Processo n.º 766/2023
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 01 de Fevereiro de 2024
Assuntos:
- Conceito de acto administrativo e deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões
SUMÁRIO:
I – Perante o pedido de inscrição no respectivo fundo de pensões, formulado pelos ora Recorrentes, o Conselho de Administração do Fundo de Pensões indeferiu tal pretensão invocando sumariamente que os Recorrentes não tenham esse direito reconhecido pela legislação aplicável, deliberação esta que é, sem dúvida, um acto administrativo, já que a Entidade Recorrida exerceu um poder de Direito Administrativo, indeferindo a pretensão dos Recorrentes, definindo assim negativamente o estatuto jurídico-profissional dos Recorrentes, afectando a sua esfera jurídica, produzindo-se deste modo efeitos jurídicos concretos externos. Aliás, a mesma situação já foi decidida por este TSI no processo registado sob o nº 1297/2019, com acórdão proferido em 09/07/2020.
II – Face aos termos consagrados no artigo 100º do CPAC, a lei não determina expressamente as situações em que seja obrigatório intentar acção ou interpor recurso contencioso. Quer dizer, o uso da acção, em vez do recurso contencioso, dependerá, segundo o juízo que o interessado fizer da situação, da maior vantagem e garantia para a tutela judicial efectiva que a acção lhe oferece e da mais provável celeridade no andamento do processo e, assim mesmo, da mais rápida condenação da Administração no reconhecimento do direito que ela lhe tem vindo a negar. Em situações normais, a opção de uma ou outra forma processaual por si só não é razão bastante para indeferir liminarmente a PI quando os Recorrentes optaram por forma de recurso contencioso para atacar uma decisão administrativa.
O Relator,
Fong Man Chong
Processo n.º 766/2023
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 01 de Fevereiro 2024
Recorrentes : - (A)
- (B)
Objecto do Recurso : Despacho que rejeitou liminarmente o recurso contencioso (初端駁回司法上訴之批示)
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
(A) e (B), Recorrentes, devidamente identificados nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 21/06/2023 (fls. 97 e 98), vieram, em 04/07/2023, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 108 a 119, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 本上訴所針對的是原審法院第97頁至第98頁的初端駁回司法上訴的決定。在這一決定中,原審法院認為被訴實體所作出的只是一項 “mera actuação administrative (單純的行政操作)”,沒有作出過任何的行政行為。所以,案中欠缺了司法上訴的審理標的。
2. 然而,在尊重上述觀點之前提下,兩名上訴人認為有關的決定存在錯誤解釋和適用《行政程序法典》第110條、《行政訴訟法典》第20條、第46條第2款b項,以及第100條之規定。
3. 為此,應分析被訴實體所作出的決定是否與行政行為的定義及特徵相符。
4. 首先,我們可以毫無疑問地得知,決定之作出者,一定是行政當局機關。因為根據第16/2006號行政法規《退休基金會的組織及運作》第1條、第4條、第5條第1款、第6條、第7條及第8條規定,退休基金會為公法人,行政管理委員會(包括主席)為其日常運作之機關。
5. 其次,根據第16/2006號行政法規《退休基金會的組織及運作》第3條第1款第1項,以及第6條第1款第7項規定,退休基金會具有管理和執行退休及撫卹制度的職責;行政管理委員會行使旨在確保退休基金會良好運作及履行該基金會職責所需的權力,擁有根據適用法律的規定,許可退休及撫卹制度和公積金制度的受益人登記,以及命令中止或註銷有關登記的職權。
6. 因此,被訴實體面對兩名上訴人申請所作出的決定,明顯不是在進行私法活動、政治行為、立法行為以及司法行為,而是根據上述公法規定作出之行為。
