2020, n.º 727/2020 e n.º 866/2020);
3) 儘管第16/2021號法律生效而廢止第4/2003號法律,但根據第16/2021號法律第102條(準用)的規定“其他法规準用現廢止的法例的规定,視為準用大法律或上條所指的補充法规的相應规定。第3/2005號行政法規第23條補充適用第16/2021號法律的相關規定,並參照上述司法見解,第16/2021法律第43條第2款(三)項有關通常居住的規定適用於本個案; Não obstante a entrada em vigor da Lei n.º 16/2021 que revoga a Lei n.º 4/2003, em conformidade com o artigo 102.º (remissão) da Lei n.º 16/2021 “As remissões existentes em outros diplomas para as disposições da legislação ora revogada consideram-se feitas para as correspondentes disposições da presente lei ou dos diplomas complementares referidos no artigo anterior”. O artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 que é aplicável subsidiaramente o disposto na Lei n.º 16/2021 e, com referência à jurisprudência acima mencionada, alínea iii) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, relativo à residência habitual, é aplicável no presente caso;
4) Em suma, os requerentes que requeiram autorização de residência temporária ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, seja com base em investimento imobiliário, seja na qualidade de gestores e técnicos com qualificações especiais, devem, para além de manter os requisitos da situação jurídica em consideração no momento da sua concessão (cfr. o disposto no n.º 1 do artigo 18.º e no n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005), satisfazer ainda os requisitos do artigo 23.º, que é aplicável, subsidiaramente, a disposição na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, relativos à residência habitual, sob pena de as consequências jurídicas da respectiva autorização de residência temporária serem desfavoráveis;
5) Por conseguinte, não pode ser procedente a pretensão do advogado autorizado da parte contrária.
6) Relativamente à alegação do advogado autorizado de que a Autoridade Administrativa tinha informado a recorrente da sua residência fora de Macau desde que pediu a residência temporária, a Autoridade Administrativa ainda aprovou o pedido de renovação da autorização de residência temporária da recorrente, mas a Autoridade Administrativa acrescentou a “residência habitual” como requisito de aprovação em 2022 sem qualquer base jurídica, e nunca informou a recorrente do número mínimo de dias que tinha de permanecer em Macau, citando o ponto VI do extracto do Acórdão do TSI, proc. n.º 473/2019, que argumentou que o acto administrativo recorrido era contrário ao princípio da boa fé;
7) Deve notar-se que o artigo n.º 23 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que é aplicável subsidiariamente o disposto na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, relativo à residência habitual em Macau, é regulamentado por lei e não pode ser aditado ou alterado por decisão da Autoridade Administrativa;
8) Independentemente de o pedido de renovação de uma autorização de residência temporária estar ou não a ser tratado ou aprovado, a Autoridade Administrativa continua a ser obrigada a investigar se a interessada cumpriu todos os requisitos legais, incluindo o facto de ter residência habitual em Macau, e a tomar medidas administrativas em conformidade com a lei se se provar que a interessada violou os requisitos legais pertinentes;
9) Em segundo lugar, o acórdão do TSI, no proc. n.º 550/2018 declarou que “Por não existir, por parte do IPIM, a obrigação legal de elucidar os requerentes de autorização de residência temporária sobre o significado do conceito de residência habitual, não se pode dizer violado o princípio da boa-fé se o IPIM nunca chegou, antes da declaração de caducidade da autorização de residência, a esclarecer ao interessado aquele conceito.” Verifica-se que não existe qualquer obrigação legal por parte da Administração de informar a requerente de autorizações de residência temporária sobre a sua “residência habitual” ;
10) Note-se que a Autoridade Administrativa nunca tinha confirmado a residência habitual da recorrente em Macau antes da prática do acto recorrido, pelo que a Autoridade Administrativa não tinha dado à recorrente uma expectativa razoável da sua residência habitual em Macau, pelo que não deve ser interpretada como violando o princípio da boa fé quando a Autoridade Administrativa examina a residência habitual da recorrente em Macau em conformidade com a lei e tomou uma decisão relevante sobre os factos contra a interessada.
