Processo n.º 860/2023
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator : Fong Man Chong
Data: 01 de Fevereiro de 2024
ASSUNTOS:
- Protecção da marca notória não registada
SUMÁRIO:
I – Em nome do princípio da novidade ou da exclusividade da marca, é recusado o registo das marcas que, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº2 do artº214º do RJPI, sejam “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços, o que se traduz, numa formulação positiva, que ela seja nova, e numa formulação negativa, no sentido de “idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou compreenda o risco de associação com a marca registada”.
II - As marcas conflituantes, as registadas e as cuja tutela se procura no quadro deste processo, reportam-se a serviços da mesma classe, ou seja, classe 41: "Prestação de serviços de colóquios, conferências, congressos, exposições para fins culturais, museus [apresentações e exposições]; organização de exposições para fins culturais, organização e direcção de colóquios, conferências, congressos, seminários e simpósios; organização e gestão de "ateliers" de formação [workshops]; seminários, simpósios e workshops ["ateliers" de formação]" (Cfr. alínea b) do nº2 do artº214, e alínea b) do nº1 do artº214º, ambos do RJPI). O obstáculo à pretensão da Recorrente no quadro da alínea b) do nº2 do artº214 do RJPI prende-se com o facto das marcas, cuja tutela se pretende, não estarem previamente registadas. Ou seja, o princípio da prioridade do registo - artº15 da RJPI – não vale directamente para resolver o litígio em causa.
III - A tutela por esta via da pretensão da Recorrente está consagrada no já citado artº214º nº1 al.b) do RJPI, nos termos do qual se estabelece que “O registo de marca é recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória”. Está em causa, uma marca notória, uma excepção ao princípio do registo constitutivo do direito à marca, exactamente visto que se protege a marca com aquela natureza independentemente de registo prévio.
IV - Para se aferir da qualidade de marca notória, pode lançar mão dos elementos fixados pela Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI – Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well-Known Marks, Geneva, 2000, a saber:
a) - O grau de conhecimento da marca no sector do público relevante:
b) - A duração, extensão e área geográfica de uso da marca;
c) - A duração, extensão e área geográfica de promoção da marca, incluindo publicidade e apresentação em feiras e exposições dos produtos e ou serviços a que a marca se aplica;
d) - A duração e área geográfica de quaisquer registos, e ou pedidos de registo da marca, na medida em que reflectem o uso ou o conhecimento da marca1.
V – Tendo em conta os factos assentes que permitam sustentar que a marca é uma marca notória em Macau, e, considerando ainda que a marca agora registada é fácil e suficiente gerir o risco de associação dos consumidores relativamente à origem comercial dos produtos, eis a concorrência desleal nos termos do artº159 do CCOM, ou seja, todo o acto idóneo a criar confusão com a empresa ou com os produtos, dos concorrentes.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 860/2023
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 01 de Fevereiro de 2024
Recorrente : (X)
Recorrida : (Y)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
(X), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 04/11/2022, veio, em 23/11/2022, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 383 a 393, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença que julgou procedente o Recurso Judicial interposto do Despacho da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico ("DSEDT") que aprovou o registo das marcas n.os N/174409 e N/174410 a favor da ora Recorrente, recusando, assim, o seu registo;
2. O Tribunal a quo recusou o registo das marcas porquanto entendeu existir uma situação de "imitação de marcas notórias", "com intenção em se fazer concorrência fora dos limites permitidos pela lei";
3. Salvo o devido respeito, está a ora Recorrente em crer que a Sentença recorrida enferma de erros de julgamento por violação do princípio da livre apreciação das provas e das regras sobre o ónus da prova - resultando, por sua vez,- numa errada aplicação do Direito, o que justifica que a mesma deva ser reapreciada, mediante audiência de julgamento para o efeito.
Em concreto,
4. Salvo o devido respeito, da prova documental junta aos autos não podem resultar como “provados” os factos nos termos que foram alegados pela ali Recorrente e que resultam da Sentença ora em crise (Cfr. os Docs. n.º 2 a 8 junto pela ali Recorrente);
5. Ao invés, não se compreende porque razão não terá o douto Tribunal a quo considerado devidamente todo um conjunto de documentos junto pela aqui Recorrente (Cfr. entre outros, o Doc. n.º 1 junto pela ora Recorrente na sua Resposta), nos termos do qual se retira que: os “pais da ideia [de criação do Evento]” foram “(B) e (C)" (leia-se, os representantes da ora Recorrente), ao contrário do que terá sido a conclusão avançada pelo Tribunal a quo;
Acresce que,
6. Em caso algum se aceita que a (A), Limitada e/ou os seus sócios (B) e (C), representantes da ora recorrente, terão sido meros co-curadores da 1.ª Bienal Internacional de Mulheres Artistas e que não tiveram intervenção na criação da marca ARTFEM;
7. Com efeito, resulta dos Docs. n.os 19 e 20, juntos pela Recorrida com a sua Petição de Recurso, ter sido a (A), Limitada (porquanto a aqui Recorrente não tinha ainda sido constituída), na pessoa da sua administradora (B), quem solicitou ao designer (D) a exteriorização gráfica da referida designação ARTFEM, daí, retirando-se que não foi a Recorrida quem criou a expressão ARTFEM contrariamente ao que, uma vez mais concluiu, o douto Tribunal a quo;
8. Igualmente não se apreende de que forma o conteúdo dos Docs. n.os 21 a 26, juntos pela Recorrida com a sua Petição de Recurso, se mostram aptos a fazer prova do que a Recorrida alega. Quando muito, dos mesmos se retira que a (A), Limitada e os seus sócios não eram meros co-curadores contratados, tendo o seu Concreto envolvimento na organização do evento sido muito superior a isso, razão pela qual nunca o Tribunal a quo poderia ter decidido conforme decidiu;
Sem prescindir,
9. A designação ARTFEM (iniciais da expressão "Arte Feminina") - que compõe as marcas registadas sob os n.os N/174409 e N/174410 - surgiu por sugestão de (C) e não por parte da Requerida, nem aquela apresentou qualquer prova neste sentido;
10. Em tempo oportuno a Recorrida foi alertada para a violação grosseira dos direitos da ora Recorrente e, entre outros, da apropriação ilegítima e deturpação do conceito do Evento, tendo sido particularmente advertida de que não estava autorizada a usar a marca ou os sinais que a constituíam o que se mostra de especial pertinência para a boa decisão da causa;
11. Como se deixou ver, as marcas representadas sob a designação "ARTFEM” pertencem em exclusivo à aqui Recorrente, sendo a mesma a sua única e legítima proprietária - e sem que a Recorrida tivesse conseguido demonstrar o contrário;
Em concreto,
12. Em relação à prioridade conferida ao registo das marcas n.os N/174409 e N/174410, uma vez mais se sublinha que a Recorrente apresentou os referidos pedidos de registo junto da DSEDT, seguindo-se todos os trâmites previstos no RJPI, e durante os quais não foi apresentada qualquer reclamação, nos termos e para os efeitos do artigo 211.° do RJPI, pela Recorrida e/ou por qualquer outro interessado;
13. Isto é, a Recorrida não reclamou em sede própria e, com isso, confirmou a prioridade de registo de que a ora Recorrente goza. O Recurso Judicial surgiu como "forma de desviar" a "dificuldade" de a pra Recorrida não ter oportunamente reclamado em sede administrativa própria!