7. 事實上,被訴實體確實對兩名上訴人的退休登記申請進行了分析,並作出決定,當中從未宣稱其自身無權限處理有關事宜。故此,我們實在看不到有任何理由可以不將被訴實體作出的決定,視作符合根據公法規定作出之行為。
8. 再者,在本個案中,被訴實體確確實實有對兩名上訴人的具體申請逐個作出決定,所以符合行政行為中個別具體情況這項特徵是顯而易見的,毋需再深入討論。
9. 另外,所謂產生法律效果既可以是積極效果,也可以是消極效果。某一行為令法律體制發生改變時,該行為所產生的是積極效果,不論有關效果對相對人有利或不利。拒絕產生私人請求產生的效果,視為消極效果,也屬於目的為產生法律效果之行政行為。
10. 在本案中,被訴實體否決了兩名上訴人以司法官實習員的身份登記成為退休及撫卹制度的會員的申請,為兩名上訴人的權利義務範圍帶來了消極效果,因此,被訴實體的決定,也毫無疑問地符合了目的為在一個個別具體情況中產生法律效果之行為的特徵。
11. 最後,被訴實體在案中的否決決定係由其單方面作出,不取決於兩名上訴人的意思方面,應該是毋容置疑的。
12. 縱然兩名上訴人不認向被訴實體經自身分析和判斷後所作出的不可登記的決定意思,但並不妨礙被訴實體的決定仍然係符合決定:單方面法律行為這一行政行為的特徵。
13. 退休登記在某種意義上來說,的確可以表現為一種實質上的“操作”行動,然而這種“操作”的背後或前提,必然需要有行政當局是否允許這一“操作”的決定。
14. 從學理分析而言,許可或接納兩名上訴人的退休登記申請在行政行為的分類上,亦屬影響一身份地位之行為 (actos que influem sobre um status)。
15. 所以,在本個案中,被訴實體的決定,肯定不是原審法院所指的單純的行政操作,而是一項與行政行為定義及特徵完全相符的決定。
16. 事實上,在被訴實體對兩名上訴人的通知中也明顯表示,兩名上訴人可對案中決定提出司法上訴。雖然,行政當局對其自身作出的行為的定性,並不約束法院。但是,兩名上訴人亦確實找不到任何有力的理由來否定被訴實體所作出的行為,不是行政行為。
17. 綜上所述,被訴實體作為行政當局在本案中作出的決定,係完全根據公法,對每一上訴人的權利義務範圍帶來消極效果,使他們未能自成為司法官實習員之日起,與退休及撫卹制度建立聯繫,故此,有關決定不可能不屬於行政行為。
18. 對於原審法院出於良好地維護兩名上訴人的利益考慮,認為具完全審判權性質的確認權利或受法律保護之利益之訴更能來好處的建議,兩名上訴人認為在本案中不能夠接受。
19. 因為,有關的確認權利或受法律保護之利益之訴,只能在沒有行政行為的情況下方可使用。這也是本澳司法見解的一貫看法,沒有爭議的餘地,具體可參閱中級法院第465/2006號上訴案。
20. 另外,在本澳的學說理論上,也是同一方面,正如本澳前中級法院法官José Cândido de Pinho在其著作所指,倘若《行政訴訟法典》第100條第1款規定提起的訴訟的前提是不存在可撤銷的明示行政行為,那麼,可以認為有關訴訟遵循的是最少適用範圍理論;司法上訴應為最合適的手段,而訴只是補充及後補手段,僅當司法上訴不足以確保私人的合法權益時才能採用。
21. 因此,在有行政行為出現的情況下,兩名上訴人基本上沒有選擇訴訟形式的空間及可能,因為法律已經預設了司法上訴這種訴訟途徑最能保障其利益。
22. 事實上,兩名上訴人的司法上訴理由成立,被訴實體自必然要執行有關判決內容,倘無自發執行,法律也有訴訟手段解決有關問題。
23. 因此,即使司法上訴僅具半審判權的性質,但對於本案來說,也是最能夠和最適當的維護兩名上訴人權利的訴訟形式。
24. 還需說明的是,自《公務人員公積金制度》出台後,兩級法院已經審理過為數不少的同類型個案,即實習司法官在實習期間是否可以在退休及撫卹制度進行登記之問題。
25. 在這些個案中,無論申請人是否勝訴,被訴實體在答辯階段、檢察院在發表意見階段,以及法院在作出初端批示以及判決時,均從未主動提出退休基金會說上述事宜作出的決定,不是行政行為。
26. 行政行為作為司法上訴的訴訟標的,必定是法院須依職權解決的訴訟問題。而經歷過多次同類型案件的審判,各方都無提出過本案所爭議的問題的話,其實已經代表了一個堅定和不變的觀點,縱使是以默示方式表現也好,就是退休基金會對實習司法官在實習期間申請退休及撫卹制度登記的決定,係屬於行政行為。
27. 從法律解釋及適用的穩定性角度來看,以司法上訴這種訴訟形式審理本案,亦完全合乎法律規定,且能體現《民法典》第7條第3款所指的審判者在作出裁判時,必須考慮所有應作類似處理之案件,以使法律之解釋及適用獲得統一。
28. 因此,被上訴的判決是錯誤解釋和適用《行政程序法典》第110條、《行政訴訟法典》第20條、第46條第2款b項,以及第100條之規定。
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O Recorrido, Conselho de Administração do Fundo de Pensões, veio, 16/10/2023, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 126 a 130, tendo alegado o seguinte:
1. O presente recurso jurisdicional tem por objecto o douto despacho do Exm.º Senhor Juiz do Tribunal Administrativo que indeferiu liminarmente a petição inicial do recurso contencioso administrativo interposto pelos Recorrentes contra a deliberação da ora Entidade recorrida de 19.04.2023, que lhes indeferiu o recurso hierárquico imprópio interposto do acto de indeferimento da Presidente do Conselho de Administração dos pedidos de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência de 17.02.2023.
2. O cerne da questão do presente recurso reside no entendimento do Exm.º Senhor Juiz do Tribunal Administrativo de que o objecto do recurso interposto não consubstancia acto administrativo mas mera actuação administrativa.
