Processo nº 711/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 18 de Janeiro de 2024
ASSUNTO:
- Subempreitada
- Assumpção de dívida da subempreiteira
SUMÁRIO:
- Não se provando que em momento algum houve uma assumpção solidária pela 2ª Ré das dívidas da 1ª Ré, nada mais resultando do documento indicado que não seja uma cessão de crédito relativamente a parte da dívida e o assumir o pagamento de dívidas da 1ª Ré em função do pedido desta e dentro do valor que lhe teria de pagar, não é a segunda responsável pelo pagamento das dívidas da primeira contraídas na execução do contrato de subempreitada.
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 711/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 18 de Janeiro de 2024
Recorrente: Companhia (A)
Recorrida: (B) Lda.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
Companhia (A), com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinária contra,
(C) Lda. e,
(B) Lda.,
ambos, também, com os demais sinais dos autos.
Pedindo a Autora que sejam as Rés condenadas a pagar-lhe solidariamente a quantia global de MOP3.259.317,80, acrescida de juros com acréscimo de 2% sobre a taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento.
Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e decidido que:
1. Absolver a segunda ré, (B) Lda., do pedido;
2. Condenar a primeira ré, (C) Lda., a pagar à autora, (A)公司, as seguintes quantias:
a) - MOP260.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados desde o dia 9 de Setembro de 2017, inclusive, até à entrada em juízo da petição inicial (09/10/2018);
b) – Juros de mora sobre a quantia que resulta do cálculo feito nos termos da alínea anterior, à referida taxa, contados desde a citação da primeira ré até integral pagamento.
c) - MOP448.172,48, acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados desde a citação da primeira ré até integral pagamento;
d) – MOP1.619.000,76, acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados desde o dia 9 de Outubro de 2016, inclusive, até à entrada em juízo da petição inicial (09/10/2018);
e) - Juros de mora sobre a quantia que resulta do cálculo feito nos termos da alínea anterior, à referida taxa, contados desde a citação da primeira ré até integral pagamento.
3. Condenar a autora e a primeira ré nas custas do processo na proporção do respectivo decaimento.
Não se conformando com a sentença veio a Autora e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
A. Os factos constantes nos artigos o, w, e x da parte de facto do acórdão recorrido, devem ser reformados.
B. Devido a 1.ª Ré não tinha efectuada o pagamento às suas subempreitadas (incluindo a Autora), fazendo com que suspendessem os trabalhos; para a resolução, bem como a garantia do andamento de obra, (D), representante da 2.ª Ré, que através da reunião realizada no estaleiro, tinha apresentado que o pagamento do preço de obra das subempreitadas seja garantido por 2.ª Ré. Logo, as subempreitadas manifestaram as suas vontades em retomar os trabalhos de obra.
C. Na reunião, tinha apresentado que o dito pagamento exigia apenas as subempreitadas (incluindo a Autora) em “apresentar factura” (isto é, requerimento do pagamento) a (C), sem outras exigências ou conteúdos adicionais.
D. Se o pagamento fosse como o indicado por 2.ª Ré, onde exigia a 1.ª Ré em apresentar à 2.ª Ré as facturas, e que não poderiam ultrapassar o limite do montante pago por 2.ª Ré à 1.ª Ré, isto é equivalente que seja novamente dependente nos trabalhos da 1.ª Ré, e só depois desta ter feita e colaborada nos trabalhos é que poderia receber o montante; perante essa situação, olhamos na posição das subempreitadas da altura, que já foram demorado bastante tempo no pagamento delas, assim, para elas melhor sejam em continuar a suspender o trabalho do que continuar a trabalhar. Se por acaso as subempreitadas após a apresentação dos requerimentos dos montantes à 1.ª Ré e esta não entregasse à 2.ª Ré, as subempreitadas não conseguiriam receber nenhum do montante na mesma.
E. Quanto ao entendimento do facto das “condições adicionais” de pagamento é notoriamente que tinha violado o contexto e a vontade das subempreitadas (incluindo Autora) em que os pagamentos estejam garantidos, assim, é que continuavam a obra.
F. A Autora, na qualidade de empresária, se a 2.ª Ré não tinha garantida o pagamento puro, a Autora optava a não continuação do fornecimento das encomendas, a fim de acabar o seu prejuízo, e não optando por continuar o fornecimento das encomendas, fazendo com que aumentasse o seu prejuízo.
G. Contudo, o entendimento dos factos dos artigos o, w e x do acórdão recorrido, violaram às regras de experiência comum, bem como o contexto especial do presente caso, estes vícios são notórios aliás podem ser provados através dos conteúdos das gravações de audiência de julgamento, constantes dos autos.
H. Assim, nos termos do artigo 629.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, pode o Tribunal ad quem, modificar parcialmente os factos constantes do acórdão recorrido, pois, devendo modificar os factos correspondentes dos artigos o, w e x para o seguinte:
- Facto do artigo o: “Nos meados de 2016, relativamente a encomenda de fornecimento de pedras feita por 1.ª Ré, tendo a 2.ª Ré concordada em efectuar à Autora o pagamento das despesas dos materiais fornecidas e por fornecer à 1.ª Ré.”; os factos dos artigos w e x: “Para o efeito de garantia do andamento da obra, a 2.ª Ré manifestava a vontade de efectuar à Autora o pagamento do montante.”
I. Assim, baseando a decisão do acórdão recorrido, onde a 1.ª Ré foi condenada em efectuar à Autora o pagamento integral do montante (no total de 2.327.173, 24 patacas), deve ser pago por 2.ª Ré à Autora, acrescentado os juros calculados por taxa legal, mais uma sobretaxa de 2 % de juro comercial, a título de juro moratório, contado a partir da data de citação até ao pagamento integral.
J. Mesmo que o Juízo entendesse que deva manter a decisão dos factos dos artigos o, w e x do acórdão recorrido, mas conforme os elementos constantes dos autos e o princípio de economia processual, deva também modificar a condenação para que a 2.ª Ré efectuasse à Autora o pagamento do montante da obra
K. No procedimento decorrido na primeira instância, a Autora tinha apresentada tempestivamente ao Juízo a quo a “Réplica”, donde foi anexada uma escritura de pública-forma (adiante denominada por: documento de liquidação)
L. O aludido documento constava que, em 04 de Agosto de 2016, tendo (D), membro e representante de conselho administração da 2.ª Ré, assinado à Autora uma confirmação do pagamento do montante, onde visava um plano de tratamento do montante de 2.83 milhões patacas, sendo pago por 2 prestações, donde a 2.ª Ré prometia em arranjar o pagamento de 1.4 milhão, antes de 26 de Agosto de 2016, enquanto o remanescente, cerca de 1.4 milhão, que após a confirmação feita por 1.ª Ré, em 25 de Agosto, a 2.ª Ré, logo, pagaria antes de 02 de Setembro.
M. Assim, baseando meramente no aludido documento, era suficientemente para conhecer que as 1.ª, 2.ª Rés e a Autora, tiveram já apresentadas o requerimento de pagamento, em relação ao montante de obra da Autora, contando até aos 04 de Agosto de 2016, bem como entraram em acordos sobre a data do pagamento do montante da obra, liquidado até aos 04 de Agosto de 2016.
N. O facto do artigo u do acórdão recorrido (correspondente ao quesito 14.º da selecção de matéria dos factos), isto é, até aos 08 de Outubro de 2016, tendo a Autora já recebida o montante, a convicção do Juízo a quo foi constituída com base dos conteúdos de fls. 48 a 55 dos autos e depoimento da 1.ª testemunha.
O. Nos documentos de fls. 48 a 55 dos autos, designadamente a fls. 53, consta lavrado, que o montante recebido pela Autora, depois de 04 de Agosto de 2016, era inferior a 1.4 milhão (concretamente os três montantes, recebidos em 18 de Agosto de 2016, perfazendo no total de 400.000 patacas), esses montantes foram todos pagos por 2.ª Ré.
