Processo n.º 217/2023
(Autos de recurso cível)
Data: 11/Janeiro/2024
Recorrente:
- A (exequente)
Recorrido:
- B (executado)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida pela exequente A, melhor identificada nos autos (doravante designada por “recorrente”), contra o executado B, com sinais nos autos (doravante designado por “recorrido”), pelo juiz de tribunal de primeira instância foi proferido despacho que indeferiu o pedido de penhora dos “bens comuns” do executado e do seu cônjuge.
Inconformada, recorreu a exequente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal recorrido indeferiu o requerimento de fls. 528 a 597 por entender que: 1) não existe prova suficiente que possa comprovar os bens que a Exequente nomeou são comuns do ex-casal e 2) não podem os bens que a Exequente nomeou ser penhorados por força do art.º 19º, 3º parágrafo da Lei do Casamento da RPC (v. fls. 598 a 599 dos autos da execução).
2. É necessário salientar que o preceito constante no 3º parágrafo do art.º 19 da Lei do Casamento da RPC só se aplica ao caso em que o casal “realmente” adoptou o regime da separação de bens.
3. Tal como se sabe, a informação relativa ao regime de bens constante no registo predial nunca pode presumir-se legalmente como verdadeira.
4. Pelo que, salvo o respeito que é muito, a 2ª razão que o Tribunal sufragou (sobre o conhecimento da existência do acordo em que o casal adoptou o regime da separação de bens) incorreu absolutamente na falta da regras da lógica já que, no pretexto em que ainda não sabemos qual o regime de bens que o ex-casal executado adoptou – que é a primeira razão que o Tribunal indeferiu o pedido da penhora, como o Tribunal pôde indeferir o requerimento da penhora por o terceiro, a ora Exequente, ter tomada bem conhecimento de que o ex-casal executado adoptou o regime da separação de bens?
5. Por isso, o Tribunal tem que apurar esta factualidade (qual o regime de bens que o ex-casal executado realmente adoptou) oficiosamente ou a pedido do Exequente (cfr. o art. 722º do CPC).
6. É relavante a averiguação sobre a existência ou não o acordo pós-nupcial entre o ex-casal executado.
7. Pois, caso não exista qualquer acordo, é incontestável que o regime que o ex-casal executado adoptou seja o da comunhão de adquiridos que consagrava nos art.ºs 17 e 18 da Lei do Casamento da RPC. Nesta situação, é óbvio que os bens que a Exequente nomeou sejam absolutamente penhoráveis.
