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Processo nº 416/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 01 de Fevereiro de 2024

ASSUNTO:
- Autorização de residência
- Reunião familiar
- Residência habitual

Rui Pereira Ribeiro











Processo nº 416/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 01 de Fevereiro de 2024
Recorrente: (X)
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

i. RELATÓRIO

  (X), com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 29.03.2023 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência, formulando as seguintes conclusões:
A. O acto administrativo recorrido do presente recurso judicial é a informação complementar n.º 3xxxx/SRDARPREN/2023P aprovada pelo Secretário para a Segurança de Macau, que foi proferida a decisão de revogação da autorização de residência temporaria da Recorrente judicial e também faz parte do acto recorrido.
B. De acordo com o teor do acto recorrido, uma vez que a Recorrente judicial não tinha vivido em Macau durante mais de 12 meses e não havia indicação de que voltasse a viver em Macau por um curto período de tempo, o que é incompatível com o pressuposto original para a concessão de autorização de residência (reunião com o cônjuge em Macau). Por conseguinte, a autorização de residência da Recorrente judicial é revogada.
C. Por conseguinte, de 5 de Fevereiro de 2022, até, pelo menos, 24 de Abril de 2023, data de recepção da notificação da decisão pela mandatária da Recorrente judicial, esta não entrou na Região Administrativa Especial de Macau, isto é, a Recorrente judicial não residia em Macau no período acima referido.
D. De acordo com o artigo 25.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Administrativo Contencioso de Macau, o prazo para a interposição do recurso judicial contra o acto recorrido com vício anulável deve ser de 60 dias.
E. Por outro lado, em 16 de Maio de 2023, a Recorrente judicial requereu à entidade recorrida, através da sua mandatária judicial, para consultar o processo, e em 19 de Maio de 2023, no dia da consulta do processo, requereu a emissão de certidão do conteúdo referente ao processo administrativo envolvido, e, em 22 de Maio de 2023, a entidade recorrida recebeu a certidão acima referida.
F. Por conseguinte, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, do Código do Processo Administrativo Contencioso, o prazo para a interposição de recurso judicial contra o acto recorrido é suspenso de 16 de Maio de 2023 a 22 de Maio de 2023.
G. Em 29 de Setembro de 2017, foi concedida à Recorrente judicial uma autorização de residência temporária para se reunir com o seu cônjuge, (Y), em Macau, a respectiva renovação foi válida até 29 de Setembro de 2022.
H. Em 27 de Setembro de 2022, a Recorrente judicial iniciou um processo de renovação da autorização de residência junto da PSP, apresentando os documentos relevantes para o efeito.
I. Em 10 de Janeiro de 2023, o ofício registado n.º 1xxxxx/CPSP-SRDARP/OFI/2022P e a carta registada referente à notificação de audição escrita n.º 2xxxx/SRDARPREN/2022P da PSP foram recebidos por outra pessoa em nome da Recorrente judicial e apresentou uma audição escrita à PSP dentro do prazo fixado.
J. Em 29 de Março de 2023, o Secretário para a Segurança de Macau agiu o acto recorrido e, em 24 de Abril de 2023, o representante da Recorrente judicial recebeu a notificação do respectivo despacho.
K. Desde o seu casamento com o seu cônjuge (Y), em 15 de Março de 2017, a Recorrente judicial deu à luz dois filhos em Macau e sempre considerou Macau como a sua casa de família, tendo aí vivido com o seu cônjuge durante muito tempo.
L. De acordo com as informações constantes do processo administrativo, no período compreendido entre 29 de Setembro de 2020 e 30 de Setembro de 2021, a Recorrente judicial residiu em Macau um total de 247 dias e o seu cônjuge residiu em Macau um total de 327 dias, ou seja, ambos residiram e viveram em conjunto em Macau durante a maior parte do tempo.
M. No entanto, o cônjuge da Recorrente judicial, (Y), foi detido pelo PJ em 28 de Janeiro de 2022, tendo sido preso preventivamente em 30 de Janeiro de 2022 como medida de coacção. Em 22 de Abril de 2023. Em 22 de Abril de 2023, o Tribunal Criminal do TJB de Macau condenou o cônjuge da Recorrente judicial por várias acusações, foi dado agora o início ao processo de recurso contra a decisão.
N. A Recorrente deixou de trabalhar após o casamento e viveu em Macau para cuidar da sua família, sendo o seu principal rendimento enquanto viveu em Macau as despesas de subsistência dadas pelo seu cônjuge.
O. Devido ao processo penal, os bens do cônjuge foram apreendidos pelas autoridades competentes. Consequentemente, a Recorrente judicial perdeu a sua fonte de financiamento para viver em Macau e ela podia depender apenas de si própria.
P. A Recorrente judicial é uma artista taiwanesa com o nome artístico de (Z). Tinha-se dedicado a actividades artísticas na Região de Taiwan, incluindo a representação em filmes e dramas televisivos, etc. a Região de Taiwan é a principal área das suas actividades profissionais.