P. Conjugando o documento de liquidação e os elementos constante de fls. 53 dos autos, mais a análise complexa feita, podemos saber que teve um acordo de liquidação, em 04 de Agosto de 2016, a 2.ª Ré tinha admitida e cumprida parcialmente à Autora, aliás tendo a 1.ª Ré apresentada à 2.ª Ré o requerimento do pagamento e/ou a 2.ª Ré tinha conhecimento e admitia o conteúdo de fornecimento de encomendas e o requerimento de pagamento da Autora.
Q. Até ao presente, mediante o documento de liquidação, a 2.ª Ré deve ainda 2.4 milhões patacas por pagar.
R. Conforme os elementos dos autos e o princípio de economia processual, deve também modificar a condenação, por motivo da prova apresentada por Autora, onde provando que a 1.ª Ré já tinha apresentada à 2.ª Ré o requerimento do pagamento do montante da obra, pertencente da Autora. Pelo que a 2.ª Ré tem obrigação de efectuar à Autora o pagamento do montante, este montante é correspondente ao montante condenado à 1.ª Ré a efectuar o pagamento à Autora, no valor total de 2.327.173,24 patacas, acrescentado os juros calculados por taxa legal, mais uma sobretaxa de 2 %, a título de juro moratório, contado a partir da data de citação até ao pagamento integral.
S. Caso não entendesse assim, então deve ser interpretado que o arranjo visado ao montante de obra, de 1.4 milhão, pago em antes de 26 de Agosto de 2016, descontando os 400 mil patacas pagos, a 2.ª Ré tenha que pagar ainda à Autora 1 milhão patacas, acrescentado os juros calculados por taxa legal, mais uma sobretaxa de 2 % de juro comercial, a título de juro moratório, contado a partir da data de citação até ao pagamento integral.
Nesta conformidade, devido a presente alegações do recurso ter apresentada tempestivamente, nos termos do artigo 613.º, n.ºs 2 e 6 do Código de Processo Civil, pelo que deve ser admitido o presente articulado, continuando os ulteriores procedimentos, mais, requer-se que decida o seguinte:
I. Deferimento de nova avaliação dos elementos de gravação de audiência de julgamento, donde inclui o conteúdo alegado no artigo 7.º do presente articulado e nos termos dos artigos 599.º e 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, modificando os factos correspondentes dos artigos o, w e x do acórdão recorrido para o seguinte:
- Facto do artigo o: “Nos meados de 2016, relativamente a encomenda de fornecimento de pedras feita por 1.ª Ré, tendo a 2.ª Ré concordada em efectuar à Autora o pagamento das despesas dos materiais fornecidas e por fornecer à 1.ª Ré.”; os factos dos artigos w e x: “Para o efeito de garantia do andamento da obra, a 2.ª Ré manifestava a vontade de efectuar à Autora o pagamento do montante.”
II. Devido a modificação do facto, assim, deve condenar-se a 2.ª Ré a efectuar à Autora o pagamento do montante da obra, no valor de 2.327.173,24 patacas, acrescentado os juros calculados por taxa legal, mais uma sobretaxa de 2 %, a título de juro moratório, contado a partir da data de citação até ao pagamento integral; Caso não entendesse assim, então,
III. Conforme os elementos dos autos e o princípio de economia processual, deve modificar também a condenação para a 2.ª Ré a efectuar à Autora o pagamento do montante da obra, no valor de 2.327.173,24 patacas, acrescentado os juros calculados por taxa legal, mais uma sobretaxa de 2 %, a título de juro moratório, contado a partir da data de citação até ao pagamento integral; Caso não entendesse assim, então
IV. Modificando a condenação para a 2.ª Ré a efectuar à Autora o pagamento de 1 milhão patacas, acrescentado os juros calculados por taxa legal, mais uma sobretaxa de 2 %, a título de juro moratório, contado a partir da data de citação até ao pagamento integral.
Contra-alegando veio a Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
A. A Recorrente considera que o Tribunal a quo apenas adoptou o depoimento da testemunha da Recorrida, mas que o depoimento da testemunha da Recorrente era suficiente para o Tribunal fazer alteração dos “factos provados dos factos O, W e X do acórdão” (alínea A a I da parte conclusiva da petição de recurso).
B. Em primeiro lugar, deve sublinhar-se que o Tribunal a quo adoptou o “depoimento de testemunhas” e a “prova documental” da Recorrida como dois meios de prova para dar como provados os factos O, W e X, tal como confirmados no acórdão, e não tal como declarados pela Recorrente (fls. 10 do julgamento da matéria de facto).
C. Na prática, os juízes têm livre apreciação dos dois tipos de provas acima referidos (ver disposições do artigo 558.º do Código de Processo Civil).
D. De acordo com os acórdãos do TSI de Macau, proc. n.ºs 367/2014 e 899/2016, sabe-se que o Juiz do Tribunal a quo está em melhor posição do que o Juiz do Tribunal de Recurso para avaliar as provas para efeitos de apuramento dos factos. Mesmo que a livre convicção do Tribunal de Recurso seja diferente da do Tribunal a quo, não pode alterar os factos apurados pelo Tribunal a quo e, por isso, a avaliação das provas e a livre convicção do Tribunal a quo não devem ser duvidadas.
E. Como se pode ver nos acórdãos do TSI de Macau, proc. n.º 332/2015, n.º 676/2015, n.º 928/2018, n.º 676/2020, e no acórdão do TUI de Macau, proc. n.º 79/2021, é claro que o Tribunal de Recurso não deve intervir neste caso em que o tribunal de julgamento formou a prova do coração através do depoimento das testemunhas da Recorrida. Se o depoimento de algumas das testemunhas contradisser o de outras testemunhas, o juiz é livre de avaliar se deve ou não acreditar, e acreditar no depoimento dessas testemunhas e fazer uma avaliação com base na prova livre do coração, uma vez que não há provas completas envolvidas e todos os métodos de prova têm o mesmo valor.
F. De acordo com o acórdão do TSI de Macau, proc. n.ºs 367/2014, sabe-se que não houve qualquer impropriedade na decisão do Tribunal a quo de reconhecer os factos O, W e X dos factos provados do acórdão sem dar crédito ao depoimento das testemunhas da Recorrente.
G. Além disso, o Tribunal a quo adoptou a “prova documental” da Recorrida (fls. 559 e 560 dos autos) como fotocópia dos documentos, reconhecendo assim os factos O, W e X, que foram confirmados pelo acórdão (“julgamento da matéria de facto”, de fls. 10).
H. De acordo com o acórdão do TSI de Macau, proc. n.º 676/2020 e com o acórdão do TUI de Macau, proc. n.º 79/2021, sabe-se que o Tribunal a quo neste caso seguiu as suas próprias ideias ao avaliar a maior ou menor importância ou valor do testemunho da Recorrida, ou ao escolher dar-lhe ou não crédito.
I. De facto, a Recorrente não deve poder negar a livre convicção do Tribunal a quo e forçar o Tribunal a adoptar os depoimentos das testemunhas da Recorrente e a identificar os elementos de facto especificados simplesmente porque a sua “própria avaliação da prova” é diferente da “avaliação da prova pelo Tribunal a quo”.
J. Por todas estas razões, a avaliação das provas e a livre convicção do acórdão recorrido não devem ser duvidadas e, por conseguinte, os reconhecimentos de facto do acórdão recorrido devem ser mantidos, e é considerado improcedente o recurso da decisão de “modificação dos reconhecimentos de facto sobre os factos O, W e X, que foram dados como provados pelo acórdão”.
