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Processo n.º 489/2023
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 25/Janeiro/2024

Recorrente:
- Direcção da Associação dos Advogados de Macau

Recorrido:
- (A)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou procedente o recurso contencioso intentado por (A), recorreu a Direcção da Associação dos Advogados de Macau jurisdicionalmente para este TSI.
*
Contra-alegou o (A), ora recorrido, pugnando pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida.
*
Suscitou-se, na preparação do projecto do Acórdão, a questão de eventual irrecorribilidade do acto administrativo recorrido, face ao estatuído no artigo 5.º do Estatuto da Associação Pública dos Advogados de Macau.
Notificadas as partes e o Ministério Público para se pronunciarem, todos pugnaram pela recorribilidade do mesmo, por entenderem que aquele preceito legal não é aplicável aos advogados estagiários.
Vejamos.
Determina-se no artigo 5.º dos Estatutos da Associação Pública dos Advogados de Macau o seguinte:
“1. Os actos praticados pela Direcção, pelo Conselho Fiscal e pela Mesa da Assembleia Geral da Associação, no exercício das suas atribuições, que sejam lesivos dos interesses de qualquer associado admitem recurso para a Assembleia Geral.
2. O prazo de interposição de recurso é de 15 dias de calendário.
3. Das deliberações da Assembleia Geral da Associação que consubstanciem actos definitivos e executórios cabe recurso contencioso nos termos gerais de direito.”
Segundo a disposição legal que antecede, prevê-se que os actos praticados pela Direcção, pelo Conselho Fiscal e pela Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau, no exercício das suas atribuições, que sejam lesivos dos interesses de qualquer associado admitem recurso para a Assembleia Geral e depois, se as deliberações daqueles órgãos consubstanciarem actos definitivos e executórios, há lugar a recurso contencioso nos termos gerais.
A meu modesto ver, entendo que os advogados estagiários não são iguais aos advogados, daí que os advogados estagiários não se integram no conceito de associados a que se alude no n.º 1 do artigo 5.º dos Estatutos da Associação Pública dos Advogados de Macau.
De facto, os advogados estagiários não pagam quotas, não têm capacidade eleitoral activa ou passiva e não participam na Assembleia Geral da Associação de Advogados de Macau.
Sendo advogados estagiários, só podem exercer a actividade de advocacia com restrições, o seu status é temporário e só se tornam advogados após a conclusão do estágio profissional e aprovação no exame.
A meu ver, é natural que os actos praticados pela Direcção, pelo Conselho Fiscal e pela Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau, no exercício das suas atribuições, que sejam lesivos dos interesses de qualquer advogado, e não também de advogado estagiário, admitem recurso para a Assembleia Geral, uma vez que a Assembleia Geral da Associação é constituída por todos os advogados (e não por advogados estagiários) com a inscrição em vigor (cfr. o n.º 1 do artigo 21.º dos Estatutos da Associação Pública dos Advogados de Macau), portanto, se os actos praticados por aqueles órgãos tocarem nos assuntos e interesses dos próprios advogados, compreende-se que é razoável a Assembleia Geral da Associação pronunciar-se em primeiro lugar.
Pelo contrário, se os actos praticados pela Direcção, pelo Conselho Fiscal e pela Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Advogados de Macau nada têm a ver com os interesses dos próprios advogados, mas apenas estão relacionados com os assuntos dos advogados estagiários, julgo eu que não há motivo para a intervenção da Assembleia Geral da Associação que é constituída exclusivamente por advogados.
Isto posto, salvo o devido e mui respeito por opinião contrária, sou de entender que o disposto no artigo 5.º dos Estatutos da Associação Pública dos Advogados de Macau não é aplicável aos advogados estagiários, sendo assim, o acto em apreço e praticado pela Direcção da Associação dos Advogados de Macau, por ser definitivo e executório, é passível de recurso contencioso.