14. De onde, os pedidos de registo foram concedidos e gozam, relativamente à Recorrente, de prioridade de apresentação (first to file, first to serve), nos termos consagrado no art. 15.º do RJPI, contrariamente ao que terá sido o entendimento sufragado pelo Tribunal de Primeira Instância, sob pena de manifesto erro de aplicação de Lei, que desde já se invoca;
15. Ao invés do entendimento do Tribunal a quo, as "marcas" em apreciação não são passíveis de ser qualificadas como sendo “marcas notórias";
16. Desde logo, porque a" tradição" de uma marca e/ou de um outro qualquer sinal distintivo não algo que se crie em meros cinco anos, tempo que decorreu entre a organização de apenas dois Eventos. De onde se teria de concluir que “grau de conhecimento" da marca em questão não lhe é susceptível de conferir “notoriedade”, contrariamente ao que terá sido decidido pelo Tribunal Judicial de Base;
17. Mesmo que assim senão entenda - o que tão-só por mera cautela de bom patrocínio se concede - sempre se recorda que a questão principal em apreciação prende-se em saber se a "notoriedade da marca" alegada pela Recorrida se se sobrepõe à "prioridade de registo” de que a ora Recorrente goza;
18. Ora, para que assim fosse, teria a Recorrida de provar que a “marca” em apreciação teria sido “criada por si” e que a mesma era "notória". Certo é que, salvo o devido respeito, nenhum dos dois requisitos terá fitado demonstrado, razão pela qual em Caso algum poderia o Tribunal a quo ter conferido validade ao pedido formulado pela Recorrida, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se-invoca.
Uma vez mais, sem prescindir,
19. As marcas/sinais em apreciação foram ilegitimamente utilizadas pela Recorrida na organização da 2.ª Edição da Bienal Internacional de Mulheres Artistas em 2020 - evento que decorreu integralmente sem a participação da ora Recorrente (cfr. Doc. n.º 4 junto com a Resposta);
20. Porém, não é 'pelo facto de a Recorrida ter organizado - por si só e sem qualquer envolvimento por parte da ora Recorrente - o Evento (leia-se, a 2.ª Edição da Bienal Internacional de Mulheres Artistas em 2020) e de ter utilizado os sinais que compõem as marcas da ora Recorrente que faz com que o direito sobre as referidas "marcas" passe a pertencer àquela, até porque foi expressamente advertida para a sua não utilização, pelo que se tratou de uma utilização ilícita e de má fé, porque à revelia de qualquer acto de consentimento por parte da ora Recorrente;
Depois,
21. No que à questão da concorrência desleal diz respeito, está a ora Recorrente em crer não se vislumbrar um qualquer acto de concorrência desleal ... Pelo contrário, a ora Recorrente está confiante (e apresentou e fez prova bastante neste sentido) de que as “marcas" em disputa foram por si criadas e, consequentemente, que o seu pedido de registo lhe conferiu prioridade, a fim de obter a protecção conferida pelo RJPI;
22. Não se trata, de resto, de "protecção imprópria", porquanto não se trata de “marcas” de entidades muito conhecidas, sem intenção de uso por parte do requerente;
23. In casu, não existe qualquer susceptibilidade de “indução” do consumidor em confusão ou erro, ou que possa pensar que os produtos das marcas em discussão sejam comercializados (apenas) pela Recorrida e não pela ora Recorrente!
E,
24. Salvo o devido respeito, em lado algum resulta que a ora Recorrente tivesse pretendido obter ou "tirar partido” da expressão “ARTFEM”, visto que a mesma foi criada por iniciativa de um dos sócios da própria Recorrente e encomendados a um designer pela outra sócia da mesma Recorrente, contrariamente ao que terá sido o entendimento seguido pelo Tribunal a quo.
De novo, sem prescindir,
25. Importa notar uma contradição que se mostra evidente ao nível da apreciação da prova e que faz, salvo melhor opinião, inquinar toda a Decisão em apreciação;
26. Em concreto, aquando do Ponto III da Sentença (III - MOTIVAÇÃO A. DE FACTO), lê-se o seguinte: “(...) Os co-curadores (C) e (B) foram contratados para prestar à Recorrente serviços de curadoria e de produção executiva no âmbito do referido evento - Docs. n.º 15 a 17" (Cfr. pág. 10 da Sentença, itálicos, negritos e sublinhado da Recorrente):
27. Porém, mais adiante, no que denomina por C. DE DIREITO, refere o douto Tribunal a quo, o seguinte: “O evento é uma iniciativa e responsabilidade da RECORRENTE (aqui Recorrida) a qual leva a cabo a produção executiva dó evento em causa (Doc. n.º 10) (Cfr. pág. 22 da Sentença, itálicos, negritos e sublinhado da Recorrente);
28. Conforme se deixa ver, se num primeiro momento o Tribunal a quo concluí que a produção executiva do Evento foi atribuída aos co-curadores (C) e (B), posteriormente sublinha que a mesma (leia-se, a produção executiva) é da responsabilidade da Recorrente (leia-se, da aqui Recorrida);
29. Importa, pois, “esclarecer" a quem terá efectivamente competido a produção executiva do Evento (leia-se, da 1.ª Edição da Bienal ARTFEM) se à aqui Recorrente ou se à Recorrida e, em concreto, quem terá realizado os “contactos com os artistas", recebido em “consignação as respectivas obras", provido a toda as “operações de logística", de "transportes", etc.,
30. O esclarecimento da referida “contradição” mostra-se ainda pertinente para se aferir o “nível de participação" da ora Recorrente no âmbito da já referida 1.ª Edição da Bienal ARTFEM, bem com aferir o seu concreto envolvimento no momento da “criação" e do “desenvolvimento" das "marcas” em apreciação o que, contrariamente ao que terá sido concluído pelo Tribunal a quo, não se terá limitado a uma "mera prestação de serviços", mas que se acredita apenas poder ser possível mediante a audição dê testemunhas, a artolar para o efeito" devendo os autos baixar ao Tribunal Judicial de Base, o que desde já para os devidos e legais efeitos, se requer.
