打印全文
Processo n.º 837/2023
(Autos de recurso cível)

Data: 11/Janeiro/2024

Recorrente:
- A (requerente)

Recorrida:
- Associação B (requerida)

Objecto do recurso:
- Despacho que julgou procedente a excepção de falta de legitimidade activa


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, requerente nos autos de procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, inconformada com a decisão que julgou procedente a excepção de falta de legitimidade activa e que absolveu a requerida da instância, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “I. Vem o presente Recurso interposto da decisão de fls. 122-123 que julgou procedente a excepção de falta de legitimidade absolvendo-se a Requerida da instância com base na falta de legitimidade activa da Requerente.
     II. O Douto Tribunal fez uma apreciação errada da prova produzida no que diz respeito à qualidade da Recorrente como membro da associação Recorrida, limitando essa prova à (in)existência de uma acta da deliberação da Direcção da Associação Recorrida.
     III. As providências cautelares têm como objectivo a garantia do efeito útil da acção, prevenindo a ocorrência ou a continuação de danos ou antecipando efeitos que as medidas definitivas buscam, por forma a evitar o periculum in mora, ou o fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se pretende acautelar com a delonga da acção.
     IV. Quanto ao fumus boni iuris, isto é, a probabilidade séria da existência do direito, mostra-se suficiente a prova sumária ou um simples juízo de verosimilhança da existência desse direito ameaçado, considerando a natureza provisória da medida cautelar e a sua instrumentalidade em relação à acção principal.
     V. O Douto Despacho recorrido delimitou ilegalmente a prova da qualidade de membro da associação à existência (ou não) de acta da deliberação da Direcção da Associação Recorrida, decidindo que, na falta da prova dessa acta, não se considera provada a qualidade de membro da associação da Recorrente, decidindo até ser desnecessária a prova testemunhal dessa qualidade.
     VI. Se no âmbito da Associação Recorrida, nunca houve qualquer acta de deliberação da Direcção de admissão de qualquer dos seus associados, o Douto Tribunal a quo não estava em condições de, nesta fase do processo, dar como não provada a qualidade da Recorrente como membro da Associação.
     VII. Faltava ainda a prova de que não houve deliberações em acta sobre admissão dos membros da Associação, e essa prova poderia ser feita, designadamente, em sede de inquirição de testemunhas que pudessem comprovar esse facto.
     VIII. Nesta fase do processo, designadamente em resposta ao despacho de fls. 89, a Recorrente não tinha como provar um facto negativo, seria a exigência de uma prova diabólica.
     IX. A Recorrente veio na sua resposta abalar de forma séria a veracidade e autenticidade da alegada Lista dos Associados da Associação, alegando factos inequívocos de que a lista dos associados que foi junta pela Recorrida não corresponde de forma alguma ao elenco dos mesmos da Recorrida.
     X. O Tribunal a quo não deveria desmerecer outros meios de prova que pudessem atestar a qualidade da Recorrente como membro da associação, sob pena de estar a cometer graves injustiças, principalmente quando há factos alegados que tornam verosímil essa qualidade da Recorrente, designadamente, que desde a fundação da Associação em 1998, a Recorrente participa activamente nas actividades diárias da Associação.
     XI. A falta de acta pode ser suprida através do recurso a quaisquer elementos de prova legalmente admissíveis, incluindo a prova testemunhal.
     XII. Se a Recorrente alega que nenhuma das admissões dos associados da Recorrida foi lavrada em acta das reuniões da Direcção, um outro meio de prova se mostrava essencial para apurar este facto qual seja a obtenção de documento em poder da parte contrária (art. 455º do CPC), requerendo a notificação da Recorrida para juntar o livro de actas da Direcção da Associação que comprovasse a existência de deliberações que incidissem sobre a admissão de membros da associação, desde a sua fundação, com as consequências que adviriam da sua não junção, designadamente da inversão do ónus da prova estabelecido nos arts. 456º e 442º, n.º 2 do CPC e n.º 2 do art. 337º do Código Civil.
     XIII. Perante a inexistência desse livro, beneficiaria a Recorrente da inversão do ónus da prova estabelecido nos arts. 456º e 442º, n.º 2 do CPC e n.º 2 do art. 337º do Código Civil.
     XIV. Nos termos do art. 146º, n.º 2 do Código Civil, a condição de eficácia das deliberações enquanto meio de prova do que ali se decidiu só prevalece quando essa deliberação é invocada pela Direcção, mas já não se aplica quando a deliberação seja invocada por qualquer outro dos membros da Associação, como é o caso.
     XV. A proceder o entendimento do Douto Tribunal a quo, tal legitimaria o Abuso de Direito, proibido por lei.
     XVI. Se não há nem nunca houve qualquer acta de deliberação de admissão dos mesmos da Associação, não pode a Recorrida invocar em seu favor a falta de acta de admissão da Recorrente.
     XVII. A Recorrente sempre confiou na sua admissão à Associação desde 1998, pois desde então sempre participou activamente nas suas actividades, sempre assumindo de boa fé que a sua admissão havia seguido todos os tramites estatutariamente consagrados, pelo que nada levava a crer que, ao fim de 25 anos viesse essa sua admissão ser posta em causa, apenas pelo facto de que não existe uma acta nesse sentido.
     XVIII. É manifesta a violação da boa fé, constituindo verdadeiro abuso do direito (tu quoque) a posição da Recorrida ao fazer-se valer de uma falta que é apenas sua – a omissão de acta – e que a mesma provocou, para pretender retirar eficácia à deliberação de admissão da Recorrente como associada que, como se disse, sempre deu por adquirido ao longo de 25 anos.
     XIX. O entendimento do Tribunal a quo onera ilegalmente a Recorrente com a prova da existência de uma acta, principalmente quando o dever de elaboração da acta recai sobre o Presidente da Direcção e Secretario tal como preceitua o art. 13º, al. b) dos Estatutos.
     XX. Esse entendimento conduziria a um esvaziamento dos direitos dos associados de reagirem contra deliberações que não constassem de uma acta, porquanto a validade das deliberações passaria praticamente a ficar na dependência da vontade da Recorrida, bastando que esta alegasse (como alegou) que não existe deliberação de admissão de membro porque a mesma não consta de acta, e obstar à legitimidade dos associados de reagirem às deliberações, não obstante terem sido os seus órgãos (in casu, o Presidente e o Secretário da Direcção) que não reduziu essa deliberações em acta.
     XXI. A acta não pode ser entendida como uma formalidade ad substantiam, isto é, como condição de validade da deliberação, nem poderá ser entendida como formalidade ad probationem, ou seja, como requisito de eficácia.
     XXII. Ao contrário do que decidiu o Douto despacho recorrido, parece-nos demonstrado in casu a existência do direito da Recorrente quanto à sua legitimidade em lançar mão da presente providência cautelar de suspensão de deliberações sociais.
     XXIII. A decisão recorrida violou assim o disposto nos arts. 146º, n.º 2 e 326º do Código Civil, o artigo 13º, alínea b) dos Estatutos da Associação Recorrida, e arts. 58º, 326º e 341º do CPC.
     Nestes termos, e nos mais em Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso nos termos supra explanados, fazendo V. Exas. dessa forma inteira e sã JUSTIÇA!”
     