Não tendo feito vencimento a posição antes sustentada cabe apreciar e decidir.
Relativamente a esta matéria já este tribunal se pronunciou no Acórdão proferido no processo 271/2022 de 28.09.2022 onde se dizia:
«Sob a epígrafe “Recursos” dispõe o artº 5º dos Estatutos da Associação Pública dos Advogados de Macau o seguinte:
1. Os actos praticados pela Direcção, pelo Conselho Fiscal e pela Mesa da Assembleia Geral da Associação, no exercício das suas atribuições, que sejam lesivos dos interesses de qualquer associado admitem recurso para a Assembleia Geral.
2. O prazo de interposição de recurso é de 15 dias de calendário.
3. Das deliberações da Assembleia Geral da Associação que consubstanciem actos definitivos e executórios cabe recurso contencioso nos termos gerais de direito.
Relativamente a inscrições preparatórias, recusas e recursos, dispõe o nº 5 do artº 47º daquele estatuto que:
5. No caso de recusa de inscrição preparatória ou de inscrição na Associação, pode o interessado recorrer para a Assembleia Geral, nos termos do disposto no artigo 5.º.
Dispõe ainda o nº 2 do artº 21º daquele estatuto que “à Assembleia Geral cabe deliberar sobre todos os assuntos que não estejam compreendidos nas competências especificas dos restantes órgãos da Associação”.
É da competência da Direcção nos termos do nº 1 do artº 29º daquele Estatuto:
1. Compete à Direcção:
a) Representar a Associação em juízo e fora dele, designadamente perante os órgãos de governo e os tribunais;
b) Zelar pelo cumprimento da legislação respeitante à Associação e respectivos regulamentos e pela prossecução das atribuições que lhe são conferidas;
c) Fazer executar as deliberações da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal;
d) Promover a cobrança das receitas e autorizar despesas orçamentais podendo, quando necessário, promover a abertura de créditos extraordinários;
e) Apresentar anualmente à Assembleia Geral o projecto de orçamento para o ano civil seguinte, as contas do ano civil anterior e o relatório sobre as actividades anuais;
f) Promover, por iniciativa própria ou a solicitação da Assembleia Geral, os actos necessários ao patrocínio dos Advogados ou para que a Associação se constitua assistente, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 4.º;
g) Cometer a qualquer dos órgãos sociais ou aos respectivos membros a elaboração de pareceres sobre quaisquer matérias que interessem às atribuições da Associação;
h) Dirigir os serviços da Associação;
i) Exercer as demais atribuições que as leis e regulamentos lhe confiram
Como se vê da redacção do nº1 do artº 5º do indicado estatuto está expressamente consagrado o direito a recorrer dos actos da Direcção impondo contudo a lei a impugnação administrativa necessária.
Contrariamente ao que se pretende fazer crer, quando o nº 1 da indicada disposição diz que dos actos da Administração se admite recurso para a Assembleia Geral não se está a consagrar a possibilidade do interessado poder escolher entre a impugnação administrativa e o recurso contencioso, mas tão só a conferir o direito a impugnar administrativamente o acto praticado pela Direcção para a Assembleia Geral.
Interpretação esta que não é contrariada pela versão chinesa do diploma em que o carácter utilizado tem o significado de poder no sentido de conferir o direito a.
Por sua vez, o nº 3 do indicado preceito é claro ao definir que dos actos definitivos e executórios da Assembleia Geral cabe recurso contencioso.
Há que entender que o legislador se expressa sempre da melhor forma, pelo que, se a intenção tivesse sido a de consagrar a impugnação administrativa facultativa a par do recurso contencioso, assim havia sido dito no referido nº 1 tal como se diz na parte final do nº 3.
No entanto o que resulta da conjugação dos três números do artº 5º do Estatuto da Associação Pública dos Advogados de Macau é que no nº 1 se consagra o direito à impugnação administrativa necessária dos actos praticados pelos órgãos ali indicados para a Assembleia Geral no prazo de 15 dias de calendário, isto é prazo contínuo, e dos actos definitivos e executórios da Assembleia Geral cabe, então, recurso contencioso nos termos da lei de processo.