Q. Existe uma grande diferença na escala e no âmbito do desenvolvimento das artes culturais e do espectáculo na Regiao de Taiwan e em Macau. O desenvolvimento das indústrias conexas e a escala do mercado na Região de Taiwan excedem largamente os de Macau, e mesmo que a recorrente judicial se esforce por encontrar trabalho em Macau, não consegue simplesmente obter oportunidades de emprego suficientes em Macau.
R. Para poder continuar a alimentar os seus dois filhos menores criados com o seu cônjuge e suportar as elevadas custas judiciais e de contencioso do processo-crime do seu cônjuge, a Recorrente judicial teve de sair temporariamente de Macau para trabalhar na Região de Taiwan, numa tentativa de angariar os fundos necessários para viver em Macau no futuro e para cobrir as despesas do processo-crime do seu cônjuge na Região de Taiwan.
S. Por outro lado, não lhe foi possível regressar a Macau durante o período referido no acto recorrido devido a motivos de força maior, à epidemia local na Região de Taiwan e à política de quarentena do Governo da RAEM, uma vez que o COVID-19 continuava a assolar o mundo.
T. O cônjuge da Recorrente judicial está actualmente a recorrer da decisão do seu processo penal e que, uma vez que os fundamentos do recurso sejam julgados procedentes, o cônjuge será libertado e viverá com a Recorrente judicial em Macau.
Erro na apreciação dos pressupostos de facto: se está preenchido o objectivo de reunião com o cônjuge em Macau
U. A entidade recorrida considerou que a Recorrente judicial não cumpria os requisitos do artigo 38.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 16/2021, relativa ao «Regime jurídico do controlo de migração e das autorizações de permanência e residência na Região Administrativa Especial de Macau», ou seja, o qual não preencheu o objectivo de reunião familiar.
V. No entanto, a Recorrente judicial ainda não alterou o objectivo da sua pretensão de residência na RAEM, ou seja, o pedido da renovação da sua autorização de residência para efeitos de reunião familiar com o seu cônjuge em Macau, (Y).
W. Objectivamente, estando o cônjuge da Recorrente judicial preso no Estabelecimento Prisional de Coloane devido ao processo penal, era impossível a coabitação dos dois durante esse período, independentemente de a Recorrente judicial residir ou não em Macau, mas sublinha-se que a situação da prisão preventiva do seu cônjuge não foi controlada ou alterada pela vontade da Recorrente judicial ou do seu cônjuge e não pode ser imputada à recorrente judicial.
X. Mais importante ainda, mesmo que a Recorrente judicial esteja objectivamente ausente de Macau, tal não significa que a Recorrente judicial tenha abandonado o objectivo de conviver com o seu marido. Subjectivamente, é a Recorrente judicial que está tão ansiosa por se reunir com o seu cônjuge em Macau que procurara emprego para obter rendimentos que pague as despesas incorridas pelo cônjuge no processo, de modo a que este possa ser libertado e reunir-se com ela o mais rapidamente possível.
Y. Assim, no caso da Recorrente judicial, tendo em conta os vários factores previstos no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2021, e, em particular, a inexistência de qualquer incompatibilidade com a finalidade pretendida da residência na RAEM (reunião com o cônjuge em Macau), tal como previsto no n.º 2, alínea 1) do mesmo artigo, não deve ser revogada a autorização de residência da Recorrente judicial em Macau.
Z. Como o acto recorrido padece do erro na apreciação dos pressupostos de facto e está revogável nos termos do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo de Macau.
Aplicação incorrecta da lei: existência ou não de violação de “residência habitual”
AA. De acordo com o acto recorrido, o outro fundamento jurídico para a sua decisão de revogar a autorização de residência da Recorrente judicial é a disposição do artigo 43.º, n.º 2, alínea 3), da Lei n.º 16/2021.
BB. Para a Recorrente judicial, a fim de continuar a criar os filhos menores nascidos dele e da suo cônjuge, a Recorrente judicial deve deixar Macau temporariamente para trabalhar na Região de Taiwan e regressar a Macau depois de tentar reunir os fundos necessários para viver em Macau no futuro na Região de Taiwan.
CC. Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999, para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente o motivo, período e frequência das ausências.
DD. Em termos teóricos, o local de residência habitual refere-se ao local onde uma pessoa reside habitualmente e ao qual está habituada a regressar após uma ausência de longa ou curta duração. No entanto, o local onde uma pessoa se encontra durante um longo período de tempo ou onde pernoita não é o critério único e absoluto para determinar o local de residência habitual, uma vez que existem circunstâncias excepcionais em que a pessoa em causa pode estar ausente de Macau durante um longo período de tempo, talvez mesmo mais de 6 meses, e, no entanto, deve ser considerada como tendo Macau como o seu local de residência habitual.
EE. No caso em apreço, a Recorrente judicial e o seu cônjuge viviam em Macau há muito tempo e, devido às circunstâncias especiais da Recorrente judicial, este teve de deixar Macau temporariamente (porque não conseguia ganhar a vida devido ao ambiente das artes do espectáculo em Macau e teve de ir trabalhar para a Região de Taiwan a fim de ganhar a vida para si e para os seus filhos, bem como para as despesas do processo penal do seu cônjuge).
