Processo nº 895/2022
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 18 de Janeiro de 2024
Recorrente: (A)
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
(A) aqui representado por (B) e (C), com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 23.02.2023 que indeferiu o recurso hierárquico interposto do indeferimento do pedido de renovação da autorização de fixação de residência, formulando as seguintes conclusões:
1. Pelo que, quanto à reapreciação sobre a decisão do Presidente do IPIM de indeferimento da renovação de autorização de residência do interessado, não tendo a entidade recorrida proferido expressamente a decisão em tempo oportuno, nos termos dos referidas disposições legais, pode a recorrente presumir que a entidade recorrida indefira o seu pedido por forma tácita (Ao mesmo tempo, deve-se entender que a entidade recorrida aceite tacitamente a decisão do Presidente do IPIM no momento).
2. A decisão da entidade recorrida sobre o requerimento de renovação de autorização de residência do interessado é definitiva, pelo que a recorrente vem, através da presente petição inicial, interpor recurso contencioso contra a decisão da entidade recorrida de indeferimento tácito, no momento de reapreciação, ao requerimento da recorrente sobre a renovação de autorização de residência do interessado.
3. A recorrente entende que a decisão da entidade recorrida de indeferir o requerimento de renovação da autorização de residência do interessado padece de vício de erro na aplicação da lei, viola o dever de averiguação e o princípio da colaboração e tem o vício no conhecimento de facto, bem como com inexistência de natureza exigível e conflito do dever, deve ser anulada.
4. Segundo a fundamentação exposta pelo Presidente do IPIM no seu acto de indeferimento ao requerimento de renovação, nomeadamente no ponto (3) da parte 9 na resposta, o Presidente do IPIM considerou, de forma a não permitir nenhuma flexibilidade, que o interessado já não reuniu as condições para manter a autorização de residência temporária, no entanto, não foi constatado que tenha realmente analisado as normas estipuladas no no.4 do artigo 4º da Lei no. 8/1999, especialmente "O motivo das ausências em Macau" e "se tem residência habitual em Macau" estipulados respectivamente na alínea (1) e alínea (2) do referido no. 4.
5. O legislador não formulou um padrão claro para determinar que tipo de estilo de vida é equivalente ao tratamento de um lugar como um local de residência habitual, por exemplo, quantos dias viver continuamente em um determinado lugar a cada ano ou mês / ou não inferior a quantos dias, etc…
6. A “residência habitual” referida nos referidos diplomas legais citados pelo Presidente do IPIM é apenas um conceito jurídico indeterminado e puramente conclusivo, quando a entidade recorrida reaprecie a qualidade para a renovação da autorização de residência do interessado e verifique se este fixa em Macau como residência habitual, não pode pronunciar-se directamente pelo simples número de dias tenha permanecido em Macau, pelo contrário, a autoridade administrativa deve ter em conta as circunstâncias específicas do interessado.
7. O legislador especificou claramente várias considerações no nº. 4 do artigo 4º da Lei nº. 8/1999 como referência à interpretação, assim, ao analisar se o interessado sair temporariamente de Macau ou se já não considerar Macau como residência permanente, é necessário não só ter em conta o número de dias que permaneceu em Macau, mas sobretudo saber se já não tem a vontade de regressar a Macau, que é também o padrão que o legislador sempre defende para julgar a "residência habitual".
8. De facto, o referido padrão de interpretação da "residência habitual" que não se baseia apenas na data e frequência de permanência em Macau não se alterou com a entrada em vigor da nova lei n.º 16/2021, mas posição esta foi reforçada com a entrada em vigor da nova lei porque o legislador também notou o recente plano de desenvolvimento do governo da RAEM em Hengqin (por exemplo, Projecto «Novo Bairro de Macau» ), bem como a política de colaboração profunda entre as cidades na área da Grande Baía, é necessário facilitar o fluxo de pessoas entre as regiões, para que o padrão tradicional de residência diária em Macau seja gradualmente abandonado pelos tempos.
9. De acordo com o que se relata no artigo 76º do Parecer nº. 4/VI/2021 da Terceira Comissão Permanente da Assembleia Legislativa quanto à Lei nº. 16/2021, o legislador assinalou claramente que por motivos como tratamento médico, assistência a familiares doentes e profissões noutros locais, ainda que não se encontre em Macau durante muito tempo por isso, para efeitos da lei de imigração, pode também ser considerado que mantenha a "residência habitual" em Macau.
10. Neste caso, o interessado foi diagnosticado com diabete tipo 1 desde os 3 anos de idade. Ele precisa de injecções de insulina a longo prazo e da observação frequente sobre as flutuações de glicose no sangue. Ele também precisa de ir periodicamente ao Hospital Infantil de Guangzhou para receber tratamento, porque o interessado foi tratado lá desde criança, todos os médicos assistentes, medicamentos e ficha clínica foram mantidos neste hospital. Naquela época, apenas o Hospital Infantil de Guangzhou podia lidar bem com crianças com diabete tipo 1.
11. Nessa altura, de 2017 a 2020, o pai da recorrente, (D), sofria de asma grave, enquanto a sua mãe, (E), sofria de doença grave do fígado e dos pulmões, aliás, os dois idosos também não são residentes de Macau, como sua filha, tinha moralmente a obrigação de cuidar dos pais, pelo que a recorrente não teve outra alternativa senão regressasse ao continente para cuidar dos dois.
12. Além disso, a recorrente é empresária, e o seu trabalho obriga-a a deslocações frequentes entre Zhuhai e Macau, enquanto o negócio do seu cônjuge é no Continente, mas ambos têm investido o dinheiro que ganharam através do seu negócio na compra de imóveis em Macau, por exemplo, comprou em 2013 a fracção "C" do Xo.andar do Edf. "XX", Torre X, em nome do seu filho mais velho, (F) (também conhecido por "(G)"), e depois comprou em 2016 outro imóvel para fim habitacional sito na Taipa, na Estrada Governador Albano de Oliveira, sem número, Edf. "XX", Bloco 2, Xo. andar-A para a recorrente e o interessado residirem e viverem em Macau.
13. Conforme consta do processo, o interessado nasceu em 20 de Novembro de 2012 e tinha apenas entre 5 e 8 anos de 2017 a 2020, se ele deixasse seus pais, sua vida seria gravemente afectada, além disso, ele está doente durante longo tempo e precisa de ser tratado no Hospital Infantil de Guangzhou por tempo prolongado, não tem capacidade de se proteger e manter sua vida, e é impossível para ele viver sozinho em Macau, caso contrário, sua situação de doença vai piorar.
14. Quanto às três situações acima referidas, a recorrente também prestou declarações na audiência escrita e no subsequente recurso hierárquico necessário e apresentou e complementou documentos para o provar, sendo todas estas situações especiais consideradas pelo legislador como não estando em Macau. Quando surjam as circunstâncias relevantes, o interessado pode ser considerado como uma excepção para manter a "residência habitual" estipulada pela lei em Macau.
15. No entanto, a entidade recorrida e o Presidente do IPIM não procederam a uma análise específica aos fundamentos invocados pela recorrente, tendo apenas concluído de forma que não estava em conformidade com a Lei. Na realidade, tem juízo baseado no número de dias de residência em Macau, interpretou erradamente o conceito incerto de "residência habitual" estipulado nas leis relevantes.
16. A entidade recorrida limitou-se a tomar como padrão de consideração o número das vezes de entrada do interessado e da recorrente, classificando erradamente a situação do interessado como já não reside habitualmente em Macau, o que violou o nº. 5 do artigo 43º da Lei vigente nº. 16/2021, ou não aplicou com rigor o artigo 23º do Regulamento Administrativo nº. 3/2005, conjugado com a “residência habitual” aludida no nº. 3 do artigo 9º da Lei nº. 4/2003 e na alínea (2) do artigo 24º do Regulamento Administrativo nº. 5/ 2003, violou ainda o nº. 4 do artigo 4o da Lei n.º 8/1999.
17. A entidade recorrida e o Presidente do IPIM fundamenta-se no facto de o foco de trabalho e vida da recorrente e do interessado não estar em Macau, mas sim no Continente, e além disso, os assuntos quotidianos dos principais membros da família do interessado não giram em torno de Macau. Se Macau tem condições de trabalho, estudo e tratamento médico, é uma escolha pessoal estudar e receber tratamento médico na China, e não é um obstáculo razoável para viver em Macau, por esta razão, o Presidente do IPIM considera que o interessado não reside habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária, pois, não aprova a renovação da autorização de residência temporária do interessado.
