Processo nº 707/2023
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)
Data: 18 de Janeiro de 2024
Requerentes: A e B
Requeridos: Os Mesmos
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A e
B,
ambos com os demais sinais dos autos,
vêm instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau.
Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
1. Por decisão transitada em julgado em 17.03.2020 foi dissolvido por divórcio o casamento celebrado entre A e B, casados entre si na China em 30.08.2010 – cf. fls. 52 -;
2. Da decisão referida na alínea anterior consta que:
«Tribunal Popular do Novo Distrito de Hengqin de Zhuhai da
Província de Guangdong
Termo de Conciliação Cível
(2019) Yue 0491 Minchu no. 935
Autora: B, do sexo feminino, nascida a 25 de Novembro de 1989, de etnia “Han”, residente em XXX,titular do cartão de identificação de cidadão no. XXX.
Mandatária constituída: XXX, advogada do escritório de advocacia Guangdong XXX.
Mandatário constituído: XXX, advogado estagiário do escritório de advocacia Guangdong XXX.
Réu:, A, do sexo masculino, nascido a 10 de Janeiro de 1974, residente da RAEM, com residência em XXX,titular de documento de identificação de Hong Kong/Macau: no. XXX.
Mandatário constituído: XXX, advogado do escritório de advocacia Guangdong XXX.
O processo de litígio de divórcio entre a autora B e o réu A foi aberto por este tribunal em 29 de Abril de 2019.
A autora B intentou uma acção junto deste tribunal solicitando: 1. Para dissolver a relação matrimonial entre a autora e o réu; 2. O filho legítimo C ficará guardado pela autora, e o réu pagará os alimentos, numa só vez, de 2,4 milhões de yuans, método de cálculo: com base no critério de pagamento mensal de alimentos de 20000 yuans, calculado até que C complete 18 anos, num total de 120 meses; 3. O direito de propriedade da fracção autónoma 2202 em Zhuhai registada em nome do réu pertencerá à autora, cujo número do certificado é: "Yue (2016) Zhuhai Real Estate no. XXX". O valor de imóvel é provisoriamente estimado em 3 milhões de yuans; 4. O réu arcará com todos as custas processuais deste caso. Factos e razões: A autora e o réu registaram seu casamento em 30 de Agosto de 2010 e desta relação conjugal nasceu em 13 de Março de 2011 um filho, C. Devido à falta de entendimento entre as duas partes antes do casamento, à fraca base emocional e ao conhecimento, ambiente de vida e hábito de vida diferentes das duas partes, especialmente em termos de educação do filho, as duas partes tinham grandes diferenças e após múltiplas comunicações, não podiam coordenar. A autora entende que a relação entre a autora e o réu não pode ser melhorada e a autora perdeu completamente a confiança na manutenção da relação conjugal. A relação entre o casal realmente se rompeu e não há possibilidade de reparação. O filho legítimo C foi criado e cuidado pela autora desde o dia em que nasceu, vive sempre com a autora e a relação entre mãe e filho é profunda.
Em 21 de Maio de 2019, a autora B apresentou as seguintes pedidos a este tribunal: 1. Ordenar que 50% do direito de propriedade da loja em 珠海市XXX商舖 (número do certificado imobiliário: XXX, XXX) registada em nome do réu pertencerá à autora, e o valor de imóvel seja provisoriamente determinado em 4567000 yuans; 2. Condenar o réu a arcar com todos as custas processuais dos pedidos adicionais neste caso. Factos e razões: Depois que o tribunal admitiu o caso, a investigação descobriu que o réu comprou loja situada em 珠海市XXX商舖 durante a constância matrimonial, o proprietário é o réu, e os direitos de propriedade estão registados em nome exclusivo do réu. As duas lojas foram adquiridas durante a constância matrimonial, sendo os bens comuns do marido e da mulher, portanto, solicitou uma partilha dos bens comuns do marido e da mulher acima mencionados, esperando que a decisão fosse feita conforme solicitado.
Durante o julgamento deste caso, após a conciliação presidida por este Tribunal, ambas as partes chegaram voluntariamente ao seguinte acordo:
1. Tanto a autora como o réu dissolveram voluntariamente a relação matrimonial.
2. A autora e o réu concordaram com a custódia de seu filho legítimo, C:
1) O filho legítimo, C, é criado pela autora. Desde a data do acordo de divórcio entrar em vigor até C completar 18 anos, o réu é obrigado a pagar à autora alimentos do filho legítimo C até o dia 5 de cada mês com base no critério de 10000 yuans por mês. O réu paga voluntariamente as propinas de C depois que ele completar 18 anos e suas despesas de subsistência durante seus estudos até que C conclua o curso universitário.