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A Recorrida, (Y), veio, 08/06/2023, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 421 a 429, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) O registo das marcas em crise deve ser recusado por as mesmas representarem " ... no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;" conforme preceituado no artigo 214.º, n.º 1, al. b), do RJPI.
2) O Douto Tribunal a quo concluiu, ao abrigo do artigo 214.º, n. º 1, al. b) do RJPI que a marca notória se constitui uma excepção ao princípio do registo constitutivo dos direitos à marca e ao princípio da prioridade do registo.
3) (...) o eixo da marca notória é o seu conhecimento pelos destinatários, não o seu registo - que nem precisa de estar feito (...) não é pelo facto de uma marca não estar registada em Macau que deixa de poder ser notória. Pensar o contrário é, esvaziar, precisamente, de conteúdo a noção de marca notória, é retirar-lhe a sua própria essência. (cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 25/04/2013, Proc. nº 842/2012).
4) Não foi a ora Recorrente capaz de apontar caminho doutrinário ou jurisprudencial diferente ao entendimento apresentado pela ora Recorrida.
5) De igual forma não é possível acolher o argumento da ora Recorrente de que existiu um erro de julgamento na matéria de facto, por entender que a ora Recorrida não fez a devida prova do que alegou sobre a notoriedade das marcas em crise e sua propriedade. Porquanto,
6) Ao juntar como prova cópias de 22 notícias, de 55 (cinquenta e cinco) anúncios, de um acordo com uma entidade governamental para organização do evento cultural, de um sítio web, cujo conteúdo nunca antes foi impugnado, demonstrando o apoio de várias entidades públicas, privadas, governamentais, locais e internacionais num evento assinalado com as marcas em crise, a ora Recorrida fez, de forma extensa, prova do que alegou relativamente à notoriedade das marcas em crise junto do público relevante e especial (a comunidade cultural) e da concorrência desleal.
7) Bastante mais do que os 4 singelos documentos que consistem num artigo de opinão não assinada, numa ficha técnica que em nada diverge do alegado pela ora Recorrida, de um contrato de transmissão de marcas livres, não datado e de objecto impossível e impressão de troca de mensagens que apenas vincula a sócia da ora Recorrente e nada acrescenta à questão da notoriedade das marcas.
8) Impugnam-se assim todos os fundamentos do recurso do Recorrente e o mesmo deve ser julgado totalmente improcedente.
9) Relativamente à concorrência desleal bem andou o Douto Tribunal a quo na sua decisão por força do disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea c) do RJPI por força das marcas notórias da ora Recorrida.
10) Conforme entende a Douta Jurisprudência (Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Proc. nº 657/2017), "a concorrência desleal não é o mesmo que conflito marcário; são coisas inconfundíveis. Ou seja, pode haver concorrência desleal mesmo que um dos "concorrentes" não tenha marca registada na RAEM, da mesma maneira que a existência de um conflito entre marcas registadas não envolve- necessariamente a ideia de concorrência desleal". (negritos nossos)
11) O mero reconhecimento de que a Recorrente pode, em abstracto, praticar actos de concorrência desleal com o pedido apresentado, constitui, por si só, motivo de recusa de registo.
12) A decisão do Tribunal a quo foi a correcta e deverá ser confirmada por este Venerando Tribunal.
13) A presente forma processual não comporta um período autonomizado de produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento e não permite diligências de produção de prova testemunhal, entendimento reforçado pela expressa excepção que é a colheita probatória referida no artigo 280.º do RJPI.
14) O Douto Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas do RJPI, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º, n. º 5 do CPC, deve ser mantida a Douta decisão recorrida.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Na sequência de pedido 2020-10-19, por despacho da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico, de publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (doravante BORAEM), II Série, Suplemento, n.o 5, de 2022-02-04, concedeu-se o pedido de registo das marcas N/174409 e N/174410 a sociedade (X).
Tais marcas são constituídas pelos sinais:
N/174409
para os seguintes serviços da classe 41: "Prestação de serviços de colóquios, conferências, congressos, exposições para fins culturais, museus [apresentações e exposições]; organização de exposições para fins culturais, organização e direcção de colóquios, conferências, congressos, seminários e simpósios; organização e gestão de "ateliers" de formação [workshops]; seminários, simpósios e workshops ["ateliers" de formação]."
N/174410
para os seguintes serviços da classe 41: "Prestação de serviços de colóquios, conferências, congressos, exposições para fins culturais, museus [apresentações e exposições]; organização de exposições para fins culturais, organização e direcção de colóquios, conferências, congressos, seminários e simpósios; organização e gestão de "ateliers" de formação [workshops]; seminários, simpósios e workshops ["ateliers" de formação]."
O evento ARTFEM e a sua organização:
A Recorrente tem a sua sede no prédio usualmente denominado “Albergue” fruto de um contrato celebrou com a Santa Casa da Misericórdia de Macau.
Fruto desse contrato e da sua actividade, o espaço e os eventos organizados por si organizados, aí e noutros locais, têm o cunho da marca típica “ALBERGUE SCM”. E,
Entre as várias exposições que a Recorrente realiza conta-se a Bienal Internacional de Macau Mulheres Artistas, abreviadamente promovida como ARTFEM, conforme decorre de todas as publicações efectuadas e do seu sítio web www.artfem.org.
Esta 1.a edição teve como Madrinha, Paula Rego, uma artista feminina mundialmente conhecida (Doc. n.o 1)
Esta 1.a edição da Bienal ARTFEM apresentou 101 artistas, China, Macau, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Espanha, Austrália, Estados Unidos, Hong Kong, Japão, Rússia, Espanha, Georgia, Índia, Coreia do Sul, Taiwan e Irão.
A 1.a edição da Bienal ARTFEM decorreu entre 8 de Março e 13 de Maio de 2018, tendo atraído 20,000 visitantes.
A 2.a edição da Bienal ARTFEM teve lugar em Setembro de 2020 com a participação de 106 artistas femininas, com maior preponderância para artistas da China Continental e Portugal, mas também de outros países de língua portuguesa, França, China, Itália e Holanda.
A Bienal da ARTFEM conta com o apoio financeiro da Fundação Macau, com a parceria institucional e organizacional do Instituto Cultural, do alto patrocínio do Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, do Festival Literário Rota das Letras e de muitas outras entidades e individualidades locais e estrangeiras.
Tudo conforme consta do sítio web www.artfem.org, das notícias e anúncios de imprensa cujas impressões se juntaram (Docs. n.os 2 a 8 ).
