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Processo n.º 833/2022
(Autos de recurso contencioso)

Data: 18/Janeiro/2024

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Justiça que indeferiu o pedido de desvinculação voluntária do serviço para efeitos de aposentação, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
     “I. Vem a petição de recurso contencioso interposto contra a Entidade Recorrida, o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, que indeferiu o pedido de desvinculação voluntária do serviço para efeitos de aposentação, requerida pelo aqui Recorrente, em 28 de Junho de 2022.
     II. Entendeu o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, apoiando-se no ofício n.º 3081/SA/2022.2.61 do Direito Geral dos serviços de Alfândega, de 22 de Agosto de 2022, que o “De facto, resulta dos dados do processo que, por acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, o interessado não foi anteriormente identificado como ter um período justificado de ausência por doença pela Junta de Saúde, mas o Tribunal decidiu que o respectivo período não é considerado como ausência injustificada. No entanto, como o respectivo período de ausência por doença não se revela ao abrigo de período de ausência por doença disposto nos artigos 107º, 106º e 105º do Estatuto (Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau), assim, a desvinculação voluntária do serviço para efeitos de aposentação não se aplica às disposições pertinentes” (tradução nossa), decisão essa cuja cópia ora se junta como documento n.º 1 nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 1, alínea a) do CPAC (DOC. 1) e se dá por integralmente reproduzida.
     III. A Entidade Recorrida emitiu o acto administrativo recorrido, referindo, nomeadamente que “Aliás, como foi referido no fundamento da decisão recorrida, apara apurar se o período de ausência do interessado preenche as disposições do estatuto, os Serviços de Alfândega enviaram uma carta ao Fundo de pensões, tendo recebido a resposta que o interessado não se conforma o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do estatuto, e não se aplica o artigo 262º, n.º 2 do estatuto, que diz respeito à desvinculação voluntária do serviço para efeitos de aposentado.”
     IV. Nesse sentido, considerou a Entidade Recorrida que “nos termos do artigo 161º, n.º 1 do CPA o recurso hierárquico é improcedente, mantendo a decisão recorrida.”
     V. A decisão recorrida está inquinada de vício que determina a sua invalidade, designadamente: vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e por violação do princípio da legalidade.
     VI. A decisão recorrida assenta numa errada interpretação da lei, nomeadamente sobre o artigo 262º, n.º 1, al. b) e artigos 106º e 107º do ETAPM, sendo esta a questão fundamental deste recurso contencioso que é levado a V. Exas.
     VII. A par de um pressuposto de facto que não existiu, nem existe, de que terá sido considerado, em determinada altura (assim entende a Administração pelo parecer do Fundo e Pensões) que as ausências ao serviço por parte do recorrente não foram justificadas, quando as decisões proferidas pelo Tribunal Administração foi no sentido inverso, no âmbito dos autos Processo n.º 2987/20-ADM e Processo n.º 3001/21-ADM, juntos ao processo administrativo.
     VIII. O Recorrente ingressou nos Serviços de Alfândega em Outubro de 1999, e está actualmente destacado na Divisão de Planeamento Operacional, com a categoria de Agente Principal, a exercer funções no Edifício dos Serviços de Alfândega.
     IX. A partir de determinado momento da sua vida, o Recorrente passou a sofrer de fortes dores na região da coluna, também denominada por lombalgia, afectando de forma séria e grave a sua a vida profissional e pessoal, tornando-se incapacitantes.
     X. Por força dessa doença, no ano de 2018 foi-lhe diagnosticada uma hérnia dos discos intervertebrais L5/S1, pelo que teve de recorrer à situação de baixa médica.
     XI. Desde o dia 03/05/2018 que o Recorrente está na situação de baixa médica, situação que se prolongou até ao dia 31/03/2021.
     XII. O Recorrente foi sendo apresentado a diversas Juntas de Saúde, que ao longo dos tempos, e em face dos atestados médicos e relatórios médicos apresentados pelo Recorrente, foram confirmando a sua doença, como supra se alega, no período compreendido entre
     XIII. 03/05/2018 e 06/06/2019.
     XIV. Relativamente às ausências ao serviço durante o período compreendido entre o dia 7 de Junho de 2019 e 30 de Setembro de 2019, o Recorrente nunca foi notificado das deliberações relativas a esse período – deliberações de 16/08/2019 e 18/10/2019, nem pela Junta de Saúde, nem pelos Serviços de Saúde, pelo que seriam as mesmas ineficazes em relação ao Recorrente.