FF. Além disso, tendo em conta a propagação da epidemia a nível mundial, é razoável e normal que uma Recorrente judicial decida não regressar temporariamente a Macau devido à epidemia, uma vez que a primeira consideração em tais circunstâncias deve ser a saúde e a segurança, que é também um direito fundamental da Recorrente judicial.
GG. Verifica-se que, mesmo que seja verdade que a Recorrente judicial não residiu em Macau durante o período indicado pelo acto recorrido, a razão para tal não pode ser imputada à Recorrente judicial, que não violou o requisito de residência habitual em Macau, conforme estipulado no artigo 43.º, n.º 2, alínea 3), da Lei n.º 16/2021.
HH. Por conseguinte, o acto recorrido constitui um erro na aplicação da lei e, nos termos do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo de Macau, o acto recorrido é anulável.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar, apresentando as seguintes conclusões:
I. O acto recorrido não está inquinado do vício de erro nos pressupostos de facto porquanto se verifica que a Recorrente deixou de ter residência habitual na RAEM, pois não esteve a viver na RAEM por um largo período de tempo;
II. Bem antes da detenção do seu marido, entre 29 de Setembro de 2021 e 30 de Setembro de 2022 a Recorrente apenas permaneceu na RAEM durante 130 dias, isto é, menos de meio ano;
III. Acresce que a Recorrente saiu da RAEM no dia 5 de Fevereiro de 2022 e até à data da prolação do despacho ora recorrido não havia regressado a Macau;
IV. A Recorrente não prova que não dispõe de fontes de rendimentos para viver na RAEM, mas em sede de instrução do pedido de renovação faz prova de ter capacidade de subsistência;
V. A Recorrente não prova que tenha tentado arranjar trabalho em Macau no seu ramo artístico de actividade, quando sobre ela recaia o ónus dessa prova;
VI. A Recorrente não estava impedida de regressar à RAEM por causa da epidemia;
VII. O facto de o marido da Recorrente estar preso não obsta a que a Recorrente continue a ter residência na RAEM, pois do casamento decorrem deveres para ambos os cônjuges, conforme resulta do regime estabelecido no Código Civil de Macau;
VIII. A prisão do marido da Recorrente constitui, precisamente, motivo ponderoso para que o casal não tenha a mesma morada de família;
IX. A Recorrente não deixa de estar obrigada a cumprir, na medida do possível, os demais deveres resultantes do casamento;
X. Quando o titular de uma autorização de residência deixa de ter residência habitual na RAEM, ou quando deixa de verificar-se algum dos requisitos, pressupostos ou condições subjacentes à concessão da autorização de residência, existe fundamento para a respectiva revogação, tal como resulta do disposto na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021;
XI. Por se provar que a Recorrente deixou de ter residência habitual na RAEM, verifica-se o decaimento de um pressuposto sobre o qual se fundou a sua autorização de residência;
XII. E por se verificar que a Recorrente deixou de ter residência habitual na RAEM, a sua autorização de residência foi revogada nos termos das disposições conjugadas da alínea 1) do n.º 2 do artigo 38.º, e da alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021;
XIII. Ao decidir sobre determinado caso, a. Administração, baseia-se na matéria de facto apurada e na subsunção dos factos à respectiva previsão legal;
XIV. A Administração actua em obediência à lei, dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos e em conformidade com os respectivos fins, o que se verifica no presente caso, pelo que o acto impugnado não está inquinado do vício de erro na aplicação do direito;
XV. A concessão da residência na RAEM, assim como a sua manutenção (até que os interessados sejam considerados residentes permanentes) é revestida de apertados critérios e imbuida de uma muito larga margem de discricionariedade, mas que parte de orientações claras;
XVI. Em matéria de concessão de residência, e da sua manutenção, a primazia vai para os casos cujas finalidades se revelam mais prementes, à luz do interesse da RAEM e dos seus residentes, de que é exemplo o caso das reuniões familiares, sendo que a falta de residência habitual na RAEM ou o decaimento de qualquer pressuposto ou requisito sobre o qual se tenha fundado a autorização de residência, é causa de caducidade da autorização de residência;
XVII. Face à situação de facto detectada, ou seja, a circunstância de a Recorrente ter deixado de residir habitualmente na RAEM, dada sua ausência por longos períodos - de tempo, mesmo antes do seu marido ter sido preso, a não comprovação das razões invocadas para essa ausência, a inexistência de indícios que demonstrem que aqui pretende voltar a residir, a Entidade Recorrida, dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos por lei, em especial os consagrados no artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, revogou a autorização de residência da Recorrente, por se verificar que ela aqui deixou de ter residência habitual;
XVIII. A Entidade Recorrida considera que nenhum dos vícios invocados pela Recorrente encontra qualquer suporte fáctico ou jurídico que os sustente, pelo que, no seu entender, os mesmos não poderão deixar de improceder.