2) Enquanto a autora cria seu filho legítimo, C, o réu goza de direito de visita de C. O réu concorda em que a autora levará C para deixar Zhuhai e retornar à cidade de Taixing da Província de Jiangsu para residir e ir à escola. O réu, com o consentimento da autora, tem o direito de visitar seu filho C sem afectar o estudo normal da criança, a autora não deve obstruir injustificadamente o exercício do direito do réu de visitar o filho. Quanto ao Festival da Primavera e ao Dia Nacional, ambas as partes podem conviver com C de forma alternativa (por exemplo, se viver com o réu durante o Festival da Primavera de um ano, viverá então com a autora no Dia Nacional do mesmo ano, e viverá com a autora durante o Festival da Primavera do ano seguinte, bem como viverá com o réu no Dia Nacional do ano seguinte, e assim por forma análoga). Durante as férias de verão e de inverno, ambas as partes podem alternativamente conviver com C durante uma metade das férias. O réu não está autorizado a levar C para fora da China Continental durante sua visita a C.
3) O prémio anual do seguro adquirido para o filho legítimo C é suportado pelo réu A. Durante o período de custódia pela autora, se o filho legítimo incorrer em despesas médicas importantes, a autora e o réu arcarão cada um com uma metade da parcela, excepto a parte da segurança social e da compensação de seguros.
4) A conta de cobrança de alimentos da autora é:
Nome da conta aberta: B
Banco de abertura de conta: “China Construction Bank”
Conta no. : XXX
3. Partilha de bens conjugais:
1) Está registado em nome do réu e está localizado na Cidade de Zhuhai 珠海市XXX(número de certificado imobiliário: XXX), a partir da data de vigência deste acordo, cabe à autora deter 50% de direito de propriedade e a C 50% do direito de propriedade. Antes de C completar 18 anos, a residência, gestão e uso de 50% do direito de propriedade de C serão exercidos pela autora em seu nome. A autora não poderá vender a parte do direito de propriedade de C, depois de C completar 18 anos, cabe a C lidar com isso sozinho.
Atualmente, a fracção autónoma 珠海市XXX ainda tem um empréstimo hipotecário de aproximadamente 500000 de yuans que não foi reembolsado (o valor específico estará sujeito ao valor emitido pela instituição bancária). O empréstimo hipotecário será reembolsado uma só vez no prazo de 90 dias a partir da data de entrada em vigor deste acordo (o método de reembolso específico estará sujeito ao "2" deste acordo abaixo deste artigo), o réu auxiliou nos procedimentos de cancelamento da hipoteca e transferência do direito de propriedade para a autora e para C no prazo de 15 dias a partir da data de reembolso da hipoteca.
2) O direito de uso de dois lugares de estacionamento em 珠海市XXXregistados em nome do réu (o valor actual após investigação é superior a 600000 de yuans, quanto à numeração destes lugares, é necessário que o réu forneça o acordo de direito de uso). Pertencerá à autora a partir da data de entrada em vigor do presente acordo, devendo o réu entregar à autora o original do acordo de direito de uso dos lugares de estacionamento no dia da assinatura do presente acordo. O réu deverá cooperar com a autora no tratamento dos procedimentos de transferência de nome com os departamentos tais como o promotor, empresa de administração imobiliária no prazo de 30 dias a partir da data de entrada em vigor deste acordo.
A autora e o réu concordaram que o dinheiro da venda do direito de uso de lugares de estacionamento de “XX” pela autora será usado para pagar o empréstimo hipotecário, uma só vez, da fracção autónoma 珠海市XXX, se o dinheiro proveniente da venda for insuficiente para reembolsar o saldo do empréstimo na íntegra, o réu será responsável por compensá-lo, se houver algum remanescente depois de ter liquidado o saldo com o dinheiro proveniente da venda, o remanescente da venda pertencerá à autora.
A autora deverá vender os lugares de estacionamento de XXX no prazo de 90 dias a partir da data de entrada em vigor deste acordo, se os lugares de estacionamento de XXX tiverem sido vendidos no prazo de 30 dias a partir da data de entrada em vigor deste acordo, e o réu ainda não tiver concluído os procedimentos de transferência do direito de uso dos lugares de estacionamento para à autora, o réu deverá cooperar com a autora para transferir directamente o direito de uso dos lugares de estacionamento para o adquirente do direito de uso dos lugares de estacionamento, sendo o dinheiro da venda dos lugares de estacionamento recebido directamente pela autora. A autora deve utilizar o dinheiro recebido respeitante à transferência do direito dos lugares de estacionamento para reembolsar o empréstimo hipotecário da fracção autónoma 珠海市XXX.
Se, finalmente, a autora decidir não vender os lugares de estacionamento, o remanescente da hipoteca bancária da fracção autónoma 珠海市XXX será reembolsado pela autora.
3) As lojas localizadas em 珠海市XXX (número do certificado imobiliário: XXX) e em 珠海市XXX (número do certificado imobiliário: XXX) registadas em nome do réu serão possuídas à autora, o réu ajudará a autora a tratar dos procedimentos de registo de transferência de direitos imobiliários no prazo de 30 dias a partir da data de entrada em vigor deste acordo. Antes que a transferência dos direitos de propriedade para a autora seja concluída, o réu deve garantir que nenhuma restrição de direitos seja imposta às lojas, caso contrário, o réu deverá pagar 3 milhões de yuans à autora a título de compensação.