     XV, Porém, as ausências ao serviço durante esse período foram consideradas justificadas, como resulta do próprio parecer dos Serviços de Saúde (junto ao processo administrativo) no Ponto 2, 6) – “o Serviço de Saúde indicou expressamente que a ausência por doença não reconhecida já tinha sido considerada como ausência justificada (devido à doença).”
     XVI. Já em relação ao período compreendido entre os dias 01/10/2019 e 13/08/2020, a deliberação da Junta de Saúde de 06/10/2020 homologada pelo Director dos Serviços de Saúde em 16 de Outubro de 2020 que apreciou as ausências ao serviço durante esse período veio a ser anulada por decisão do Tribunal Administrativo proferida no âmbito do Processo n.º 2987/20-ADM.
     XVII. As faltas ao serviço nestes períodos terão necessariamente de se considerar como faltas justificadas através de atestado médico, ao abrigo do disposto no art. 100º, al. a) e 101º do ETAPM.
     XVIII. Essa é também a opinião de Serviços de Saúde, como foi alegado supra, e tal como consta do Ponto 2, 6) do acto proferido pelo responsável máximo dos Serviços de Alfândega, dado por integralmente reproduzido no acto ora colocado em crise.
     XIX. O Recorrente regressou ao serviço no dia 14 de Agosto de 2020.
     XX. Termos um total de 773 dias de faltas justificadas, conforme os períodos supra melhor identificados.
     XXI. Assim sendo, desde o dia 03/05/2018 até ao dia 13/08/2020 o Recorrente esteve doente durante 773 dias.
     XXII. Sendo que essas ausências por doença foram devidamente justificadas, fosse por confirmação das Juntas de Saúde, fosse pela apresentação dos competentes atestados médicos.
     XXIII. Resulta claro que as ausências do Recorrente ao serviço foram todas consideradas como faltas justificadas pelas respectivas juntas de saúde.
     XXIV. São factos que o acto proferido pelo responsável máximo dos Serviços de Alfândega deu como provados, sendo inatacáveis.
     XXV. Porém, de forma absolutamente contraditória com a factualidade descrita, o acto proferido pelo responsável máximo dos Serviços de Alfândega (ofício n.º 3081/SA/2022.2.61), cujo teor foi integralmente reproduzido no acto recorrido (vide 2º parágrafo) acaba por fundamentar o seguinte: “5. Quanto aos atestados médicos durante o período entre 3 de Maio de 2018 e 6 de Junho de 2019 (num total de 339 dias), e entre 7 de Junho de 2019 e 13 de Agosto de 2020 apresentados pelo A aos Serviços de Alfândega, embora seja confirmado que as suas ausências por doença correspondem às faltas justificadas, mas tal como as seguintes indicações no ofício do Fundo de Pensões constantes no anexo 4: “2. Conforme as informações do caso do verificador superior alfandegário n.º 01181 A apresentadas pelos Serviços de Alfândega, alguns períodos das ausências por doença do A não foram confirmados pela Junta de Saúde e nenhum documento demonstra que a Junta de Saúde determinou que o seu período da ausência por doença atingiu o limite do período legal. 3. Pelo que o presente caso não está preenchido as disposições da ali. a) do n.º 1 do art. 107º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e não se aplica às normas do n.º 2 do art.º 262 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau para o início do processo de aposentação obrigatória.” (tradução livre)
     XXVI. Acabando por concluir que: “6. Pelo exposto, o verificador principal alfandegário, A, para efeitos de aposentação, o período de serviço foi calculado em 18 anos completos (ate 31 de Março de 2021); tendo em conta o parecer emitido pelo Fundo de Pensões, este caso não corresponde aos termos do artigo 107º, n.º 1, a) do Estatuto e o artigo 262º, n.º 2 do Estatuto, para o efeito, o pedido de procedimento de dispensa automática ao verificador principal alfandegário n.º 01181, A deve ser indeferido.”
     XXVII. Com o devido respeito, a decisão ora recorrida é ilegal porquanto desvirtua por completo a realidade dos factos e ignora as circunstâncias de facto que deveriam suportar decisão diferente.