8. Pelo supra exposto, deverá o presente recurso ser procedente e, em consequência, deferindo a requerida diligência (v. fls. 615 dos autos da execução).”
Ao recurso não respondeu o executado ora recorrido.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Pela primeira instância foi proferido o seguinte despacho, objecto do presente recurso:
“請求執行人提出被執行人與前配偶C於1993年7月16日在內地結婚,主張二人在婚姻存續期間以澳門為常居地從而適用澳門的取得共同財產制,請求針對前配偶C名下的4項不動產作出查封。
卷宗資料證實,被執行人與C於1993年7月16日在內地南京市登記結婚(見卷宗第307至308頁)。當時二人為內地居民。
卷宗資料同時顯示,被執行人於2018年4月20日與D結婚(見卷宗第399頁)。
根據卷宗第239至242頁背頁之買賣公證書證實,被執行人與C持有澳門居民身份證,為澳門居民。
《民法典》第51條第1款的規定:“婚前協定之實質及效力,以及法定或約定財產制之實質及效力,均按締結婚姻時結婚人之常居地法規定。”
因此,考慮到被執行人與C結婚時為內地居民,適用的為於1980年9月10日由第五屆全國人民代表大會第三次會議通過修改的《中華人民共和國婚姻法》(已被於2020年5月28日由十三屆全國人民代表大會第三次會議表決通過的《中華人民共和國民法典》廢止),其第13條原文規定如下:
“第十三条 夫妻在婚姻关系存续期间所得的财产,归夫妻共同所有,双方另有约定的除外。
夫妻对共同所有的财产,有平等的处理权。”
其後,全國人民代表大會常務委員會於2001年4月28日發佈《中華人民共和國婚姻法(2001修正)》,其中第17至19條規定如下:
“第十七条 夫妻在婚姻关系存续期间所得的下列财产,归夫妻共同所有:
(一)工资、奖金;
(二)生产、经营的收益;
(三)知识产权的收益;
(四)继承或赠与所得的财产,但本法第十八条第三项规定的除外;
(五)其他应当归共同所有的财产。
夫妻对共同所有的财产,有平等的处理权。
第十八条 有下列情形之一的,为夫妻一方的财产:
(一)一方的婚前财产;
(二)一方因身体受到伤害获得的医疗费、残疾人生活补助费等费用;
(三)遗嘱或赠与合同中确定只归夫或妻一方的财产;
(四)一方专用的生活用品;
(五)其他应当归一方的财产。
第十九条 夫妻可以约定婚姻关系存续期间所得的财产以及婚前财产归各自所有、共同所有或部分各自所有、部分共同所有。约定应当采用书面形式。没有约定或约定不明确的,适用本法第十七条、第十八条的规定。
夫妻对婚姻关系存续期间所得的财产以及婚前财产的约定,对双方具有约束力。
夫妻对婚姻关系存续期间所得的财产约定归各自所有的,夫或妻一方对外所负的债务,第三人知道该约定的,以夫或妻一方所有的财产清偿。”
從上述可知,儘管在當時生效的中華人民共和國婚姻法框架內夫妻在婚姻關係存續期間所得的財產,除法定及約定所指情況外歸夫妻共同所有,使婚姻財產制度與現時《民法典》第1603條所規定的取得共同財產制相近,卻非絕對相同,尤其按照上指第19條的規定,夫妻可以約定婚姻關係存續期間所得的財產以及婚前財產歸各自所有、共同所有或部分各自所有、部分共同所有,僅當沒有約定或約定不明確的,才適用第17條及第18條的規定。
另外,針對夫或妻一方對外所負的債務,如第三人知道夫妻對婚姻關係存續期間所得的財產約定歸各自所有的,則以夫或妻一方所有的財產清償。簡言之,第三人在知悉約定之情況下不能要求以夫或妻一方所有的財產清償另一方的債務。
根據請求執行人在聲請狀所主張之被執行債務的設立日期,且在沒有相反證據之前提下,不能證實前配偶C為被執行債務之共同債務人。
請求執行人現聲請查封的4項不動產,其中2項(包括獨立單位“A9”及獨立單位“AR/C”)由被執行人持有的份額已透過卷宗第257頁及其背頁的批示予以查封。
該4項不動產的物業登記證明及買賣公證書皆顯示被執行人及前配偶C聲明採用分別財產制。請求執行人在卷宗第223至224頁之聲請中亦因應獨立單位“A9”及獨立單位“AR/C”的上指法律狀況而僅請求針對被執行人持有的份額作出查封,沒有否定被執行人及前配偶在取得上述不動產時的聲明的真實性又或二人對該等不動產存在婚後協定。
因此,請求執行人在欠缺充分證據佐證被執行人及前配偶在取得上述不動產所作的上述聲明為不真實又或否定存在婚後約定之情況下,不能僅透過推定判斷二人於婚姻存續期間取得的財產全屬夫妻共同財產。
再者,上述4項不動產的取得及物業登記的繕立日期遠早於請求執行人在聲請狀所主張被執行債務的設立日期,可見請求執行人具備條件知悉該等不動產的法律狀況,經配合中華人民共和國婚姻法第19條的規定,請求執行人顯然不能要求查封登記於被執行人前配偶名下的不動產以達到清償被執行人債務之目的。
綜上所述,本法庭決定駁回請求執行人提出之查封請求。
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作出通知及採取必要措施。”
Nos presentes autos de execução, a exequente pede que sejam penhorados determinados bens comuns pertencentes ao executado e seu cônjuge.
