Processo nº 270/2023
(Autos de Recurso Contencioso)
Data do Acórdão: 01 de Fevereiro de 2024
ASSUNTO:
- Autorização de residência
- Residência habitual
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 270/2023
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 01 de Fevereiro de 2024
Recorrentes: (A) e (B)
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
(A) e (B), com os demais sinais dos autos,
vêm interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 23.02.2023 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência, formulando as seguintes conclusões:
I. O objecto do presente recurso contencioso é o despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças (ou seja, recorrido) em 23 de Fevereiro de 2023, tendo decidido indeferir o recurso hierárquico necessário interposto em 13 de Dezembro de 2021 pela recorrente, mantendo a decisão tomada em 12 de Novembro de 2021 pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Desenvolvimento de Macau, de declarar caducada a autorização da residência temporária de Macau válida até 14 de Dezembro de 2021 da interessada, (B). A prolação do despacho tem por base o teor de 6 páginas da proposta no. PRO/0xxx/AJ/2022 envolvido nos autos em causa (doravante designada por “decisão recorrida”).
II. De um modo geral, a referida proposta refere especialmente o facto de a residência habitual na RAEM ser condições para manter a autorização de residência, mas, de acordo com as informações de entrada e saída e as informações relevantes dos autos, (B) (ou seja, o agregado familiar da requerente (A)) não resida habitualmente na RAEM, pelo que já não reúne as condições para a manutenção da autorização de residência temporária.
III. Salvo o devido respeito, a recorrente não concorda com esse ponto de vista e a decisão tomada em conformidade com este ponto de vista, vem, então, interpor o presente recurso contencioso.
IV. O nº. 3 do artigo 9º da Lei nº. 4/2003 não dá uma definição detalhada sobre a residência habitual, não existindo sequer qualquer exigência quanto ao número de dias de permanência.
V. Ao julgar se (B) vive habitualmente em Macau e toma Macau como centro da sua vida, é necessário considerar de forma abrangente a situação pessoal de (B) e o motivo das ausências.
VI. De facto, (B) estuda permanentemente fora de Macau, isso não significa que a sua "casa" seja no exterior. Estudar no exterior é apenas para satisfazer as suas necessidades académicas, perseguir os seus sonhos, alargar a sua visão e padrão, e para ter no futuro melhores perspectivas de emprego, exercendo o poder legal individual para escolher escola, profissionalismo, futuro e planeamento.
VII. Desde 2015 (ou seja, depois que sua autorização de residência temporária foi aprovada em 22 de Janeiro de 2014), (B) frequentou o curso "Actuação Profissional" na "Nanjing University of the Arts" e obteve a licenciatura.
VIII. Todas as circunstâncias pessoais acima referidas (e a situação previsível de não estar em Macau), foram declaradas detalhadamente ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau no requerimento de 14 de Fevereiro de 2019 (vide doc. 1 do processo no. P1632/2008/03R), após análise abrangente à situação de (B) pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, através do ofício nº. OF/03443/DJFR/2019, foi notificada de aprovação da renovação da autorização de residência temporária de (B) (vide anexo 5 do processo no. P1632/2008/03R), e, finalmente, em 17 de Dezembro de 2019, foi emitido um Bilhete de Identidade de Residente não Permanente válido (vide anexo 4 do processo no. P1632/2008/03R) (doc. 2 submetido ao IPIM para análise juntamente com a "Resposta" de 9 de Novembro de 2021) pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau.
IX. Salvo o devido respeito a opiniões deferentes, a recorrente considera que, ao apreciar a renovação da autorização de residência temporária de (B), de acordo com as disposições anteriores, sobre se (B) cumpre o requisito de "residente habitual em Macau" estipulado no artigo 23º do Regulamento Administrativo nº. 3/2005 que complementa a aplicação do no. 3 do artigo 9º da Lei nº. 4/2003, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau fez um juízo positivo (mais favorável a (B)), caso contrário, o referido Instituto não aprovaria a renovação da autorização de residência temporária de (B) (deveria ter rejeitado o pedido de renovação relevante, alegando que (B) não residia habitualmente em Macau).
X. No entanto, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau não indeferiu o pedido de (B) referente à renovação da autorização de residência temporária, tendo mesmo aprovado o pedido da renovação da autorização de residência temporária de (B).
XI. As decisões judiciais são tomadas com base em condições específicas do caso (factos provados), podendo os aplicadores da lei ter opiniões divergentes sobre o entendimento da mesma lei, não podendo ser excluído que o aplicador da lei ajuste o actual opinião legal.
XII. De facto, salvo o devido respeito, a recorrente acredita que desde o momento em que a principal requerente, (A), fez o pedido pela primeira vez de autorização de residência temporária, e o pedido beneficiou a descendente (B) até ao presente, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, o seu pessoal, outros departamentos (como Corpo de Polícia de Segurança Pública, Direcção dos Serviços de Identificação, etc.) e outras pessoas relevantes, não forneceram quaisquer avisos, orientações, explicações, interpretações, comunicações ou requisitos para a residência de longa duração em Macau sobre o que se entende por “residência habitual” e “levar Macau como o centro da vida para realizar os assuntos diários”, explicando como cumprir os requisitos de “residência normal” e “levar Macau como o centro da vida para realizar os assuntos diários”, se existir esta cooperação mútua tão estreita, deve certamente preencher o princípio da cooperação e seu espírito.
XIII. Conforme acima referido, no pedido de renovação da autorização de residência temporária de (B), a autoridade administrativa deve analisar as declarações feitas no pedido de renovação nos termos legais, e determinar se (B) cumpre o artigo 23º. do Regulamento Administrativo nº. 3/2005, complementado com a condição de "residência habitual em Macau" estipulada no no. 3 do artigo 9º da Lei nº. 4/2003, fazendo juízo/revisão para tomar decisão de aprovação/reprovação.