3. Ora, ressalvando a posição que a Entidade recorrida tem vindo a adoptar sobre a matéria em litígio, salvo melhor opinião em contrário, no humilde entendimento da mesma, o acto recorrido - a deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões de 19.04.2023 - é autenticamente um acto administrativo e não mera actuação administrativa, por revestir todos os requisitos legais de acto administrativo previstos no conceito de acto administrativo estipulado no artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo e praticado por um órgão administrativo competente do Governo da Região Administrativo Especial de Macau - O Conselho de Administração do Fundo de Pensões.
4. Pois, conforme a deliberação do Conselho de Administração do FP de 14.06.2023 publicada no Boletim Oficial n.º 25, de 21.06.2023, II Série, são delegadas pelo Conselho de Administração do Fundo de Pensões, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 6.° do Regulamento Administrativo n.º 16/2006, na Presidente do Conselho de Administração do FP, Diana Maria Vital Costa, ou em quem a substitua nas suas ausências ou impedimentos, as competências necessárias para a prática de todos os actos relativos às matérias do âmbito do FP, nomeadamente:
"28. Autorizar a inscrição, suspensão ou cancelamento dos beneficiários do Regime de Aposentação e Sobrevivência;".
5. E conforme os n.os 3 e 4 da mesma deliberação, a aludida delegação de competências é feita sem prejuízo dos poderes de avocação e superintendência dos actos praticados ao abrigo da mesma, cabendo recurso hierárquico necessário os actos praticados no uso das competências aqui conferidas.
6. Tratam-se de características próprias de acto administrativo a delegação e subdelegação de poderes, os poderes de avocação e superintendência, bem como, em caso de impugnação, o recurso hierárquico necessário.
7. É de sublinhar ainda que, quer junto do Tribunal Administrativo, quer junto do Tribunal de Segunda Instância, foram interpostos recursos contenciosos administrativos e posteriormente os respectivos recursos jurisdicionais, em que se discutiram e julgaram a mesma matéria em litígio, nomeadamente, nos:
- Proc.º n.º TA 735/10-ADM junto do Tribunal Administrativo (TA) como primeira instância, e Proc.º n.º TSI 1014/2012, em recurso jurisdicional, junto do Tribunal de Segunda Instância (TSI);
- Proc.º n.º TA 735/10-ADM 2 junto do TA como primeira instância, e Proc.º n.º TSI 397/2015, em recurso jurisdicional, junto do TSI;
- Proc.º n.º TA 416/07/ADM junto do TA como primeira instância, e Proc.º n.º TSI 594/2008 em recurso jurisdicional, junto do TSI;
- Proc.º n.º TA 933/13-ADM junto do TA como primeira instância, e Proc.º n.º TSI 388/2014 em recurso jurisdicional, junto do TSI;
- Proc.º n.º TA1026/13-ADM junto do TA como primeira instância, (Proc.º n.º TSI 545/2015) em recurso jurisdicional,;
e ultimamente,
- Proc.º n.º TA 2743/17-ADM junto do TA como primeira instância, e Proc.º n.º TSI 1297-2019, em recurso jurisdicional, junto do TSI;
- Proc.º n.º TA 2744/17-ADM junto do TA como primeira instância, e Proc.º n.º TSI 150/2021, em recurso jurisdicional, junto do TSI;
- Proc.º n.º TA 2749/17-ADM junto do TA como primeira instância, e Proc.º n.º TSI 939-2020, em recurso jurisdicional, junto do TSI;
mas a questão de o objecto de recurso (a deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões tomada sobre a mesma matéria) não consubstanciar acto administrativo nunca foi posta em causa.
8. Nunca foi posta em causa por, no entender da ora Entidade recorrida, se considerar unanimemente que a deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões consubstancia efectivamente um acto administrativo.
9. Pelo exposto, ressalvando mais uma vez o entendimento da Entidade recorrida de que os Recorrentes não têm direito de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência durante o tempo do estágio por carecer de suporte legal, é de concluir que o objecto do recurso contencioso (a deliberação da ora Entidade recorrida de 19.04.2023) consubstancia autenticamente um acto administrativo.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 175 a 179 dos autos, pugnando pelo improvimento do presente recurso jurisdicional.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
- Em 19/05/2023 foi interposto pelos ora Recorrentes recurso contencioso no TA contra a deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, datada de 19/04/2023, que indeferiu a pretensão dos Recorrentes de se inscreverem no respectivo fundo de pensões;
- Em 02/06/2023 foi proferido o despacho de aperfeiçoamento conforme o teor de fls. 84 e 85, convidando-se os Recorrentes para optar uma outra forma processual mais adequada;
- Os Recorrentes responderam nos termos de fls. 86 a 96 dos autos;
- Em 21/06/2023 foi proferido o despacho de indeferimento liminar conforme o que consta de fls. 97 e 98 dos autos;
- Contra tal decisão foi interposto recurso jurisdicional em 03/07/2023.
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IV - FUNDAMENTOS
É o seguinte despacho que constitui o objecto deste recurso, proferido pelo Tribunal de primeira instância:
Pelo presente recurso contencioso, vêm os ora Recorrentes (A) e (B) impugnar a decisão da Entidade Recorrida Conselho de Administração do Fundo de Pensões, datada de 19/4/2023, que indeferiu o recurso hierárquico impróprio interposto do acto de indeferimento do Presidente do mesmo Conselho das pretensões de obter a inscrição no regime de aposentação e sobrevivência, datado de 17/2/2023.