     XXVIII. Por um lado, o acto recorrido dá por assente que as ausências ao serviço estão justificadas suportando-se para tanto, e bem, no parecer dos Serviços de Saúde.
     XXIX. Mas por outro lado, suportando-se no parecer do Fundo de Pensões, diz que as ausências do Recorrente ao serviço, em alguns períodos, não foram confirmadas pela Junta de Saúde.
     XXX. Esta contradição é essencial para o erro em que labora o acto recorrido.
     XXXI. Mas só há erro porque a Entidade Recorrida, perante a discrepância de informações prestadas pelos serviços da própria administração, não cuidou de dissipar as dúvidas que lhe deveriam ter suscitado.
     XXXII. É que os Serviços de Saúde confirmam as ausências justificadas ao serviço, mas o Fundo de Pensões diz exactamente o contrário.
     XXXIII. Até ver, cabe aos Serviços de Saúde através das Juntas de Saúde, e não ao Fundo de Pensões, avaliar a doença do funcionário que à mesma seja submetido.
     XXXIV. Isso é indiscutível, e é matéria que a Entidade Recorrida não pode ignorar.
     XXXV. Dessa forma, a conclusão a que chegou a Entidade Recorrida labora, não só em manifesta contradição, como em erro grosseiro.
     XXXVI. A decisão da qual se recorre partiu de um pressuposto de facto que não existe, isto é, de que em determinado período as ausências ao serviço por parte do Recorrente não foram justificadas.
     XXXVII. Nesta conformidade, a decisão incorreu, como já se alegou anteriormente, no vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto.
     XXXVIII. E tal erro traduz-se na violação do princípio da legalidade, um dos princípios basilares do direito administrativo e que se encontra plasmado no artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
     XXXIX. Há que aplicar a lei aos factos concretos que nesta matéria relevam, mormente o disposto no art. 107º, n.º 1, al. a) do ETAPM.
     XL. Sendo que os prazos a que a lei se refere é de um período de faltas que ultrapasse os 18 meses (artigo 106º, n.º 1 ETAPM).
     XLI. O âmbito de aplicação desta norma é claro: perante uma ausência ao serviço por doença, superior a 18 meses, a Administração terá necessariamente que considerar o funcionário como desligado do serviço.
     XLII. A Administração está vinculada a essa determinação.
     XLIII. Perante a factualidade assente, não teria outra alternativa a Entidade Recorrida senão a de considerar o Recorrente automaticamente desligado do serviço.
     XLIV. E, assim, também por esse motivo não se pode deixar de entender que a decisão recorrida incorreu em violação de lei por erro nos pressupostos de direito, o que gera anulabilidade do mesmo, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
     XLV. Deve assim o acto recorrido ser anulado.
     XLVI. A decisão recorrida incorreu em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto no art. 262º, n.º 1, al. b), 106º, n.º 1, 107º, n.º 1, al. a), todos do ETAPM, bem como por violação do Princípio da Legalidade, plasmado no art. 3º do CPA, segundo o qual a administração deve actuar em obediência à lei e ao direito.”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
O recorrente é funcionário dos Serviços de Alfândega desde 1999.
O recorrente foi submetido por diversas vezes à Junta de Saúde, tendo esta confirmado a sua doença nos seguintes termos:
- A Junta de Saúde de 14.9.2018 confirmou a doença do recorrente num total de 79 dias no período compreendido entre 3.5.2018 e 6.9.2018;
- A Junta de Saúde de 1.3.2019 confirmou a doença do recorrente num total de 43 dias no período compreendido entre 10.1.2019 e 21.2.2019;
- A Junta de Saúde de 29.3.2019 confirmou a doença do recorrente num total de 140 dias no período compreendido entre 7.9.2018 e 21.3.2019;
- A Junta de Saúde de 24.5.2019 confirmou a doença do recorrente num total de 42 dias no período compreendido entre 22.3.2019 e 2.5.2019; e
- A Junta de Saúde de 5.7.2019 confirmou a doença do recorrente num total de 35 dias no período compreendido entre 3.5.2019 e 6.6.2019.
A Junta de Saúde não confirmou a doença do recorrente no período compreendido entre 7.6.2019 e 30.9.2019.
A Junta de Saúde também não confirmou a doença do recorrente no período compreendido entre 1.10.2019 e 13.8.2020, cuja deliberação veio a ser anulada por decisão do Tribunal Administrativo proferida no âmbito do Processo n.º 2987/20-ADM.