XIV. Quanto ao pedido de renovação da autorização de residência temporária de (B), quem aplica a lei (especialmente o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau) tomou a decisão de aprovar o pedido. Pensando no ponto de vista das pessoas comuns, a recorrente (incluindo (B)) deve ter expectativas legítimas e confiança, convencida de que a sua ausência de Macau não constitui um incumprimento dos requisitos de residência habitual em Macau.
XV. Quando a autoridade administrativa (em especial, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau) estabelecer uma relação com a recorrente e praticar o acto, deve ter especialmente em consideração os valores básicos acima referidos de expectativas legítimas e confiança, que devem certamente preencher o princípio da boa fé e seu espírito.
XVI. A fim de criar um sistema justo e imparcial, mais compreensível e confiável para os residentes de Macau, a autoridade administrativa deve tomar as medidas apropriadas para buscar o interesse público.
XVII. De facto, para (B), Macau é a sua casa, o local onde realmente se fixa.
XVIII. Como todos sabemos, em Janeiro de 2020, o novo tipo de coronavírus estourou no mundo.
XIX. A situação epidémica fora do país também era muito tensa. (B), que na altura estava nos Estados Unidos, originalmente pretendia tomar a medida de não se mover o máximo possível, mas em meados de 2020, a saúde de sua avó (C) estava em crise, (B) decidiu voltar para Nanjing para acompanhar sua avó e, considerando que o ambiente antiepidémico da China era muito melhor do que o de qualquer outro país ou região, então finalmente comprou uma passagem de avião e voltou para Nanjing.
XX. Além disso, (C), avó de (B), não é residente de Macau, de acordo com o estado de saúde de (C) e tendo em conta na altura os requisitos de prevenção da epidemia em Macau, (C) não podia e não devia mudar-se para Macau para viver com (B), (B) teve que cuidar e acompanhar sua avó (C) em Nanjing.
XXI. Como todos sabemos, devido ao impacto da epidemia, todas as atividades quase pararam, então, (B) esteve sempre retida em Nanjing.
XXII. Mesmo quando a epidemia diminuiu ligeiramente (o número de infecções e mortes estava cada vez mais sob controle), o governo e as informações oficiais ainda apelavam que as pessoas tentassem não viajar, entretanto, (B) também estava preocupada com que o seu movimento tivesse um impacto negativo à epidemia. Isto não podia ser entendido porque (B) podia regressar a Macau mas não regressou a Macau foi uma violação da “residência habitual” e “levar Macau como o centro da vida para realizar os assuntos diários”.
XXIII. Além disso, perante a situação de a epidemia estourar a qualquer momento, uma vez que retornava a Macau, de acordo com o estado de desembaraço aduaneiro caprichoso na época, podia nunca mais ver a avó, então, não podia retornar a Macau imediatamente sob o ambiente severo da epidemia.
XXIV. Todavia, encontrava-se na idade em que precisava de trabalhar com esforço, e ao mesmo tempo, para as necessidades da vida, (B) não queria e não podia perder seu tempo, e também para começar a acumular experiência de trabalho o mais rápido possível, então, sob as condições da situação epidémica, arranjou em Nanjing, com imensas dificuldades, um emprego que lhe convinha.
XXV. A recorrente considera que cuidar dos idosos é um dever de todos, não podendo considerar-se que Macau não seja o centro da vida só porque quer cuidar e acompanhar os idosos. Antes e depois da morte de (D), avô de (B), a mesma também foi a Nanjing para acompanhar a última viagem da vida de seu avô.
XXVI. (B) tem um relacionamento muito profundo com seus avôs e espera estar com os idosos quando a saúde destes estiverem em crise, para não causar arrependimentos por toda a vida.
XXVII. Além disso, sob o forte impacto da epidemia, não era fácil encontrar um emprego que lhe convinha, ou mesmo encontrar um emprego. (B) valorizava a oportunidade de trabalhar e esperava estabelecer as bases para seu futuro e criar uma trajetória de vida melhor e reservar capacidade suficiente para retornar a Macau para o desenvolvimento e contribuir para Macau.
XXVIII. (B) planeou retornar a Macau para trabalhar com certa experiência acumulada depois que a epidemia acabasse, mas, isso foi adiado por quase dois anos, e a epidemia incontrolável e repetida levaram a várias incertezas, sendo a passagem aduaneira inconveniente, bem como o ambiente económico geral foi lento e em recessão.
XXIX. Se voltasse a Macau naquela altura, (B) teria de procurar emprego novamente, e poderia não conseguir encontrar um emprego que lhe conviesse, e poderia demorar muito tempo a encontrar um emprego que lhe conviesse, e podia se desviar de seu plano para o futuro.
XXX. As recorrentes (A) e (B) esperam sinceramente que o governo de Macau possa considerar a situação do ambiente severo da epidemia, sendo capaz de avaliar a situação, sendo flexível e fazendo os devidos ajustamentos e considerações de acordo com os requisitos da lei. Num sentido real, não é que (B) não tome Macau como o centro da vida, tratando-se de uma mudança indiferente de estudar, ficar em Nanjing e lá trabalhar, não estar em Macau permanentemente não significa que não tome Macau como “residência habitual”. Macau ainda é o centro da vida, e as pessoas e coisas em Macau relacionadas com (B) não mudaram. É apenas forçada pelo meio ambiente (especialmente a epidemia) e pela vida, e deve adoptar o modo de vida mais adequado para si própria, mais propício ao seu desenvolvimento a longo prazo, mais humanizado, mais viável e mais seguro.