O Juiz, pelo despacho proferido a fls. 83 a 85 dos autos, com base na consideração de que o objecto do recurso interposto não consubstancia acto administrativo, mas mera actuação administrativa, convidou os ora Recorrentes para, no prazo de 10 dias, reformularem a petição inicial assim como os respectivos pedidos, consoante a forma processual considerada adequada, que é da acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, prevista nos artigos 100.º e ss do CPAC.
Ao dito convite vem responder os Recorrentes a fls. 89 a 96 dos autos, insistindo que o processo seja tramitado sob forma do recurso contencioso.
Com o devido respeito, não vemos motivo, mesmo face ao que foi acrescentado na referida resposta, para alterar a posição anteriormente perfilhada por este Tribunal no supradito despacho, pelas razões que brevemente passamos a concretizar:
À partida, com os fundamentos aduzidos pelos Recorrentes, não se consegue esclarecer a questão essencial suscitada naquele despacho – o que afinal lhes poderá trazer de novo o “acto administrativo de autorização” qualificado como tal, para uma situação jurídica que nos termos legais, não carece de intermediação de um acto administrativo, isto é, porque por um lado, o direito de inscrição que se arroga, inerente ao seu “direito fundamental”, resultaria das normas legais que o atribuam directamente aos magistrados nomeados, e por outro, inexiste nenhuma intenção inequívoca do legislador de salvaguardar à entidade administrativa o poder de definição primária dessa situação jurídica, exprimida através da norma atributiva da competência. Questão essa já foi respondida por nós com os argumentos doutrinários expostos.
A esse propósito, cremos ser expectável de quem defenda a necessidade de “interpretação actualista” das normas legais por modo a atribuírem aos magistrados estagiários o direito à inscrição no Fundo de Pensões, poder apreender também o conceito do acto administrativo numa perspectiva “actualista”, à luz do regime do contencioso administrativo vigente que temos aqui, isto é o CPAC, onde se prevê um múltiplo de meios contenciosos para os fins específicos e próprios, que permitam reagir tanto contra qualquer acto administrativo, como contra uma simples actuação administrativa, ao contrário do que sucedeu na lei anterior - A Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo DL n.º 267/85, de 16 de Julho, mandado aplicar a Macau pelo DL n.º 220/86, de 7 de Agosto, em que o recurso contencioso predominava e as restantes acções, como acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo era um meio residual (conforme o artigo 69.º, n.ºs 1 e 2 da referida Lei)
Além do mais, parece-nos ainda infrutífera qualquer tentativa de buscar justificações nas jurisprudências anteriores para solução alternativa, uma vez que a questão nunca teve oportunidade de ser colocada naqueles processos, nos termos que aqui se expõe. Portanto, não é legítimo supor que as decisões anteriormente tomadas, apesar de se debruçarem sobre a matéria, pudessem ter uma função definidora relativamente a todas as hipóteses possíveis, que não tenham sido levantadas.
Como é consabido, “L'ignorance est attachée à la routine, ennemie de tout perfectionnement.” Ao que nos parece, a razão de insistir numa determinada rotineira nunca se deve esgotar nela própria. Neste caso concreto, é essencial, para os que pretendam ter acesso à tutela efectiva jurisdicional, não apenas utilizar um meio contencioso habitual que já conhecem bem, e só destinado à mera anulação da “declaração administrativa”, mas escolher antes um meio de plena jurisdição que lhes propicia uma tutela mais intensa, e que se apresenta economicamente mais adequado para a satisfação da sua pretensão substancial, contando-se especialmente com o poder do tribunal de emitir as pronúncias condenatórias, face à eventual acumulação dos pedidos, ao abrigo do disposto no artigo 102.º, alínea a) do CPAC.
Face ao que ficou dito, deve-se concluir que o recurso interposto carece de objecto qualificável como acto administrativo. Resta decidir.
Nos termos expostos, decide-se, com base nos fundamentos expendidos no despacho a fls. 83 a 85 dos autos que aqui se renovam e se dão por integralmente reproduzidos, o seguinte:
Rejeitar liminarmente o recurso interposto pelos Recorrentes, pela falta de objecto qualificável como acto administrativo (cfr. o artigo 46.º, n.º 2, alínea b) do CPAC).
Custas pelos Recorrentes, com taxa de justiça fixada em 4UC.
Registe e notifique.
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Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
(A) e (B), ambos melhor identificados nos autos, interpuseram recurso contencioso da deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões datada de 19 de Abril de 2023 que manteve o acto do Presidente desse Conselho, indeferindo o pedido de inscrição dos Recorrentes, na qualidade de estagiários das magistraturas judicial e do Ministério Público, no Fundo de Pensões.
Por douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 97 e 98 dos presentes autos, foi o recurso contencioso rejeitado liminarmente com fundamento na falta de objecto qualificável como acto administrativo, nos termos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
Inconformados, vieram os Recorrentes contenciosos interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, imputando à douta decisão recorrida os diversos erros de julgamento que se encontram identificados nas doutas alegações que apresentaram.