K. De acordo com o acórdão do TSI de Macau, proc. n.º 367/2014, indica-se que “Só se o Tribunal de Primeira Instância tiver cometido um erro claro ao examinar as provas com o objectivo de chegar a uma conclusão de facto é que o Tribunal de Recurso pode ilidir as decisões factuais feitas pelo Tribunal a quo e, em seu lugar, reavaliar as mesmas provas por si próprio com o objectivo de corrigir as questões factuais.”
L. No entanto, o Tribunal a quo neste caso não cometeu qualquer erro manifesto ao examinar as provas para efeitos de reconhecimento dos factos.
M. Durante o julgamento deste caso, a testemunha da Recorrente, (E), quando inicialmente inquirida pelo Tribunal a quo, negou expressamente ao Tribunal que tivesse qualquer relação com a Recorrida e a 1.ª Ré, mas, de facto, a testemunha já tinha instaurado um processo civil contra a Recorrida e a 1.ª Ré relativamente às “causas de pedir semelhantes ou mesmo idênticas à presente queixa” e tinha exigido o pagamento à Recorrida e à 1.ª Ré.
N. Posteriormente, a mandatária judicial da Recorrida chamou a atenção para a declaração falsa feita pela testemunha (E) e questionou a sua qualificação como testemunha e a credibilidade do seu depoimento. Só depois de repetidas perguntas do Tribunal é que a testemunha (E) admitiu que estava envolvida nos litígios civis com a Recorrida e a 1.ª Ré.
O. Segue-se as gravações de julgamento em relação à inquirição do julgamento à testemunha (E) e às dúvidas deduzidas pela mandatária judicial da Recorrida:
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P. Após o incidente acima referido, o Tribunal a quo decidiu ouvir o depoimento da testemunha (E) antes de analisar e decidir se “o depoimento da testemunha (E)” era admissível ou não.
Q. O Tribunal a quo ouviu a testemunha da Recorrente, (F), que admitiu ao Tribunal ter intentado uma acção civil contra a Recorrida e a 1.ª Ré relativamente a “causas de pedir semelhantes ou mesmo idênticas na petição inicial da presente acção e exigiu o pagamento à Recorrida e à 1.ª Ré quando foi interrogada pelo Tribunal a quo.
R. A testemunha (F) admitiu que as gravações do julgamento do processo civil contra a Recorrida e a 1.ª Ré eram as seguintes
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S. Simultaneamente, as testemunhas da Recorrente, o Sr. (E) e a Sra. (F), declararam ambos durante o julgamento que estiveram presentes na mesma reunião. No entanto, quando repetiram ao Tribunal “o que a Recorrida disse na reunião”, cada um deles fez um relato diferente, com a testemunha (E) a responder que “adiantaria o pagamento até ao final” e a testemunha (F) a responder que “mas não disseram que tinham pago a totalidade do montante nessa altura”.
T. A testemunha (E) disse que estava presente na reunião, e a gravação de audiência da Recorrida disse que ia “adiantar o pagamento até ao final” na reunião é apresentada abaixo:
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U. A testemunha (F) expressou que tinha presente em reuniões e indicou que a Recorrida “ele, naquela altura, não disse que ia pagar tudo”, a respectiva gravação de audiência é seguinte:
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V. De acordo com o senso comum, as testemunhas da Recorrente, (E) e (F), estavam ambas presentes na mesma reunião e que o que ouviram nessa reunião deveria ter sido o mesmo que o “discurso da Recorrida”, mas deram versões diferentes do “discurso da Recorrida”, lançando assim dúvidas sobre a credibilidade do seu testemunho.
W. Em última análise, o Tribunal a quo deixou claro em fls. 9 do julgamento da matéria de facto, considerou, em particular, a clareza, a coerência, a exactidão, o pormenor ou a ambiguidade dos depoimentos das duas testemunhas, (E) e (F), que eram as duas testemunhas da Recorrente, que tinham intentado uma acção contra a Recorrida, quer directamente, quer através dos seus negócios, relativamente ao conteúdo de factos semelhantes aos da presente petição inicial, à forma como as duas testemunhas tinham prestado os depoimentos relevantes.
X. Independentemente das várias dúvidas apresentadas pela Recorrida às testemunhas da Recorrente, o Tribunal a quo insistiu em contactar directamente as testemunhas da Recorrente, (E) e (F), e interrogou e ouviu o depoimento destas duas testemunhas, e só depois de o Tribunal a quo ter tido em conta todos os vários factores é que decidiu não dar crédito aos depoimentos, demonstrando assim que não havia qualquer indício de que o Tribunal a quo tivesse cometido um erro manifesto no apuramento dos factos.
Y. De acordo com os acórdãos do TSI de Macau, proc. n.ºs 899/2016 e 629/2020, nem a prova testemunhal nem a prova documental são qualificadas pela lei como provas legais vinculativas, pelo que a Recorrente não podia impedir o Tribunal de admitir tais provas e, mesmo que a convicção do Tribunal a quo fosse diferente da da Recorrente, tal não violava o requisito da prova legal, nem significava que tinha sido cometido um erro na determinação de uma matéria de facto.
Z. É importante notar que, na ausência de uma inversão completa da ‘ “validade e força probatória” do “depoimento de testemunhas e provas documentais” da Recorrida’, a Recorrente não deve limitar o Tribunal à necessidade de se basear apenas no depoimento de testemunhas da Recorrente para alterar a determinação factual nos termos do artigo 629.º do Código de Processo Civil.
AA. Por todas estas razões, não existe qualquer erro manifesto nas conclusões de facto do acórdão recorrido, pelo que o acórdão recorrido deve ser mantido e o pedido do recurso de “alteração das conclusões de facto sobre os factos O, W e X, tal como confirmado no acórdão” deve ser considerado improcedente.
BB. Como demonstrado pelos factos O, W e X, que foram confirmados pelo acórdão neste processo, a Recorrente e a Recorrida concordaram que os seguintes eram “condições de pressupostos para o pagamento pela Recorrida à Recorrente”.
l) Pedido de pagamento das obras pela Recorrente à 1.ª Ré por fases;
2) Depois, a 1.ª Ré apresentou à Recorrida o pedido de adiantamento de pagamento;
3) A Recorrida examinou e confirmou que as referidas quantias se enquadravam no âmbito das “quantias contratuais a receber pela 1.ª Ré”.
CC. De acordo com o acórdão do TSI de Macau, proc. 12/2012 e nos termos do artigo 263.º do Código Civil de Macau, as condições de pagamento da referida Recorrida são condições suspensivas, ou seja, a Recorrida é quem assumiu a eventual dívida com as condições suspensivas.
DD. O Tribunal a quo analisou integralmente o conteúdo dos articulados das partes no acórdão e declarou clara e explicitamente que os fundamentos e pedidos apresentados pela Recorrente não são procedentes, porque a Recorrente não conseguiu provar os factos da sua alegação de dívida contra a Recorrida.
EE. Com efeito, os seguintes factos relativos ao cumprimento das condições de pagamento acima referidas não constam dos quesitos de factos já provados e assentes no Acórdão do presente processo:
(1.) A Recorrente já solicitou por fases à Recorrida o pagamento das obras;
(2.) A 1.ª Ré pediu à Recorrida o pagamento das quantias requeridas pela Recorrente neste processo;
(3.) O montante do contrato de obras entre a Recorrida e a 1.ª Ré;
(4.) O montante já pago pela Recorrido à 1.ª Ré pelos montantes da obra;
(5.) O montante total recebido por cada um dos subempreiteiros e fornecedores da 1.ª Ré (que não a Recorrente) da Recorrida;
(6.) Depois de os montantes do referido (3.) deduzir os montantes dos referidos itens (4.) e (5.), a Recorrida ainda devia à 1.ª Ré o montante específico do contrato de obras;
(7.) A Recorrida reconheceu que “o pagamento dos montantes solicitado pela 1.ª Ré que eram requeridos pela Recorrente no presente processo”.