XXXI. A residência de família das recorrentes (A) e (B) situa-se em Macau, na Rua da Bacia Sul, no. X, Edf. “XX”, Xº. andar-Z, esta residência sempre é a casa das duas pessoas, não foi arrendada nem vendida. As despesas da água e electricidade, o foro, a contribuição predial e os condomínios estão pagos a tempo porque esta é o seu abrigo e o centro da vida.
XXXII. (B) já estabeleceu a sua própria rede pessoal e círculo em Macau, por exemplo, dois amigos de (B) encontram-se frequentemente com ela.
XXXIII. Se não fosse por estudar e ser afectado pela epidemia, (B) teria voltado a Macau para se desenvolver, mas, só pode manter o estado actual de acordo com a presente situação. (B) planeou voltar a Macau (casa) para desenvolver e contribuir para a construção de Macau.
XXXIV. Assim, a liberdade e o direito de escolha dos recursos educativos, bem como o modo de vida que devem ser adoptados devido ao impacto da epidemia, não devem ser considerados como uma violação dos regulamentos de “residência habitual” em Macau e de “levar Macau como o centro da vida para realizar os assuntos diários”.
XXXV. No pressuposto de respeitar as diferentes opiniões, a recorrente acredita que as circunstâncias no processo no. 268/2021 do Tribunal de Segunda Instância são muito semelhantes às do presente caso, aliás, a recorrente concorda com a jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância no processo em causa.
XXXVI. Vale ressaltar que (A) solicitou uma autorização de residência temporária com base na compra de imóvel de acordo com a lei da época, e (B) e (A) já dedicaram muito tempo e esforços para mudar o centro da vida do continente para Macau desde a compra de imóvel e a apresentação do pedido acima mencionado, tendo estabelecido rede interpessoal e de vida em Macau e formado hábitos de vida correspondentes, se for mantida a decisão de declarar caducada a autorização de residência temporária válida até 14 de dezembro de 2021 de (B), descendente de (A), isso terá um enorme impacto negativo na família das recorrentes (A) e (B), incluindo, mas não se limita à futura pensão de (A), ao círculo social de (B), futuro planeamento de carreira e futuro, etc.
XXXVII. Salvo o devido respeito, a recorrente entende que neste caso, a decisão recorrida violou a lei (alínea d) do no. 1 do artigo 21º do Código do Processo Administrativo Contencioso), o princípio da cooperação (no. 1 do artigo 21º do Código do Processo Administrativo Contencioso, conjugado com o artigo 9º do Código do Procedimento Administrativo) e o princípio da boa fé (no. 1 do artigo 21º do Código do Processo Administrativo Contencioso, conjugado com o artigo 8º do Código do Procedimento Administrativo), pelo que, requer ao Mmo. Juiz que nos termos do artigo 20º do Código do Processo Administrativo Contencioso, ordene anular a decisão recorrida.
Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões:
1. Não padece do vício alegado pelas recorrentes, a decisão tomada em 23 de Fevereiro de 2023 pela entidade recorrida que rejeitou o recurso hierárquico necessário interposto pelas recorrentes contra a decisão do então presidente do Conselho de Administração do IPIM, de 12 de Novembro de 2021, que tinha declarado caduca a autorização de residência que à 2.ª recorrente tinha sido concedida.
2. A residência habitual prevista no art.º 9.º, n.º3 da Lei n.º4/2003, aplicável subsidiariamente pelo art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º3/2005, como requisito legal da manutenção da autorização de residência, também é aplicável ao presente caso.
3. O cumprimento da lei é da responsabilidade das recorrentes, a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento.
4. É certo que cabe às recorrentes procurar saber e cumprir as disposições legais por suas iniciativas próprias.
5. No passado, o serviço público chegou a proceder à notificação escrita, de tal modo a advertir às recorrentes que devessem observar as disposições legais quanto à residência habitual em Macau.
6. Pelo que não procede a invocação de violação do princípio da cooperação.
7. Devem as recorrentes cumprir as disposições legais aplicáveis, a fim de satisfazer os pressupostos e requisitos para a manutenção da autorização de residência concedida, incluindo a residência habitual em Macau.
8. Não é inadequado o que o órgão competente, nos termos da lei, procedeu ao exame da situação da 2.ª recorrente no passado, quanto à residência em Macau.
9. Quando se vai analisar a situação de residência habitual de pessoa, para além de considerar o lugar de residência daquela pessoa, ainda há que considerar o centro de vida daquela pessoa, bem como a relação jurídica efectiva e estável entre aquela pessoa e o lugar.
10. No período compreendido entre Janeiro de 2017 e Junho de 2020, a 2.ª recorrente prolongadamente vivia, estudava e trabalhava fora de Macau, e anualmente não permaneceu em Macau por mais de 17 dias (vezes).
11. Durante as férias ou após a conclusão do curso de licenciatura, a 2.ª recorrente também não regressou a Macau para desenvolver a sua vida pessoal.
12. A continuação de viver e trabalhar em Nanjing é uma escolha pessoal da 2.ª recorrente, mas absolutamente não deve ser considerada como justa causa da sua ausência de Macau.
13. Também não tem razão o que invocaram que a epidemia impediu a vinda da 2.ª recorrente para residir em Macau.
14. Nunca o governo de Macau promulgou qualquer documento regulamentar para impedir a entrada em Macau dos residentes de Macau.
15. Na realidade, durante o período de epidemia, também havia turistas e residentes continuavam a sair de Macau para ir ao Interior da China ou do Interior da China entraram em Macau.
16. Isto reflecte que a epidemia não é uma justa causa para impedir o regresso da 2.ª recorrente do Interior da China a Macau para viver.