  As partes foram notificadas para apresentar alegações facultativas, tendo silenciado.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela procedência do recurso, com o seguinte teor:
  «1.
  (X), melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança que indeferiu o seu pedido de renovação da autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou douta contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i.)
  O acto recorrido fundou-se nas normas legais conjugadas da alínea 1) do n.º 2 do artigo 38.º e da alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, tendo a Administração considerado que, não tendo a Recorrente residido em Macau mais de 12 meses e não havendo indicação de que regressará a Macau num curto espaço de tempo, não preenche as condições iniciais para a concessão da autorização de residência pelo que se justificaria o indeferimento do pedido de renovação dessa autorização.
  Da interpretação do acto recorrido que fazemos, baseou-se o mesmo, exclusivamente, na circunstância de ter deixado de se verificar o pressuposto da reunião familiar da Recorrente com o seu cônjuge que tinha justificado a concessão da autorização de residência. Isso resulta, inequivocamente, da parte final do ponto 2 e da alínea 4) do ponto 3 do parecer elaborado pelo Chefe Substituto do departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do Corpo de Polícia de Segurança Pública que serviu, por adesão, de fundamentação do acto recorrido (cfr. a respectiva versão em língua portuguesa constante de fls. 89 e 90 dos presentes autos).
  Cremos, portanto, contrariamente ao que a própria Recorrente alegou na douta petição inicial, que não constituiu fundamento do acto recorrido a falta de residência habitual em Macau.
  É, pois, com o sentido assim interpretativamente definido que nos iremos pronunciar sobre a pretensão impugnatória deduzida nos presentes autos.
  (ii.)
  (ii.1.)
  Invoca a Recorrente a existência de um erro da Administração ao considerar que deixou de se verificar o pressuposto da reunião familiar que havia justificado a concessão da autorização de residência.
  Vejamos.
  Como temos sustentado noutros processos recurso contencioso em que a questão se tem colocado, se a autorização de residência na RAEM for concedida com fundamento no casamento com alguém que tenha o estatuto de residente, em particular, o estatuto de residente permanente, a manutenção de tal autorização dependerá da existência, não só do vínculo jurídico do casamento, mas também de uma verdadeira comunhão de vida, a qual, por sua vez, pressupõe a existência de coabitação entre os cônjuges. Isto porque, o que, em primeira linha, justifica a concessão da autorização de residência com base na chamada reunião familiar - conceito do qual, aliás, a lei n.º 16/2021 não se socorre, contrariamente noutros ordenamentos jurídicos - é a garantia do direito do residente à fruição de uma vida familiar plena e estável a que a Lei Básica, no seu artigo 38.º, defere evidente e justificada protecção (apontando no mesmo sentido, de que o desiderato do chamado reagrupamento familiar por referência do Direito da União Europeia, é o de possibilitar a manutenção da unidade familiar, veja-se a Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativa, justamente, os direitos ao reagrupamento familiar).
  Quer isto dizer, portanto, que a autorização de residência que se tenha fundado no casamento do beneficiário da autorização com um residente, pode não ser renovada se a Administração verificar que, entretanto, ocorreu o divórcio ou, então, a mera separação de facto entre os cônjuges, uma vez que, numa e noutra situação, o pressuposto que esteve na base da concessão da autorização terá deixado de se verificar e, consequentemente, a dita autorização terá deixado de se justificar face à finalidade que a determinou.
  Todavia, se a situação familiar o interessado não tiver sofrido alteração, isto é, se o casamento se mantiver sem que tenha havido separação de facto entre os cônjuges, é dizer se o vínculo conjugal se mantiver em pleno e não apenas formal ou juridicamente, já não haverá aí razão para considerar a existência, a esse nível, de qualquer alteração dos pressupostos justificativos da autorização de residência.
  (ii.2)
  No caso, é incontroverso que a Recorrente não se divorciou do seu cônjuge. Por isso, aquilo que importa verificar na perspectiva da aferição da legalidade do acto, é se os mesmos se separaram de facto pois que só isso poderia justificar, em princípio e como vimos, o indeferimento da renovação da autorização de residência aqui impugnado, com base no fundamento expressamente invocado pela Administração para sustentar o acto recorrido e que foi o desaparecimento do pressuposto que, num primeiro momento, justificou a própria autorização, ou seja a reunião familiar.
  Como já vimos, a Administração, para justificar a sua actuação, bastou-se, essencialmente, com a verificação de que a Recorrente esteve ausente de Macau «durante mais 12 meses e não havendo indicação de que regressará a Macau bum curto espaço de tempo, o que não preenche as condições iniciais para a concessão da autorização de residência (reunião com o cônjuge em Macau)» (citámos o texto fundamentador do acto recorrido. Cfr. fls. 90 dos autos). A partir dessa constatação terá concluído que ela já não vive com o seu marido em Macau sendo tal situação «inconsistente com o pressuposto (reunião com o cônjuge em Macau) o qual lhe foi concedida no início a autorização de permanência e que essa autorização» (citámos o texto fundamentador do acto recorrido. Cfr. fls. 89 dos autos).
  Terá a Administração considerado, portanto, que a ausência física da Recorrente do território da Região durante o referido período de tempo, implicaria a existência de uma situação de separação de facto e que esta, por sua vez correspondia ao desaparecimento do pressuposto (reunião familiar) que esteve na base da concessão da autorização de residência.
  Não nos parece, com todo o respeito, que assim seja. Procuraremos demonstrar porquê.
  (ii.2.1)