FF. O facto de as condições de pagamento terem sido preenchidas está directa e necessariamente relacionado com e são as condições de pressupostos para o pedido de “pagamento da Recorrida requerido pela Recorrente”. O facto de as condições de pagamento terem sido preenchidas é um “facto essencial” para determinar se o pedido de “pagamento da Recorrente requerido pela Recorrida” foi estabelecido.
GG. O acórdão do TSI de Macau, proc. n.º 976/2010 indica que um facto essencial é um facto que, na sua própria composição e substância concretas, cumpre os requisitos dos elementos da lei em que se baseia o pedido da parte.
HH. Resulta claramente das disposições do artigo 567.º do Código de Processo Civil que o tribunal apenas adopta os factos alegados pelas partes e que não é possível investigar ex officio os factos essenciais não a legados pela Recorrente, ou seja, apenas os factos essenciais alegados e provados pela Recorrente e relativamente aos quais as condições de pagamento foram preenchidas como acima descrito.
II. De acordo com os acórdãos do TSI de Macau, proc. n.ºs 363/2020 e 613/2010, e com o acórdão do TUI de Macau, proc. n.º 5/2008, que a Recorrente não pretendeu um facto essencial de que as condições de pagamento foram cumpridas e, por conseguinte, não existe uma base factual em matéria de factos provados na qual se possa basear uma questão de direito correspondente a concluir.
JJ. Ao mesmo tempo, a Recorrente, a Recorrida e o Tribunal não são obrigados a interpretar e aplicar a lei aos factos não reconhecidos (artigos 560.º e 562.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
KK. Uma vez que o conhecimento de facto não muda na ausência de um fundamento de facto essencial, não conseguiu considerar que ‘a Recorrente já satisfez “todas as condições de pagamento acordadas pela Recorrente e pelas duas Rés” ’ ou as conclusões relevantes, deve manter-se a decisão recorrida como não tendo sido errada e, por conseguinte, é julgado improcedente o pedido de recurso em que “converter a condenação da Recorrida a favor da Recorrente no montante de dinheiro e juros”.
LL. A Recorrente alega que as provas documentais que juntaram aos autos são suficientes para permitir ao Tribunal julgar que a Recorrida é obrigada a pagar directamente (pontos J a S da parte conclusiva da petição de recurso).
MM. De acordo com as jurisprudências como os acórdãos do TSI de Macau, proc. n.ºs 781/2010, 40/2010, 157/2021, n.º 92/2019, a Recorrente não pode apresentar documentos em vez de cumprir o seu dever legal de invocar factos, e muito menos deixar que seja o Tribunal a procurar no amontoado de documentos material útil para apoiar a pretensão do Recorrente.
NN. A Recorrente considera que anexou ao processo provas documentais que levam à conclusão de que “A Recorrida recebeu, teve conhecimento e aceitou o pedido de pagamento e reconheceu e cumpriu o pagamento à Recorrente”.
OO. De facto, neste processo, é necessário existir a verificação das condições do pagamento e o conteúdo do facto essencial que já foi provado, só podermos concluir que “A Recorrida recebeu, conheceu e aceitou o pedido de pagamento e reconheceu e cumpriu o pagamento à Recorrente”.
PP. Uma vez que as conclusões se baseiam em factos objectivos, se uma conclusão for inferida das provas anexadas pela Recorrente na ausência de factos objectivos, a Recorrente está fundamentalmente a negar “a existência e a importância de um julgamento da matéria de facto” (os artigos 556.º e 558.º do Código de Processo Civil).
QQ. Por conseguinte, a tentativa da Recorrente de ignorar os factos do julgamento da matéria de facto e deduzir directamente da prova que “a Recorrida recebeu, tomou conhecimento e aceitou o pedido de pagamento, e admitiu e cumpriu o pagamento ao Recorrente” é uma interpretação e aplicação incorrectas dos artigos 556.º e 558.º do Código de Processo Civil de Macau.
RR. Uma vez que não existia qualquer base factual material para a falta de julgamento dos factos no acórdão, a Recorrente não podia concluir a partir da prova que a Recorrente tinha cumprido “todas as condições de pagamento acordadas pela Recorrente e pela Recorrida”, e ainda mais, que o Tribunal podia condenar directamente à Recorrida a soma de dinheiro a ser paga pela Recorrente, verifica-se que não existe qualquer erro na decisão recorrida, devendo a mesma ser mantida, pelo que se julga improcedente o pedido de “conversão da condenação da Recorrida para condenar a Recorrente no pagamento da quantia em dinheiro e juros”.
SS. O Tribunal a quo analisou integralmente o conteúdo dos articulados das partes no acórdão e declarou clara e explicitamente que os fundamentos e pedidos apresentados pela Recorrente não são estabelecidos porque esta não conseguiu provar os factos do seu pedido contra a Recorrida.
TT. A Recorrente não refutou este facto, ou seja, a Recorrente reconheceu, de facto, que não tinha afirmado e provado os elementos materiais acima referidos.
UU. De acordo com as jurisprudência como os acórdãos do TSI de Macau, proc. n.ºs 92/2019, 1006/2019-I, 97/2010, e em conjugação com o artigo 335.º, n.º 1, e a primeira metade do artigo 336.º, n.º 3, do Código Civil e com o artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é evidente que, se a pretensão da Recorrente de um “direito ao pagamento” estiver sujeita a uma condição suspensiva, é a Recorrente que tem o ónus de “pretender” e “provar” que a condição suspensiva foi verificada.
VV. Finalmente, de acordo com o acórdão do TSI de Macau, proc. n.º 449/2016, neste caso, a Recorrente não pretendeu que o facto essencial em que as condições de pagamento já foram verificadas, ou seja, não cumpriu o ónus de pretender factos essenciais em conformidade com a lei, o que resulta em factos insuficientes, pelo que a Recorrente tem de suportar o risco e as consequências do decaimento da acção.
WW. Verifica-se que não existe qualquer erro ou vício na decisão recorrida que deva ser mantido, pelo que se julga improcedente o pedido de “converter a decisão em que a Recorrida deva pagar à Recorrente dinheiro e juros”.
XX. A Recorrente pediu ao Tribunal de Recurso que fosse convertida a condenação do Recorrida a favor da Recorrente do pagamento de “um montante equivalente à soma atribuída pela 1.ª Recorrida à Recorrente” ou “MOP1,000,000.00”.
YY. De facto, o Tribunal a quo decidiu que a Recorrente podia receber o crédito em montante total de MOP$2.327.173,24 e respectivos juros. A Recorrente e a 1.ª Ré não contestaram nem recorreram dos montantes acima referidos, pelo que foi transitada em julgado a decisão (conforme previsto no artigo 574.º do Código de Processo Civil de Macau).
ZZ. O Tribunal a quo condenou a 1.ª Ré a pagar o montante total à Recorrente, e não houve contestação ou recurso por parte da Recorrente e da 1.ª Ré relativamente a esta parte do montante, pelo que foi transitada em julgado a decisão. (Artigo 574.º do Código de Processo Civil de Macau).
AAA. A Recorrente fez um pedido de pagamento de “o mesmo montante acima mencionado (MOP$2,327,173.24)” ou “MOP$1,000,000.00” à Recorrida, a Recorrente pretende receber MOP$2.327.173,24 cada uma da 1.ª Ré e da Recorrida, respectivamente, ou seja, MOP$4.654.346,48 no total.
BBB. Alternativamente, a Recorrente pretende receber MOP$2.327.173,24 da 1.ª Ré e MOP$1.000.000,00 da Recorrida, ou seja, MOP$3.327.173,24 no total.
CCC. Que o pedido de recurso é ilegal, porque acabará por exceder o montante pedido pela Recorrente na petição inicial em total de MOP$3.259.317,80, na qual a 1.ª Ré e a Recorrida foram requeridas a pagar. De acordo com o artigo 564.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de Macau, o Tribunal não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que a Recorrente pedir.