2.
(i.)
Como já tivemos oportunidade de escrever em processo em tudo idêntico que corre termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 767/2023, com todo o respeito pela opinião dos Recorrentes, parece-nos que o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo decidiu impecavelmente, fundamentando de forma acertada a sua decisão, fazendo-a assentar em argumentos que, face às normas legais em vigor, se mostram de indiscutível solidez.
Por isso, com a devida vénia, e em ordem a evitar desnecessárias redundâncias aderimos aos ditos argumentos, fazendo-os nossos. Não deixaremos, ainda assim, de fazer umas brevíssimas considerações sobre a questão controvertida.
(ii.)
(ii.1.)
A tutela judicial efectiva conferida aos particulares pelo nosso sistema processual administrativo contencioso não se esgota, contrariamente ao que os Recorrentes parecem entender, no recurso contencioso.
Parece evidente, a partir da simples leitura do nosso CPAC, que o legislador, embora com notórias e desnecessárias hesitações, apesar de ter mantido o papel central do recurso contencioso como meio processual de mera legalidade destinado à impugnação de actos administrativos, não deixou de alargar o âmbito de intervenção das acções em que o tribunal dispõe de plena jurisdição, em especial a acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido (artigos 103 a 107.º do CPAC) e a acção para o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos (artigos 100.º a 102.º do CPAC).
Neste contexto, diríamos, com JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, que «já não há hoje razão para alargar o conceito de acto administrativo com o objectivo de abrir o acesso aos tribunais, devendo, pelo contrário (…) optar-se por um conceito estrito, pois que tal qualificação implica precisamente a obrigação de utilizar o recurso como forma de acção, em detrimento de outras que podem permitir uma sentença que defina imediatamente os termos da relação jurídica e, por isso, do direito do particular» (cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Algumas Reflexões a Propósito da Sobrevivência do Conceito de «Acto Administrativo» no Nosso Tempo, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, p. 1213).
O recurso contencioso deve, assim, estar reservado para os actos que determinem a necessidade da sua impugnação autónoma pelo particular, tendo em vista, justamente, a remoção dos efeitos jurídicos produzidos pela Administração no âmbito da relação jurídica controvertida através da prática desse acto, o que, estamos em crer, não pode deixar de nos remeter para um conceito restrito de acto administrativo, ou seja, aquele que, por si, seja capazes de produzir efeitos externos, é dizer, que seja capaz de atingir e afectar a esfera jurídica do particular. É isso, aliás, o que resulta, inequivocamente, do n.º 1 do artigo 28.º do CPAC: apenas são contenciosamente recorríveis os actos administrativos que produzam efeito externos.
Compreende-se bem que, como assinala a boa doutrina, «a imposição de um ónus de impugnação só se afigura aceitável quando um órgão administrativo emita uma pronúncia que corresponda ao exercício de um poder de definição jurídica, isto é, quando desse modo esteja a desempenhar uma função que lhe tenha sido normativamente atribuída, ou por previsão normativa específica, ou, pelo menos, porque a emissão de um tal acto configura a expressão normal de um poder inscrito no âmbito das competências de definição jurídica do órgão e das atribuições do ente ao qual o órgão pertence» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, pp. 225-226).
Deste modo, há que distinguir, prossegue o citado Autor, «dois planos de actuação jurídico-administrativa concreta das entidades públicas: (i) um plano de actuação no qual elas exercem poderes de definição jurídica, em que as manifestações que produzam têm o valor formal inerente, com todas as consequências que daí decorrem: produção unilateral de efeitos, impugnabilidade em prazo limitado, tendência para a estabilização dos efeitos produzidos; e (ii) outro plano, completa mente distinto, em que as manifestações de vontade da Administração correspondem ao que (…) tem sido qualificado na Alemanha como meras actuações administrativas, por se situarem no mesmo plano das manifestações dos particulares, sem envolverem o exercício de poderes de definição jurídica, e, portanto, sem exprimirem o exercício de poder administrativo» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…p. 226).
Não são, pois, actos administrativos de conteúdo negativo, as eventuais manifestações através das quais a Administração se limite a recusar prestações requeridas pelos particulares, no quadro de procedimentos que não se dirigem à emissão de um acto administrativo, mas à simples adopção de meras actuações administrativas, no cumprimento de deveres de prestar a que a Administração se encontre legalmente obrigada (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria …, p. 229).
O ponto é, pois, sempre, o de saber se a exigibilidade da prestação depende ou não, nos termos da lei, da prévia emissão de um acto administrativo definidor da situação jurídica do interessado que lhe constitua ou reconheça o correspondente direito, só na afirmativa se impondo a utilização do meio processual impugnatório, ou seja o recurso contencioso, tendente à eliminação dessa definição jurídica ilegalmente introduzida na ordem jurídica.