  A coabitação entre os cônjuges não é um conceito susceptível de apreensão puramente fáctica ou naturalística. Pelo contrário, aliás. Trata-se de um conceito jurídico que reveste uma grande plasticidade e que, por isso, não dispensa uma análise casuística das concretas circunstâncias que em cada situação ocorram, de forma a procurar desvelar, não só a objectividade da falta de vida em comum, em regra em lugares separados, mas, também, o indispensável elemento subjectivo, qual seja, o propósito de ambos ou, ao menos de um dos cônjuges, de não restabelecer a vida em comum. Sem este elemento subjectivo não pode falar-se de quebra do dever de coabitação e, portanto, não pode dizer-se que os cônjuges deixaram de coabitar ou que estejam separados de facto. É isto o que resulta de forma claríssima do disposto no n.º 1 do artigo 1638.º do Código Civil (aí se preceitua: «entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer»). É por isso que, por exemplo, se um dos cônjuges emigra para um outro país e está fisicamente ausente da casa de morada da família, e separado do outro cônjuge por largos períodos de tempo, como tantas vezes acontece, daí não resulta a quebra da comunhão de vida, nem do dever de coabitação. É também por isso que, se um dos cônjuges tem de cumprir uma pena de prisão se não se pode dizer que ocorre uma separação de facto no sentido juridicamente relevante que referimos (como assinala a doutrina, a verificação da separação de facto pressupõe a reunião de dois elementos: um elemento objectivo, denominado «corpus», que se traduz na ocorrência da ruptura da comunhão de vida que caracteriza a relação matrimonial e que pressupõe a comunhão de leito, mesa e habitação; um elemento subjectivo, designado «animus», que corresponde a um fenómeno psicológico, uma realidade interior manifestada na intenção, por parte de ambos os cônjuges ou de apenas um deles, de não restabelecer a vida comum. Nestes termos, RUTE TEIXEIRA PEDRO, in Código Civil Anotado, Volume II, Almedina, Coimbra, 2019, p. 693). Aliás, da norma do artigo 1534.º do Código Civil decorre, inequivocamente, que os cônjuges podem ter residências separadas, existindo motivos ponderosos que o justifique.
  Isto que flui de disposições legais relevantes do nosso Direito da Família não pode deixar de se projectar na avaliação administrativa da existência e da manutenção dos pressupostos de determinado acto administrativo se, como no caso, o interesse público prosseguido por esse acto consiste, como dissemos, na garantia de uma vida familiar plena e estável aos residentes da RAEM. A unidade do sistema jurídico, neste específico contexto, reclama que a Administração, num primeiro momento e o juiz administrativo em eventual fiscalização da actuação administrativa, não deixem de interpretar e aplicar conceitos e institutos que são próprios do Direito da Família à luz dos respectivos cânones.
  (ii.2.2)
  Ora, no caso em apreço, afigura-se-nos, com todo o respeito, que a Administração se limitou a verificar que, objectivamente, durante um período de mais de 12 meses, a Recorrente não viveu em Macau. A verdade, no entanto, é que se não demonstra que essa separação física tenha correspondido a uma verdadeira separação de facto no sentido que resulta da norma do artigo 1638.º. n.º 1 do Código Civil e, portanto, que tal período tenha representado uma ausência de comunhão de vida, ou de uma coabitação em sentido juridicamente relevante. Com efeito, dos elementos colhidos no decurso do procedimento administrativo, parece-nos não terem sido recolhidos indícios suficientes que permitam concluir no sentido de que, da parte de um ou de ambos os cônjuges, não haja o propósito de, assim que possível, voltarem a partilhar o leito, a mesa e a habitação.
  Aliás, a este último propósito importa salientar que o presente caso apresenta uma especificidade interessante. Decorre dos autos que o marido da Recorrente se encontra em situação de prisão preventiva e por isso, ainda que a Recorrente estivesse a viver em Macau, sempre ocorreria o elemento objectivo da falta de comunhão de vida, o denominado «corpus» da separação de facto e assim, desse ponto de vista, a ausência da Recorrente em Taiwan nada acrescenta. Tudo se centra, pois, no chamado elemento subjectivo ou «animus» dessa separação, relativamente ao qual, no entanto e como referimos, os autos nada permitem concluir. Bem ao contrário, aliás. A manutenção do vínculo matrimonial leva a presumir, por ser aquilo que normalmente acontece (o id quod plerumque accidit que funda a construção das presunções, judiciais incluídas), que a comunhão de vida se mantém.
  Pode assim concluir-se, estamos modestamente em crer, que na aplicação da «norma» que construiu no exercício dos seus poderes discricionários, segundo a qual a ausência da Recorrente em Macau por um período de cerca de 12 meses implicou que tenha deixado de se verificar o pressuposto da reunião familiar que justificou a concessão da autorização de residência, a Administração incorreu em erro implicante da anulabilidade do acto recorrido (no mesmo sentido decidiu o Tribunal de Segunda Instância nos Processos n.º 395/2021, 326/2022 e 412/2022).
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado procedente, anulando-se, em consequência, o acto recorrido.».
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
a) Em concordância com a informação nº 3xxxx/SRDARPREN/2023P, de 08.02.2023, e com o Director do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, foi proposto pelo CPSP, em 17.02.2023, o indeferimento da renovação da autorização de residência de que a Recorrente beneficiava, ao abrigo da alínea 1) do nº 2 do artº 38º e artº 43º, nº 2, alínea 3) da Lei nº 16/2021, a qual consta de fls. 25 a 27, traduzidas a fls. 88 a 96 e com o seguinte teor:
01-DARP.1552/2023/SR
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANCA PÚBLICA
Despacho:
INDEFIRO
nos termos e com os fundamentos do parecer constante desta informação.
O Secretário para a Segurança
(ass.-vide original)
(xxx)
29/03/2023
Parecer:
  Concordo com o parecer do Chefe, substituto, do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência.
À apreciação do Secretário para a Segurança.
O Comandante do CPSP,
(ass.-vide original)
13 MAR 2023