DDD. De acordo com os acórdãos do TUI de Macau, proc. n.ºs 23/2008, 29/2009 e com o art. 571.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil de Macau, a lei proíbe expressamente que a decisão é nula quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido da Recorrente.
EEE. Que, após o pagamento pela 1.ª Ré à Recorrente do montante total da referida dívida, a dívida da Recorrente foi satisfeita e a Recorrente não tinha direito a qualquer outro pagamento de qualquer pessoa. Se, no entanto, a Recorrente for autorizada a receber outro montante da Recorrido, é evidente que recebeu mais do que o montante da dívida devida.
FFF. Por conseguinte, no caso em apreço, o pedido da Recorrente de converter a condenação no sentido de que “a Recorrida pague à Recorrente a quantia indicada” viola o artigo 564.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e verifica-se que não existe qualquer erro ou vício na decisão recorrida que deva ser mantida, pelo que se decide que seja improcedente o pedido de “converter a condenação no sentido de que a Recorrida pague à Recorrente a quantia indicada, acrescida de juros.”
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Vem interposto pela Recorrente recurso sobre a decisão da matéria de facto no que concerne aos factos elencados nas alíneas o, w e x, os quais correspondem à matéria antes constante dos quesitos 9º, 16º e 16º A, aos quais foi dada resposta com a seguinte redacção:
«Quesitos 9º
Em meados de 2016, em relação ao fornecimento dos materiais de pedras recomendadas pela 1ª Ré, a 2ª Ré, comprometeu-se no pagamento dos serviços prestados e dos serviços a serem prestados pela Autora à 1ª Ré?
Provado que em meados de 2016, em relação ao fornecimento dos materiais de pedra recomendados pela 1ª Ré, a 2ª Ré, comprometeu-se no pagamento dos materiais prestados e a serem prestados pela Autora à 1ª Ré na condição de o pagamento ser pedido pela 1ª Ré e não exceder o preço que a 2ª Ré deveria pagar à 1ª Ré nos termos acordados entre ambas.
Quesitos 16º
Para garantir o andamento das obras, a 2ª Ré manifestou que estava disposta a adiantar, condicionalmente, as quantias à Autora, ou seja, à fornecedora de 1ª Ré?
Provado.
Quesitos 16ºA
Quando, no mencionado, se refere “condicionalmente” significa que:
1) Cada quantia tinha que ser requerida pela 1ª Ré à 2ª Ré e, bem assim, juntar o pedido de pagamento fornecido pelos fornecedores ou subempreiteira da 1ª Ré? e
2) Tendo a 2ª Ré de confirmar se a mencionada quantia não excedia os limites das quantias estipuladas no contrato devidas à 1ª Ré?
Provado que a 2ª Ré manifestou que estava disposta a adiantar as quantias à Autora nas seguintes condições:
1) Cada quantia tinha que ser requerida pela 1ª Ré à 2ª Ré e, bem assim, juntar o pedido de pagamento fornecido pelos fornecedores ou subempreiteira da 1ª Ré e
2) Tendo a 2ª Ré de confirmar se a mencionada quantia não excedia os limites das quantias estipuladas no contrato devidas à 1ª Ré.».
Relativamente a esta matéria a fundamentação da convicção do Tribunal “a quo” foi a seguinte:
«Análise crítica das provas e especificação dos fundamentos decisivos para a formação da convicção do tribunal.
A convicção do tribunal resultou da análise conjunta e crítica da prova produzida, ponderada segundo a sua verosimilhança e em confronto com as regras da lógica e da experiência, uma vez que não foram produzidos meios de prova com valor probatório vinculado, designadamente documentos com força probatória plena nem depoimentos de parte de teor confessório.
Quanto à prova testemunhal, ponderou-a o tribunal tendo em conta a razão de ciência demonstrada pelas testemunhas inquiridas e a forma mais ou menos clara, coerente, serena, pormenorizada ou vaga e fundamentada ou conclusiva como foram prestados os respectivos depoimentos. Considerou o tribunal na ponderação que fez dos depoimentos das testemunhas a proximidade destas com as partes, designadamente o facto de as testemunhas (E) e (F) terem, directamente ou através das suas empresas comerciais, acções idênticas à presente onde demandam as aqui rés por factos semelhantes aos da petição inicial, o facto de a testemunha (G) ser empregada da autora e o facto de as testemunhas (H) e (I) serem empregadas da segunda ré.
Quanto à prova documental, uma vez que nenhum documento tem força probatória vinculada quanto aos factos da base instrutória, foi valorada no âmbito da “livre convicção”.
(…)
Quanto ao compromisso da 2ª ré de pagar condicionalmente os serviços prestados pela autora à 1ª ré (quesitos 9º, 15º, 16º, 16º-A e 32º), foram determinantes:
- Os documentos de fls. 92 a 94 (traduzidos a fls. 517 a 519 e repetidos a fls. 369 a 371 e 569 a 571), de fls. 96 a 98 (traduzidos a fls. 515 e 516 e repetidos a fls. 565 a 567) e de fls. 559 e 560;
- O depoimento das testemunhas (H) e (I) que ao tribunal mereceu credibilidade por ser espontâneo, sereno e firme e por se afigurar coerente com as regras da experiência em situações como a dos autos em que um subempreiteiro adianta quantias devidas pelo seu próprio subempreiteiro, sendo normal que não adiante mais do que deve ao seu subempreiteiro e sem que este confirme ter o dever de pagar.».
Pretende a Autora com a impugnação da matéria de facto conseguir demonstrar que foi acordado e assumido pela 2ª Ré a responsabilidade solidária com a 1ª Ré de proceder ao pagamento das dívidas da responsabilidade desta.
Porém, a argumentação que invoca não é bastante para alterar a convicção do tribunal.
As passagens do depoimento testemunhal que indica reportam-se a uma testemunha que à semelhança da Autora é credora da 1ª Ré nesta obra e que tem igual interesse ao da Autora em demonstrar esta versão dos factos o que seria já bastante para que apenas com base nesse depoimento e sem qualquer outra prova que o corroborasse, tal não fosse suficiente para convencer o tribunal.
Por outro lado, estando em causa a assumpção de dívidas do sub-sub-empreiteiro pelo sub-empreiteiro, na execução de um contrato de empreitada, mal andaríamos se fosse bastante a prova testemunhal de credores para convencer de responsabilidades contratuais sem qualquer princípio de prova documental e contra aquilo que usam ser as praticas usais.
Por fim, do documento repetidamente junto pela Autora a fls. 92 a 94, 369 a 371 e 569 a 571, traduzido a fls. 517 a 519 o que dali resulta foi que a 2ª Ré para permitir às segundas outorgantes entre elas a aqui Autora terem dinheiro para efectuar pagamentos por altura do Ano Novo Chines aceitou ficar com o crédito que a Autora tinha sobre a 1ª Ré pagando à Autora parte do valor que a 1ª Ré lhe devia. Esta situação enquadra uma cessão de crédito da Autora para a 2ª Ré no valor ali indicado, e nada tem de assumpção pela 2ª Ré de responsabilidade solidária com a 1ª Ré relativamente às dívidas desta na execução do contrato dos autos.
Não sendo nada do que se invoca bastante para demonstrar o erro de julgamento do Tribunal “ a quo” quanto à decisão da matéria de facto na parte impugnada só pode o recurso improceder nesta parte.