4) Outros bens em nome da autora e do réu (incluindo depósitos bancários, imóveis, veículos, pertences pessoais, etc.) pertencerão entre si.
5) Uma vez que este acordo entre em vigor, tanto a autora quanto o réu deverão cumprir todos os direitos e obrigações sob este acordo conforme a data estipulada neste acordo. Quanto a todos os direitos e obrigações das partes masculina e feminina sob este acordo, em caso de sem requerer a execução ao tribunal, depois de ambas as partes terem concluído o seu desempenho conforme programado, nenhuma das partes pode invocar os direitos cíveis contra a outra parte ou intentar quaisquer acções ou conflitos relativos à partilha de bens comuns entre marido e mulher.
4. Tratamento de dívidas: Excepto as dívidas divulgadas neste acordo, ambas as partes não possuem outras dívidas comuns, caso existam, as dívidas em seus respectivos nomes serão suportadas por cada uma das partes.
5. Responsabilidade pela violação do acordo:
1) Por exemplo, após a venda dos lugares de estacionamento de XXX, se o preço de venda ser insuficiente para reembolsar o remanescente da hipoteca e se o réu não o compensar, causando que o banco intentará acção devido ao empréstimo hipotecário da fracção autónoma 珠海市XXX, fazendo com que o imóvel seja leiloado, o réu terá que pagar à autora uma indemnização no montante total de 3 milhões de yuans (um total de 3 milhões de yuans incluindo o saldo após o reembolso de dívidas bancárias com o dinheiro proveniente do leilão ou venda de imóveis) para garantir a autora e C de comprar outro imóvel.
2) O réu garante que, conforme programados e segundo este acordo, tratar dos procedimentos de transferência do direito dos lugares de estacionamento de XXX, da fracção autónoma 珠海市XXX (excepto por falha em lidar com a liquidação do empréstimo e transferência conforme programado não causada ao réu) e das lojas localizadas em 珠海市XXX (número do certificado imobiliário: XXX) e em 珠海市XXX (número do certificado imobiliário: XXX), se o réu não arranjar o assunto conforme planeado e a autora requerer a execução coactiva, o réu deverá pagar uma compensação adicional de 1 milhão de yuans à autora (excepto por motivos em que a empresa de gestão imobiliária, quanto ao direito de uso de lugares de estacionamento, não possa cooperar e o Centro de Registo Imobiliário de Zhuhai não aceite o processamento no local por ambas as partes devido à prevenção e controle de epidemia).
3) Se as dívidas de uma parte causarem perdas à outra parte, a parte infractora será responsável por compensação, incluindo, mas não se limitando a, compensação por perda de bens, honorários, taxas de admissibilidade de caso, de execução, de preservação, de garantia, etc.
6. A partilha de bens estipulada neste acordo é um acordo voluntário entre a autora e o réu, este acordo entrará em vigor a partir da data em que o tribunal popular confirmar a emissão do Termo de Conciliação.
7. As taxas de admissibilidade do caso e de preservação serão suportadas voluntariamente pelo réu.
O acordo acima mencionado não viola as disposições legais e é confirmado por este tribunal.
Este acordo de conciliação entrará em vigor depois de todas as partes o assinarem ou carimbarem e ser confirmado por este tribunal.
O Juiz: XXX
(carimbo)
17 de Março de 2020
O Juiz Adjunto: XXX
O Escrivão: XXX
Este exemplar está conforme o original.».
b) Do Direito
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
«1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
Vejamos então.
Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal Popular do Novo Distrito de Hengqin de Zhuhai da Província de Guangdong foi homologado o acordo de divórcio entre os Requerentes, nada havendo que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, estando assim preenchido o pressuposto da al. a) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Igualmente resulta da certidão junta que a decisão não veio de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos da alínea c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Não resulta das certidões juntas que a decisão haja sido tomada sem que o Réu haja sido regularmente citado ou em violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, sendo certo que a Revisão nestes autos é requerida por ambos os interessados, bem como de que não foi interposto recurso daquela sentença e transitou em julgado, pelo que se tem por verificada a condição das alíneas b) e e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
A sentença revidenda procede à dissolução do casamento por divórcio, direito que a legislação de Macau igualmente prevê – artº 1628º e seguintes do C.Civ. -, pelo que, a decisão não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública, tendo-se também por verificada a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação de decisão proferida por tribunal exterior a Macau.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revisão e confirmar a decisão do Tribunal Popular do Novo Distrito de Hengqin de Zhuhai da Província de Guangdong nos termos acima transcritos.
Custas pelos Requerentes.
Registe e Notifique.
RAEM, 18 de Janeiro de 2024
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1º Adjunto)
Ho Wai Neng
(2º Adjunto)
707/2023 1
REV e CONF DE DECISÕES