Ao recurso respondeu a requerida Associação B, nos seguintes termos conclusivos:
     “1. 上訴人針對原審法院所作出的判決提起上訴,依據主要為原審法院錯誤審理關於上訴人會員資格的證據。
     a. 關於證明會員資格的證據方法
     2. 根據被上訴人的會議紀錄文件,上訴人並非被上訴人的會員。
     3. 會員資格係不能透過反覆參與社團活動而取得。在章程內存有相關規定的情況下,會員資格必須透過章程訂定的方式取得。
     4. 被上訴人的章程第12條c)項已明確規定,會員資格須透過理事會的決議取得。
     5. 即使假如從來不存在關於接納會員的會議紀錄或理事會決議 ⼀ 儘管事實並非如此 ⼀ 也不會導致被上訴人章程對於會員資格取得方式的規定失去效用。
     6. 倘若上訴人對於被上訴人章程的規定有異議,應透過適當的方式提出爭議;在有關章程規定未被宣告非有效或不產生效力的情況下,對於被上訴人內部及外部均有約束力。
     7. 此外,《民法典》第146條第2款規定的理事會決議的法定證據方法,即會議紀錄,係適用於任何實體援引有關決議的情況。
     8. 即便不認同上述見解,原審法院事實上亦非如上訴人所指,把證明會員資格的證據僅限定為理事會會議紀錄。
     9. 原審法院裁定上訴人不具正當性的根本原因,是認定上訴人承認了被上訴人沒有對上訴人的入會事宜作出過決議,而上訴人沒有對這個立場作出過反駁。
     b. 舉證責任倒置的制度
     10. 《民事訴訟法典》第456條的適用前提是“被通知之人不提交有關文件”,有關前提在本案中並不存在,上訴人也從未提出該等通知聲請。
     11. 原審法院亦沒有必要作出有關通知,因為上訴人已隨反對狀提交相關文件,證明了上訴人不具備會員資格,因此在本案中不存在該制度的適用空間。
     c. 採納原審法院的邏輯將導致權利濫用
     12. 原審法院的決定完全符合法律及被上訴人的章程規定,沒有任何違反善意之處。
     13. 被上訴人自成立起,一直沒有對章程中關於會員資格的規定作出任何修改,章程亦是公開可閱的文件。
     14. 上訴人自稱自被上訴人成立以來便屬被上訴人的會員,但竟然從來沒有看過被上訴人的章程? 從來不知悉被上訴人的入會的手續? 從來沒有了解過自己是否正式具備會員資格?
     15. 上訴人根本一直以來沒有關注過自己的(不存在的)會員資格,多年來僅作為一個普通信眾參與被上訴人的佛堂活動,從未參與過被上訴人的會員大會,如今忽爾之間在被上訴人社團內部出現糾紛之際,貿然主張自己是被上訴人的會員、主張被上訴人如何漠視了她的會員權益、如何損害了被上訴人自身的社團利益、一路以來的正常社團運作如何違反善良風俗云云,更自行以被上訴人名義主持會員大會,選出一屆不包括任何被上訴人現任領導架構成員的“新任架構成員”,再透過提出本保全程序,千方百計癱瘓被上訴人的社團運作,導致被上訴人如今就連簽署一份律師授權書亦受到諸多阻滯,到底是誰在濫用權利、誰在惡意抽空了誰的權利,應屬昭然若揭。
     16. 既然上訴人選擇提出一個以會員資格為正當性要件的保全程序,那麼其會員資格便是一個必要的訴訟前提;倘其根本不具備或不能證明其會員資格,那麼上訴人亦可採取其他適當措施應對。
     綜上所述,根據適用的法律及法官 閣下的高見,懇請法官 閣下:
     - 裁定上訴理由全部不成立;以及
     - 維持被上訴判決。”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Pela primeira instância foi proferida a seguinte decisão, objecto do presente recurso:
“Resulta do n.º 1 do artigo 341.º do CPC que a suspensão da deliberação de assembleia geral de associação pressupõe a qualidade de associado da requerente. A requerente tem de justificar a qualidade de associado, apresentando a respectiva prova.
Segundo os estatutos da Requerida, compete à Direcção da Requerida decidir a admissão e a exclusão de associados (artigo décimo segundo, al.c), fls. 72v).
Como a direcção da Requeria é um órgão colegial (artigo décimo primeiro dos estatutos da Requerida e artigo 145.º/1 do Código Civil), a decisão tomada pela direcção da Requerida deve revestir a forma de deliberação.
A deliberação de direcção da Requerida deve ser provada pela acta de reunião de direcção da Requerida (artigo 146.º do CC).
Ou seja, a Requerente deve comprovar a sua qualidade de associada da Requerida através de apresentação de acta que registe a deliberação favorável de Direcção da Requerida sobre a sua admissão como associada da Requerida.