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) A autora é uma sociedade por quotas que tem por objecto, o comércio por grosso de mármore, aceitação de obras de espaços interiores ou exteriores de pedras e de renovações por tratamento de superfícies.
b) A 1ª ré é uma sociedade por quotas que tem por objecto, a concepção e execução de obras de decoração, execução de obras em fachadas de edifícios, execução de obras de estruturas em aço, execução de obras de electromecânica e execução de obras de engenharia básica e de estruturas.
c) A 2ª ré é uma sociedade por quotas que tem por objecto, a concepção, instalação, execução de obras; construção civil, obras de decoração, obras em fachadas de edifícios, obras de estruturas de rede (sic.), obras de engenharia civil, obras de electromecânica; obras de engenharia civil e obras públicas não enumeradas
d) A 2ª ré na qualidade de subempreira da obra no (Y), celebrou com a 1ª ré um contrato de subempreitada, nos termos do qual a 1ª ré se obrigou a realizar a obra, mediante um preço a ser pago pela 2ª ré.
e) A 2ª ré pagou à autora MOP470.000,00.
f) Em 23/01/2017, a 2ª ré comunicou a 1ª ré, através de carta, o teor do facto assente E).
g) A autora celebrou com a 1ª ré três contratos para o fornecimento de pedras, a saber: (Q. 1º)
i) Com referência n.º TJ-MAC-01, nos termos do qual a autora comprometeu-se a fornecer materiais de pedra para no Hotel (Y) (Lote 633), comprometendo-se a 1ª ré, por sua vez, a pagar à autora o preço global acordado de MOP3.335.665,10 (três milhões trezentas e trinta e cinco mil seiscentas e sessenta e cinco patacas e dez avos);
ii) Com referência n.º TJ-MAC-02, nos termos do qual a autora comprometeu-se a fornecer materiais de pedra para no Hotel (Y) (Lote 636), comprometendo-se a 1ª ré, por sua vez, a pagar à autora o preço global acordado de MOP2.309.152,12 (dois milhões trezentas e nove mil cento e cinquenta e duas patacas e doze avos); e
iii) Com referência n.º TJ-MAC-04, nos termos do qual a autora comprometeu-se a fornecer materiais de pedra para “LG-001-B03 Pórtico de dragão” no Hotel (Y) (Lote 633), comprometendo-se a 1ª ré, por sua vez, a pagar à autora o preço global acordado de MOP260.000,00 (duzentas e sessenta mil patacas.
h) Em relação aos contratos com referência n.º TJ-MAC-01 e TJ-MAC-02, a 1ª ré acordou pagar à autora 10% do preço aquando da celebração do contrato. (Q. 2º)
i) E pagar mais 85% nos 30 dias seguintes ao fornecimento dos respectivos materiais de pedra. (Q. 3º)
j) O remanescente 5% a pagar no prazo de 1 ano a contar da inspecção a efectuar pelo proprietário. (Q. 4º)
k) Em relação ao contrato com referência n.º TJ-MAC-04 a 1ª ré acordou pagar à autora 30% do preço aquando da celebração do contrato. (Q. 5º)
l) E mais 65% nos 30 dias seguintes ao fornecimento dos respectivos materiais de pedra, bem como o remanescente 5% a pagar no prazo de 1 ano após a conclusão do fornecimento. (Q. 6º)
m) A 1ª ré não procedeu à totalidade do pagamento acordado. (Q. 7º)
n) A autora interpelou a 1ª ré, por diversas vezes, para cumprir o pagamento em falta. (Q. 8º)
o) Em meados de 2016, em relação ao fornecimento dos materiais de pedra encomendados pela 1ª ré, a 2ª ré, comprometeu-se no pagamento dos materiais prestados e a serem prestados pela autora à 1ª ré na condição de o pagamento ser pedido pela 1ª ré e não exceder o preço que a 2ª ré deveria pagar à 1ª ré nos termos acordados entre ambas. (Q. 9º)
p) A 1ª ré solicitou ainda mais materiais constantes nos documentos n.º 7, n.º 8, n.º 9 e n.º 10 junto da P.I.. (Q. 10º)
q) A autora forneceu todos os materiais solicitados pela 1ª ré a tempo. (Q. 11º)
r) E sem defeito. (Q. 12º)
s) A autora concluiu o fornecimento de todos os materiais solicitados, em 8 de Setembro de 2016. (Q. 13º)
t) O preço total dos materiais fornecidos pela autora soma o montante de MOP$6.352.989,70. (Q. 13ºA)
u) Até 8 de Outubro de 2016, a autora apenas recebeu o valor de MOP3.273.575,60 (três milhões duzentas e setenta e três mil, quinhentas e setenta e cinco patacas e sessenta avos). (Q. 14º)
v) A 1ª ré, ao não pagar à autora a tempo, levou a que a autora se recusasse a executar as obras conforme o planeado. (Q. 15º)
w) Para garantir o andamento das obras, a 2ª ré manifestou que estava disposta a adiantar, condicionalmente, as quantias à autora, ou seja, à fornecedora de 1ª ré. (Q. 16º)
x) A 2ª ré manifestou que estava disposta a adiantar as quantias à autora nas seguintes condições: (Q. 16ºA)
1) Cada quantia tinha que ser requerida pela 1ª ré à 2ª ré e, bem assim, juntar o pedido de pagamento fornecido pelos fornecedores ou subempreiteira da 1ª ré; e
2) Tendo a 2ª ré de confirmar se a mencionada quantia não excedia os limites das quantias estipuladas no contrato devidas à 1ª ré.
y) A autora sabia perfeitamente que a 1ª ré era a única parte com quem havia contratado. (Q. 19º)
z) Até à presente data nem o Dono da Obra a que respeita o projecto em causa, nem o empreiteiro geral, nem a 2ª ré emitiram o Certificado de Conclusão da Obra. (Q. 21º)
aa) Por acordo de transferência do direito de crédito de fls. 369 a 371, celebrado entre a 2ª ré e a autora, a 2ª ré efectuou o pagamento referido no facto assente E). (Q. 32º)
b) Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«a) Da obrigação da primeira ré.
A autora invocou o contrato como fonte da obrigação que atribui à primeira ré.
Efectivamente, os contratos, enquanto acordos de vontades negociais celebrados dentro do espaço da autonomia privada, devem ser cumpridos voluntária ou coercivamente (art. 400º, nº 1 do CC). Por isso, os contratos são fontes de obrigações, as quais são vínculos jurídicos que adstringem uma pessoa à realização de uma prestação a outra pessoa (art. 391º do CC).
Provou-se que a autora e a primeira ré celebraram três acordos em que a autora forneceria pedras à ré e esta pagaria o respectivo preço à autora (al. g) dos factos provados).
Provou-se que a autora forneceu à 1ª ré pedras no valor de MOP6.352.989,70 (al. t) dos factos provados).
Provou-se que o preço da pedra do primeiro contrato celebrado era de MOP.3.335.665,10; que o do segundo contrato era de MOP2.309.152,12; que o do terceiro era MOP260.000,00 (total: MOP5.904.817.22); e que a autora forneceu ainda pedras que excederam as que acordou fornecer no âmbito dos referidos três contratos, no valor de MOP448.172,48.
Provou-se que as pedras foram fornecidas a tempo e sem defeito (als. q) e r) dos factos provados), não se tendo provado qualquer facto impeditivo ou modificativo do direito de crédito que a autora invoca.
Não se provou qualquer forma de extinção do acordo celebrado, designadamente através de revogação por parte da autora ao passar a fornecer as pedras por acordo com a segunda ré e com acordo expresso ou tácito da primeira ré (resposta negativa aos quesitos 24º a 31º da base instrutória). Também não se provou qualquer transmissão ou assunção liberatória da dívida da primeira ré para a segunda ré (art. 590º, nº 2 do CC), ficando a primeira ré liberada do dever de cumprir a obrigação de pagar o preço da pedra fornecida pela autora.
Como se disse, as obrigações ou vínculos jurídicos que adstringem uma pessoa a uma prestação surgem na esfera jurídica das pessoas a partir das fontes das obrigações. Uma dessas fontes são os contratos, pois, que, por força do disposto no art. 400º do CC, devem ser pontualmente cumpridos.