Correlativamente, faltando um acto administrativo que projecte os seus efeitos na esfera jurídica do particular, definindo constitutivamente a respectiva situação jurídica, ainda que tenha havido uma actuação administrativa, o recurso contencioso que a tenha por objecto será de rejeitar por falta de objecto ou por irrecorribilidade do acto.
(ii.2.)
Revertamos, agora, ao caso concreto.
Os Recorrentes alegam na douta petição inicial, e em síntese, que têm direito à inscrição no Fundo de Pensões, que requereram essa inscrição e que o Conselho de Administração do Fundo de Pensões terá «indeferido» esse «requerimento», recusando a respectiva inscrição.
A questão a que importa responder é, pois, a de saber se esse «indeferimento» constituiu ou não um acto administrativo no sentido que antes referimos, um seja, um acto administrativo definidor da situação jurídica dos Recorrentes, em virtude de a lei exigir a sua emissão.
Não nos parece.
A matéria atinente à inscrição no Fundo de Pensões está, essencialmente, regulada no artigo 259.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro e dessa norma resulta, a nosso modesto ver, que tal inscrição, seja obrigatória, seja facultativa, corresponde a um direito do trabalhador que emerge do seu estatuto (verificados que estejam, claro está, os respectivos pressupostos legalmente previstos).
Queremos com isto dizer que, a nosso ver, da qualidade de trabalhador da administração pública resulta uma situação jurídica complexa, integrada, desde logo, mas não só, por diversos direitos e deveres, os quais decorrem directamente do respectivo estatuto legal, ou seja, para usarmos a definição clássica de MARCELLO CAETANO do «conjunto das normas legais que define e regula os poderes correspondentes à qualidade de funcionário» (cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, reimpressão, Volume II, Coimbra, 1990, p. 685).
Entre os direitos dos trabalhadores contam-se, entre outros e a título de mero exemplo, o direito à remuneração, o direito a férias, o direito a licenças e faltas, o direito a protecção na doença, o direito a protecção na velhice, em especial o direito à aposentação, etc. (no sentido de que o direito à aposentação constitui direito estatutário do funcionário ou do trabalhador, veja-se MARCELLO CAETANO, Manual…, pp. 777-778).
Ora, a efectivação deste último direito, que é aquele que, agora mais nos interessa, implica, naturalmente, a prévia inscrição no Fundo de Pensões, de modo a possibilitar a concretização periódica dos descontos legais, tal como resulta do disposto no artigo 258.º do ETAPM. Essa inscrição tem lugar oficiosamente, no caso de ser obrigatória ou mediante declaração do trabalhador no caso de se tratar de inscrição facultativa (é certo que a norma se refere a requerimento da inscrição facultativa. No entanto, não se trata aí de um verdadeiro requerimento, no sentido de pretensão dirigida á prática de um acto administrativo, mas de uma mera declaração. Isso é confirmado pelo simples confronto com o n.º 4 do artigo 259.º do ETAPM, onde se volta a referir o requerimento do trabalhador, quando, manifestamente, o cancelamento da inscrição depende de mera declaração do trabalhador).
Em todo o caso, o que agora importa sublinhar é que os trabalhadores da Administração Pública, pelo facto de o serem, terão direito à inscrição no Fundo de Pensões (seja, excepcionalmente, no regime da aposentação, seja, geralmente, no Regime da Previdência instituído pela Lei n.º 8/2016), sem que essa inscrição dependa, por isso que se trata de um direito estatutário, de um acto autorizativo do Conselho de Administração daquele Fundo.
Assim, a recusa do Fundo de Pensões em inscrever os Recorrentes no regime da aposentação, na sequência da declaração nesse sentido que os mesmos apresentaram, não representa um acto administrativo de indeferimento, mas, antes, a recusa da prestação de um facto. Os Recorrentes, na sua qualidade de estagiários das magistraturas judicial e do Ministério Público têm – segundo o respectivo entendimento – direito à inscrição no Fundo de Pensões, a que corresponde, portanto, uma obrigação de prestar essa inscrição, digamos assim, e por isso, recusando-se o Fundo a efectuar essa inscrição, a reacção contenciosa adequada, justamente por inexistir um acto administrativo ou, ao menos, um acto administrativo recorrível, será a acção para o reconhecimento de um direito, no caso o direito a uma prestação de facto, qual seja a da falada inscrição dos Recorrentes no Fundo de Pensões (não nos parece que, apesar do disposto no artigo 39.º da lei Básica, a questão se possa colocar em termos de reconhecimento de um direito fundamental à aposentação, na medida em que garantia constitucional é compatível, como parece claro, com outros sistemas de protecção na velhice, v. g. o regime de previdência, que não, necessariamente o regime da aposentação previsto no ETAPM), aí cumulando, eventualmente, um pedido condenatório nos termos previstos no artigo 102.º, alínea a) do CPAC. Garante-se deste modo, aliás, por estar em causa um meio processual de plena jurisdição, uma mais eficaz titela da posição subjectiva do particular na medida em que ficará desonerado de utilizar o chamado processo de execução de sentença para obter a especificação daquilo que a Administração deve fazer para dar integral execução à sentença anulatória (chamando a atenção para este ponto, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Alguma Reflexões…, p. 1209).