18. Além do devido respeito pelas diferentes opiniões, a recorrente acredita que as declarações acima mencionadas são todas conclusivas e não há factos específicos para apoiar e inferir esta conclusão final de que “não residiu habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária ".
19. Quando a entidade recorrida e o Presidente do IPIM pretenderem apurar se o interessado toma Macau como "residência habitual", devem proceder a uma análise abrangente do contexto habitacional do interessado e dos seus familiares através de factos concretos, especialmente para apurar por que razão o interessado não se encontra em Macau, a entidade recorrida e o Presidente do IPIM não podem tirar directamente a conclusão de "não residia habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária" simplesmente pelo número de dias em que o interessado permaneceu em Macau.
20. Embora, nos termos do no. 1 do artigo 87º do Código do Procedimento Administrativo, cabe ao interessado provar os factos que tenham alegado, no entanto, o referido artigo também destaca que a autoridade administrativa não é isenta da obrigação de averiguar nos termos do no. 1 do artigo 86º do mesmo Código.
21. Além disso, a recorrente expôs os seus fundamentos e apresentou documentos relevantes como prova ao Presidente do IPIM e à entidade recorrida na audiência escrita e no recurso hierárquico necessário, alegando detalhadamente a conexão substancial entre ela e o interessado e Macau, e provando por que ela e seus membros da família não se encontram actualmente em Macau, mas sempre tomam Macau como residência habitual, especialmente sustentou os factos aludidos nos artigos 33º a 36o, no entanto, não foi notada e ouvida pela autoridade.
22. Nos termos do artigo 85º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, a entidade recorrida e o Presidente do IPIM são obrigados a apreciar os factos invocados pela recorrente e a confirmar oficiosamente o fundamento invocado pela recorrente, porque tais factos são importantes para uma justa decisão ao processo.
23. Além disso, é necessário indicar que o interessado era titular do Bilhete de Identidade de Residente não Permanente de Macau antes de o Presidente do IPIM não ter aprovado a renovação da autorização de residência temporária. Nos termos do no. 3 do artigo 30º do Código Civil, a entidade recorrida deve apresentar prova em contrário se pretender ilidir a presunção legal de que Macau é a sua residência habitual (nos termos do no. 2 do artigo 343o do Código Civil).
24. Acresce que, nesta base, a recorrente também apresentou vários motivos para apoiar a razão pela qual ela e o interessado deixaram Macau, a entidade recorrida não pode refutar e ilidir a referida presunção legal e o fundamento da recorrente apenas com base no número de entradas da recorrente e do interessado.
25. Se a entidade recorrida e o Presidente do IPIM discordarem das alegações da recorrente, devem tomar a iniciativa de investigar e fornecer contraprovas em vez de apenas enfatizar repetidamente que a recorrente e o interessado não residem em Macau.
26. Importa sublinhar que a questão de cerne deste processo é a razão pela qual a recorrente e o interessado não residem em Macau, e se já abandonaram Macau como residência habitual, e não se a recorrente e o interessado residem ou não em Macau.
27. Acresce que, dê um passo para trás, ainda que a entidade recorrida considere insuficientes os argumentos e documentos apresentados pela recorrente e ponha em dúvida a sua defesa, de acordo com o princípio da colaboração previsto no artigo 9º e artigo 88º do Código do Procedimento Administrativo, a entidade recorrida e o departamento responsável pela elaboração da proposta também devem instruir à recorrente quais os documentos específicos a fornecer (por exemplo, certidão de registo predial, etc.).
28. Segundo a fundamentação exposta pelo Presidente do IPIM no seu acto de indeferimento ao requerimento de renovação, nomeadamente no ponto (5) da parte 9 na resposta: “No entanto, não há indício ou base factual que demonstre que o estudo do seu descendente em Macau tenha sido ou venha a ser concretizado.”, todavia, nem o Presidente do IPIM e nem a entidade recorrida deram oportunidade à recorrente de depor por meio de diligências probatórias.
29. De acordo com a compreensão do Tribunal de Última Instância no acórdão do processo nº. 106/2019, o acto de a entidade recorrida ter-se recusado à recorrente a apresentar prova, não deve ser suportado.
30. A entidade recorrida, ao praticar o acto recorrido, não cumpriu o disposto no artigo 85º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo para proceder às devidas averiguações, considerando que a obrigação de averiguar é uma diligência necessária da autoridade administrativa para actuar no procedimento administrativo, sua falta tornaria o acto recorrido ilegal; entretanto, a entidade recorrida também violou o princípio da colaboração aludido no artigo 9º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que, nos termos do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo, o acto recorrido deve ser anulado.
31. Quanto ao ponto (4) da parte 9 na resposta do Presidente do IPIM, a recorrente detalhou na audiência escrita e no recurso hierárquico que o interessado foi diagnosticado com diabete tipo 1 desde os 3 anos de idade e precisa de injecções de insulina a longo prazo e também precisa de ir periodicamente ao Hospital Infantil de Guangzhou onde se encontra o seu médico especialista para receber tratamento, além disso, em 16 de Julho de 2016, foi hospitalizado devido a uma doença súbita, o documento pertinente foi anexado como prova.
32. Naquela época, devido à doença acima mencionada, o interessado teve que se deslocar entre Guangzhou e Zhuhai durante tempo prolongado. Para uma criança doente que tinha então apenas oito anos de idade, era realmente irracional exigir-lhe ida e volta entre Macau diariamente.
33. O interessado recebe tratamento no Hospital Infantil de Guangzhou desde criança. Existem lá a sua ficha clínica e médicos especialistas que o acompanham durante muito tempo, se o interessado tiver que ser transferido para o hospital em Macau para acompanhamento, pode atrasar o seu tratamento e não é a melhor opção para os interesses do menor.
34. Além disso, conforme o artigo 11º acima mencionado, durante o período de 2017 a 2020, quando (D) e (E), pais da recorrente, estiveram gravemente doentes, sendo a recorrente, como filha, a quem cabe o cuidado dos dois progenitores, tem que ficar prolongadamente no Continente para cuidar deles. A recorrente não tem parentes em Macau, não podendo arranjar à vontade terceiros para cuidar do interessado menor, devendo o próprio interessado deslocar-se ao hospital do Continente para tratamento periódico por motivo de doença, perante a situação de dilema, é impossível que a recorrente, que é mãe, deixe o interessado viver sozinho em Macau.
35. Além disso, a recorrente também enfatizou na audiência escrita e no recurso hierárquico necessário que o padrão de vida acima mencionado não é permanente, desde que a condição dos seus ascendentes e do interessadose estabilize, e o interessado torna-se cada vez mais independente com o aumento da idade, ele retornará ao caminho certo que lhe permitir formalmente regressar a Macau para se estabelecer.
36. De facto, actualmente, a recorrente e o interessado estão prontos para regressar a Macau para viver e fixar residência.
37. Assim, a referida situação de afastamento prolongado de Macau é apenas temporária, sendo todas as razões externas fora do controle da recorrente e do interessado, na realidade, não é como a fundamentação da entidade recorrida e do Presidente do IPIM, considerando ser uma opção pessoal da recorrente ou não estar em Macau por vontade própria.
38. Em relação ao ponto (5) da parte 9 na resposta do Presidente do IPIM, de realçar que a recorrente e o seu cônjuge obtiveram o Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau e, conforme o disposto nos artigos 12º e 36º, estão prontos para se estabelecerem em Macau, incluindo a compra de casa e decoração, etc., constituindo-se a base para a recorrente trazer o interessado para residir e estudar em Macau (Quanto às fotos da casa, a recorrente promete enviá-las o mais rapidamente possível)
39. Os factos anteriores demonstram que a recorrente e os seus familiares de cerne têm planeado gradualmente fazer Macau um centro da sua vida, ou seja, a situação de o interessado estudar em Macau será implementada.
40. De facto, o próprio interessado não tem capacidade psicológica, de subsistência e financeira para determinar a sua residência habitual, assim, só nos resta analisar se a recorrente tem vontade de abandonar Macau como residência habitual para determinar se o interessado sair temporariamente de Macau ou se já não considera Macau como residência habitual.