1. A requerente, (X), residente na Região de Taiwan, obteve uma autorização de residência em 29 de Setembro de 2017 para efeitos de reunir com o seu cônjuge, (Y), em Macau, sendo a autorização válida e renovada até 29 de Setembro de 2022.
2. Em 27 de Setembro de 2022, a Requerente, através de um representante legal, pretende dar início a um processo de renovação da sua autorização de residência. Dado que a Requerente residiu em Macau durante 130 dias no ano transacto (29 de Setembro de 2021 a 30 de Setembro de 2022) (partiu de Macau em 5 de Fevereiro de 2022 e em 30 de Setembro de 2022, ainda não regressou a Macau, período durante o qual não viveu em Macau mais de 7 meses) e que, tendo o seu cônjuge ficado preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Macau, as circunstâncias acima referidas, no seu conjunto, indiciam que a Requerente não vive com o seu cônjuge em Macau, tal situação indicaria que é inconsistente com o pressuposto (reunião com o cônjuge em Macau) o qual lhe foi concedida no início a autorização de permanência e que essa autorização de residência deveria ser revogada.
3. O conteúdo principal do processo de audição, tal como apresentado pela mandatária judicial da Recorrente, foram os seguintes:
1) O cônjuge da Requerente está no preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Macau uma vez que está envolvido num processo penal;
2) Os seus bens foram igualmente apreendidos, o que resultou na perda de uma fonte de financiamento para a Requerente viver em Macau;
3) Por conseguinte, a Requerente deve regressar à Região de Taiwan para trabalhar, a fim de obter os fundos necessários para viver.
4) Em suma, as alegações da Recorrente não têm fundamento suficiente, uma vez que o comportamento em causa é uma questão de escolha pessoal. Com base no facto de a Requerente ter residido em Macau durante 130 dias no ano transacto (29 de Setembro de 2021 a 30 de Setembro de 2022), partiu de Macau em 5 de Fevereiro de 2022 e em 16 de Fevereiro de 2023 ainda não regressou a Macau, não tendo residido em Macau durante mais de 12 meses e não havendo indicação de que regressara a Macau num curto espaço de tempo, o que não preenche as condições iniciais para a concessão da autorização de residência (reunião com o cônjuge em Macau). Por conseguinte, propõe-se a revogação da autorização de residência da Requerente (X), em conformidade com as disposições do artigo 38.º, n.º 2, em especial a alínea 1), e do artigo 43.º, n.º 2, alínea 3) da Lei n.º 16/2021. No entanto, tal não impede a Requerente de solicitar uma autorização de residência se os requisitos, pressupostos ou condições estiverem preenchidos.
À apreciação do Comandante.
17 FEV 2023
O Chefe, substituto, do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência,
(ass.-vide original)
Subintendente (L)