De resto, a insistência dos Recorrentes na utilização do meio processual do recurso contencioso, mesmo depois do convite formulado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo no sentido de os mesmos lançarem mão da acção para o reconhecimento de direito, é, no mínimo e com tudo o respeito, surpreendente, e só se pode perceber à luz da incerteza dos próprios sobre a existência de um fundamento legal que sustente a respectiva própria pretensão (incerteza, essa sim, ao menos para nós, nada surpreendente…).
(iii.3.)
Seja como for, estamos em condições de concluir.
A actuação do Fundo de Pensões que os Recorrentes pretendem sindicar contenciosamente, ou não consubstanciou um autêntico acto administrativo, por não se tratar de uma decisão, no sentido de estatuição autoritária (cfr. ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito Administrativo, policopiado, Coimbra, 1978, p. 76. Em sentido diferente, no entanto, apontando para um conceito mais amplo, e não assimilando a expressão «decisão» utilizada pelo nosso legislador no artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo à «regulação» (regelung) do § 35 da Lei de Procedimento Administrativo alemã, cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, pp. 70-71) ou, pelo menos, um acto administrativo recorrível, na medida que que tal actuação, consubstanciando a mera recusa da satisfação de uma prestação legalmente imposta não definiu a situação jurídica dos Recorrentes e, portanto, não produziu efeitos externos (com isto estamos a admitir que, entre nós, possa não haver total coincidência entre o conceito procedimental de acto administrativo que resulta do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo - «decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta» - e o conceito de acto administrativo contenciosamente recorrível resultante do n.º 1 do artigo 28.º do CPAC que é aquele que produz efeitos externos, nos termos que antes vimos. De alguma forma, apontando no mesmo sentido, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau, 2.ª edição, revista e actualizada, RAEM, 2020, p. 278).
Andou bem, pois, em nosso muito modesto entender, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo ao decidir pela rejeição liminar mediata do recurso contencioso interposto pelos Recorrentes.
3.
Pelo exposto, é nosso parecer o de que, salvo melhor opinião, deverá ser negado provimento ao presente recurso.”
*
Quid Juris?
O que se discute nestes autos são essencialmente 2 questões:
1) – A recusa do Fundo de Pensões é ou não um acto administrativo?
2) – A forma de recurso contencioso é a adequada para atacar tal decisão?
Ora, importa destacar que não é pela primeira vez que este TSI é chamado para decidir estas questões, no processo nº 1297/2019, com acórdão proferido em 09/07/2020, em que foi decidida a mesma situação respeitante aos estagiários do 5º curso de formação para ingresso nos quadros de magistrados judiciais e do MP.
Nesse referido processo, a decisão de recusa do FP foi entendido como acto administrativo e como tal passível de ser atacado em sede de recurso contencioso, agora, sem alteração de legislação, não se percebe por que razão é que a decisão da mesma natureza é entendida pelo T.A. como um acto não administrativo?
A propósito do conceito de acto administrativo, é de frisar que ele consta do artigo 110º do CPA, construído nas inspirações doutrinárias portuguesas, e como tal é pertinente transcrever aqui os administrativistas portugueses que têm vindo a defender nesta matéria, ainda que em sede de Direito Comparativo:
a) O Professor Marcello Caetano, que, no direito português, foi o primeiro teorizador global do acto administrativo, construiu, ao longo de décadas, com avanços e recuos, a seguinte definição: «conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto». Este conceito foi adquirido pelo legislador de Macau no artigo 1.º do DL n.º 23/85/M de 23/3, e agora no actual CPA.
b) O Professor Sérvulo Correia, ao incorporar no conteúdo do acto administrativo a definição de situações jurídicas, afasta-se do ensinamento de Marcello Caetano. A sua definição é a seguinte: «conduta unilateral da Administração, revestida da publicidade legalmente exigida, que, no exercício de um poder de autoridade, define inovatoriamente uma situação jurídica-administrativa concreta, quer entre a Administração e outra entidade, quer de uma coisa»1.
c) Esteves de Oliveira entende por acto administrativo «toda a declaração voluntária e unilateral da Administração emanada no exercício de um poder de autoridade e destinada a produzir efeitos jurídicos imediatos numa relação concreta em que ela é parte»;
d) Para Rogério Soares, o acto administrativo é «uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos, ou negativos»;
e) Para o Conselheiro Pires Machado, acto administrativo é «a conduta voluntária ou facto a que a lei atribua esse valor, realizada por entidade que tenha a seu cargo a realização de interesses administrativos, que produza unilateralmente e por si só efeitos jurídicos a coberto dos poderes conferidos por lei para a realização daqueles interesses, ou que prepara ou executa aquela»;
f) Para o Professor Freitas do Amaral, acto administrativo, «é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto».