41. Por este motivo, refira-se ainda que, conforme acima referido, à recorrente foi concedida em 22 de Junho de 2019, de forma continuada, a autorização de residência temporária por 7 anos, tendo sido emitido oficialmente em 9 de Setembro de 2019 o Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau. Isso porque nos termos do no. 3 do artigo 4º, conjugado com a alínea (2) do no. 1 do artigo 1º da Lei no. 8/1999, estipula-se expressamente que a recorrente, que é residente permanente de Macau, não será considerada como não residente habitual em Macau devido à sua saída temporária de Macau.
42. Embora a recorrente tenha saído temporariamente de Macau por necessidade de cuidar do interessado e dos pais, com base nas disposições legais obrigatórias acima referidas, o interessado e a própria recorrente continuarão a ser legalmente reconhecidos como tendo Macau como sua residência habitual.
43. Por outas palavras, quando a recorrente não pretendia desistir de residir em Macau como residência habitual, os dois filhos que representava também não teriam a intenção de desistir de residir em Macau como residência habitual.
44. Dado que a informação constante dos autos refere que a recorrente e o interessado apenas saíram temporariamente de Macau para tratamento médico e cuidado dos ascendentes no interior da China, mesmo que o interessado e a recorrente tenham um número limitado de permanência em Macau a partir de 2017 até 2020, tal não equivalerá, de forma alguma, a que a recorrente e o interessado desistam de residir em Macau como residência habitual.
45. Além disso, como uma cidade aberta, Macau tem dezenas de milhares ou milhares de estudantes que vão todos os anos para a China, Hong Kong, Taiwan ou Europa, América, Austrália e Canadá para estudar, mas estes estudantes não devem ser considerados como desistindo de Macau como sua residência habitual apenas porque eles estão estudando em outros lugares, especialmente as recentes políticas do governo de residir em Macau têm beneficiado os estudantes de Macau que residem temporariamente no exterior. Pode-se observar que a política consistente do governo de Macau é aceitar a residência habitual de estudantes de Macau que residam temporariamente em outros locais continua a ser Macau.
46. Conforme acima referido, o interessado residiu temporariamente no Continente apenas porque procurava tratamento médico no exterior e seguiu a recorrente com exercício legal do poder paternal para regressar ao Continente para cuidar dos seus avós, no entanto, a entidade recorrida e o Presidente do IPIM, ignorando o caso de força maior de doença e suporte de vida do interessado, determinaram que o interessado abandonou definitivamente Macau como local de residência habitual.
47. Além disso, o período de 1 de Janeiro a 31 de Julho de 2020 foi a fase inicial do surto da nova pneumonia coronária, e as medidas de prevenção da epidemia estavam num momento mais crítico. Não só a Região Administrativa Especial de Macau adoptou medidas rigorosas de controlo e gestão de entrada e saída, como a China Continental também apelou sempre aos cidadãos para que ficassem em casa para evitar aglomerações fora, especialmente os menores pertenciam a um grupo susceptível à infecção, além disso, o interessado já sofreu da doença e a vacina da nova pneumonia coronária não foi implementada na época, então, pode explicar totalmente porque o interessado não tem registo de entrada nesse período.
48. Todos os contextos de facto acima referidos não podem ser ignorados na análise deste caso específico de renovação de autorização de residência, sendo também factores especiais deste caso específico, uma vez que a entidade recorrida e o Presidente do IPIM não levaram em consideração as circunstâncias do caso concreto a nível substantivo no reconhecimento dos factos, o acto recorrido foi viciado na medida em que o acto administrativo foi ilegal devido ao pressuposto de facto errado, nos termos do artigo 124o do Código do Procedimento Administrativo, o acto recorrido deve ser anulado.
49. Por último, de acordo com o Aviso do Chefe do Executivo n.º 5/2001, o Chefe do Executivo, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 3/1999, de 20 de Dezembro da Região Administrativa Especial de Macau, aplicou a Macau a convenção internacional da《Convenção sobre os Direitos das Crianças》, ou seja, a《Convenção sobre os Direitos das Crianças》tem efeitos jurídicos e goza de estatuto jurídico em Macau.
50. O interessado nasceu a 20 de Novembro de 2012 e tinha apenas 8 anos de idade quando o Presidente do IPIM se recusou a aprovar a sua autorização de residência temporária em 2020. Obviamente, não tinha capacidade mental e física para viver sozinho, o interessado tem um motivo necessário para viver com a recorrente.
51. A recorrente, nos termos da alínea b) do no. 1 do artigo 1850º e artigo 1844º do Código Civil, ela mesma também tinha a obrigação de ir ao continente para cuidar dos pais que na época estavam doentes, o que era seu dever como filha.
52. Nestas circunstâncias, a autoridade administrativa não pode obrigar a recorrente e o interessado a ficar em Macau, sob pena de o interessado perder os seus direitos fundamentais de ser assistido e cuidado por familiares, trata-se de violação ao Código Civil, à《Convenção sobre os Direitos das Crianças》e acarreta o crime de 「exposição e abandono」 previsto e punível pelo artigo 135o do Código Penal.
53. Se a parte é obrigada a violar várias leis para cumprir um regulamento administrativo, isso entra em conflito com o princípio da legalidade, especialmente, violou as disposições dos nos. 2, 3 do artigo da Lei no. 13/2009.
54. Quanto aos anos de 2017 a 2020, o interessado tinha apenas 5 a 8 anos de idade durante este período, quando ele próprio necessitava de se deslocar para tratamento médico, e a recorrente tinha de se ausentar temporariamente de Macau porque tinha de cuidar dos ascendentes, a autoridade administrativa ainda o obrigou a permanecer sozinho em Macau, o que é obviamente forçar alguém a fazer algo que ele não pode fazer e impraticável, sendo completamente incompatível com os requisitos legais.
55. A entidade recorrida não pode proferir decisão desfavorável ao interessado devido a essas circunstâncias, sob pena de ofender os direitos e interesses do interessado protegidos pelas leis acima mencionadas, em particular, a privação do direito básico do interessado de aceitar a tutela da recorrente, também leva à contradição de que o cumpridor da lei será punido pela lei.
56. Assim, a recorrente entende que a entidade recorrida aceitou o pedido do Presidente do IPIM de considerar o local de residência habitual como factor da autorização de residência temporária ao interessado, violou o princípio da legalidade estipulado no artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo.
E
1. Em 9/12/2022, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso contra a decisão tácita da entidade recorrida e, durante a pendência da acção, ou seja, a 23/2/2023, a entidade recorrida indeferiu expressamente o requerimento de reapreciação e o recurso hierárquico necessário da recorrente, mantendo a decisão do IPIM que indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência temporária de (A), descendente da recorrente (adiante designado por “interessado”).
2. Atento o facto de a entidade recorrida praticar tal acto expresso só depois da interposição do recurso contencioso e que o acto não satisfaz os interesses da recorrente, vem a recorrente requerer, ao abrigo do artº 81º, nº 1 do CPAC, que o presente recurso contencioso prossiga tendo por objecto o acto expresso da entidade recorrida.
3. A recorrente manifestou expressamente que são mantidos todos os fundamentos constantes do recurso contencioso. Para evitar repetições fastidiosas e sob o princípio da economia processual, os fundamentos de facto e de direito são considerados aqui integralmente reproduzidos. Além disso, a recorrente, no exercício do direito conferido pelo artº 81º, nº 1 do CPA, invoca os seguintes fundamentos novos.
4. A entidade recorrida salientou no acto recorrido que: a entidade recorrida não tem a obrigação de elucidar a recorrente ou interessada sobre a referida exigência. A entidade recorrida não dispõe do poder discricionário ou liberdade para decidir actos legais, portanto, não pode violar os princípios da boa-fé, da igualdade, proporcionalidade ou justiça. O artº 9º, nº 3, da Lei nº 4/2003 que rege a residência habitual em Macau é norma imperativa. Se o interessado não cumprir esta norma legal, segundo a lei a entidade recorrida é obrigada a indeferir o pedido de renovação.
5. Salvo o devido respeito pelo entendimento jurídico da entidade recorrida, há que apontar que, assumindo que “a residência habitual é o critério para conceder ou não conceder a autorização” é uma actividade vinculada, assim, logicamente, a Administração deve, tal como foi dito por ela própria, “executar sempre todos os casos de maneira consistente, rigorosa e correcta e não tem liberdade para decidir.