11) Quanto à citação pelo advogado autorizado do ponto VI do extracto do acórdão do TSI, no proc. n.º 473/2019 em apoio da sua argumentação; para além do devido respeito, invoca o acórdão do TUI, proc. n.º 182/2020, que anulou o Acórdão do Tribunal Colectivo do TSI acima referido, “Verificada não estando a “residência habitual” na R.A.E.M. do requerente de uma renovação da sua autorização de residência temporária, necessária é a decisão do seu indeferimento por parte da Administração, nenhuma violação ao “princípio da boa fé” ocorrendo com tal decisão.”
12) Por conseguinte, o acto administrativo recorrido não violou o princípio da boa fé.
13) O facto de o advogado autorizado ter indicado a violação do princípio da igualdade ao afirmar que a Autoridade Administrativa tinha tomado decisões diferentes em circunstâncias semelhantes;
14) A recorrente não comprovou os factos da sua alegação (disposto no n.º 1 do art. 87.º do Código do Procedimento Administrativo) e não há vício de violação do princípio da igualdade, uma vez que a recorrente não comprovou a existência de uma situação em que tenha sido concedida residência temporária a um interessado na mesma situação, enquanto o seu pedido não foi aprovado.
15) Note-se que a premissa factual de cada caso administrativo é diferente e, no caso em apreço, a premissa factual do caso foi examinada pela Autoridade Administrativa em conformidade com a lei e a decisão relevante foi tomada em conformidade com a lei, o que constitui uma manifestação dos princípios da legalidade e do interesse público.
16) Por conseguinte, não se considerou que o acto administrativo recorrido violasse o princípio da igualdade.
17) É importante sublinhar que a Autoridade Administrativa determina se a recorrente tem residência habitual em Macau nos termos do n.º 3 do artigo 4.º e do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, “relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.”
18) No caso em apreço, a Autoridade Administrativa identificou, através dos registos de entrada e saída fornecidos pelo Corpo da Polícia de Segurança Pública, que o número de dias que a recorrente permaneceu em Macau entre 2013 e 31 de Janeiro de 2022 foi de 14, 9, 0, 0, 6, 0, 5, 0, 0, 0 e 0 dias, respectivamente, tornando claro que esteve ausente de Macau durante um longo período de tempo;
19) O recurso hierárquico necessário não indicou os motivos da ausência da recorrente de Macau durante o referido período, limitando-se a mencionar na resposta que esteve ausente de Macau devido à cirurgia pós-natal e ao novo coronavírus em 2020, tendo este motivo sido considerado e analisado em conformidade na proposta do acto recorrido;
20) Daí que se cita o acórdão do TUI, proc. n.º 182/2020 que, “a qualidade de ‘residente habitual’, implica, necessariamente, uma ‘situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também um ‘elemento de conexão’, expressando uma ‘íntima e efectiva ligação a um local’ (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência.” Daí que se mostre de exigir não só o “corpus” de uma “permanência” da interessada num determinado território, mas que seja esta acompanhada de “animus” de uma verdadeira “intenção de se tornar residente” deste mesmo território.”
21) Tal como referido pelo advogado autorizado, a recorrente tem residido fora de Macau desde a concessão da autorização de residência temporária e é evidente, através dos registos de entrada e saída, que não possui o dito “corpus” de residência habitual. Mesmo que a recorrente tenha adquirido um imóvel em Macau, não estabeleceu uma residência habitual em Macau. A julgar pelos assuntos pessoais e da vida quotidiana da recorrente, é difícil reflectir que estabeleceu laços reais e estreitos com Macau, e não existe qualquer “animus” da sua intenção de se tornar residente de Macau.
22) Em conclusão, a Autoridade Administrativa concluiu que a recorrente não residiu habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária, com base no reduzido número de dias que permaneceu em Macau durante o período da autorização de residência temporária, e com base em várias informações, tendo em conta as várias circunstâncias referidas no n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999;
23) Nestes termos, a decisão do Presidente do Conselho de Administração do IPIM, de 2 de Março de 2022, de revogar a autorização de residência temporária da recorrente, válida até 11 de Março de 2022, não é ilegal nem é imprópria, nem indicou a violação de qualquer regulamento e princípio legal.
8. Em conclusão, após análise do recurso hierárquico necessário e revisão do presente processo, o Despacho do Presidente do Conselho de Administração do IPIM, datado de 2 de Março de 2022, é legal e adequado, pelo que se propõe solicitar a Vossa Excelência, Secretário para a Economia e Finanças, que exerça os poderes conferidos pelo Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, para indeferir o recurso hierárquico necessário e manter o acto administrativo recorrido
As referidas opiniões são submetidas à vossa apreciação e aprovação.