17. E muito menos ainda, antes de ocorrência da epidemia, a 2.ª recorrente já raramente permaneceu em Macau.
18. E o número de dias de permanência da 2.ª em Macau também não corresponde ao que alega a 2.ª recorrente que no passado vivia e tinha o seu centro de vida no imóvel detido pela 1.ª recorrente em Macau.
19. Até á presente data, não há qualquer prova documental para provar a veracidade do que alega a 2.ª recorrente que em 2020 tivesse de ficar em Nanjing para cuidar da sua avó que estava em crise da saúde.
20. Daí pode-se saber que o motivo da ausência de Macau da 2.ª recorrente alegada na petição inicial que deveria ser considerado não é de força maior ou de livre disposição da 2.ª recorrente, mas sim a 2.ª recorrente obedeceu à sua vontade e optou por viver e trabalhar no Interior da China
21. A 2.ª recorrente optou por viver e trabalhar em Nanjing, deve necessariamente aceitar o abandono de viver e trabalhar em Macau.
22. Segundo o número de dias de permanência da 2.ª recorrente em Macau e o motivo da sua ausência de Macau, os quais mostram basicamente que a 2.ª recorrente não desenvolveu em Macau a sua vida pessoal, nem estabeleceu qualquer ligação concreta e estável com Macau onde também não tinha vontade de residir.
23. Com base nisso, o órgão competente não pode invocar o disposto no art.º 4.º, n.º4 da Lei n.º8/1999, de tal modo a determinar se a 2.ª recorrente residia habitualmente em Macau no passado.
24. Nos termos do art.º 9.º, n.º3 da Lei n.º4/2003 (Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência) e do art.º 24.º, al. 2) do Regulamento Administrativo n.º5/2003, a falta de residência habitual da 2.ª recorrente em Macau conduz à caducidade da autorização de residência.
25. Isto é, a residência habitual em Macau é requisito legal para a manutenção da autorização de residência concedida.
26. Quando o serviço público verificar a falta de residência habitual da interessada em Macau, deve declarar caduca a respectiva autorização de residência já concedida.
27. Perante tal circunstância, o serviço competente não tem espaço para o exercício do poder discricionário.
28. Uma vez que deve a 2.ª recorrente ser julgada não ter residido habitualmente em Macau, consequentemente só pode o órgão competente declarar caduca a autorização de residência que lhe tinha sido concedida.
29. O princípio da boa-fé só é aplicável aos actos administrativos que impliquem o exercício do poder discricionário.
30. A invocação da violação do princípio a boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo.
31. Antes de ser declarada caduca a autorização de residência da 2.ª recorrente, a residência habitual dela nunca foi reconhecida ou confirmada pelo órgão competente, pelo que não é possível que ela tenha expectativa razoável quanto a isso.
32. Pelo que não procede a invocação da violação do princípio da boa fé por parte da decisão recorrida.
33. Nos autos em concreto, tendo o órgão competente já notificado as recorrentes da necessidade do cumprimento das disposições quanto à residência habitual em Macau, mas a 2.ª recorrente obedeceu à sua escolha pessoal, o que fez com que não preenchesse os requisitos legais para a manutenção da autorização de residência, e o órgão competente, por sua vez, não tinha outra escolha senão declarar a caducidade da autorização de residência.
34. A decisão recorrida reúne as disposições e princípios da lei, não se verificando o vício alegado pelas recorrentes.
As partes foram notificadas para apresentar alegações facultativas, tendo silenciado.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
a) Na sequência do indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência em Macau formulado pelas Recorrentes, interpuseram estas recurso hierárquico daquele despacho, vindo por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 23.02.2023, aquele recurso hierárquico a ser indeferido nos termos e com os fundamentos da Proposta nº PRO/0xxx/AJ/2022, a qual consta de fls. 17 a 22 e traduzida a fls. 69 a 83 e com o seguinte teor:
Assunto: Propor indeferir o recurso hierárquico necessário
(Processo no. 1xxx/2008/03R)
Proposta no. PRO/0xxx/AJ/2022
Data: 06/01/2022
Para: Exma. Sra. Directora do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência, (L)
1. A recorrente (A), nos termos do Regulamento Administrativo nº. 3/2005, obteve em 14 de Dezembro de 2009, pela primeira vez, a autorização de residência temporária pelo investimento imobiliário, tendo já obtido o bilhete de identidade de residente permanente de Macau; durante esse período, em 22 de Janeiro de 2014, devido ao benefício, foi deferida e concedida a autorização de residência temporária à descendente (B), sendo a respectiva autorização de residência temporária válida até 14 de Dezembro de 2021.
2. Uma vez que a descendente acima referida não residia habitualmente na RAEM durante a constância da autorização de residência temporária, nos termos do despacho nº. 68/2020 do Secretário para a Economia e Finanças, o Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, no uso da competência ora subdelegada da prolação de decisão do Secretário para a Economia e Finanças referente à renovação da autorização de residência temporário por compra de imóvel, declarou, em 12 de Novembro de 2021, nos termos do artigo 23º do Regulamento Administrativo nº. 3/2005, sendo aplicável o no. 3 do artigo 9º da Lei no. 4/2003 e a alínea (2) do artigo 24º do Regulamento Administrativo nº. 5/2003, a caducidade da autorização de residência temporária de (B), descendente de (A) válida até 14 de Dezembro de 2021.
3. Em relação à decisão pertinente, este Instituto notificou a recorrente em 12 de Novembro de 2021 por meio do ofício no. OF/0xxx/DJFR/2021. De acordo com o recibo com assinatura à recepção do ofício deste Instituto, consta que o ofício foi acusado a sua recepção em 15 de Novembro de 2021 pelo constituinte da recorrente (vide doc. 1).