A deliberação favorável de Direcção da Requerida sobre a admissão como associado da Requerida é condição de aquisição de qualidade de associada da Requerida.
Notificado para juntar o documento comprovativo da sua admissão como associada da Requerida, a Requerente respondeu que não dispõe de deliberação de Direcção da Requerida da sua admissão como associada da Requerida e tal documento não existe. Ou seja, a Requerente admite que a Direcção da Associação não deliberou a sua admissão como associada da Requerida.
Uma vez que a Requerente não conseguiu apresentar a acta de reunião de Direcção da Requerida onde registe a deliberação sobre a sua admissão como associada da Requerida e admite que Direcção da Associação não deliberou sobre a sua admissão como associada da Requerida, podemos concluir já que a Requerente não tem qualidade de associada da Requerida.
A Requerente alega que irá produzir prova testemunhal sobre a sua qualidade da associada da Requerida.
Cabe salientar que a deliberação favorável de Direcção da Requerida sobre a admissão como associado da Requerida é condição de aquisição de qualidade de associada da Requerida. Portanto, a aquisição de qualidade de associada da Requerida só pode ser provada pela deliberação favorável de Direcção da Requerida sobre a admissão como associado da Requerida. Como a Requerente admite que a Direcção da Requerida não deliberou sobre a sua admissão como associada da Requerida, entendemos que é desnecessária a produção de prova testemunhal requerida pela Requerente.
Aliás, segundo o Tribunal de Segunda Instância, «O facto de serem “aceites e conhecidos como membros”, não permite tal conclusão. Tal facto, até poderá assentar em lapso, equívoco ou por outro motivo que ora não releva. O certo é que deliberação da Direcção a admiti-los como sócios não houve, e, não nos parece que o simples facto de membros da Direcção terem presenciado à cerimónia de baptismo os torna sócios. Na verdade, como se viu, tal cerimónia é apenas uma das formas para se ingressar na “Fé Baptista” que constitui requisito para se ser sócio, e a presença de membros da Direcção – sem se saber até quantos ou quais – não torna desnecessária uma deliberação daquela.» - Acórdão proferido no processo nº 222/2002-I.
Pelo exposto, julga-se procedente a excepção de falta de legitimidade, absolvendo da Requerida da instância com base na falta de legitimidade activa da Requerente (artigo 230.º/1/d) e artigo 413.º/e) do CPC).
Uma vez que a Requerida já foi absolvida com base na falta de legitimidade activa da Requerente, torna-se inútil a apreciação sobre a questão de caducidade levantada pela Requerida.
Notifique.”