Além da criação e uso, pelo Recorrente, da expressão ARTFEM, foram criadas e usadas as seguintes marcas:
Estas marcas da Recorrente são facilmente identificáveis por qualquer consumidor médio em Macau na área cultural dada a sua projecção e identificadas pela qualidade dos serviços que marcam.
O Instituto Cultural e o Albergue da SCM, espaço cultural e marca geridos pela Recorrente, celebraram um acordo relativamente à organização e produção de uma Bienal Internacional de Mulheres Artistas. - Doc. n.o 9.
Decorre da sua cláusula 1ª (Objecto) que “1. O presente Acordo tem por objecto a realização conjunta, pelos Primeiro e Segundo Outorgantes, entre os dias 8 de Março e 13 de Maio de 2018, do evento com o título, encimado por imagem gráfica com a designação ARTFEM, em português, MULHERES ARTISTAS 1a BIENAL INTERNACIONAL DE MACAU, em chinês, 第一屆國際女藝術家澳門雙年展, em inglês, WOMEN ARTISTS 1st INTERNATIONAL BIENNIAL OF MACAU (BIENAL).”
O evento é uma iniciativa e responsabilidade da RECORRENTE a qual leva a cabo a produção executiva do evento em causa (Doc. n.o 10).
Consultada a certidão de registo comercial da parte contrária verifica-se que os seus sócios e administradores são (C) e (B) (Doc. n.o 11), sendo igualmente os sócios e administradores da (A), Limitada (Doc. n.o 12).
Estes sócios e administradores foram, com outros, co-curadores da 1.a edição, em 2018, conforme resulta de https://artfem.org/events/opening-mam/. - Doc. n.o 13, pág. 3). Mas,
Não foram curadores da 2.a edição, em 2020, conforme resulta de https://artfem.org/#curators (Doc. n.o 14, pág. 5).
O pedido de registo das marcas N/174409 e N/174410 pela parte contrária dá entrada no mês seguinte à abertura da 2.a edição da ARTFEM (2020-09-30), da qual já não eram curadores.
Patente o sucesso, dimensão e alcance deste evento procura a parte contrária tirar partido da expressão ARTFEM e das marcas criadas pela Recorrente.
(X) nunca foi parte de qualquer acordo ou da estrutura organizativa do evento co-organizado pela Recorrente e pelo Instituto Cultural.
O âmbito de actuação dos co-curadores da 1.a edição da ARTFEM:
Os co-curadores (C) e (B) foram contratados para prestar à Recorrente serviços de curadoria e de produção executiva no âmbito do referido evento - Docs. n.os 15 a 17
No Documento n.o 17 assinala-se o valor de MOP$40,000 para "(D)" o designer escolhido pela Recorrente.
Os sócios e administradores da (A), Limitada e da Recorrente foram contratados, como co-curadores, para prestar serviços e nada mais.
E a sociedade que criaram, para facturar esses serviços, foi paga, conforme resulta da cópia dos recibos juntos (Doc. n.o 18).
A expressão ARTFEM e a representação gráfica
A expressão ARTFEM não foi criada nem pela (A), Limitada nem pela parte contrária.
A (A), Limitada e a parte contrária não solicitaram a um designer a exteriorização gráfica da referida designação ARTFEM, nem orientaram tal trabalho com base nos conceitos e ideias apresentados pelos representantes da referida sociedade ((C) e (B)).
A (A), Limitada e a parte contrária não pagaram a um designer a alegada exteriorização gráfica da referida designação ARTFEM.
Conforme decorre dos documentos n.os 19 (factura) e 20 (recibo), surge assinalado como “Cliente” o nome de “(B)” e a única razão para assim ser é porque o designer contratado não lida directamente com os clientes finais. Pelo que,
Conforme resulta de um email de 05/01/2018 para Curadora (B), quem criou a expressão e orientou tal trabalho com base nos seus conceitos e ideias, foi o Arquitecto (E), Presidente do Albergue SCM, sócio e administrador da Recorrente (Docs. n.os 21 a 23).
Dos Docs. n.os 21 a 23 resulta que foi a Recorrente quem deu as instruções de qual expressão a utilizar e quais as correcções a implementar. Ou seja,
Apenas e só se encontra o nome da co-curadora nos emails, sem qualquer intervenção ou comentário desta, porque cabia a esta reencaminhar as mensagens entre a funcionária (F) (xxx@gmail.com) do designer gráfico e a Recorrente (Docs. n.os 24 e 25).
A (A), Limitada, a parte contrária, e os co-curadores nunca utilizaram as marcas em causa.
Os únicos que utilizaram as marcas antes do registo foram a Recorrente e o Instituto Cultural:
• entre 08/03/2018 e 13/05/2008 durante a 1.a edição; e,
• a partir Setembro de 2020, durante a 2.a edição.
A Recorrente requereu pedido de registo das marcas n.os N/182203 e N/182204, para os mesmos serviços na classe 41, dando assim cumprimento ao preceituado no artigo 214.o, n.o 4 do RJPI.
A Recorrente, dedica-se à promoção de actividades de natureza cultural e formativa, de incidência local, chinesa e não chinesa, designadamente, através da realização de exposições, conferências, workshops, edição de livros e de audiovisuais e demais produtos que reflectem identidade própria da RAEM, tendo como destinatário fundamental a juventude à comunidade artística da RAEM, em particular, e a população, no geral, consolidados através de sócio-cultura e de promoção turística locais. – Cfr. Doc. n.o 30
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
A parte contrária indica testemunha na sua resposta, não referenciando qualquer matéria que com ela se deseja provar.
O presente tem a sua disciplina prevista nos artº275 e segts do RJPI e do qual não se vislumbra espaço para produção de prova testemunha.
Como quer que seja não se antolha nenhum interesse na produção de qualquer prova testemunhal ante o acervo documental, essa sim, prova a trazer aos autos no quadro deste recurso.
Pelo exposto impõe proferir decisão.
I – RELATÓRIO
(Y), com sede em Calçada da Igreja de São Lázaro, n.o xx, r/c, inconformada com a decisão da Direcção dos Serviços de Economia que deferiu o registo da marca N/174409 e N/174410, vem dela interpor recurso.
Concentra o seu recurso através das seguintes e competentes conclusões:
- As marcas em crise são marcas notórias, propriedade da Recorrente, e já comercializadas em Macau nos serviços da Recorrente,
- Disso mesmo deu a recorrente conta à DSEDT durante o processo decisório
- O âmbito e alcance mundial dos eventos assinalados pelos sinais em crise, o acordo com o Instituto Cultural, o alto patrocínio de altas entidades na RAEM, a intensa promoção levada a cabo, o renome dos artistas participantes e adesão e participação nos eventos do público relevante apenas pode levar a concluir pela notoriedade das marcas criadas pela Recorrente.