6. Segundo o princípio da legalidade, como a Administração deve executar sempre as leis de maneira correcta, assim, também devia apreciar os requerimentos no passado baseando-se nos mesmos fundamentos jurídicos e princípios acima citados e os critérios deviam ser iguais.
7. Mas, antes de 2017, a residência habitual não era a condição para o IPIM apreciar e conceder a autorização de residência temporária por investimento em imóveis.
8. Após 2017, a maior parte dos pedidos de fixação de residência por investimento em imóveis que foram rejeitados pela Administração com fundamento em residência habitual (incluindo pedidos por titular de investimento relevante e titular de especialidade ou conhecimentos técnicos) é semelhante ao caso do interessado, aos quais foi rejeitada a renovação de autorização de residência temporária com o mesmo fundamento, ou seja, a situação de residência (residência habitual) após 2017 (vd. o ano de permanência indicado no motivo invocado no ponto 9 do acto recorrido).
9. Em 30/5/2013, a recorrente apresentou, pela primeira vez, o pedido de extensão da autorização de residência para o interessado e foi deferido o pedido em 29/10/2013. A autorização de residência temporária concedida ao interessado era válida até 22/6/2015. (cfr. fls. 143 do P.A.)
10. Pelo exposto, pelo menos antes de 2020 (o mais recente), o interessado já tinha pedido por várias vezes a renovação da sua autorização de residência temporária.
11. O interessado foi diagnosticado com diabetes tipo 1 aos três anos. Nos anos de 2015 a 2020, ele viajava muitas vezes entre o Interior da China e Macau, até ficou internado no Hospital de Crianças Guangzhou no Interior da China, estando a receber acompanhamento médico.
12. Tendo em conta a mesma situação, a Administração deferiu os pedidos de renovação da autorização do interessado apresentados antes de 2020.
13. Como a decisão é actividade vinculada, os critérios adoptados devem ser iguais se não houver alteração da lei.
14. A prática passada da Administração tinha gerado expectativa razoável no público, que geralmente não tem conhecimento jurídico, para confiar que a residência habitual não era uma das condições de apreciação dos casos (mormente aqueles que requerem a fixação de residência por investimento em imóveis).
15. Acresce que, além da prática habitual acima mencionada, desde o início do requerimento, o IPIM nunca informou a recorrente do requisito necessário de “residência habitual” para a manutenção da autorização de residência. E cada vez o interessado pediu renovar a sua autorização, a Administração não indeferiu o pedido por o interessado não satisfazer o requisito de “residência habitual”.
16. Daí podemos verificar que a situação de residência habitual do interessado não foi considerada pela Administração como um factor a ponderar antes de 2017. Além disso, nunca lhe informou o tempo de permanência em Macau exigido na constância de sete anos. Queria perguntar como é que a recorrente podia ter conhecimento de tal requisito? Isso viola manifestamente o princípio da boa fé previsto no artº 8º do CPA.
17. Quanto ao requisito para a fixação de residência, os deputados à Assembleia egislativa já repararam a questão, tal como foi dito na página 6 do Relatório nº 1/VI/2021: “… Preocupados com o facto de a Lei nº 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau) não prever que para a “residência habitual” se exija a permanência por um período superior a 183 dias, critério que só tem vindo a ser adoptado depois da ocorrência do caso da prática de irregularidades pelo então Presidente do IPIM, sugeriram alguns membros da Comissão a definição pelo IPIM dos critérios de avaliação e autorização, entre os quais dos dias de permanência, residência fixa, etc., bem com o esclarecimento aos requerentes dos pedidos de renovação. …” (cfr. Assembleia Legislativa da RAEM, Comissão de Acompanhamento para os Assuntos da Administração Pública, Relatório nº 1/VI/2021, página 6) (o negrito e sublinhado são da recorrente)
18. Mesmo que o IPIM não tenha obrigação legal de elucidar sobre o “significado” do conceito de residência habitual, a Administração deveria, ao menos, “informar” à recorrente os critérios para apreciação quando a mesma requereu e renovou a autorização de residência, devendo informar, em particular, a “existência” do requisito de residência habitual em Macau. Caso não especifique isso aquando do deferimento da autorização de residência e da entrega posterior dos documentos relacionados, pode gerar expectativa razoável nos residentes que geralmente não têm conhecimento jurídico.
19. Disse o douto acórdão do TSI, datado de 16/3/2023, proferido no processo nº 822/2021: “Estabelecer os requisitos para a concessão de autorização de residência segundo os diferentes domínios e requisitos, bem como definir claramente as regras que devem ser observadas pelos requerentes, sendo isso a verdade fundamental, como também a essência do direito: a previsibilidade, ou seja, quando perante a lei, todos devem ser capazes de prever razoavelmente o seu comportamento e consequências, e conhecer as regras a serem observadas e os tipos de pena a enfrentar no caso de incumprimento das regras. A Administração exige que os requerentes permaneçam/residam em Macau pelo menos por 183 dias por ano, esse critério só foi suscitado posteriormente, antes não havia essa exigência, também não informou expressamente isso ao interessado, sendo isso outro erro cometido pela Administração.” (o negrito e sublinhado são da recorrente)
20. Além disso, o acto administrativo de conceder a autorização de residência sem ter examinado a situação relativa a residência habitual tem produzido uma ampla gama de efeitos sociais por força do decurso do tempo. Por exemplo, a maioridade dos requerentes de fixação de residência por investimento em imóveis obteve o direito de residência permanente sem lhes ter sido examinada a residência habitual, eles já se tornaram residentes permanentes de Macau. Mas perante a situação referida, com base no mesmo diploma legal, o interessado foi recusado de se tornar residente de Macau por causa da sua situação de residência habitual.
21. Pelos motivos supra expostos, entende a recorrente que, mesmo que a examinação de residência habitual seja um acto vinculado, no caso de a Administração agir contrário à forma consistente e rigorosa que tem adoptado por longo tempo, ou seja, não examinou tal requisito desde o início ou talvez já determinou que o interessado tinha residência habitual em Macau, e depois, quando o interessado completou 7 anos de residência temporária e sob a mesma situação, indeferiu, de repente, o pedido de renovação com fundamento a insuficiência do tempo de permanência em Macau. O dito acto também pode ser considerado como violação do princípio da boa fé (artº 8º do CPA), do princípio da justiça e da imparcialidade (artº 7º do CPA) e do princípio da igualdade (artº 5º do CPA).
22. Por tudo exposto, o acto da entidade recorrida constitui o fundamento do recurso indicado no artº 21º, nº 1, al. d), do CPAC (a violação de lei). Nos termos do artº 124º do CPA, a decisão da entidade recorrida é recorrível, pelo que tal acto deve ser anulado.
Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões:
I. Só faz sentido dar relevo ao carácter temporário da ausência se o interessado tinha residência habitual em Macau - pois a ausência de quem não tem aqui residência habitual não é, por definição, temporária.
II. O menor nasceu em 2012 e recebeu autorização temporária de residência em Macau em 2013 e, segundo as declarações da recorrente, logo se verificaram na família os problemas de saúde que impediram o menor de fixar residência em Macau.
III. Na apreciação do carácter temporário ou não da ausência do menor, a Administração não levou apenas em conta os movimentos na fronteira.
IV. As declarações da recorrente confirmam que o menor nunca teve residência habitual na RAEM.
V. As razões que impediram o menor de fixar residência em Macau são irrelevantes para saber se ele tinha ou não residência habitual.
VI. Irrelevante, para esse efeito, é também a eventual intenção de vir futuramente a fixar residência em Macau.
VII. A presunção do art. 30, n. 2, do C. Civil é ilidível e foi ilidida.
VIII. A recorrente foi ouvida no procedimento administrativo e teve oportunidade de provar que a ausência do seu filho menor era, como ela diz, meramente temporária;
IX. A recorrente não indica que outras diligências investigatórias deveria a Administração ter feito.
X. Não parece haver litígio entre recorrente e entidade recorrida quanto aos factos, mas meramente quanto à qualificação jurídica dos mesmos.
XI. A Administração não impôs qualquer obrigação à recorrente, tendo-se limitado a aplicar vinculadamente a lei, impondo esta a residência habitual como condição da manutenção da autorização temporária de residência (art. 9, n. 3, da lei 4/2003, então em vigor).
Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, veio a Recorrente fazê-lo.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
a) No seguimento do pedido de renovação de autorização de residência em Macau formulado pelo Recorrente foi o mesmo indeferido por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 23.02.2023, nos termos e com os fundamentos da Proposta nº PRO/00074/AJ/2022 elaborada pela IPIM, a qual consta de fls. 140 a 147, traduzidas a fls. 158 a 174 com o seguinte teor:
«Assunto: Sugestão de indeferimento do recurso hierárquico necessário (proc. n.º 0331/2008/03R)
Proposta n.º PRO/00074/AJ/2022
Data: 06/01/2022
00418/GSEF/EN/2022
Exma. Dra. (L), Directora do Dept.º Jurídico e de Fixação de Residência
1. De acordo com a alínea 4) do artigo 1.º, artigos 3.º e 5.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, com fundamento na aquisição de bens imóveis, à recorrente (B) foi concedida, em 29 de Outubro de 2013, a extensão da autorização de residência temporária ao seu descendente (A). À recorrente já foi emitido o Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau em 9 de Setembro de 2019.
2. Dado que o seu descendente (A) não residia habitualmente na Região Administrativa Especial de Macau durante o período de renovação da autorização de residência temporária, nos termos do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 68/2020, o Presidente do Conselho de Administração do IPIM, no exercício da subdelegação da competência executiva do Secretário para a Economia e Finanças para decidir sobre o pedido de renovação da autorização de residência temporária do bem imóvel, em 10 de Novembro de 2020, nos termos do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que é aplicável subsidiariamente por força do disposto no n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, e no n.º 2 do artigo 22.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária da parte interessada (A).
3. Relativamente à decisão, o IPIM notificou a recorrente em 10 de Novembro de 2020, através do Ofício n.º OF/06123/DJFR/2020, que foi recebido e assinado pela recorrente em 2 de Dezembro de 2020 (vide doc. 1).
4. Nos temos do artigo 3.º do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 68/2020, “Dos actos praticados no uso da competência ora subdelegada, cabe recurso hierárquico necessário.” O presente recurso hierárquico necessário foi apresentado ao Secretário para a Economia e Finanças em 4 de Janeiro de 2021 pelo advogado autorizada da recorrente (vide doc. 2). Nos termos do artigo 155.º do Código de Procedimento Administrativo, o prazo para a apresentação de um recurso hierárquico necessário é de 30 dias e o registo de recepção e assinatura dos documentos relevantes mostra que o recurso hierárquico necessário cumpriu o prazo legal.
5. Em 3 de Dezembro de 2021, a recorrente apresentou um requerimento de reapreciação ao Secretário para a Economia e Finanças e ao Presidente do Conselho de Administração do IPIM, respectivamente, nos termos do artigo 97.º da Lei n.º 16/2021 (vide doc. 3).
6. Nos termos da alínea 2) do artigo(sic.) 1.º do artigo 97.º da Lei n.º 16/2021, a parte interessada pode solicitar uma reavaliação da respectiva situação jurídica nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da mesma lei, uma vez que a decisão relevante ainda não se tenha convertido em definitiva à data da publicação da presente lei (16 de agosto de 2021).
7. Os fundamentos invocados pela recorrente no presente recurso hierárquico necessária e pedido de reavaliação são resumidos a seguir:
1) O Regulamento Administrativo n.º 3/2005 é uma lei especial e nova em relação à Lei n.º 4/2003 e ao Regulamento Administrativo n.º 5/2003, pelo que, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do Código Civil, as disposições regulares de situações análogas não se aplicam quando a lei já previu determinadas situações e as disposições correspondentes do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 não devem continuar a aplicar-se quando a Lei n.º 4/2003 e o Regulamento Administrativo n.º 5/2003. Assim, considera-se que a decisão da autoridade administrativa é manifestamente contrária aos princípios básicos de aplicação do direito e das disposições legais da lei especial sobre a lei geral, da lei nova sobre a lei antiga e do preenchimento de lacunas legais, pelo que o acto recorrido deve ser anulado nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
2) Caso não se concordar com o ponto de vista acima exposto, considera-se que a autoridade administrativa não actuou em conformidade com os artigos 8.º, 9.º, 68.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, violando o princípio da boa-fé, o princípio da cooperação e o dever de comunicação, afirmando que, nos termos do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a renovação de uma autorização de residência temporária só é concedida se se mantiverem os pressupostos considerados no pedido inicial e que a autoridade administrativa não mencionou nem recordou à recorrente o requisito de a parte interessada ser residente habitual em Macau no pedido anterior e no pedido de renovação, nem a notificação de despacho foi alguma vez recordada.
3) A autoridade administrativa violou a sua obrigação de investigar ao tirar conclusões directas com base no número de dias que a parte interessada permaneceu em Macau, apesar de a recorrente ter feito um relato pormenorizado da sua ligação real a Macau durante a audição escrita, mas não só não adoptaram a proposta, como também não verificaram os factos alegados pela recorrente, de acordo com as suas competências nos termos dos artigos 85.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, e a parte interessada era titular de um bilhete de identidade de residente de Macau durante o período em que alegadamente não residia habitualmente em Macau. De acordo com o artigo 30.º do Código Civil, a presunção legal de residência habitual em Macau não pode ser ilidida pela mera dúvida dos estudos e da residência da parte interessada, considerando-se que a obrigação de investigar é uma diligência a cumprir pela autoridade administrativa no âmbito do procedimento administrativo, cuja falta tornaria o acto recorrido ilegal e, deve ser anulado nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
4) Por um lado, a autoridade administrativa violou as regras de repartição do ónus da prova, ao imporem erradamente à recorrente o ónus da prova de que “Macau é a residência habitual da parte interessada”; por outro lado, ao analisarem a residência habitual da parte interessada, a autoridade administrativa violou as indicações de juízo de residência habitual constantes do n.º 3 e das alíneas 1 a 4 do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, e consideraram que o acto recorrido enfermava do vício de facto de erro do acto administrativo e que o acto recorrido ser anulado nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
5) Além disso, as considerações da Administração são inadequadas, a interessada foi diagnosticada com diabetes de tipo 1 desde os 3 anos de idade e acaba de completar 8 anos. Para além de cuidar da parte interessada, a recorrente e o seu cônjuge devem também permanecer em Zhuhai para cuidar dos idosos no seu domicílio. Ou seja, a parte interessada tem de acompanhar os seus pais na prestação de cuidados aos idosos na RPC desde o seu nascimento. Além disso, como a recorrente gere uma empresa familiar, tem de viver temporariamente em Zhuhai com a parte interessada e providenciar para que esta receba educação em Zhuhai, tudo com o objectivo de proteger os direitos e interesses legalmente garantidos da parte interessada e de cumprir os direitos e obrigações parentais da recorrente, tal como estipulado nos Códigos Civil e Penal; o facto de a parte interessada ter tomado Macau como local de residência habitual é considerado como existente se se considerar que a parte interessada tem motivos razoáveis para residir temporariamente em Zhuhai. Se a autorização de residência temporária da parte interessada for revogada, quando a recorrente e o seu cônjuge voltarem a trabalhar em Macau no futuro, a parte interessada não poderá acompanhar os seus pais a Macau, o que é contrário à protecção das crianças ao abrigo da «Convenção sobre os Direitos da Criança».
6) De acordo com a interpretação do Parecer n.º 4/V1/2021 da 3.ª Comissão Permanente, o ponto 70 e seguintes sobre o local de residência habitual, em particular o ponto 76, o legislador afirma explicitamente que o facto de receber tratamento médico no estrangeiro e não em Macau significa que a pessoa pode estar ausente de Macau durante um longo período de tempo e pode ser considerada como mantendo “residência habitual” em Macau para efeitos da lei da imigração. A recorrente já explicou que, nessa altura, o seu descendente estava a receber tratamento médico na RPC.
7) Por último, requerer a Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que se digne julgar procedente o recurso hierárquico necessário e que revogar a decisão tomada pela Autoridade Administrativa em 10 de Novembro de 2020 e as suas consequências jurídicas, e que conceder a Guia de renovação da autorização de residência à parte interessada.