No tocante à lei aplicável, tanto as partes como o tribunal consideram que se aplica a lei matrimonial da República Popular da China.
Coloca-se, apenas, a questão de saber se, no âmbito da lei matrimonial chinesa, a dívida contraída pelo executado seria também da responsabilidade do cônjuge.
Ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º da Lei Matrimonial da R.P.C.:
“Se o marido e a esposa concordarem que os bens adquiridos durante o casamento são bens próprios, as dívidas do marido ou da esposa perante terceiros serão pagas com os bens pertencentes ao marido ou à esposa se o terceiro tiver conhecimento daquele acordo.” – tradução nossa
O juiz de primeira instância indeferiu o pedido de penhora com base nos seguintes fundamentos: o exequente, atento o regime de bens (regime da separação) declarado nas escrituras públicas e levado ao registo, tinha requerido, anteriormente, apenas a penhora de quota-parte do direito de propriedade incidente sobre dois bens imóveis, mas veio agora pedir a penhora de mais quatro bens imóveis alegadamente comuns do casal. O juiz entende que não há razão para pôr em causa o regime de bens declarado nas escrituras públicas e respectivos registos, o qual foi aceite pelo exequente, pelo que, não se logrando a prova de que o regime de bens declarado nas escrituras e levado ao registos é inverídico, o regime de bens do casal continua a ser o regime da separação. Por outro lado, entende ainda que as dívidas foram contraídas antes do registo da aquisição dos bens imóveis, pelo que o exequente tinha todas as condições para apurar a situação jurídica daqueles bens imóveis. Razões pelas quais entende o juiz a quo que, não havendo prova de alteração do regime de bens, pelas dívidas do executado respondem apenas os bens próprios do devedor e não também os bens do cônjuge do devedor.
Vejamos.
Para determinar se o cônjuge do executado será responsável pelo pagamento das dívidas, é relevante saber que regime de bens foi escolhido pelo casal, face ao estatuído no n.º 3 do artigo 19.º da Lei Matrimonial da República Popular da China.
É verdade que segundo o que consta das escrituras e respectivos registos prediais, foi declarado que o casal está casado segundo o regime da separação.
Decidiu-se no Acórdão do Venerando TUI, no âmbito do Processo n.º 19/2011, que o registo predial não faz presumir o regime de bens do casamento do adquirente, levado ao registo por constar da escritura pública de compra e venda, sendo que “o casamento prova-se pela certidão respectiva e o regime de bens constante de convenção antenupcial, em contrário do regime supletivo de bens, comprova-se com certidão do respectivo documento”.
Assim sendo, o facto de o exequente ter requerido, anteriormente, apenas a penhora de quota-parte do direito de propriedade incidente sobre dois bens imóveis (por se presumir que o executado estava casado com o cônjuge no regime da separação), ou ter o exequente condições para apurar a situação jurídica daqueles bens imóveis mas não apurou, não significa que o regime de bens do casamento do adquirente (executado) é necessariamente o declarado nas escrituras públicas e levado ao registo.
Isto posto, o juiz só poderá tomar uma decisão, de deferimento ou indeferimento do pedido de penhora, quanto aos supostos bens comuns do casal, após ser informado do regime de bens do casamento.
Aqui chegados, merece provimento o recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e, em consequência, devendo o juiz ordenar diligências necessárias com vista a apurar o regime de bens do casamento.
Sem custas (artigo 2.º, n.º 1, alínea i) do R.C.T.).
Registe e notifique.
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RAEM, 11 de Janeiro de 2024
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1º Adjunto)
Fong Man Chong
(2º Adjunto)
Recurso cível 217/2023 Página 25