- “Para que a marca se qualifique como notoriamente conhecida não é necessário que o conhecimento da marca de que ela pertence a certa entidade constitua facto público e notório, com as características que a esta fórmula se atribui na legislação processual. A opinião dominante é no sentido de que a marca pode assim ser qualificada desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo dos produtores ou dos comerciantes ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por meios interessados.”. (cfr. Pinto Coelho, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 89/23)
- A Recorrente será assim, directa e efectivamente, se a concessão das marcas não for recusada por se tratarem de marcas notórias, propriedade da Recorrente, e já comercializada em Macau nos serviços da Recorrente.
- Verifica-se igualmente a susceptibilidade de indução do consumidor em erro ou confusão, uma vez que destinando-se a marca a serviços iguais àqueles cuja comercialização é realizada pela Recorrente perante um consumidor médio, é de considerar que este possa pensar que os produtos da marca aqui em causa sejam os comercializados pela Recorrente.
- Nos termos do artigo 158.o do Código Comercial constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica, sendo que o artigo 159.o, n. o 1 do referido Código considera como desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes.
- Uma vez que as marcas N/174409 e N/174410 se destinam a serviços idênticos e afins àqueles cuja comercialização é realizada pela Recorrente, directa ou indirectamente, perante um consumidor médio, é de considerar que este possa pensar que os serviços das marcas aqui em causa sejam os comercializados pelo Recorrente, a parte contrária. Acresce ainda o seguinte,
- A parte contrária submeteu a registo, pouco após a realização de um evento no qual não foi contratada a prestar serviços, marcas criadas por um designer gráfico, contratado e pago pela Recorrente, que as elaborou conforme as orientações expressas da Recorrente (Docs. n.os 21 a 23) e sem qualquer intervenção da parte contrária, resulta claro o propósito da parte contrária em se aproveitar do prestígio da Recorrente para lançar os seus serviços no mercado e, destarte, concorrer deslealmente com a Recorrente.
- Determina o artigo 9.o, n.o 1, al c) do RJPI, ex vi artigo 214.o, n.o 1, alínea a), do mesmo diploma, que “São fundamentos de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial: c) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.” (sublinhados ou negritos nossos).
- O despacho da DSEDT viola, assim, os artigos 9.o, n.o 1, al. c), 214.º n.o 1, alíneas a) e b) ambos do RJIP e os artigos 158.o e 159.o do Código Comercial, pelo que deve ser revogado.
*
A Direcção dos Serviços de Economia e a parte contrária responderam e pugnaram pela legalidade da decisão em crise.
II - SANEAMENTO
O recurso é tempestivo e legal.
O Tribunal é competente em razão da matéria, do território e da hierarquia.
O processo é o próprio.
As partes têm legitimidade e dotados de capacidade.
Não existem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
III - MOTIVAÇÃO
A. DE FACTO
(...)
B. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
No alinhamento dos factos provados relevantes para a decisão de mérito, o tribunal socorreu-se do suporte documental existente, como não podia deixar de ser e em face da natureza do processo em causa, sendo que em relação à reputação e prestígio das marcas invocadas pela recorrente, o conteúdo dos documentos juntos tiveram de ser obtemperados à luz das regras da experiência e da normalidade da vida que resulta do facto de sermos também atentos consumidores de cultura de Macau, assim nos colocando no lugar do habitual e normal consumidor (o chamado público relevante) do mesmo tipo de «produtos».
Socorremo-nos também, com vista a confirmar alguns aspectos assentes, à internet.
C. DE DIREITO
A questão a decidir reconduz-se a saber se ocorre motivo de recusa do registo das marcas N/174409 e N/17441 à parte contrária.
Louvam-se os recorrentes no disposto no artº214º nº1 al.b) do RJPI, para fundarem a respectiva pretensão, igualmente no disposto na al. a) do citado nº e artigo na conjugação com o artº9 nº1 al.c) do mesmo diploma, e artº1158º e 159º do CComM.
Vejamos então.
Dispõe o artº197º do RJIP que “só podem ser objecto de registo (….), mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números (….), que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Emerge deste enunciado legal, pois, que a marca deve, por definição e no cumprimento do seu escopo, ter relevantes capacidades distintivas, deve, pois, ser idónea per si, de individualizar uma espécie de produtos ou serviços.
As entidades e pessoas são livres na conformação das marcas que pretendem registar, vigorando no âmbito do direito das marcas o princípio da liberdade, princípio esse que, além da já referida limitação - exigência de capacidade ou eficácia distintiva -, está também “comprimido” pela, e em função, da tutela de outros princípios, quer no que concerne à composição da marcas, quer no que concerne a outros valores.
Releva no caso o princípio da novidade ou da exclusividade da marca, traduzido, numa formulação positiva, que ela seja nova, e numa formulação negativa, no seguinte: será recusado o registo das marcas que sejam, diz a al.b do nº2 do artº214º do RJPI, “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou compreenda o risco de associação com a marca registada”.
Como emerge deste enunciado, pressuposto da recusa, além da reprodução ou imitação (….) de uma outra marca e da sintonia dos produtos que ambas visam salvaguardar, é que exista registo anterior.
No caso, as marcas conflituantes são muitos similares, usando as postas em crise sinais de expressão leonina das invocadas pela recorrente.
Perspectivando as marcas conflituantes na sua globalidade, portanto sem dissecar os seus elementos individualmente2/3, relevando as semelhanças que resultam do conjunto e relativizando as dissemelhança, diremos que as marcas postas em crise imitam as invocadas pela recorrente.
Trata-se, pois, de uma situação subsumível no referido normativo 214ºnº2 al.b) do RJPI e com relevo para o que dispõe o artº214º nº1 al.b) do RJPI como veremos.
Mais, as marcas conflituantes, as registadas e as cuja tutela se procura no quadro deste processo, reportam-se a serviços da mesma classe, ou seja, classe 41: "Prestação de serviços de colóquios, conferências, congressos, exposições para fins culturais, museus [apresentações e exposições]; organização de exposições para fins culturais, organização e direcção de colóquios, conferências, congressos, seminários e simpósios; organização e gestão de "ateliers" de formação [workshops]; seminários, simpósios e workshops ["ateliers" de formação]", aspecto com relevo para o subsunção do caso, quer na al.b) do nº2 do artº214, quer na al.b) do artº214ºnº1, ambos do RJPI.
O obstáculo à pretensão da recorrente no quadro do artº214ºnº2 al.b) do RJPI prende-se com o facto das marcas, cuja tutela se pretende, não estarem previamente registadas.
Funciona, de facto, no âmbito do RJPI, o princípio da prioridade do registo - artº15 da RJPI.