8. Trata-se de um recurso hierárquico necessário que é analisado da seguinte forma:
1) No que diz respeito à aplicação da lei, importa referir que, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º (Hierarquia e prevalência) da Lei n.º 13/2009, “As leis prevalecem sobre todos os demais actos normativos.”, sendo indiscutível que a lei tem hierarquia superior aos regulamentos administrativos, ou seja, o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 não pode ser contrariado pela lei sobre o regime geral de entrada, permanência e residência na Região Administrativa Especial de Macau;
2) Importa igualmente referir que, nos termos do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que prevê que “É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau”. Uma vez que, a recorrente, em conformidade com o artigo 5.º do mesmo regulamento administrativo, obteve a extensão da autorização de residência temporária ao seu descendente de (A), assim, nos termos das disposições do referido regulamento administrativo e para efeitos da sua eficácia, o descendente é uma parte interessada da autorização de residência temporária;
3) No que diz respeito aos diferentes pontos de vista, passa a citar a decisão n.º 738/2020 do TSI, de 17 de Junho de 2021: “A disposição do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 que regula a condição da manutenção da autorização de residência do interessado na RAEM, é aplicável ao Regulamento Administrativo n.º 3/2005 que regula o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados.”. Em conformidade com a jurisprudência acima referida, as regras relativas à residência habitual são aplicáveis subsidiariamente aos interessados que solicitem uma autorização de residência temporária ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
4) Em suma, pessoa a quem é concedida uma autorização de residência temporária nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 devem, para além do requisito de manter a situação jurídica significativa em consideração no momento da sua aprovação (vide o disposto no n.º 1 do artigo 18.º e no n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2002), devem ainda satisfazer o regime geral de entrada, permanência e residência na Região Administrativa Especial de Macau, no que respeita à residência habitual, pelo que a decisão da Autoridade Administrativa não violou as teorias básicas de aplicação da lei e das disposições legais a que a recorrente se refere, nomeadamente, a prevalência da lei especial sobre a lei geral, a prevalência da lei nova sobre a lei antiga e o preenchimento de lacunas legais.
5) Sobre a questão do princípio da boa-fé, do princípio da cooperação e da obrigação de notificação, cita-se o entendimento do acórdão do TSI de Macau no processo n.º 550/2018, de 27 de Junho de 2019, “Por não existir, por parte do IPIM, a obrigação legal de elucidar os requerentes de autorização de residência temporária sobre o significado do conceito de residência habitual, não se pode dizer violado o princípio da boa-fé se o IPIM nunca chegou, antes da declaração de caducidade da autorização de residência, a esclarecer ao interessado aquele conceito.”;
6) Além disso, a decisão do Acórdão do TUI, proc. n.º 54/2011, indicou que “Não dispondo a Administração, face ao tipo legal do acto, de margem de discricionariedade ou liberdade decisória, é inoperante a alegação de violação dos princípios da boa-fé, da igualdade, proporcionalidade ou justiça.”.
7) É de notar que o artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 que é aplicável subsidiariamente por força do disposto na Lei n.º 4/2003, que estava em vigor no momento em que o acto recorrido foi praticado, do qual o n.º 3 do artigo 9.º relativo à residência habitual em Macau é um norma juridicamente obrigatória e, se a parte interessada não cumprir a respectiva norma jurídica, a Administração tem de indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária nos termos da lei. Ou seja, os princípios relevantes não podem sobrepor-se ou substituir-se ao princípio da legalidade, nem podem ser utilizados como pretexto para pôr em causa o princípio da legalidade; à luz do acórdão acima referido, é improcedente o ponto de vista, apresentado pelos advogados, da violação do dever de notificação, do princípio da boa-fé e do princípio da cooperação.
8) Sobre a questão da obrigação de investigar, o Acórdão do TUI, proc. n.º 106/2019, declarou que “No caso dos autos, ao contrário do que parece ter entendido o acórdão recorrido, não está em causa saber se a recorrente tem intenção de permanecer em Macau, mas apenas se manteve residência habitual em Macau nos 7 anos, designadamente nos dois últimos, que são os que estão em causa, em que teve autorização para residência temporária.”
9) Neste caso, de acordo com as informações constantes do processo (a “Declaração de agregado familiar” preenchida pela recorrente em 15 de Julho de 2020), o actual local de residência e escolaridade do descendente dela situa-se em Zhuhai. Os principais membros da família vivem e trabalham actualmente em Zhuhai. Além disso, a Administração verificou junto da PSP que o número de dias que o descendente dela podia permanecer em Macau entre 2017 e 31 de Julho de 2020 era de 3, 5, 3 e 0 dias. Por outras palavras, o número total de dias que o descendente dela passou em Macau nos últimos três anos foi de apenas 11 dias, o que significa que o descendente dela não estiver em Macau a maior parte do tempo.
10) Embora a recorrente tenha apresentado, na fase de audiência escrita, os registos hospitalares do seu descendente relativos aos anos de 2016 e 2018 e o certificado de diagnóstico relativo a 2020, para justificar o facto de o seu descendente ausentar-se de Macau, é de notar que o certificado de diagnóstico de 2020 apenas indicava que o conselho médico era para que o descendente tivesse consultas ambulatoriais de três em três meses, e os registos de hospitalização de 2016 e 2018 apenas provam que o descendente dela esteve brevemente hospitalizado em Zhuhai e Guangzhou (até 13 dias e pelo menos 3 dias) nos dois anos anteriores, respectivamente. No entanto, esta situação não afecta o descendente dela que vive em Macau. Além disso, uma vez que tanto a recorrente como o seu descendente possuem bilhetes de identidade de residente de Macau, não estão impedidos de procurar tratamento médico em Macau. Por conseguinte, as razões acima referidas são uma questão de escolha pessoal e não constituem um obstáculo razoável ao regresso do descendente da recorrente a Macau para residência habitual;
11) Apesar de a recorrente ter também apresentado uma série de atestados médicos do seu descendente no presente recurso hierárquico necessário. No entanto, estes documentos apenas mostram que o seu descendente foi brevemente hospitalizado na RPC em 2016, 2018 e finais de 2020, com consultas ambulatoriais a cada três meses, em média, de 2018 a 2020. Tal como analisado anteriormente, tal não impede que o seu descendente regressou a Macau para viver e procurar tratamento médico. A recorrente também apresentou informações sobre os imóveis adquiridos para fins residenciais em Macau nos últimos anos. No entanto, é de notar que o número de dias de estadia em Macau nos últimos anos pode refletir que o seu descendente não utilizou a fracção acima referida como local de residência habitual em Macau.
12) Cita também o ponto de vista do Acórdão do TUI, no proc. n.º 182/2020 que: “Porém, apresenta-se imprescindível que a qualidade – ou estatuto – de “residente habitual”, implica, necessariamente, uma “situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também a natureza de um “elemento de conexão”, expressando uma “íntima e efectiva ligação a um local” (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência. Daí que, muitas vezes – e em nossa opinião, adequadamente – se mostre de exigir não só uma “presença física” como a (mera) “permanência” num determinado território, (a que se chama o “corpus”), mas que seja esta acompanhada de uma (verdadeira) “intenção de se tornar residente” deste mesmo território, (“animus”), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do seu quotidiano pessoal, familiar, social e económico, e que indiquem, uma “efectiva participação e partilha” da sua vida social, …”;
13) Com base nos factos e na análise acima referidos, é evidente que o seu descendente não possuiu o “corpus” de residência habitual em Macau durante o período em que a autorização de residência temporária foi renovada. Além disso, um certo número de factores como os assuntos pessoais, familiares, sociais e quotidianos não reflectem a sua intenção de se tornar residente de Macau (“animus”). Por conseguinte, é difícil demonstrar que a situação de descendente constitui uma ausência temporária na acepção da Lei n.º 8/1999;
14) Verifica-se que a Autoridade Administrativa cumprira o dever de investigar e, com base nos documentos de informação constantes do processo, tiveram em conta todos os factores referidos no n.º 4 do artigo 4. da Lei n.º 8/1999, antes de concluírem que a parte interessada não residiu habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária.
15) Quanto à questão levantada pelo advogado neste recurso hierárquico necessário de que se presume por lei que a parte interessada tem residência habitual em Macau em virtude de possuir um bilhete de identidade de residente de Macau, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 30.º do Código Civil. Nos termos do artigo 343.º do Código Civil, “As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário” e o número de dias de permanência em Macau, tal como identificado através dos registos de entrada e saída fornecidos pela PSP, é suficiente para ilidir a presunção;
16) Assim, não houve violação do dever de investigar por parte da Administração e o acto recorrido não está viciado de erro nos pressupostos de facto que conduziu a um acto administrativo ilegal.