Analisado o douto aresto que antecede, louvamos a acertada e perspicaz decisão com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631.º, n.º 5 do CPC, e em consequência, negamos provimento ao recurso.
Efectivamente, resulta da alínea c) do artigo 12.º do Estatuto da Associação B que compete à Direcção decidir a admissão e a exclusão de associados, ou seja, a admissão de associados faz-se mediante deliberação da Direcção, e não tendo a recorrente alegado que houve deliberação sobre a sua admissão como associado, a eventual prova testemunhal destinada à comprovação da sua qualidade de associado é desnecessária e inútil.
E mesmo que se admitisse a existência de deliberação quanto à admissão de associados, a verdade é que essa deliberação só pode ser provada pela respectiva acta, ao abrigo do n.º 2 do artigo 146.º do Código Civil.
Observam Gil de Oliveira e Cândido de Pinho1, “…este carácter de meio probatório não pode tê-lo apenas quando é o órgão que tomou as deliberações ou a pessoa colectiva a invoca-las. Cremos que sempre serão, em qualquer caso, meio de prova.”
Na medida em que a lei obriga a que as deliberações dos órgãos das pessoas colectivas constem de livros de actas (artigo 146.º, n.º1 do CC), aquelas só podem ser provadas pela respectiva acta e não é admitida prova testemunhal (artigo 387.º, n.º 1 do CC), salvo se existir um começo ou princípio de prova por escrito que torne verosímil o facto alegado, caso em que é admitida a respectiva prova testemunhal, o que não é o caso.
Isto posto, nenhuma censura merece a decisão recorrida.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 11 de Janeiro de 2024
Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1º Adjunto)

Fong Man Chong
(2º Adjunto)
1 Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume II, 2018, página 596
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




Recurso cível 837/2023 Página 25