A doença do recorrente no período compreendido entre 7.6.2019 e 13.8.2020 foi justificada por atestados médicos.
Pelo Exm.º Secretário para a Segurança foi proferido o seguinte despacho, ora, recorrido:
“批示
事由: 必要訴願
利害關係人: A,海關首席關員,編號01181

利害關係人針對海關關長於2022年6月28日作出的、不批准其申請開展自動離職以待退休之程序的決定提起本訴願。
同意海關關長於2022年8月22日在第3891/SA/2022.2.61號公函所附隨的建議書中所作之分析,並在此予視為完全轉載。
在所提交的訴願狀中,利害關係人指,被訴願決定在事實前提方面存在錯誤因而違反法律,以及違反合法性原則。
按照《澳門公共行政工作人員通則》(下稱《通則》)第107條第1款a)項結合第106條以及第105條第3款的規定,當健康檢查委員會因認為工作人員不適宜工作而批給的因病缺勤期間達到法定期限後,且工作人員為退休效力而計算的服務時間滿十五年,則無論是否無工作能力,須自動離職以待退休。
的確,卷宗資料顯示,基於中級法院所作合議庭裁判,利害關係人之前不獲健康檢查委員會確認為合理的因病缺勤期間,不再被視為不合理缺勤。然而,由於該等期間並非屬《通則》第107條結合第106條及第105條規定的因病缺勤期限,因此,並不適用有關規定的自動離職以待退休。
其實,正如被訴決定的依據所指,為釐清利害關係人的缺勤期間是否符合《通則》的有關規定,海關曾去函退休基金會,並獲該會回覆指利害關係人並不符合《通則》第107條第1款a)項規定的須自動離職以待退休狀況,及不適用《通則》第262條第2款規定而展開強制退休程序。
基此,根據《行政程序法典》第161條1款之規定,決定訴願理由不成立,維持被訴願決定。
著令將本批示內容通知訴願人。
二零二二年十月十三日,於澳門特別行政區保安司司長辦公室”
*
Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Delegado Coordenador o seguinte douto parecer:
“Ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 69.º do CPAC, o Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:
1.
Ag, melhor identificado nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto de indeferimento do recurso hierárquico por si interposto perante o Secretário para a Segurança do que designou por acto de indeferimento do pedido de desvinculação voluntária do serviço para efeitos de aposentação, pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i)
Em nosso modesto entendimento, existe um obstáculo inultrapassável ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Em síntese, pelo seguinte.
O que é típico do acto administrativo e, especialmente, do acto administrativo impugnável, isto é, daquele que, além de verticalmente definitivo, produz efeitos externos (artigo 28.º, n.º 1 do CPAC), é o facto de ele traduzir o exercício de um poder de definição jurídica unilateral normativamente conferido à Administração (assim, por todos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 223).
Na verdade, prossegue o citado Professor, «a imposição do ónus de impugnação só se afigura aceitável quando um órgão administrativo emita uma pronúncia que corresponda ao exercício de um poder de definição jurídica, isto é, quando desse modo esteja a desempenhar uma função que lhe tenha sido normativamente atribuída, ou por previsão normativa específica, ou, pelo menos, porque a emissão de um tal acto configura a expressão normal de um poder inscrito no âmbito das competências de definição jurídica do órgão e das atribuições do ente ao qual o órgão pertence» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…, p. 225, com destacados nossos).
Ora, na situação em apreço, salvo o devido respeito, parece-nos evidente, que o Secretário para a Segurança, como antes dele o Director-geral da Alfândega, não praticou qualquer acto que tenha procedido à definição unilateral e vinculativa do direito aplicável relativamente à questão de saber se e em que que concretos termos se verificam os pressupostos da desligação do serviço e da consequente aposentação obrigatória do Recorrente.
A norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM) não podia ser mais clara, ao preceituar que findo o prazo limite referido no artigo 106.º, o trabalhador é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação se tiver completado 15 anos de serviço para este efeito relevantes, independentemente de ter capacidade ou não para o trabalho.
Como se alcança da simples leitura da norma, a consequência da desligação do serviço produz-se automaticamente, é dizer, por força da lei, independentemente, portanto, de qualquer decisão da Administração que a lei, manifestamente não prevê.