A técnica auxiliar,
(ass.-vide original)
F
16 de Maio de 2022
A Gerente da Divisão dos Assuntos Jurídicos,
(ass. e carimbo-vide originais)
G
17 de Maio de 2022»
b) Direito
É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do indeferimento do recurso hierárquico que dirigiu ao Secretário para a Economia e Finanças do acto do proferido pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) que revogou a autorização de residência temporária da Recorrente na RAEM.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou douta contestação na qual, pronunciando-se sobre cada um dos fundamentos invocados pela Recorrente, pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i)
Começa a Recorrente por alegar que o acto administrativo violou o princípio da legalidade naquilo que designa como «a dimensão da auto-vinculação da administração ao seu próprio agir procedimental perante a recorrente».
Salvo o devido respeito, não nos parece que assim seja.
É certo, como assinala a Recorrente, que a sua autorização de residência temporária na RAEM foi renovada por duas vezes, antes da renovação da autorização que foi revogada pelo acto recorrido. Contudo, daí não decorre, contrariamente ao que vem alegado, que a Administração tenha violado qualquer caso decidido – que não existe – nem que tenha violado o princípio da legalidade. Pelo contrário, aliás. A Administração actuou no cumprimento das normas legais que considerou aplicáveis à situação, sem prejuízo, claro está, de se poderem discutir os termos da interpretação e a aplicação dessas normas, nomeadamente, se a mesma foi ou não correcta.
De resto, a Recorrente parece incorrer num equívoco. A chamada auto-vinculação da Administração não é, como bem se compreende, uma dimensão do princípio da legalidade, mas, antes, uma decorrência do princípio da igualdade e do princípio da boa fé na dimensão da protecção da confiança e a essa luz deve ser apreciada. É o que faremos de seguida.
(ii.)
(ii.1.)
A operatividade da tutela da confiança, a que a nossa lei dá guarida expressa na norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do Código do Código Procedimento (CPA), a qual impõe à Administração a consideração «da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa», depende de diversos pressupostos, a saber: a conduta de um sujeito criadora de confiança, sem violação de deveres de cuidado que ao caso caibam; uma situação, justificada objectivamente, de confiança baseada em elementos do caso que lhe atribuam razoabilidade; um investimento de confiança consistente no sujeito confiante ter assentado actividades jurídicas claras sobre as expectativas criadas, um nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro e a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou (na jurisprudência comparada, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, processo n.º 753/11, disponível para consulta em linha e na doutrina, MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª edição, Lisboa, 2008, pp. 222-223 e ainda, embora em termos não inteiramente coincidentes, PEDRO MONIZ LOPES, Princípio da Boa fé e Decisão Administrativa, Coimbra, 2011, pp. 279-286).
Ora, no caso, parece-nos que se não verificam os enunciados pressupostos. Com efeito, a Recorrente não alegou qualquer conduta da Administração, no momento da autorização de residência e bem assim nos momentos das renovações subsequentes que tivessem sido ou sequer pudessem ter sido criadoras de expectativas quanto à irrelevância do local da sua residência habitual para a manutenção e para a renovação da autorização de residência.
Não cremos que se possa afirmar, como faz a Recorrente no artigo 35.º da sua douta petição inicial que a Administração a reconheceu como residente habitual. Importa notar que, na proposta que serviu de fundamentação ao acto recorrido, a Administração, expressamente afirma que, antes desse acto, nunca tinha confirmado a residência habitual da Recorrente em Macau (cfr. fls. 74 dos presentes autos), de modo que, sempre ficaria por provar a alegação constante do artigo 43.º da petição inicial de que a Administração sabia que a Recorrente vivia e habitava fora de Macau. No limite, teria havido uma conduta omissiva da Administração, a qual, em todo o caso, sempre seria de reputar como legalmente indevida e, portanto, insuficiente para fundar uma confiança legítima. A simples inércia da Administração no exercício das competências que a lei lhe defere não é bastante, segundo cremos, para fundar na esfera do particular expectativas dignas de tutela jurídica no sentido de que tais competências não serão exercidas em momento posterior.