Assunto:
Pedido de renovação da autorização da residência (revogação da autorização da residência)
Informação complementar n.º 3xxxx/SRDARPREN/2023P
Data: 08/02/2023
1. Relativamente ao pedido de autorização de residência apresentado por (X) em 27 de Setembro de 2022, este Departamento emitiu a informação n.º 2xxxx/SRDARPREN/2022P, propõe-se que fosse revogada a sua autorização de residência.
…/…
Entregue ao Ren para o acompanhamento.
03 APR 2023
(Rúbrica)
【Audiência escrita】
2. Por ter residido em Macau durante 130 dias no ano transacto (29 de Setembro de 2021 a 30 de Setembro de 2022) (partiu de Macau em 5 de Fevereiro de 2022 e em 30 de Setembro de 2022 ainda não regressou a Macau e durante o período não viveu em Macau mais de 7 meses);e o seu cônjuge residiu em Macau durante 101 dias (partiu de Macau em 7 de Janeiro de 2022 e em 30 de Setembro de 2022, ainda não regressou a Macau), o que significa que a Requerente e o cônjuge não viveram juntos em Macau durante mais de 8 meses.
3. Em 24 de Novembro de 2022, a mandatária judicial da Requerente foi contactada por telefone para receber a notificação, no entanto, a mandatária judicial não tinha autoridade suficiente para assinar o documento. Em 29 de Dezembro de 2022, nos termos do artigo 13.º da Lei n.º 16/2021, foi enviada uma audiência escrita para o endereço de Macau declarado pela Requerente, através de carta registada sem aviso de recepção, tendo-lhe sido concedido um prazo de 15 dias a contar da recepção da notificação para se pronunciar por escrito sobre o conteúdo da mesma. Para mais informações, consulte a notificação n.º 2xxxx/SRDARPREN/2022P e o ofício n.º 1xxxx/CPSP-SRDARP/OFI/2022P. (P. 113~117)
【Sanação de documentos】
4. Em 24 de Novembro de 2022, este Dept.º recebeu o original e as cópias do Bilhete de Identidade de Residente de Macau e do Documento de viagem da Região de Taiwan da Requerente, uma cópia autenticada do Bilhete de Identidade de Residente de Macau do cônjuge da Requerente, uma declaração autenticada da situação dos membros da família e uma declaração da manutenção do estado civil e da vida em comum, bem como uma declaração da Requerente. (P. 118~126)
5. O conteúdo essencial da declaração da Requerente acima referida é o seguinte: “Casei com o meu cônjuge, (Y), em 15 de Março de 2017. Vivo em Macau desde o meu casamento e tive dois filhos em Macau durante este período. No entanto, o meu cônjuge, (Y), foi citado à Polícia Judiciária em Janeiro de 2022, tendo sido declarado como arguido por suspeita de infracção penal. Foi preso preventivamente em 30 de Janeiro de 2022 e, desde então, encontra-se preso no Estabelecimento Prisional de Coloane até ao presente momento, o que impossibilita a coabitação do casal em Macau. Por outro lado, eu era artista na Região de Taiwan e, após o meu casamento, deixei de trabalhar e passei a viver em Macau para cuidar da minha família, sendo o meu principal rendimento as despesas de subsistência pagas pelo meu cônjuge. No entanto, como o meu marido foi acusado suspeita de um crime penal, os seus bens e contas bancárias foram congelados e eu perdi o meu único rendimento financeiro. Por conseguinte, só posso sustentar os meus filhos de dois e três anos de idade e todas as despesas necessárias para a minha família viver em Macau. Por isso, só posso voltar a trabalhar na Região de Taiwan e deixar Macau temporariamente, vou regressar a Macau depois de reunir os fundos necessários para me sustentar.” (124)
【Consulta de processo】
6. Foi recebida a cópia da carta de pedido de acesso ao processo da mandatária judicial da Requerente em 12 de Janeiro de 2023 (o documento original foi recebido em 17 de Janeiro de 2023) e o representante legal da Requerente, advogado estagiário (L), concluiu a consulta do processo em 16 de Janeiro de 2023, com fotocópias dos documentos comprovativos do seu substabelecimento e do seu cartão de advogado. (P.108~112)
【Descrição dos acontecimentos】
7. Em 26 de Janeiro de 2023, a advogada da Requerente, (M), apresentou os seguintes documentos a este CPSP:
- Uma declaração da advogada represente da Recorrente, (M), no sentido de que: “…
1) A Requerente não alterou o objectivo pretendido de residência em Macau até à presente data e pretende reunir com o seu cônjuge.
2) O cônjuge da Requerente foi citado para a esquadra da Polícia Judiciária no final de Janeiro de 2022 e foi declarado como arguido por suspeita de um crime penal, tendo sido-lhe aplicada medida de coacção de prisão preventiva em 30 de Janeiro de 2022 até ao presente momento. O processo encontra-se agora na fase de audiência de julgamento. Por conseguinte, é evidente que houve um erro na notificação de audiência no que respeita à entrada e saída do seu cônjuge.
3) A Requerente e o seu cônjuge tinham dois filhos e ela tinha deixado de trabalhar após o seu casamento. O principal rendimento da Requerente era as despesas quotidianas dadas pelo seu cônjuge, mas os seus bens foram apreendidos pelas autoridades devido ao processo penal que envolvia o seu cônjuge. Consequentemente, a Requerente perde a fonte de fundos para viver em Macau e teria de regressar a Região de Taiwan para trabalhar e obter os fundos necessários para viver.
4) Em resumo, a renovação da autorização da Requerente para permanecer em Macau não deve ser revogada.” (é mais ou menos semelhante à declaração da Requerente, para os detalhares mais pormenorizados, vide a declaração) (P.103~107)
【Análise global】
8. De acordo com os registos de entrada e saída, nem a Requerente nem o seu cônjuge tinham quaisquer registos de entrada e saída nos últimos cerca de 4 meses (1 de Outubro de 2022 a 6 de Fevereiro de 2023). A Requerente partiu de Macau em 5 de Fevereiro de 2022 e o seu cônjuge encontra-se preso preventivamente em Coloane. Após cerca de 2 anos e 4 meses (29 de Setembro de 2020 a 7 de Fevereiro de 2023). Os dois filhos menores da Requerente, ambos residentes em Macau há 378 dias, eles partiram de Macau em 5 de Fevereiro de 2022. (P. 86~102)
9. Em suma, tendo em conta as alegações da Recorrente e da sua advogada e, em especial, o facto de os bens do cônjuge da Recorrente terem sido apreendidos pelas autoridades por suspeita do processo penal, o que fez com que a Recorrente perdesse a fonte de financiamento para viver em Macau, a necessidade de a Recorrente trabalhar na Região de Taiwan para obter os fundos necessários para viver não se justificava enquanto escolha pessoal. O cônjuge foi detido e preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Coloane de Macau em 30 de Janeiro de 2020, o que indica que o cônjuge esteve em Macau no último ano. No entanto, uma vez que a Requerente e os seus filhos estão fora de Macau há mais de um ano, não há qualquer indicação de que ela ia regressar a Macau num futuro próximo, o que é incompatível com a premissa inicial da autorização de residência (reunião com o cônjuge em Macau). Por conseguinte, tendo em conta e em conformidade com o disposto no artigo 38.º, n.º 2, em especial a alínea 1), e no artigo 43.º, n.º 2, alínea 3), da Lei n.º 16/2021, propõe-se a revogação da autorização de residência da Requerente (X) (ou seja, caducara em 30 de Setembro de 2022) e sendo a impossibilidade do respectivo pedido de renovação. No entanto, tal não impede a Requerente de solicitar uma autorização de residência se os requisitos, pressupostos ou condições estiverem preenchidos.
À consideração superior.
  