Perante a impossibilidade de se obter tutela dos sinais invocados pela recorrente alegando-se a prioridade de registo, sustenta a sua pretensão chamando à colação o argumento de que as “suas marcas” são marcas notórias, notoriamente conhecidas em Macau.
Por isso mesmo observou a recorrente o disposto no artº214º nº4 do RJPI, ou seja, procedeu ao pedido de registo das marcas de que cuja titularidade se arroga.
A tutela por esta via da pretensão da recorrente está consagrada no já citado artº214º nº1 al.b) do RJPI, nos termos do qual se estabelece que “O registo de marca é recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória”.
Pode-se dizer que subjaz deste preceito, referente à marca notória, uma excepção ao princípio do registo constitutivo do direito à marca4, exactamente porque se protege a marca com aquela natureza independentemente de registo prévio.
De igual modo, tal é igualmente uma excepção ao princípio da prioridade do registo, este, de certa forma, absorvido pelo princípio anteriormente referido.
Esta classe de marca, notória, e as de prestígio, conferem ao respectivo titular, pela sua qualidade, a atribuição de direitos exclusivos de uso, arguíveis, defensáveis e reconhecidos pela OJ independentemente da prévia concessão definitiva de registo.
Uma outra excepção concedida à marca notória (e a de prestígio) é a que se reconduz ao princípio da territorialidade previsto no artº4 do RJIP e por, em regra, as marcas valerem apenas para o território do país ou região onde são reconhecidas e dentro do qual podem opor o conteúdo da sua protecção.
Já nos referidos a alguns aspectos que estão subjacentes à aplicação do preceito supra referido (artº214º nº1 al.b)) aquando da abordagem do disposto na al.b) do nº2 do artº214º do RJPI, aspectos esses que aqui se devem considerar.
A questão nuclear e decisiva à sorte do recurso prende-se com a qualificação das marcas reclamadas pela recorrente: marcas notórias ou não?
“Com efeito, quanto ao regime de protecção das marcas, há que distinguir as marcas registadas das não registadas, de facto ou livres, sendo que devendo ainda acrescentar-se que as marcas notórias e as de prestígio, mesmo não registadas, gozam de protecção especial”, ou seja, a prevista no citado preceito5.
Na base da classificação de uma marca como notória está um critério quantitativo.
Entende-se, generalizadamente, que a marca notória tem de ser conhecida de uma parte significativa do público relevante.
No entanto, enquanto parte da doutrina entende como público relevante para o efeito o público em geral, outros entendem que basta apenas o público do circuito mercantil (fornecedores, produtores, distribuidores e consumidores) do produto ou serviço comercializado sob determinado sinal distintivo6.
Não obstante estas doutas posições doutrinárias, como em regra em tudo, cremos que a melhor posição será aquela que se encontra no “caminho” entre as duas, ou seja, uma posição ecléctica ou mitigada.
Reza esta posição que deve considerar-se que o público relevante varia consoante o tipo de produto ou serviço em causa. Se estivermos perante um tipo de produto ou serviço de grande consumo, devemos apurar se a marca é conhecida de parte significativa do grande público. Se o produto ou serviço atinge, pela sua funcionalidade, apenas uma parte do sector da sociedade, então teremos de perscrutar o grau de conhecimento junto do público com acesso expectável àqueles produtos e ou serviços
Apesar da natureza de “mera” recomendação, pela importância da sua origem institucional, outrossim relevando que os critérios que dela emergem, não sendo decisivos e dogmáticos, servirão, no entanto, como indicadores do que se deve ter em conta para se aferir da qualidade de marca notória, parece-nos interessante chamar à colação o que dispõe a Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI – Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well-Known Marks, Geneva, 2000, a saber:
a) - O grau de conhecimento da marca no sector do público relevante:
b) - A duração, extensão e área geográfica de uso da marca;
c) - A duração, extensão e área geográfica de promoção da marca, incluindo publicidade e apresentação em feiras e exposições dos produtos e ou serviços a que a marca se aplica;
d) - A duração e área geográfica de quaisquer registos, e ou pedidos de registo da marca, na medida em que reflectem o uso ou o conhecimento da marca7.
Importa ainda referir que, através do article 2 (2) da Recomendação aqui referida, se opera com um conceito de sector relevante do público, indicando, como tal: i) os actuais ou potenciais consumidores do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; ii) pessoas envolvidas em canais de distribuição do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; iii) círculos de negócio ou comerciais que lidam com o tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica.
Acrescenta a mesma Recomendação, neste mesmo preceito e na sua subalínea (2) (b), que a marca que seja bem conhecida de pelo menos um dos sectores relevantes do público antes referidos, num determinado território nacional, deve ser considerada notória nesse Estado Membro.
Isto posto, definido o quadro legal e doutrinário, cremos nós de forma suficiente para balizar a decisão que se impõe, o que temos de relevante assente, o que de facto deve ser atendido para o efeito e que se seleccionou com alguma prudência e nos termos que atrás se mencionou sob a epigrafe “fundamentação da matéria de facto”, tudo sem prejuízo do que noutra instância mais se puder retirar dos autos, é o seguinte:
A Recorrente tem a sua sede no prédio usualmente denominado “Albergue” fruto de um contrato celebrou com a Santa Casa da Misericórdia de Macau.
Fruto desse contrato e da sua actividade, o espaço e os eventos organizados por si organizados, aí e noutros locais, têm o cunho da marca típica “ALBERGUE SCM”. E,
Entre as várias exposições que a Recorrente realiza conta-se a Bienal Internacional de Macau Mulheres Artistas, abreviadamente promovida como ARTFEM, conforme decorre de todas as publicações efectuadas e do seu sítio web www.artfem.org.
Esta 1.a edição teve como Madrinha, Paula Rego, uma artista feminina mundialmente conhecida (Doc. n.o 1)
Esta 1.a edição da Bienal ARTFEM apresentou 101 artistas, China, Macau, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Espanha, Austrália, Estados Unidos, Hong Kong, Japão, Rússia, Espanha, Georgia, Índia, Coreia do Sul, Taiwan e Irão.
A 1.a edição da Bienal ARTFEM decorreu entre 8 de Março e 13 de Maio de 2018, tendo atraído 20,000 visitantes.
A 2.a edição da Bienal ARTFEM teve lugar em Setembro de 2020 com a participação de 106 artistas femininas, com maior preponderância para artistas da China Continental e Portugal, mas também de outros países de língua portuguesa, França, China, Itália e Holanda.
A Bienal da ARTFEM conta com o apoio financeiro da Fundação Macau, com a parceria institucional e organizacional do Instituto Cultural, do alto patrocínio do Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, do Festival Literário Rota das Letras e de muitas outras entidades e individualidades locais e estrangeiras.