Provou-se que já foi paga à autora parte do preço acordado (MOP3.743.575,60 - (als. e) e u) dos factos provados).
A 1ª ré teria, assim, a obrigação de pagar MOP2.609.414.1 à autora. E não se vêm dúvidas que reclamem outras considerações (6.352.989,70 - 3.743.575,60).
Porém, relativamente a dois dos referidos contratos, foi acordado que 5% do preço da pedra fornecida (MOP5.644.817,22) seria pago depois de a dona da obra onde as pedras iriam ser aplicadas inspecionar a obra (als. h) e j) dos factos provados)1. Não se provou a verificação dessa condição nem se provou a impossibilidade de verificação imputável à autora, à ré ou a terceiros (art. 268º do CC). Cabia à autora a prova da verificação da condição suspensiva2 (art. 336º, nº 3 do CC), pelo que, não tendo dado cumprimento ao ónus de prova que sobre si impendia, terá de ver improceder esta parte da sua pretensão, não devendo a 1ª ré ser condenada a pagar os referidos 5% (MOP.282.240,86). De facto, em rigor, a autora nem sequer alegou a verificação da condição, pois limitou-se a dizer no art. 26º da petição inicial, não esclarecendo na réplica, que a obra foi entregue ao respectivo dono, o que é diferente da realização da inspecção, embora a entrega e a inspecção tenham grande afinidade. Mas provou-se também que a dona da obra ainda não emitiu o certificado de conclusão da obra.
Não deve ser proferida condenação condicional e não pode ser proferida sentença condicional. É que o tribunal desconhece se a condição está ou não verificada, pelo que só poderia proferir sentença condicional, que é inadmissível. Na verdade, não poderá ser proferida condenação condicional, admissível nos termos do art. 565º do CPC3. Com efeito, condenar para o caso de a condição se vir a verificar implica a certeza de não estar ainda verificada a condição e o tribunal não tem essa certeza. Restaria condenar para o caso de a condição não estar verificada e ainda de se vir a verificar, o que corresponderia a sentença condicional e não a condenação condicional.
Relativamente ao outro contrato, foi acordado que 5% do preço da pedra fornecida (MOP260.000,00) seria pago no prazo de um ano após a conclusão do fornecimento, prazo que decorreu até 8 de Setembro de 2017 (al. s) dos factos provados).
Relativamente à pedra fornecida “a mais” em relação ao preço contratado, não se provou qualquer acordo quanto ao momento do pagamento do preço (MOP448.172,48), pelo que deve ser pago no momento da interpelação (art. 976º e 794º do CC).
A autora tem, pois, direito a receber da primeira ré MOP2.797.173,24 – dois milhões, setecentas e noventa e sete mil, cento e setenta e três Patacas e vinte e quatro avos - (3.079.414,10 - 282.240,86 = 2.797.173,24 – preço dos três contratos e dos fornecimentos “a mais” com dedução de 5% do preço dos dois referidos contatos e com dedução da quantia paga pela primeira ré referida na alínea u) dos factos provados). porém, como a autora já recebeu da 2ª ré a quantia de MOP470.000,00, tendo cedido o respectivo crédito, tem a receber MOP2.327.173,24.
b) Da mora no cumprimento da obrigação da primeira ré.
A autora pede ainda a condenação das rés a pagarem juros de mora contados desde 08/10/2016 (art. 19º da petição inicial).
A mora ou atraso no cumprimento da obrigação cria para o devedor inadimplente o dever de indemnizar o credor (art. 793º, nº 1 do CC). A mora inicia-se no momento em que a obrigação devia ter sido cumprida e não foi (nº 2 do referido normativo). Este momento é o acordado pelas partes e, no caso das obrigações sem prazo, que não provenham de facto ilícito nem sejam ilíquidas, como é a que está em apreço nestes autos, o momento da interpelação judicial ou extrajudicial do devedor para o cumprimento (art. 794º do CC).
Já vimos que relativamente a MOP.260.000,00 a mora se iniciou no dia 9 de Setembro de 2017 por ter sido a data acordada para pagamento.
Também já vimos que relativamente a MOP448.172,48 (preço da padra fornecida “a mais”) a mora se inicia com a interpelação. E temos apenas provado que essa interpelação ocorreu antes da entrada da petição inicial em juízo (al. n) dos factos provados), pelo que é à referida data (09/10/2018) que deve atender-se, por falta de prova da data concreta anterior.
Quanto à quantia restante (MOP1.619.000,76), provou-se que seria devida 30 dias após o fornecimento, razão por que, procede a tese da autora (9/10/2016 – als. i) e s) dos factos provados). Porém, é nesta quantia que deve ser imputada a quantia paga pela 2ª ré, poi era a que estava vencida quando a 2ª ré pagou (art. 773º, n.º1 do CC). Está, pois, em mora desde 09/10/2016, inclusive, a quantia de MOP1.619.000,76.
Nas obrigações pecuniárias, como é a dos autos, a indemnização moratória corresponde aos juros legais, salvo se as partes estipularem de forma diferente, se a obrigação em mora vencer juro superior aos juros legais ou se a mora causar ao credor prejuízo superior aos juros legais (art. 795º do CC).
Tem, pois a autora direito a ser indemnizada em consequência da mora da primeira ré recebendo desta juros de mora à taxa legal, contados desde as datas referidas, inclusive, até integral pagamento (sobre MOP260.000,00, desde 09/09/2017; sobre MOP448.172,48, desde 09/10/2018 e sobre MOP1.619.000,76, desde 9/10/2016).
Uma vez que se trata de obrigação de natureza comercial (art. 3º, nº 1, al. b) do Código Comercial), os juros de mora são contados à taxa legal das obrigações daquela natureza (art. 569º, nº 2 do Código Comercial).
c) Do anatocismo relativamente aos juros de mora.
A autora calculou os juros de mora vencidos entre a data que considerou ser a do início da mora e a apresentação da petição inicial em juízo. Depois somou os juros vencidos ao capital em dívida e obteve o resultado de HKD3.259.317,80. Pediu depois a condenação das rés a pagarem tal montante acrescido de juros de mora. Desta forma a autora pretende que as rés sejam condenadas a pagar juros sobre os juros de mora anteriormente vencidos. A obrigação de pagar o capital venceu-se nas datas antes referidos, mas a obrigação de pagar juros de mora só se vence com a interpelação para o cumprimento dessa obrigação de indemnização moratória. Por isso, enquanto não se vencer a obrigação de pagar os juros de mora não se podem vencer outros juros sobre tais juros moratórios, pois que configuraria anatocismo ou capitalização de juros, o que só é possível se convencionado por escrito, como dispõe o art. 554º do CC.
A autora só pretende juros sobre juros depois da citação.
Procede, pois, esta pretensão da autora, uma vez que a citação tem efeitos de interpelação. Até à citação não ocorre mora no cumprimento da obrigação de indemnização moratória, apenas ocorrendo mora no cumprimento da obrigação de pagar o preço.
Porém, a pretensão da autora é algo anómala. Com efeito pede juros de mora contados até à entrada em juízo da Petição inicial e contados depois da citação até integral pagamento. Deixa de fora um pequeno lapso de tempo: entre a entrada da petição inicial em juízo e a citação.
d) Da obrigação da segunda ré.
A autora diz que a segunda ré tem obrigação de lhe pagar o preço da pedra fornecida porquanto se comprometeu a pagar a dívida da primeira ré, tendo ela, autora, aceitado4 (arts. 13º e 15º da petição inicial).
Segundo a alegação da autora, a obrigação da segunda ré tem origem em promessa unilateral de pagamento.
A situação fáctica configurada pela autora só pode reconduzir-se a uma de três situações jurídicas, todas elas fontes de obrigações, mas com pressupostos diferentes: o negócio unilateral; a assunção de dívida e o contrato a favor de terceiro.