4. Nos termos do artigo 3º do despacho do Secretário para a Economia e Finanças no. 68/2020: “Dos actos praticados no uso da competência ora subdelegada, cabe recurso hierárquico necessário.”
5. O constituinte da recorrente, interpôs em 13 de Dezembro de 2021, o recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Economia e Finanças (vide doc. 2).
6. Nos termos do artigo 155º do Código do Procedimento Administrativo, é de trinta dias o prazo para a interposição do recurso hierárquico necessário, de acordo com o respectivo documento de registo de recebimento, revela-se que o recurso hierárquico necessário preenche as disposições do prazo legal.
7. O principal conteúdo do supracitado recurso hierárquico necessário é como o seguinte:
1) O nº. 3 do artigo 9º da Lei nº. 4/2003 não dá uma definição detalhada sobre a residência habitual, não existindo sequer qualquer exigência quanto ao número de dias de permanência. A descendente estuda permanentemente fora de Macau, isso não significa que a sua "casa" seja no exterior. Depois que a sua autorização de residência temporária foi aprovada, chegou a obter a licenciatura na "Nanjing University of the Arts".
2) As circunstâncias pessoais acima referidas (e a situação previsível de não estar em Macau), foram declaradas detalhadamente pela recorrente ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (doravante designado por “IPIM”) no requerimento de 14 de Fevereiro de 2019. Após a consideração abrangente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, foi deferida a renovação da autorização de residência temporária; nos termos do no. 2 do artigo 19º do Regulamento Administrativo nº. 3/2005, entende que o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau fez um juízo positivo (mais favorável a (B)), caso contrário, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau não aprovaria o pedido de renovação da interessada.
3) De facto, desde que a principal recorrente fez o pedido pela primeira vez de autorização de residência temporária, e o pedido beneficiou a descendente (B) até ao presente, o IPIM e outros departamentos (como Corpo de Polícia de Segurança Pública, Direcção dos Serviços de Identificação, etc.) e outras pessoas relevantes, não forneceram quaisquer avisos, orientações, explicações, interpretações, comunicações ou requisitos para a residência de longa duração em Macau sobre o que se entende por “residência habitual” e “levar Macau como o centro da vida para realizar os assuntos diários”, explicando como cumprir os respectivos requisitos, se existir esta cooperação mútua tão estreita, deve certamente preencher o princípio da cooperação e seu espírito.
4) Quem aplica a lei (especialmente o IPIM) tomou a decisão de aprovar o pedido, pensando no ponto de vista das pessoas comuns, a recorrente (incluindo a descendente) deve ter expectativas legítimas e confiança, convencida de que a sua ausência de Macau não constitui um incumprimento dos requisitos de residência habitual em Macau.
5) Em Janeiro de 2020, o novo tipo de coronavírus estourou no mundo, a descendente, que na altura estava nos Estados Unidos, por a saúde de sua avó estar em crise, decidiu voltar para Nanjing para acompanhar sua avó; alem disso, a sua avó não é residente de Macau, não podia e não devia mudar-se para Macau para viver com ela, então, teve que cuidar e acompanhar sua avó em Nanjing; preocupava-se com que uma vez que retornava a Macau, de acordo com o estado de desembaraço aduaneiro na época, podia nunca mais ver a avó, então, não podia retornar a Macau imediatamente; cuidar dos idosos é um dever de todos, não podendo considerar-se que Macau não seja o centro da vida só porque quer cuidar e acompanhar os idosos.
6) Além disso, a descendente, perante o impacto da epidemia, não era fácil encontrar um emprego em Nanjing, se voltasse a Macau, teria de procurar emprego novamente, e poderia não conseguir encontrar um emprego que lhe conviesse. Tratando-se de uma mudança indiferente de estudar, ficar em Nanjing e lá trabalhar, não estar em Macau permanentemente não significa que não tome Macau como “residência habitual”. A liberdade e o direito de escolha dos recursos educativos, bem como o modo de vida que devem ser adoptados devido ao impacto da epidemia, não devia considerar que a descendente não preencheu os requisitos de residir habitualmente em Macau.
7) A residência familiar da recorrente e da descendente é o bem imóvel em que assenta o pedido de autorização de residência temporária. Esta residência sempre é a casa das duas pessoas, não foi arrendada nem vendida, as respectivas despesas estão pagos a tempo.
8) Além disso, a recorrente entende que se a norma for clara, se for conhecida no início do pedido, e não forem cumpridas as condições da autorização de residência temporária, a recorrente deve obedecer. Se for mantida a decisão de declarar caducada a autorização de residência temporária da descendente, isso terá um impacto negativo à sua família.
9) Face ao acima exposto, requer ao Senhor Secretário que, especialmente de acordo com os princípios da boa fé, da protecção da confiança legitima, da cooperação e da proporcionalidade previstos no Código do Procedimento Administrativo, admita os fundamentos do presente recurso hierárquico, ordena que anule a decisão do IPIM de declarar caducada a autorização de residência temporária da descendente, e defira o pedido de confirmação de declaração.