17) Relativamente ao pedido de reafirmação da avaliação, é de referir que a intenção legislativa do n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021 é facilitar a circulação de pessoas na região, em consonância com o plano de desenvolvimento do Governo da RAEM em Hengqin e a política de cooperação aprofundada entre as cidades da Área da Grande Baía, de modo a que as pessoas que se mudaram para viver no estrangeiro, especialmente as que vivem em Hengqin ou Zhuhai, mas que vêm a Macau todos os dias para trabalhar, estudar ou exercer actividades financeiras, possam continuar a ser consideradas como residentes habituais em Macau, embora não seja esse o caso do seu descendente da recorrente.
18) De acordo com os registos de entrada e saída constantes do processo, é evidente que o descendente menor da recorrente não entrou e saiu de Macau com regularidade e de forma pouco frequente e, além disso, de acordo com os documentos constantes do processo, o conteúdo do recurso hierárquico necessário e a reavaliação, é evidente que o descendente da recorrente não frequentou a escola em Macau, o que não cumpre os pressupostos previstos no n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021;
19) Por conseguinte, a parte interessada, (A), não é considerada residente habitual em Macau, de acordo com as disposições legais acima referidas.
20) No que diz respeito ao ponto de vista de que a Autoridade Administrativa foi indevidamente considerada e violou a 《Convenção sobre os Direitos da Criança》, deve ser reiterado que a recorrente solicitou uma autorização de residência temporária com base num investimento em bens imóveis, nos termos do n.º 4 do artigo 1.º e do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a favor do seu descendente por extensão nos termos do artigo 5.º do mesmo regulamento administrativo, ou seja, o seu descendente é uma parte interessada para efeitos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e está, por conseguinte, sujeito aos requisitos de residência habitual;
21) Além disso, nos termos do n.º 1 do artigo 1733.º e do n.º 1 do artigo 1736.º do Código Civil, a recorrente, na qualidade de representante legal da parte interessada menor, deve prestar a assistência e tomar as providências necessárias para o cumprimento dos requisitos de residência habitual em Macau do descendente menor da recorrente, para efeitos de validação da residência do descendente menor em Macau. Por outras palavras, a escolha de organizar a vida e o trabalho do descendente em Macau ou noutro local depende da vontade da recorrente, pelo que a consideração da Administração não é inadequada e não viola a «Convenção sobre os Direitos da Criança».
22) Em conclusão, a Administração teve em conta o reduzido número de dias que uma parte interessada pode permanecer em Macau durante o período da autorização de residência temporária. Tendo em conta todas as circunstâncias referidas no n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, concluiu-se que a parte interessada não residia habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária. Por conseguinte, a decisão do Presidente do Conselho de Administração do IPIM, de 10 de Novembro de 2020, de indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária da parte interessada (A), nos termos do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que é aplicável subsidiariamente por força do disposto no n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 e o n.º 2 do artigo 22.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, não foi ilegal ou indevida nem revelou qualquer violação de disposições e princípios jurídicos.
9. Pelo exposto, depois de examinar os registos de entrada e saída e os dados do processo da parte interessada e de os reavaliar, não se verifica que a parte interessada (A) tenha vindo frequente e regularmente a Macau para estudar durante o período da autorização de residência temporária, o que não cumpre os requisitos do n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021. Além disso, depois de analisar o caso, e considerando conjuntamente as disposições dos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, não se reflecte que a parte interessada tenha Macau como local de residência habitual para concluir que não é residente habitual em Macau. Assim, a decisão de não deferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária do interessado é legal e adequada, pelo que se propõe ao Exmo. Secretário para a Economia e Finanças, que indefira o recurso hierárquico necessário e mantenha a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Administração do IPIM em 10 de Novembro de 2020.».
b) Do Direito
É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
(B), melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o recurso hierárquico interposto do acto do Presidente do Conselho de Administração do IPIM de indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM) do seu filho (A), pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i.)
Como dissemos, está em causa nos presentes autos de recurso contencioso o indeferimento do pedido formulado pela Recorrente de renovação da autorização de residência temporária na RAEM do seu filho (A).
Baseou-se o referido indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência na aplicação subsidiária da norma do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, em vigor à data da prática do acto que foi objecto de recurso hierárquico, em virtude de Administração ter considerado que o filho da Recorrente não tinha residência habitual na RAEM.
(ii.)
Começa a Recorrente por alegar que a administração errou ao considerar que o seu filho não tinha residência habitual em Macau e que, por via disso, o acto recorrido sofreria do vício de violação de lei.
Sem razão, parece-nos.
(ii.1.)
Como temos vindo a dizer, em situações semelhantes, antes da entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, os nossos Tribunais tenderam a construir o conceito de residência habitual (o qual, sempre se diga, sendo um conceito jurídico indeterminado, não confere, segundo o entendimento pacífico da nossa jurisprudência, margem de livre apreciação à Administração), a partir da norma do artigo 30.º do Código Civil, fazendo-o coincidir com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o seu centro de interesses vitais, o centro efectivo da sua vida, constituindo, portanto, o local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais. Deste modo, sempre se afastou do conceito o local que serve de mera passagem, ou aquele no qual uma pessoa está por curtos e intermitentes períodos de tempo (veja-se, por exemplo, neste sentido, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 182/2020).
Todavia, através da norma do n.º 5 do artigo 46.º da Lei n.º 16/2021, o legislador veio esclarecer que, o conceito de residência habitual relevante enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, não exige, contrariamente ao que vinha sendo decidido, que Macau constitua o local onde se encontra radicado o centro de interesses, o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, que aqui nem sequer precisa de ter a sua habitação. Na verdade, resulta expressamente daquela norma que «não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial», pelo que, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades.
Como se vê, a lei procedeu a uma definição de residente habitual para efeitos de manutenção e de renovação da autorização de residência que é bem mais ampla do que aquela que vinha sendo decantada pelos Tribunais: à luz da lei é também residente habitual quem em Macau exerce uma actividade académica, profissional ou empresarial e que, por causa do exercício dessa actividade, aqui se desloca regular e frequentemente.
Este último requisito necessário ao preenchimento do conceito legal de residente habitual é caracterizado pela respectiva imprecisão e indeterminação, embora não nos pareça que, através da respectiva utilização, o legislador tenha pretendido conferir discricionariedade à Administração. Com efeito, julgamos não se poder dizer que o tipo de valoração que o conceito suscita faça apelo à experiência e a apreciações que são próprias da Administração, nem a um saber específico da Administração, nem a uma especial preparação técnico-científica do órgão administrativo ou a uma legitimação especial da autoridade responsável pela decisão, nem, finalmente, a um juízo de prognose ou de avaliação prospectiva associado à descrição do núcleo típico de competências de determinada autoridade administrativa (sobre este ponto, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, volume I, Coimbra, 2020, pp. 257-258). Significa isto, pois, que na densificação casuística do conceito não caberá à Administração a última palavra, podendo os tribunais, em sede contenciosa, sindicar com plenitude o modo como a Administração actuou.
(ii.2.)
A partir da análise dos elementos de facto que a leitura dos autos permite colher, parece-nos legítimo concluir, como a Administração também concluiu, que o filho da Recorrente, no período relevante, não teve residência habitual em Macau.
Com efeito, resulta daqueles elementos que, entre 2017 e 31 de Julho de 2020, o mesmo permaneceu em Macau num total de 11 dias, em virtude, precisamente de, sendo menor, os membros da sua família, nomeadamente a Recorrente, sua mãe, residir, ela própria, fora de Macau, mais concretamente em Zhuhai. A partir desta factualidade, facilmente podemos dizer que durante aquele tempo o filho da Recorrente não fez de Macau o centro permanente dos seus interesses mais relevantes, uma vez que é evidentemente incompatível com uma conclusão nesse sentido, o facto de o mesmo aqui ter permanecido por tão pouco tempo e, pelo contrário, viver com a sua família, em Zhuhai.
Além disso, também se não demonstra que o filho da Recorrente se deslocasse a Macau com regularidade e frequência, e, portanto, não se mostra preenchido um dos requisitos do conceito legal de residência habitual plasmado no n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021.
(iii.)
O segundo fundamento do recurso consiste numa alegada violação, por parte da administração, do dever de averiguação e do princípio da colaboração.
Sem razão, segundo cremos.