Daí que, no caso, a pronúncia da Entidade Recorrida perante a interpelação da Recorrente não corresponde a um acto administrativo de indeferimento, mas, antes, a uma mera actuação de recusa de reconhecimento de um direito ou, ao menos, de um interesse legalmente protegido de que o mesmo se arroga titular cuja tutela contenciosa deve operar através da acção própria que a lei prevê para o efeito no artigo 100.º do CPAC, sem que, em qualquer caso, se possa dizer que tal actuação da Administração, através da qual esta, em rigor, mais não manifestou senão a sua opinião quanto à verificação dos pressupostos legais da desligação do serviço, constitua, pois, um verdadeiro acto administrativo, no sentido do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ou seja, no sentido de constituir uma decisão unilateral produtora de efeitos jurídicos que se impõem autoritariamente.
(ii)
Sem prejuízo do que antecede e para o caso de se não acolher o modesto entendimento que antecede, diremos, quanto ao mérito da pretensão do Recorrente, que se nos afigura não ser de acolher a respectiva pretensão.
Pelas breves razões que seguem.
O desligamento automático do serviço previsto na norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM, tem lugar findo que esteja o período de 18 meses de faltas por doença, a que se reporta o n.º 1 do artigo 106.º do mesmo Estatuto.
No entanto, como expressamente se prevê nesta última norma, não relevam para este efeito quaisquer períodos de doença, mas apenas aqueles a que se refere o n.º 3 do artigo 105.º do ETAPM, no qual se preceitua o seguinte: «quando a Junta de Saúde considere que o trabalhador não se encontra em condições de retomar a actividade, pode determinar a permanência na situação de faltas por doença por períodos sucessivos de 30 dias, até ao limite legal, e marcar a data de submissão a nova Junta».
Significa isto, se bem vemos, que no período de 18 meses a que se refere o n.º 1 do artigo 106.º do ETAPM, apenas entram as faltas por doença que tenham sido verificadas pela Junta de Saúde, ou seja, dizendo de outro modo, aquela norma apenas abrange no seu âmbito as situações em que foi a própria Junta de Saúde que determinou a permanência do trabalhador em situação de falta por doença, não abrangendo, portanto, os casos em que as faltas, por uma razão ou por outra, foram justificadas por atestado médico, nos termos gerais que decorrem da norma da alínea a) do artigo 100.º do ETAPM.
Ora, no caso, as faltas ao serviço por doença dadas pelo Recorrente não resultaram de determinação da Junta de Saúde, tendo sido justificadas através de atestado médico. Por isso, parece claro, pelo menos para nós, que se não mostra preenchido o pressuposto a que se refere o n.º 1 do artigo 106.º do ETAPM e desse modo não pode também deixar de claudicar a possibilidade de se considerar verificado o indispensável requisito legal do desligamento automático do serviço por parte do Recorrente previsto na norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do mencionado Estatuto.
Uma última nota, muito breve, para dizermos que, contrariamente ao que o Recorrente parece entender (veja-se o ponto 36.º da douta petição inicial) a questão não está em saber se as suas ausências ao serviço por um período de 18 meses foram ou não justificadas, mas, antes, em saber se essas faltas ocorridas no lapso de tempo legalmente relevante foram ou não determinadas pela Junta de Saúde e quanto a isto, vimos que o não foram.
3.
Face ao exposto,
- deve a Entidade Recorrida ser absolvida da instância;
Se assim se não entender,
- deve o recurso deve ser julgado improcedente.
É este, salvo melhor opinião, o nosso parecer.”
*
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo…”
Atentas as doutas considerações tecidas pelo Digno Delegado Coordenador que antecede, para as quais remetemos por concordamos inteiramente com a solução, acertada e sensata nelas apresentada para o caso sub judice, diremos que o acto em si não traduz o exercício de um poder de definição jurídica, uma vez que a desligação do serviço produz-se automaticamente conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do ETAPM.
Daí decorre que o acto recorrido não corresponde a um acto administrativo propriamente dito, antes consiste numa mera actuação de recusa de reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido cuja tutela deva ser efectivada por acção própria prevista no artigo 100.º do CPAC.
Isto posto, sem necessidade de delongas considerações, há-de absolver a entidade recorrida da instância.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em absolver a entidade recorrida da instância.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 5 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 18 de Janeiro de 2024

Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1o Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)




Recurso Contencioso 833/2022 Página 30