8. Quanto ao recurso hierárquico necessário, cuja análise é a seguinte:
1) Em primeiro lugar, no que diz respeito ao deferimento ao pedido de renovação da autorização de residência temporária interposto pela recorrente em 14 de Fevereiro de 2019 no recurso hierárquico necessário, o constituinte inferiu assim que a autoridade administrativa fez um juízo positivo sobre se a interessado (B) atendia à residência habitual e fê-lo suscitar as suas expectativas legítimas;
2) Refira-se que, da verificação do processo, antes de praticar o acto administrativo recorrido, a autoridade administrativa nunca se pronunciou sobre a situação de a interessada (B) "residir habitualmente em Macau", nem fez qualquer confirmação à pessoa interessada, conforme a situação do acórdão nº 550/2018 citada pelo advogado neste recurso hierárquico: “nem se apura que o IPIM se haja comprometido a fornecer tal elucidação à recorrente ou lhe haja incutido a expectativa de não questionar ou não sindicar o tempo da sua efectiva permanência em Macau, ao abrigo da autorização de residência concedida. De outra banda, a circunstância de ter sido declarada a caducidade com base numa situação fáctica ocorrida antes da renovação de 2016 em nada briga com o princípio da boa-fé. Pois nada indica, nem a recorrente o sugere, que, ao renovar a autorização de residência em 2016, a Administração tivesse já conhecimento dos motivos fácticos em que posteriormente se louvou para justificar a caducidade.”, portanto, a inferência do advogado não pode ser estabelecida, e a autoridade administrativa nunca deu expectativas relevantes à interessada.
3) Em segundo lugar, em relação ao argumento do advogado de que reiterou que a autoridade administrativa nunca deu uma definição e orientação clara sobre a residência habitual, o acto recorrido foi analisado na Proposta PRO/0xxx/DJFR/2021, cabe ainda ressaltar que nos termos do artigo 5º da Lei nº. 8/1999, presume-se que os portadores de Bilhete de Identidade de Residente da RAEM válidos, residem habitualmente em Macau, no caso de existirem dúvidas sobre se o interessado reside habitualmente em Macau, cabe à autoridade administrativa apreciar o facto nos termos legais.
4) O advogado salientou ainda que a autoridade administrativa não avisou sobre a residência habitual, no entanto, a lei não previa que a autoridade administrativa fosse obrigada a explicar o conceito de “residência habitual” aos requerentes de autorização de residência temporária; e de acordo com a informação dos autos, mostra que na notificação nº. 03443/DJFR/2019 emitida pela autoridade administrativa em 16 de Agosto de 2019 para deferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária, exige claramente que a interessada "Leia atentamente as precauções no verso da página", e o verso da página refere que "Para efeitos de pedido de residente permanente, a interessada deve respeitar os regulamentos de residência habitual em Macau" (vide doc. 3).
5) Além disso, em relação à questão de se a descendente residir habitualmente ou não em Macau, deve ter juízo nos termos do no. 4 do artigo 4º da Lei no. 8/1999: “Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores”;
(1) Quanto ao período e frequência de ausências em Macau, de acordo com os registos de entrada e saída constantes dos autos, revelam que a interessada (B) permaneceu em Macau apenas 14, 17, 10 e 0 dias, de 2017 a 30 de Junho de 2020 ; além disso, de acordo com a informação (vide doc. 3) preenchida em 14 de Fevereiro de 2019 pela recorrente no boletim de renovação, tanto a recorrente como a interessada residirem actualmente em Nanjing, Jiangsu, verifica-se que a interessada não esteve em Macau a maior parte do tempo no passado.
(2) Quanto ao motivo de ausências, o advogado reiterou que a interessada estava a estudar no exterior, pelo que, devido ao impacto da epidemia, devia ficar em Nanjing para cuidar da avó e lá trabalhar, pelo que não devia ser considerada como violação do requisito de "residência habitual" em Macau, bem como apresentou o atestado médico da avó no presente recurso hierárquico necessário;
(3) Refira-se que, apesar de a interessada estar a estudar no exterior, consta dos registos de entrada e saída que não optou por passar as férias de inverno e de verão em Macau durante mais de três anos, tendo apenas permanecido em Macau, ao máximo, 7 dias durante as longas férias; sendo difícil, da trajectória da interessada, reflectir a sua ligação estreita e efectiva com Macau. Além disso, de acordo com o "Certificado de Conclusão do Ensino Superior Geral" e "Certificado de Licenciatura" apresentados pelo advogado neste recurso hierárquico necessário, mostra que a interessada concluiu o curso em 28 de Junho de 2019 e já obteve a licenciatura. No entanto, de acordo com os registos de entrada e saída, mostram que a interessada permaneceu em Macau durante 4 dias, 1 dia e 2 dias em Setembro, Outubro e Dezembro de 2019 respetivamente, e não entrou em Macau após a saída em Dezembro de 2019 até Junho de 2020, vê-se que a interessada não optou por regressar a Macau após a graduação (antes do surto do novo tipo de coronavírus).
(4) Quanto ao motivo apontado pelo advogado de que após o surto do novo tipo de coronavírus, a interessada que estava originalmente nos Estados Unidos voltou a Nanjing para cuidar de sua avó por o estado físico da avó estar em crise em meados de 2020, após a análise dos documentos de atestado médico apresentados no recurso hierárquico necessário, constatou-se que todos os documentos eram os atestados médicos de 2021 da avó da interessada, não há atestado médico sobre a doença de 2020; além disso, de acordo com o registro de alta de 01 de Junho de 2021, as “condições no momento de internamento” afirmavam claramente que “a paciente foi internada antes de 2000 e apresentou glicemia elevada. ...... Diagnosticada como 'Diabetes Tipo 2'…... A paciente actualmente vem ao nosso hospital para posterior regulação do açúcar no sangue e triagem de complicações diabéticas, e a consulta externa pretende admitir o internamento devido a ‘Diabetes Tipo 2’ “, obviamente, as evidências relevantes não coincidem com a alegação;
(5) De referir ainda que o surto do novo tipo de coronavírus não constitui um caso de força maior que impeça a interessada regressar a Macau para a sua residência habitual, conforme consta do acto recorrido na Proposta n.º PRO/0xxx/DJFR/2021, desde o início do novo tipo de coronavírus, não houve qualquer despacho do chefe do executivo que proibia a entrada de residentes de Macau, ou seja, os residentes de Macau ainda podem regressar a Macau, pelo que, viver e residir noutros locais fora de Macau é apenas da escolha pessoal.