Na verdade, a Administração, no exercício da discricionariedade procedimental que a lei lhe confere, em especial no artigo 59.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) procedeu à instrução nos termos que se lhe afiguraram convenientes, tendo em vista a recolha dos elementos de facto necessários à prolação da decisão sobre o pedido formulado. Não nos parece que, nessa actuação discricionária a Administração tenha actuado de forma desrazoável ou manifestamente errónea, nem se vislumbra, estamos em crer, a existência de qualquer défice instrutório resultante da violação do princípio do inquisitório plasmado no artigo 86.º do CPA, que se não vislumbra, susceptível de se repercutir na legalidade do acto. De resto, a Recorrente não deixou de ter a oportunidade de carrear para o procedimento, os factos e os meios de prova tendentes à sua demonstração, especialmente que o seu filho continuou a residir habitualmente em Macau e a verdade é que não o fez.
É certo que, como a Recorrente alega, o seu filho beneficiava de uma presunção legal de que residia habitualmente em Macau, em virtude de ser titular de bilhete de identidade de residente de Macau (artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 8/1999), mas, segundo pensamos, essa presunção foi afastada pela Administração, de nada valendo, nesta altura, a sua invocação.
(iv.)
A Recorrente alegou igualmente que o acto recorrido enferma de erro nos pressupostos de facto.
Em nosso modesto entendimento, também este alegado vício não fere o acto impugnado.
O erro nos pressupostos de facto constitui, como todos sabemos, uma das causas de invalidade do acto administrativo. De acordo com uma formulação corrente, verifica-se o dito erro quando ocorre uma divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para proferir a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, resultando essa divergência da circunstância de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou factos desconformes com a realidade, implicando, dessa forma, que os fundamentos de facto da motivação do acto em causa não existiam ou não tinham dimensão que foi por ele suposta.
Como resulta do que antes dissemos, parece-nos evidente, sem carecer de mais aprofundada demonstração, que o acto não sofre do apontado erro. Os factos em que o mesmo se fundou são, indubitavelmente, verdadeiros. A controvérsia existente prende-se com a respectiva subsunção às normas aplicadas pela Administração.
(v.)
A Recorrente alegou ainda, para fundamentar a sua pretensão impugnatória, a violação dos princípios da justiça, da igualdade e da boa fé.
Em nosso modesto entender, essa violação não ocorre. Pelo seguinte.
Quanto ao princípio da justiça, consagrado no artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), diremos apenas que, de acordo com a doutrina mais autorizada e que nos parece de acompanhar, ele constitui «uma última ratio da subordinação da Administração ao Direito, permitindo invalidar aqueles actos que, não cabendo em nenhuma das condicionantes jurídicas expressas da actividade administrativa constituem, no entanto, uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, sobretudo aos plasmados em normas respeitantes à integridade e dignidade das pessoas, à boa-fé e confiança no Direito» (assim, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA – PEDRO COSTA GONÇALVES – J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, Coimbra, 1998, p. 106).
Ora, como parece claro, mostra-se impertinente, no concreto contexto suscitado pela apreciação da legalidade do acto recorrido, a convocação do referido princípio, já que se não vislumbra que a actuação administrativa aqui sindicada, que se limitou a exercer uma competência legalmente prevista, se mostre lesiva de quaisquer valores elementares no nosso sistema jurídico.
Quanto ao princípio da igualdade, plasmado no artigo 5.º, n.º 1 do CPA, o que ele impõe é que a Administração trate igualmente situações iguais e diferentemente situações diferentes e que não discrime negativamente, nomeadamente, não privilegie, beneficie, prejudique ou prive alguém de qualquer direito em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
Ora, como é manifesto, face ao teor da douta petição inicial, o Recorrente não substanciou minimente, com a necessária alegação dos factos correspondentes, no que consistiu a violação do princípio da igualdade que alega, pelo que esta não pode, segundo pensamos, deixar de improceder.
Quanto à violação do princípio da boa fé, na dimensão da protecção da confiança, que encontra a sua sede legal no artigo 8.º do CPA, estamos também convictos de que não ocorre. Como se sabe, a operatividade desse princípio depende de diversos pressupostos, a saber: a conduta de um sujeito criadora de confiança, sem violação de deveres de cuidado que ao caso caibam; uma situação, justificada objectivamente, de confiança baseada em elementos do caso que lhe atribuam razoabilidade; um investimento de confiança consistente no sujeito confiante ter assentado actividades jurídicas claras sobre as expectativas criadas, um nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro e a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou (na jurisprudência comparada, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, processo n.º 753/11, disponível para consulta em linha e na doutrina, MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª edição, Lisboa, 2008, pp. 222-223 e ainda, em termos não inteiramente coincidentes, PEDRO MONIZ LOPES, Princípio da Boa fé e Decisão Administrativa, Coimbra, 2011, pp. 279-286).
Ora, no caso, parece-nos que se não verificam os enunciados pressupostos. Com efeito, a Recorrente não alegou qualquer conduta da Administração, no momento da autorização de residência ou das respectivas renovações, que tivessem sido ou sequer pudessem ter sido criadoras de expectativas quanto à irrelevância do local da residência habitual do Recorrente para a manutenção e para a renovação da autorização de residência. No limite, teria havido uma conduta omissiva da Administração, a qual, em todo o caso, sempre seria de reputar como legalmente indevida e, portanto, insuficiente para fundar uma confiança legítima. Do mesmo modo, não foi alegado nem está demonstrado qualquer investimento de confiança por parte do Recorrente. Pelo contrário, aliás. Como vimos, aquele investimento traduz-se no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade com base no facto da Administração alegadamente gerador da confiança, de tal modo que que a destruição dessa actividade pela actuação contraditória com essa confiança se traduziria numa injustiça clara. Ora, no caso em apreço, é a própria Recorrente que, no recurso, alega que o seu filho menor residia fora de Macau por razões outras que não a de ter confiado em que o podia fazer em virtude de qualquer indicação da Administração nesse sentido, é dizer, em virtude de qualquer investimento de confiança. Em boa verdade, o filho da Recorrente não residia habitualmente no Interior da China, como efectivamente residia, por causa de qualquer comportamento omissivo da Administração, mas, antes, em virtude de outras razões relativas à sua situação pessoal e familiar e bem assim à situação dos seus pais. Não pode, pois, vislumbrar-se um nexo de causalidade entre qualquer confiança criada pela Administração e a falta de residência habitual do filho da Recorrente.
(vi.)
Finalmente, a Recorrente invoca aquilo que designa como «inexistência de obrigação exigível» e «conflito de dever».
Cremos que, também neste ponto, a sua pretensão anulatória carece de fundamento.
É certo que o seu filho é menor e, como tal, tinha de viver com a Recorrente. Contudo, daqui nada resulta que invalide o acto recorrido, na medida em que isso em nada afecta os pressupostos acto. Só os confirma, aliás. O filho da Recorrente, em virtude da respectiva menoridade, residia habitualmente com esta em Zhuhai, fora de Macau, portanto.
Também não vemos qualquer razão legalmente fundada para aceitar a existência de qualquer violação de normas consagradas na Convenção sobre os Direitos da Criança. Ao contrário daquilo que é alegado, a Administração não exigiu nem exige que a Recorrente e o seu filho menor vivam separados. Antes, se limitou, como dissemos, a extrair a consequência legalmente prevista para o facto objectivo e incontornável de o filho da Recorrente, juntamente com esta, não residir habitualmente em Macau.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
Apenas acrescentamos que relativamente aos factos invocados nos artigos 33 a 36 da primeira petição inicial os mesmos são detalhadamente objecto de análise na Proposta que fundamenta o acto recorrido dali resultando sem margem para dúvidas que as situações de doença do Requerente e dos progenitores de sua mãe, dada a escassez de dias e a periodicidade das consultas, não foram de modo algum impeditivas do Requerente viver em Macau.
Como resulta das próprias conclusões de recurso, nomeadamente 21 e 54, e em geral das alegações de recurso e já referido no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, a razão determinante do Requerente menor não reunir as condições para ser renovada a autorização de residência, resultam única e exclusivamente do facto do agregado familiar aqui não ter a residência nem o menor aqui exercer qualquer actividade nomeadamente de estudo, o que seria perfeitamente exequível uma vez que, ao que parece residiram em Zhuhai.
O Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público vem de acordo com aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal em situações idênticas.
Destarte, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 18 de Janeiro de 2024
Rui Pereira Ribeiro
(Juiz Relator)
Fong Man Chong
(1º Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2º Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador Adjunto)
895/2022 REC CONT 66