O negócio unilateral só é fonte de obrigações apenas nos casos previstos na lei (art. 451º do CC).
A assunção de dívida não pode ser unilateral, tendo de ser contratual para ser fonte de obrigações para o assuntor, in casu a segunda ré, e tem de ter sempre a entervenção do credor, in casu a autora – art. 590º do CC.
O contrato a favor de terceiro é uma fonte de obrigações que nunca pode ter a intervenção do beneficiário (art. 437º do CC) e, se consistir na promessa de exoneração de uma dívida do promissário a terceiro, o terceiro beneficiário, in casu a aqui autora, não pode demandar o promitente, a aqui segunda ré (art. 438º, nº 3 do CC)5.
Afigura-se que estamos perante uma assunção cumulativa de dívida em que o assuntor (2ª ré) assume o pagamento da dívida da 1ª ré sem que esta fique liberada. A obrigação não se transmite da esfera jurídica da primeira ré para a esfera jurídica da segunda ré, antes se mantém na esfera jurídica da primeira ré e se cria outra obrigação semelhante na esfera jurídica da segunda ré.
Não é necessária muito mais análise sobre a qualificação da situação jurídica existente entre as partes6. É que se provou que essa situação (de assunção de dívida ou outra) foi condicional e não se provou a verificação da condição de que dependia a obrigação da segunda ré, ainda que por assunção de dívida da primeira ré. Com efeito, provou-se que a segunda ré assumiu a dívida da primeira ré para com a autora, mas só até ao montante que ela própria, segunda ré, devia à primeira ré. A segunda ré tinha dívida para com a sua subempreiteira, a primeira ré, e aceitou pagar à autora por conta dessa dívida. Além disso “exigia” que a primeira ré confirmasse que era devida à autora a quantia por esta reclamada. Bem se compreende que a segunda ré não aceitasse pagar mais do que ela própria devia à primeira ré, assim como se compreende que exigisse que a primeira ré “confessasse” ser devedora e confirmasse que devia, pois era ela, primeira ré, quem sabia se devia ou não e se a pedra lhe foi fornecida nas condições contratadas.
Aqui chegados cabe averiguar a quem cabe o ónus de prova da verificação da condição de que depende a assunção da dívida. A resposta passa por qualificar a condição, pois que a prova da verificação da condição suspensiva é do autor e a da condição resolutiva é do réu (art. 336º, nº 3 do CC7).
A condição é um facto futuro e incerto que as partes elegem para dele dependerem os efeitos do contrato (art. 263º do CC). Em rigor, a assunção da dívida pela autora foi feita depender de dois factos, pelo que estamos em presença de duas condições: a formulação de pedido documentado por parte da primeira ré à segunda ré e não ser alcançado o limite da quantia devida pela segunda ré à primeira ré.
Para saber como as partes subordinaram os efeitos do negócio à ocorrência de factos é necessário interpretar a sua vontade negocial. Os factos alegados e provados para tal efeito são escassos. No entanto, parece poder concluir-se que as partes quiseram que a assunção de dívida pela segunda ré começava com o pedido da primeira ré e cessava quando (e se) se atingisse o limite do montante devido pela segunda ré à primeira ré. Assim entendida a vontade negocial, cabe concluir que foi estabelecida uma condição suspensiva, ou para início da produção de efeitos do contrato (o pedido da primeira ré), e outra resolutiva, ou para cessação da produção de efeitos (o atingir do referido limite)8.
Não se provou que a primeira ré formulou à segunda o predido documentado nem se provou que se atingiu o limite devido pela segunda ré à primeira ré. Tendo a segunda ré demonstrado que foi estipulada a condição, cabia à autora demonstrar que se verificou a condição suspensiva (constitutiva)9. Não demonstrou. Se a autora demonstrasse a verificação de tal condição suspensiva, caberia à segunda ré demonstrar a condição resolutiva, enquanto facto extintivo do direito da autora10.
Há, pois, que concluir que a autora não demonstrou que se verificou a assunção de dívida por parte da segunda ré e que não se demonstrou que na esfera jurídica da segunda ré surgiu a obrigação que a autora lhe atribui, não tendo assim a autora demonstrado o seu alegado direito de crédito sobre a segunda ré.
Conclui-se, pois, que deve a segunda ré ser absolvida do pedido.
e) Da solidariedade.
Não estando demonstrada a obrigação da segunda ré, fica prejudicado averiguar se tal obrigação é solidária.
f) Da litigância de má-fé.
Dir-se-á apenas que não se vislumbra litigância de má fé. Nem por parte da autora ao afirmar a existência da dívida da segunda ré, nem por parte da segunda ré ao negar a existência de tal dívida.».
Face à matéria de facto apurada a decisão de direito não poderia ser outra que não aquela que foi proferida.
Em momento algum houve uma assumpção solidária pela 2ª Ré das dívidas da 1ª Ré, nada mais resultando do documento indicado que não seja uma cessão de crédito relativamente a parte da dívida e o assumir o pagamento de dívidas da 1ª Ré em função do pedido desta e dentro do valor que lhe teria de pagar.
Destarte, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da Douta decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo aquela.
III. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, se nega provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 18 de Janeiro de 2024
Rui Pereira Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz Adjunto)
1 É frequente a estipulação de cláusulas semelhantes em contratos de subempreitada em regime “back to back”, de foram que o empreiteiro geral só recebe a totalidade do preço da empreitada quando o dono da obra considera a obra pronta e só nessa altura completa o pagamento aos seus subempreiteiros e estes aos seus próprios subempreiteiros e fornecedores e assim sucessivamente até ao último subempreiteiro.
2 A condição suspensiva é aquela cuja ocorrência faz iniciar a produção dos efeitos acordados pelas partes contratantes (art. 263º do CC).
3 Cfr. Varela/Bezerra/Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 683, nota de rodapé nº 1.
4 A alegação da aceitação pela autora da assunção da dívida da 1ª ré por parte da 2ª ré não é feita directamente, mas resulta do teor da petição inicial considerada no seu todo e da sua conjugação com a réplica.
5 Carlos Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, p. 149, tem opinião diversa, mas que não parece que possa ser acolhida em face do texto no nº 3 do art. 438º do CC.
6 Jorge Leite Ribeiro de Faria, in Direito das Obrigações, II, p. 580 e 581 dá o seguinte exemplo de assunção de dívida: “A, dono da obra, não paga ao empreiteiro B, que, por essa razão, suspende a marcha das obras. Um inquilino quer ocupar o seu andar para o habitar e, para resolver o diferendo que opõe A a B, assume o pagamento da dívida de A”.
7 O art. 336º, nº 3 do CC acaba por repetir a regra geral estabelecida no art. 335º do mesmo código em matéria de repartição do ónus da prova. Segundo aquela regra geral pertence ao autor o ónus de provar os factos constitutivos do direito a que se arroga e pertence ao réu o ónus de provar os factos extintivos daquele direito. Ora, a condição suspensiva é aquela de que depende o início de produção dos efeitos do contrato, pelo que é um facto constitutivo do direito a que o autor se arroga com origem no referido contrato, sendo que, em caso de dúvida, se presumem constitutivos os factos jurídicos (art. 335º, nº 3 do CC). Já a condição resolutiva é aquela que faz cessar a produção dos efeitos do contrato, pelo que é um facto extintivo do direito a que o autor se arroga com origem no referido contrato.
8 Art. 263º do CC: “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”.
9 A prova do facto positivo (formulação pela primeira ré à segunda do pedido de pagamento à autora) sempre será menos difícil que a prova do facto negativo (ausência de formulação de tal pedido).
10 Mais uma vez a prova do facto positivo (que foi atingido o limite do montante devido pela segunda ré à primeira) sempre será menos difícil que a prova do facto negativo (que tal limite ainda não foi atingido).
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711/2023 CÍVEL 1