(6) Portanto, a alegação de a interessada não residir habitualmente em Macau invocada pelo advogado não é razoável.
(7) Quanto à existência ou não de residência habitual em Macau, embora o advogado tenha reiterado neste recurso hierárquico necessário que a interessada tem residência familiar em Macau, conforme o acto recorrido analisado no PRO/0xxx/DJFR/2021, de facto, o número de dias de permanência em Macau nos últimos anos pode reflectir que a interessada não tem residência habitual em Macau.
(8) Quanto à questão de se ser empregada de qualquer instituição sediada em Macau e o paradeiro dos seus principais familiares, de acordo com a informação dos autos e o recurso hierárquico necessário, demonstra que a interessada não foi contratada pelo empregador de Macau, e os seus principais familiares trabalham e vivem em Nanquim;
(9) Com base nos factos e análises anteriores, conclui-se que a interessada (B) não se encontra permanentemente em Macau sem motivos razoáveis, não tem residência habitual em Macau, não trabalha em Macau, e os seus principais familiares não se encontrem em Macau, verificando-se que a situação da interessada não se enquadra na ausência temporária de Macau a que se refere o nº. 3 do artigo 4º da Lei nº. 8/1999;
6) Em síntese, a autoridade administrativa, fundamentando-se no facto de que a interessada (B) permaneceu em Macau por poucos dias durante o período da autorização de residência temporária, e através de uma revisão abrangente a várias situações aludidas no no. 4 do artigo 4º da Lei nº 8 /1999, concluiu que esta não residia habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária.
7) Com base nisso, a decisão tomada em 12 de Novembro de 2021 pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, de declarar caducada a autorização de residência temporária válida até 14 de Dezembro de 2021 da interessada (B) não foi ilegal nem inadequada, também não se revela que tenham sido violados quaisquer disposições e princípios legais.
9. Face ao acima exposto, este Instituto fez uma revisão do caso, o respectivo acto administrativo foi praticado nos termos legais, sendo legal e adequado. Após o estudo e análise ao recurso hierárquico necessário e visto que não se provou que a decisão tomada em 12 de Novembro de 2021 pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau era ilegal ou imprópria, também não demonstrando que violou quaisquer disposições e princípios legais. Assim, sugere-se solicitar ao Secretário para a Economia e Finanças indeferir este recurso hierárquico necessário e manter a decisão tomada em 12 de Novembro de 2021 pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, de declarar caducada a autorização de residência temporária de (B), descendente da requerente (A) válida até 14 de Dezembro de 2021.
As supracitadas opiniões são submetidas à apreciação superior e para que profira despacho.
A Técnica auxiliar, Gerente da Divisão dos Assuntos Jurídicos
(ass. – vide original) (ass. – vide original) (carimbo)
Ip xx Kou xx
06 de Janeiro de 2022 06 de Janeiro de 2022
b) Do Direito
É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
(B)1, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso tendo por objecto o acto de indeferimento do recurso hierárquico que dirigiu ao Secretário para a Economia e Finanças do acto do proferido pelo Presidente do Conselho de administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) que declarou a caducidade da sua autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou douta contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i)
A Recorrente obteve autorização de residência temporária em Macau ao abrigo da norma do n.º 3 do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e a Administração declarou a respectiva caducidade com o fundamento na falta de residência habitual do Recorrente em Macau.
De acordo com o artigo 9.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003, «a residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência» e do artigo 24.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, que regulamenta aquela Lei, decorre que a falta de residência habitual do interessado na RAEM é causa de caducidade da autorização de residência.
Com base nestas normas, subsidiariamente aplicáveis ao caso, mercê da norma remissiva contida no artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e após ter concluído que a Recorrente não teve a sua residência habitual em Macau entre 1 de Janeiro de 2017 e 30 de Junho de 2020, a Administração decidiu declarar a caducidade da respectiva autorização de residência temporária que foi concedida à filha da Recorrente para vigorar até 12 de Março de 2019.
A Recorrente contesta esta conclusão por considerar que, na verdade, apesar da sua ausência física de Macau, nunca deixou de aqui residir habitualmente.
Salvo o devido respeito, não nos parece.
O conceito de residência habitual usado na norma do artigo 9.º n.º 3 da Lei n.º 4/2003, apenas na aparência é indeterminado, já que o mesmo não concede margem de livre apreciação à Administração ou, se quisermos, que não lhe confere discricionariedade, sendo, por isso plenamente sindicável pelos tribunais (assim tem vindo a decidir o Tribunal de Última Instância: entre outros, acórdãos de 13.11.2019, processo n.º 106/2019; de 18.12.2020, processo n.º 190/2020; de 27.1.2021, processo n.º 182/2020. Sobre a questão da diferença entre indeterminação estrutural e mera dificuldade de interpretação e entre conceito jurídico indeterminado em sentido próprio e um mero conceito classificatório de imprecisão hermenêuticamente resolúvel, veja-se JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 70, pp. 38 a 57).
Antes da entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, os nossos Tribunais tenderam a construir o conceito de residência habitual, a partir da norma do artigo 30.º do Código Civil, fazendo-o coincidir com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o seu centro de interesses vitais, o centro efectivo da sua vida, constituindo, portanto, o local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais. Deste modo, sempre se afastou do conceito o local que serve de mera passagem, ou aquele no qual uma pessoa está por curtos e intermitentes períodos de tempo (veja-se, por exemplo, neste sentido, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 182/2020).