Alega-se ainda que esta norma só seria aplicável aos associados e que o Recorrente não tem essa qualidade.
Porém, o contrário resulta do nº 5 do artº 47º que determina que qualquer interessado a quem seja recusada a inscrição preparatória pode recorrer para a Assembleia Geral.
Ora, o Recorrente enquanto Advogado estagiário viu ser suspensa a sua inscrição como tal pela Direcção da Associação, pelo que, não faria sentido que estando sujeito à disciplina e decisões da Direcção não pudesse depois reagir como qualquer outro associado.
Por outro lado, a interpretação sistemática do diploma não permite outra conclusão, pois se o interessado a quem é recusada a inscrição provisória tem necessariamente que recorrer à impugnação administrativa necessária para a Assembleia Geral é manifesto que os associados e aqueles que estão sujeitos à disciplina e decisões da Direcção e que queiram reagir contra os actos desta tenham que proceder da mesma forma, impugnando previamente para a Assembleia Geral e só da decisão que por esta venha a ser proferida possam interpor recurso contencioso se preenchidos os demais requisitos.
Mais se alegava a repartição de competências entre a Assembleia Geral e a Direcção, contudo, em momento algum resulta que o acto impugnado haja sido praticado no exercício de competência exclusiva da Direcção e cuja matéria esteja vedada à apreciação da Assembleia Geral.
Ou seja, o estatuto da Associação Pública dos Advogados de Macau mais não faz do que acompanhar o disposto no artº 154º do Código do Procedimento Administrativo e nº 1 do artº 28º do CPAC consagrando a definitividade meramente vertical.
Não sendo matéria da exclusiva competência da Direcção, e sendo a Assembleia Geral o órgão de topo da Associação, a solução adoptada pelo Estatuto da Associação Pública dos Advogados de Macau corresponde ao regime jurídico consagrado no CPA e CPAC fazendo-se depender a recorribilidade das decisões da Direcção da impugnação administrativa necessária para a Assembleia Geral.
Sendo claro que o espírito do diploma foi reservar o recurso contencioso apenas para os actos definitivos e executórios da Assembleia Geral, outra solução não cabe que não seja a de concluir pela irrecorribilidade do acto impugnado.
A irrecorribilidade do acto de acordo com a al. c) do nº 2 do artº 46º do CPAC é elevada a pressuposto processual relativo ao objecto do recurso que uma vez não verificado obsta a que o tribunal conheça do mérito o que se traduz numa excepção dilatória, de conhecimento oficioso e que conduz à absolvição da instância nos termos da indicada disposição legal.
Neste sentido veja-se José Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, Vol. I, pág. 354:
«O nº2, no seu proémio, estabelece uma condição geral de rejeição: o recurso será liminarmente rejeitado quando seja manifesta a verificação de circunstâncias que obstem ao seu prosseguimento.
Isto significa que estamos perante uma norma aberta que permite a densificação através de casos concretos que impeçam o prosseguimento do recurso e que tenham natureza meramente processual (nunca substantiva ou de fundo). E esses pressupostos terão que ser “manifestos”, ou seja, é preciso que a ocorrência daquelas circunstâncias adjectivas/formais seja evidente (“…manifesta…”), que não deixe margem para qualquer dúvida. E manifesta, sim, porque a rejeição liminar é uma medida fortemente severa que só deve ser aplicada quando o juiz não é assaltado por qualquer dúvida sobre o assunto. Em caso de dúvida no seu espírito, deve permitir que o processo avance e esperar que as partes tragam ao debate processual fundamentos mais claros que possam, então sim, tranquilamente levar a uma decisão formal muito mais consensual e segura.
4 – Os pressupostos processuais representam uma qualidade que é preciso previamente observar para que o tribunal possa realmente apreciar o direito invocado pelo recorrente. Distribuem-se entre aqueles que são relativos ao tribunal e às partes e os que são relativos ao processo e ao objecto do recurso.
Na medida em que estes pressupostos não forem, ou não puderem ser, sanados, eles confluem naquilo a que se designa por excepções dilatórias e que impedem o conhecimento do objecto do recurso.
As excepções dilatórias se forem apreciados na fase liminar do processo conduzem à rejeição liminar. Assim o proclama o art. 46.º do CPAC.
Ultrapassada a fase liminar do processo – por exemplo, na fase do saneamento e até mesmo na fase da decisão final, a solução processual para elas pode ser a absolvição da instância, tal como emerge dos arts. 230.º e 413.º do CPC.».
Destarte, impõe-se decidir em conformidade, decidindo-se agora pela irrecorribilidade do acto, absolvendo a Recorrida inicial Direcção da Associação dos Advogados de Macau da instância e revogando a decisão recorrida.

No mesmo sentido já se decidiu no Acórdão deste Tribunal de 13.05.2021 proferido no processo nº 33/2021.»

II) DECISÃO
  
Termos em que, pelos fundamentos expostos se decide absolver a Recorrida inicial Direcção da Associação dos Advogados de Macau da instância, revogando a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente inicial (A) fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s.

Registe e Notifique.

RAEM, 25 de Janeiro de 2024

Rui Pereira Ribeiro
(1º Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2º Juiz-Adjunto)

Tong Hio Fong
(Juiz Relator) (vencido nos termos da fundamentação
transcrita no Acórdão)


Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)






Recurso Jurisdicional 489/2023 Página 34