O Elaborador,
(ass.-vide original)
XXX 090351
A Divisão de Autorização de Residência e Permanência,
A Subdivisão de Residência,
(ass.-vide original)
O Comissário XX

b) Do Direito
  
  Nas suas alegações e conclusões de Recurso vem a Recorrente imputar ao acto recorrido o vício de violação de lei decorrente do erro nos pressupostos de facto e na errada aplicação do conceito de ter deixado de ter residência habitual na RAEM.
  
  Com todo o respeito pelo Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público no caso em apreço não o podemos acompanhar.
  À Recorrente foi concedida a autorização de residência em Macau para reunião familiar e aqui poder viver com o seu cônjuge.
  Entendeu a Entidade Recorrida e bem no nosso entender que tinha deixado de se verificar o pressuposto com base no qual a autorização de residência foi concedida.
  Não está em causa se a Recorrente tem ou não vida em comum com o seu cônjuge.
  Sendo desde logo certo, que o facto de um dos cônjuges se encontrar preso ou até a viver noutro país, como Doutamente se analisa no Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, não impede que haja vida em comum entre os cônjuges, o despacho recorrido não assenta no pressuposto de aquela tenha cessado – a vida em comum entre os cônjuges -.
  Sendo a comunhão de vida um dos pressupostos para que a autorização de residência seja concedida ao cônjuge de um residente ela exige um outro pressuposto: - Que a vida do casal tenho o seu centro em Macau.
  Só faz sentido conceder a autorização de residência a alguém com base na reunião familiar se a pessoa com quem aquele a autorização é concedida se vem reunir tenha o seu centro de vida em Macau e se aquele a quem a autorização é concedida aqui também o queira ter.
  Se acaso o residente de Macau com quem o não residente se pretende reunir, aqui não tem o seu centro de vida, não faz sentido algum conceder-se a autorização de residência, uma vez que o pressuposto da reunião familiar não vai acontecer, isto é, o não residente não vem reunir-se com alguém, porque esse alguém, o cônjuge, o unido de facto, etc., não tem o seu centro de vida em Macau.
  O mesmo acontece na situação inversa, se aquele que pede a autorização de residência para se reunir com alguém que aqui é residente não transferir o centro da sua vida para Macau.
  Como já tem sido de forma abundante discutido e explicado por este Tribunal o conceito de residência habitual pode abarcar inúmeras situações, para além de ter vindo a ser alargado em termos legislativos uma vez que nos termos do nº 5 do artº 43º da Lei nº 16/2021 expressamente se entende que quem ainda que não pernoite na RAEM aqui “se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial” aqui não deixa de ter residência habitual.
  Dentro do mesmo entendimento se tem aceite que situações limitadas no tempo em que as pessoas não vivem na RAEM porque estejam a estudar no estrangeiro, temporariamente a trabalhar no estrangeiro, em tratamento médico, prestar auxílio a terceiros que residam no estrangeiro, etc., quando o centro de vida dessas pessoas continue a estar em Macau, tal não pode ser interpretado como ter deixado de ter residência habitual.
  A tudo isto acresce um leque vário de situações que durante a Pandemia que recentemente se viveu impediu as pessoas de regressar a Macau ou obrigou-as a estar fora.
  Contudo, a situação dos autos não se enquadra em nenhuma daquelas.
  Concedida a autorização de residência à Recorrente esta aqui viveu com o seu marido.
  Porém, em 5 de Fevereiro de 2022 a Recorrente saiu de Macau e aqui não mais regressou.
  Alega que o fez para trabalhar no Território de Taiwan por ser dali natural, ali ser uma artista conhecida, o mercado de trabalho ser maior do que o de Macau e ter necessidade de fazer face ao seu sustento e da sua família dado que o marido está preso.
  Mas não apresenta um único elemento de prova quanto a essa actividade profissional que haja desenvolvido em Taiwan.
  O que resulta dos autos é que a Recorrente saiu de Macau em 05.02.2022 e até à data em que foi lavrada a informação com base na qual foi proferido o despacho recorrido ainda não tinha voltado – cf. fls. 119 -.
  Tão longa ausência, sem qualquer justificação devidamente provada apenas permite que se conclua que a Recorrente aqui deixou de ter a sua residência habitual, sem prejuízo de continuar a manter a vida em comum com o seu cônjuge e residente de Macau e o propósito de a continuar.
  O que está em causa nestes autos não é se há vida em comum entre os cônjuges, mas sim se aquele a quem foi concedida a autorização de residência em Macau aqui pretende continuar a ter a sua residência habitual.
  Ora, perante tão longa ausência, demonstrada que está nos autos, e sem que se prove justificação convincente, não enferma a decisão recorrida de erro nos pressupostos de facto, nem de uma errada interpretação do conceito de residência habitual.
  Destarte, não enferma o acto recorrido dos vícios que lhe são imputados, impondo-se negar provimento ao recurso.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
  
  Custas a cargo da Recorrente fixando a taxa de justiça em 6 UC´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 01 de Fevereiro de 2024
  
  Rui Pereira Ribeiro
  (Juiz Relator)
  Fong Man Chong
  (1º Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng
  (2º Juiz-Adjunto)
  Mai Man Ieng
  (Procurador-Adjunto)
  

416/2023 REC CONT 66