Todavia, na norma do n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, o legislador veio esclarecer que o conceito de residência habitual relevante enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, não exige, contrariamente ao que vinha sendo decidido pelos nossos Tribunais, que Macau constitua o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, o qual nem sequer precisa de aqui ter a sua habitação para pernoitar. Na verdade, resulta expressamente daquela norma que «não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial», pelo que, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso, residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades.
Como se vê, a lei procedeu a uma definição de residente habitual para efeitos de manutenção e de renovação da autorização de residência que é bem mais ampla do que aquela que vinha sendo decantada pelos Tribunais: à luz da lei é também residente habitual quem em Macau exerce uma actividade académica, profissional ou empresarial e que, por causa do exercício dessa actividade, aqui se desloca regular e frequentemente [este último requisito necessário ao preenchimento do conceito legal de residente habitual é caracterizado pela respectiva imprecisão e indeterminação, embora não nos pareça que, através da respectiva utilização, o legislador tenha pretendido conferir discricionariedade à Administração, na medida em que se não pode dizer que o tipo de valoração que o conceito suscita faz apelo à experiência e a apreciações que são próprias da Administração, nem a um saber específico da Administração, nem a uma especial preparação técnico-científica do órgão administrativo ou a uma legitimação especial da autoridade responsável pela decisão, nem a um juízo de prognose ou de avaliação prospectiva associado à descrição do núcleo típico de competências de determinada autoridade administrativa (sobre este ponto, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, volume I, Coimbra, 2020, pp. 257-258). Significa isto, pois, que na densificação casuística do conceito não caberá à Administração a última palavra, podendo os tribunais, em sede contenciosa, sindicar com plenitude o modo como a Administração actuou].
Isto dito.
Parece-nos claro que, face aos elementos que fluem dos autos, que, como a Administração concluiu, a Recorrente não teve residência habitual em Macau no período temporal considerado, ou seja, entre 1 de Janeiro de 2017 e 30 de Junho de 2020.
Com efeito, a partir dos registos das entradas e saídas na Região é possível verificar que a Recorrente, nesse período, permaneceu em Macau por 14 dias (2017), 17 dias (2018), 10 dias (2019) e 0 dias. Ora, como bem se compreende, uma tão escassa permanência em Macau, tendo em conta a caracterização do conceito indeterminado da residência habitual que antes fizemos, está longe de ser suficiente para poder suportar, em relação à Recorrente, a conclusão de que ela, no período em causa, a mesma aqui residiu habitualmente. Pelo contrário, aliás. Tudo aponta no sentido de que a mesma não manteve o centro da sua vida em Macau.
Contrapõe a Recorrente que sua ausência da Região seria meramente temporária, eventualmente para completar estudos fora e a que se seguiria o regresso à casa de morada da família ou, ao menos, à Região, como em tantas e tantas situações acontece.
Se assim fosse, teríamos de convir que a mera ausência de Macau não seria suficiente para concluir pela falta de residência habitual, em especial tendo em conta o que se encontra estabelecido no n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999.
Mas, não foi disso que se tratou, uma vez que, os indícios recolhidos pela Administração em sede procedimental e não contrariados pela Recorrente apontam no sentido de que a Recorrente, bem como a sua mãe (A), tinham o centro da sua vida no Interior da China na cidade Nanjing e não em Macau.
Se é certo que o critério da residência habitual que o nosso legislador adoptou não é puramente quantitativo, no sentido de que exige a presença na Região durante um número mínimo de dias. Implica, no entanto, estamos em crer, um substrato presencial mínimo, seja do próprio, seja, ao menos do núcleo familiar (cônjuge, filhos, pais) que permita detectar os tais laços pessoais de ligação à Região e isso, no caso, manifestamente, não acontece.
Deste modo, revelando-se fundada a conclusão da Administração no sentido de que o Recorrido incumpriu o dever legal de manter a sua residência habitual em Macau e constituindo o incumprimento desse dever um fundamento para a declaração de caducidade da autorização de residência temporária, é também evidente que outra não podia ser a decisão administrativa senão aquela que agora foi impugnada (neste mesmo sentido, a propósito de situação semelhante, vejam-se os acórdãos do Tribunal de Segunda Instância tirados nos processos n.º 704/2020 e 746/2020).
(ii.)
Quanto à alegada violação dos princípios da cooperação e da boa fé e dos princípios da adequação e da proporcionalidade diremos que, também aqui, falta razão à Recorrente.
A caducidade da autorização de residência declarada, como sucedeu no caso vertente, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, 9.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003 e do artigo 24.º, alínea 2) do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, parece dever ser configurada como uma situação de caducidade-sanção. Ora, como o Tribunal de Última Instância tem vindo a decidir, sistematicamente, nas situações de caducidade, incluindo as caducidades sancionatórias, uma vez verificados os respectivos pressupostos, a Administração fica vinculada à sua declaração.
Na situação em causa não é diferente. Verificado o incumprimento a que alude a alínea 2) do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 aplicável por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, não restava à Administração senão declarar a caducidade da autorização de residência, não podendo a prática desse acto ser neutralizada pela invocação de princípios gerais da actividade administrativa, porquanto tais princípios constituem um limite da margem de livre decisão administrativa que, por isso, apenas podem bloquear a adopção de uma conduta administrativa com eles incompatível na medida em que tal conduta se encontre naquele espaço de livre decisão, tal como os nossos Tribunais, pacificamente, têm vindo a decidir.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que lhe são imputados, impondo-se concluir pela improcedência do Recurso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas a cargo das Recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 6 UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 01 de Fevereiro de 2024
Rui Pereira Ribeiro
(Juiz Relator)
Fong Man Chong
(1º Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2º Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
1 Deve ler-se “B”, corrigido por lapso de escrita.
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270/2023 REC CONT 66