De resto, também nos parece que não foi alegado nem está demonstrado qualquer investimento de confiança por parte da Recorrente que justifique a tutela, isto é, um nexo de causalidade entre qualquer confiança criada pela Administração e a falta de residência habitual da Recorrente em Macau. O que aconteceu foi que, a Recorrente não residiu habitualmente em Macau porque, erradamente, como justificaremos de seguida, estava convencida de que a manutenção do seu estatuto de residente não dependia dessa circunstância. Isto não corresponde, porém, a um investimento de confiança.
(ii.2.)
O ponto é este. Contrariamente ao que é alegado pela Recorrente, a norma do 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, segundo a qual, «é subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau», é aplicável a todas as autorizações de residência temporária deferidas ao abrigo daquele Regulamento, independentemente do respectivo fundamento. Por isso, também nas situações em que o fundamento da autorização de residência foi a concretização de investimentos imobiliários nas RAEM, a lei exige, como condição da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, que os interessados residam habitualmente na RAEM. Tem sido essa a interpretação seguida reiteradamente pelos nossos Tribunais (assim, por exemplo, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 182/2020, embora, nesse caso, não estivesse em causa uma situação de autorização de residência com fundamento em investimento e, no mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos nos processos com os nºs 993/2021, 1053/2021 e 17/2022).
Compreende-se, aliás, a uma certa luz, o sentido daquela exigência atinente à residência habitual. Com efeito, a autorização de residência temporária é concedida na perspectiva da futura aquisição do estatuto da residência permanente por parte dos interessados e esta, como resulta do disposto no artigo 24.º da Lei Básica e do artigo 1.º das Lei n.º 8/1999, depende de que tenha havido residência habitual em Macau durante, pelo menos, sete anos consecutivos.
Assentando nisto, a consequência lógica que daí decorre é a de que a Administração, por imposição do princípio da legalidade, não podia deixar de proceder à verificação do pressuposto da manutenção da autorização de residência temporária respeitante à residência habitual em Macau. Já o devia ter feito, é certo, mas nada a impedia, bem pelo contrário, de o fazer, como efectivamente fez, através do acto administrativo agora em crise.
(ii.3.)
Além disso, também se não vê o fundamento legal para exigir à Administração que tivesse informado a Recorrente de que estava obrigada a residir habitualmente em Macau, uma vez que, como vimos, se trata de um pressuposto de manutenção da autorização de residência que se encontra legalmente previsto. Pelo mesmo motivo e contrariamente ao alegado pela Recorrente, não encontramos razão legal que impusesse à Administração a aposição de uma cláusula acessória, fosse uma condição, fosse um modo, ao acto recorrido e da qual pudesse resultar para a Recorrente a referida obrigação de residir habitualmente em Macau.
(iii.)
A Recorrente também alega que a disciplina que regula a situação é a do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e não a da Lei n.º 16/2021 e que, por isso, também haveria violação de lei. Com todo o respeito, esta alegação não tem qualquer fundamento que a suporte.
A Administração aplicou, como se impunha, o Regulamento Administrativo n.º 3/2005. O que acontece é que este, como antes vimos, no seu artigo 23.º, remete para a aplicação subsidiária do regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau, o qual consta da Lei n.º 16/2021, em vigor no momento da prática do acto. Não há, portanto, qualquer aplicação indevida deste diploma legal.
(iv.)
A Recorrente termina a douta petição inicial do seu recurso contencioso invocando a violação do n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Em seu entender, essa norma impunha à Administração o dever, que esta não teria observado, de fixar um prazo à Recorrente para constituir nova situação que sustentasse o seu direito de residência (artigo 66.º da petição inicial), nomeadamente, permanecendo em Macau por um certo número de dias.
Também neste ponto se nos afigura que o recurso não pode proceder.
Desde logo, porque, o acto que determinou a revogação da residência temporária da Recorre se não fundamentou na norma do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e, como sabemos, o Tribunal aprecia a legalidade do acto em função da respectiva fundamentação.
Depois, porque ainda que assim não fosse, a verdade é que essa norma não é aplicável à situação em apreço. O que dela resulta é que «o interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização» (artigo 18.º, n.º 1) e que «a autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente» (artigo 18.º, n.º 2). Ora, como facilmente se constata, não é isto o que aqui está em causa. A Recorrente manteve a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da residência, já que manteve o investimento que fez em Macau, e daí que, como parece óbvio, se não justificasse a notificação nos termos previstos no n.º 2 do artigo 18.º do citado Regulamento.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 11 de Janeiro de 2024
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
313/2023 REC CONT 66