Tudo conforme consta do sítio web www.artfem.org, das notícias e anúncios de imprensa cujas impressões se juntaram (Docs. n.os 2 a 8 ).
Além da criação e uso, pelo Recorrente, da expressão ARTFEM, foram criadas e usadas as seguintes marcas:
Estas marcas da Recorrente são facilmente identificáveis por qualquer consumidor médio em Macau na área cultural dada a sua projecção e identificadas pela qualidade dos serviços que marcam.
O Instituto Cultural e o Albergue da SCM, espaço cultural e marca geridos pela Recorrente, celebraram um acordo relativamente à organização e produção de uma Bienal Internacional de Mulheres Artistas. - Doc. n.o 9.
Decorre da sua cláusula 1ª (Objecto) que “1. O presente Acordo tem por objecto a realização conjunta, pelos Primeiro e Segundo Outorgantes, entre os dias 8 de Março e 13 de Maio de 2018, do evento com o título, encimado por imagem gráfica com a designação ARTFEM, em português, MULHERES ARTISTAS 1a BIENAL INTERNACIONAL DE MACAU, em chinês, 第一屆國際女藝術家澳門雙年展, em inglês, WOMEN ARTISTS 1st INTERNATIONAL BIENNIAL OF MACAU (BIENAL).”
O evento é uma iniciativa e responsabilidade da RECORRENTE a qual leva a cabo a produção executiva do evento em causa (Doc. n.o 10).
Acresce a isto que os serviços que as marcas em conflito sinalizam são: "Prestação de serviços de colóquios, conferências, congressos, exposições para fins culturais, museus [apresentações e exposições]; organização de exposições para fins culturais, organização e direcção de colóquios, conferências, congressos, seminários e simpósios; organização e gestão de "ateliers" de formação [workshops]; seminários, simpósios e workshops ["ateliers" de formação]."
Com este dado, visto a natureza dos «produtos», diremos, seguindo os critérios aventados para encontrar o público relevante e, por via disso, a conclusão quanto a notoriedade da marca, que o mesmo é, em relação a alguns, (espécie de produtos específicos, que pela sua funcionalidade, atinge apenas uma parte do sector da sociedade), um público concreto, especial: a comunidade cultural.
Ora sendo este o público relevante, vista a sua natureza e a sua expressão (público culto), facilmente se conclui que o grau de reputação que concedem às marcas invocadas pela recorrente, pelo seu conhecimento, pela qualidade dos eventos que veiculam, pela ressonância destes na reputação dos sinais, temos por consistente a conclusão de que estamos perante marcas notórias.
É, pois, certeira e rigorosa a seguinte conclusão da recorrente: «O âmbito e alcance mundial dos eventos assinalados pelos sinais em crise, o acordo com o Instituto Cultural, o alto patrocínio de altas entidades na RAEM, a intensa promoção levada a cabo, o renome dos artistas participantes e adesão e participação nos eventos do público relevante apenas pode levar a concluir pela notoriedade das marcas criadas pela Recorrente.»
Assim sendo, não obstante não se encontrarem previamente registadas face ao registo das que foram ora postas em crise, têm de obstaculizar o registo destas.
Estamos, na nossa óptica, perante clara imitação de marcas notórias pelas marcas N/174409 e N/174410, impondo-se a recusa do seu registo.
*
Louva-se ainda a recorrente no disposto do artº214º nº1 al.a) e artº9 nº1 al. c) do RJPI, para fundar a sua pretensão de ver alterada a decisão de concessão das marcas N/174409 e N/174410.
Para ser recusado o registo com este fundamento é necessário que se reconheça que a requerente do registo pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção (art. 9º, nº 1, al. c) do RJPI).
Aprioristicamente esta norma pressupõe o registo anterior de marca em relação à qual se pretende fazer concorrência desleal, e abrange duas situações: a contrariedade objectiva intencional e a contrariedade objectiva não intencional às normas de concorrência desleal.
Nestas duas situações, em rigor, não se trata de apreciar de um acto consumado de concorrência desleal. Pelo contrário, procura-se prevenir a atribuição de um direito privativo a um concorrente que, de modo esclarecido ou deliberado, ou não, desencadeia ou pode desencadear com a sua pretensão uma situação objectivamente desleal.
O acto de concorrência desleal é o acto de disputa de clientela que é contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos - Cfr. arts. 158º e 159º do Código Comercial.
É comum na doutrina a indicação de 5 tipos de actos de concorrência desleal: actos de confusão, actos de descrédito, actos de apropriação, actos de desorganização e actos de concorrência parasitária.
Nos termos do artº159 do CComM considera-se desleal todo o acto idóneo a criar confusão com a empresa ou com os produtos, dos concorrentes, sendo suficiente o risco de associação dos consumidores relativamente à origem comercial dos produtos.
No caso em apreço, porque não existe registo anterior de marca em relação à qual alegadamente se pretende fazer concorrência desleal apenas impropriamente se pode falar de concorrência desleal.
Não obstante deve relevar-se a mesma como obstáculo ao registo de uma marca que possa potencial gerar essa concorrência.
Por assim ser, o instituto em apreço relevar-se-á também como instrumento de excepção destinado a evitar registos que possam colocar em causa posições já conquistadas no mercado por terceiros de boa fé, funcionando preventivamente, de resto como sempre funciona, não obstante no caso de forma mais patente por se procurar a tutela de marca ainda não registada8.
Em face dos factos assentes, estamos, efectivamente, perante esta situação.
É que resulta razoavelmente seguro dos factos que a parte contrária usará as marcas que logrou registar (é para isso que se registam marcas) para tirar partido da importância das usadas pela recorrente, assim disso beneficiando e prejudicando a recorrente.
Igualmente é precípua a conclusão de que o registo das marcas postas em crise terão o condão de gerar confusão entre os serviços que cada uma das partes prestará, dado legalmente proibido (artº159 do CComercial)
Com intenção em se fazer concorrência fora dos limites permitidos pela lei, ou sem ela9, cremos que pelo menos em relação a esta estão verificados os requisitos que a proíbem de serem registadas por gerar potencial concorrência objectivamente desleal.
Destarte, impõe-se também a recusa dos registos em apreço nos termos do artº214ºnº1 al.a) e artº9ºnº1 al.c) do RJPI
IV - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto, assim se determinando a recusa dos registos das marcas N/174409 e N/174410.
Custas a cargo da parte contrária, estando a DSE delas isenta.
Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 283º do RJPI.
Macau, ds
*
Quid Juris?
Ora, bem vistas as coisas, é de verificar-se que, praticamente, todas as questões levantadas pelo Recorrente já foram objeto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido, e nesta sede, não encontramos vícios que demonstrem a incorrecta aplicação de Direito, muito menos os alegados vícios invalidantes – erro no julgamento de facto e de direito - da decisão atacada.
Perante o decidido e o fundamentado do Tribunal recorrido, na sequência da não modificação da decisão sobre a matéria de facto, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I – Em nome do princípio da novidade ou da exclusividade da marca, é recusado o registo das marcas que, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº2 do artº214º do RJPI, sejam “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços, o que se traduz, numa formulação positiva, que ela seja nova, e numa formulação negativa, no sentido de “idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou compreenda o risco de associação com a marca registada”.
II - As marcas conflituantes, as registadas e as cuja tutela se procura no quadro deste processo, reportam-se a serviços da mesma classe, ou seja, classe 41: "Prestação de serviços de colóquios, conferências, congressos, exposições para fins culturais, museus [apresentações e exposições]; organização de exposições para fins culturais, organização e direcção de colóquios, conferências, congressos, seminários e simpósios; organização e gestão de "ateliers" de formação [workshops]; seminários, simpósios e workshops ["ateliers" de formação]" (Cfr. alínea b) do nº2 do artº214, e alínea b) do nº1 do artº214º, ambos do RJPI). O obstáculo à pretensão da Recorrente no quadro da alínea b) do nº2 do artº214 do RJPI prende-se com o facto das marcas, cuja tutela se pretende, não estarem previamente registadas. Ou seja, o princípio da prioridade do registo - artº15 da RJPI – não vale directamente para resolver o litígio em causa.
III - A tutela por esta via da pretensão da Recorrente está consagrada no já citado artº214º nº1 al.b) do RJPI, nos termos do qual se estabelece que “O registo de marca é recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória”. Está em causa, uma marca notória, uma excepção ao princípio do registo constitutivo do direito à marca, exactamente visto que se protege a marca com aquela natureza independentemente de registo prévio.
IV - Para se aferir da qualidade de marca notória, pode lançar mão dos elementos fixados pela Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI – Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well-Known Marks, Geneva, 2000, a saber:
e) - O grau de conhecimento da marca no sector do público relevante:
f) - A duração, extensão e área geográfica de uso da marca;
g) - A duração, extensão e área geográfica de promoção da marca, incluindo publicidade e apresentação em feiras e exposições dos produtos e ou serviços a que a marca se aplica;
h) - A duração e área geográfica de quaisquer registos, e ou pedidos de registo da marca, na medida em que reflectem o uso ou o conhecimento da marca10.
V – Tendo em conta os factos assentes que permitam sustentar que a marca é uma marca notória em Macau, e, considerando ainda que a marca agora registada é fácil e suficiente gerir o risco de associação dos consumidores relativamente à origem comercial dos produtos, eis a concorrência desleal nos termos do artº159 do CCOM, ou seja, todo o acto idóneo a criar confusão com a empresa ou com os produtos, dos concorrentes.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
*
Registe e Notifique.
*
RAEM, 01 de Fevereiro de 2024.
Fong Man Chong
(Juiz Relator)
Ho Wai Neng
(1º Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(2º Juiz-Adjunto)
1 Cfr.inhttp://www.wipo.int/about-ip/en/development_iplaw/pub833-toc.htm#TopOfPage
2 A imitação corresponde à “adopção de uma marca confundível com outra. Por conseguinte, a imitação não é identidade, antes supõe a existência de elementos comuns e outros diferentes” - Cfr. Pupo Correia, in Direito Comercial, 10ª Ed., Ediforum, p.347
Pela clareza de raciocínio não podemos deixar de continuar a transcrever aquele citado e Il. Professor da Universidade Lusíada e quanto à forma de aferir a existência de imitação de uma marca por outra, se é ou não confundível com outra anteriormente registada.
Refere que “(…) o legislador consagra dois critérios: um subjectivo e outro objectivo”.
Quanto ao segundo está o mesmo consagrado no artº215ºnº2 do RJIP e consubstancia uma presunção relativa de imitação: “considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada (….)”:
Nestes casos “é desnecessária a verificação da possibilidade psicológica de indução em erro, nos termos do critério subjectivo”.
Quanto ao primeiro está o mesmo consagrado, no nosso ordenamento, na al.c) do nº1 do artº215 do RJPI: “haverá violação do princípio da novidade quer as duas marcas se confundam quando postas em confronto, quer suceda que, estando apenas à vista a marca a constituir (a mais moderna), se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra ou associada com outra de que se tenha conhecimento, a menos que o observador proceda a um exame atento ou confronto. Considera-se imitada a marca que for tão parecida com outra, que o consumidor só as possa distinguir depois de exame atento ou confronto de uma com a outra”.
Adianta ainda que “Esta formulação normativa harmoniza-se perfeitamente com a concepção de BÉDARRIDE, largamente acolhida pela doutrina e a jurisprudência, segundo a qual: “a questão da imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores, considerados isolados e separadamente”.
Deste modo, se a semelhança de conjunto, entre a marca anterior protegida e a mais recente, sem consideração dos pormenores diferenciadores, gerar a possibilidade de confusão, pela fácil indução em erro do consumidor, haverá imitação da primeira pela segunda”.
3 De resto a marca N/174410 , sendo nominativa, contempla em absoluto como único sinal uma expressão das marcas invocadas pela recorrente: artfem.
4 Cremos que previsto no nosso ordenamento jurídico (no CPI Português está previsto expressamente no artº224º) através da conjugação do artº5º e 15ºdo RJPI (este consagrando expressamente o princípio da prioridade do registo).
5 Cfr. Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, I, 4º ed. Almedina, pag.354.
6 Cfr. Neste último sentido, Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra, 2004, p. 356. No primeiro sentido, Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, Coimbra, 2003, p. 146. Veja-se, ainda, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06 de Maio de 2003, no qual se reconhece a marca TOYS’R’US como notória, podendo, para tanto, ser conhecida apenas junto dos seus consumidores, entendendo-se que só a marca de prestígio precisa de ser conhecida do público em geral.
7 Cfr.inhttp://www.wipo.int/about-ip/en/development_iplaw/pub833-toc.htm#TopOfPage
8 Cfr. o ex. apresentado por Couto Gonçalves em nota de rodapé nº644, in Manual de Direito Industrial, 2013, 4ª ed. Almedina: «O pedido de registo de marca que contenha o logótipo, não registado, de uma entidade muito conhecida; o pedido de registo de uma marca feito sem intenção de uso, apenas com intenção de evitar o pedido por parte de um concorrente e a consequente entrada no mercado»
9 É necessário que se reconheça que a requerente do registo pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção - art. 9º, nº 1, al. c) do RJPI.
10 Cfr.inhttp://www.wipo.int/about-ip/en/development_iplaw/pub833-toc.htm#TopOfPage
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