Algumas destas definições e tantas outras que encontramos na doutrina e jurisprudência, apesar de apresentarem diferenças de redacção ou formulação, exprimem ideias muito semelhantes. Mas também há concepções que conduzem a soluções diferentes na identificação daquilo que pode ser considerado acto administrativo. Assim, por exemplo, na doutrina de Rogério Soares e de Sérvulo Correia há actos jurídicos, como os actos internos, confirmativos, preparatórios, instrumentais ou auxiliares, que não têm a natureza de actos administrativos. Diferentemente, para Marcello Caetano e Freitas do Amaral, tais actos são administrativos, embora, em princípio, não recorríveis por falta de definitividade ou executoriedade.
O CPA recebeu o «conceito» de acto administrativo perfilhado pelo Professor Freitas do Amaral. Deste modo, introduziu-se uma alteração, não só no conceito defendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como também na definição prescrita no anterior diploma, o DL n.º 23/85/M de 23/3. Portanto, o conceito de acto administrativo que ficou consagrado no CPA é aquele que o autor do projecto vem defendendo há vários anos.
No caso em apreço, não resta dúvida que a Entidade Recorrida exerceu um poder de Direito Público, indeferindo a pretensão dos Recorrentes, que queriam ser inscritos no referido Fundo, como tal a pretensão foi negada e assim definiu o estatuto jurídico-profissional dos Recorrentes, afectando a sua esfera jurídica, produzindo-se assim efeitos jurídicos concretos externos.
Nestes termos, salvo o merecido respeito, não acompanhamos a posição do TA, e a recusa do FP é um acto administrativo (porque este avaliou as circunstâncias concretas e formulou juízo negativo sobre a pretensão dos Recorrentes) como tal é de revogar a decisão ora recorrida.
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Relativamente à 2ª questão, ora, na sequência da decisão acima tirada, não resta dúvida que a decisão posta em crise não pode ser mantida, visto que, mesmo que se entenda que os Recorrentes devesse formular pedidos cumulados, parece-se que foi isso que o TA entendeu, mas tal é uma opção dos Recorrentes, já que, conforme a doutrina dominante, os Recorrentes não estão obrigados a formular pedidos cumulados.
Escreveu-se (Cfr. José Cândido de Pinho, Notas e Comentários ao CPAC, Vol. II, pág. 8 e seguintes):
3 - Quais os requisitos de que depende a sua instauração?
São de dois tipos.
Em primeiro lugar, requisitos negativos (nº1):
A acção pode ser proposta, desde que:
1° - Não tenha havido lugar à prática de um acto administrativo; sempre que este exista, já o meio não será o próprio e o autor deve lançar mão do recurso contencioso.
Este requisito, de resto, não pode ser lido isoladamente e, em vez disso, deve ser considerado em conjugação com o disposto no nº2. Com efeito, se ali é permitido o uso da acção de reconhecimento mesmo para a hipótese de existir um acto administrativo nulo ou inexistente de que não tenha ainda sido interposto recurso contencioso, então à previsão do requisito em apreço apenas sobra a hipótese de inexistência de acto administrativo anulável (havendo-o, já esta acção não será possível).
2° - Não tenha havido um indeferimento tácito; desde que este exista, já a acção não será o meio próprio e o autor deve utilizar o recurso contencioso.
3° - Não pretenda o autor a determinação da prática de um acto administrativo; caso contrário, o meio próprio será o previsto no art. 103°.
Depois, requisitos mistos.
Mas a acção também pode ser proposta, desde que (nº2):
1° - Tenha havido uma operação material (vertente positiva do requisito), de que não tenha sido interposto recurso contencioso (vertente negativa do requisito). Está a referir-se aos actos materiais ("vias de facto") que não tenham sido legitimados por acto administrativo prévio, nos termos do art. 138°, nº1, do CPA, os quais, por isso mesmo, são recorríveis contenciosamente, face ao disposto no art. 30°, nº2, supra.
2° - Tenha tido lugar um acto administrativo nulo (vertente positiva do requisito), de que não tenha sido interposto recurso contencioso (vertente negativa do requisito);
3° - Tenha sido praticado um acto juridicamente inexistente (vertente positiva do requisito), de que não tenha sido interposto recurso contencioso (vertente negativa do requisito).
4 - A lei não determina as situações em que, nesta terceira situação, não tenha havido recurso contencioso. Quer dizer, não condiciona a não apresentação do recurso a causas especiais e determinadas, entendendo-se, por isso, que a causa ficará ao critério do interessado, não tendo que ser manifestada ou justificada.
O uso da acção, em vez do recurso contencioso, dependerá, segundo o juízo que o interessado fizer da situação, da maior vantagem e garantia para a tutela judicial efectiva que a acção lhe oferece e da mais provável celeridade no andamento do processo e, assim mesmo, da mais rápida condenação da Administração no reconhecimento do direito que ela lhe tem vindo a negar.
Se o n.º 1 do art. 100.º fazia depender a acção da inexistência de um acto administrativo expresso ou tácito anulável (não o diz expressamente, mas concatenando-o com o n.º2, parece que essa será a forma de invalidade que o legislador deixou ínsita na formulação da norma) poderia dizer-se que esta acção obedeceria a uma teoria do alcance mínimo: O recurso contencioso seria o meio adequado e a acção seria um meio subsidiário e meramente residual, somente aplicável quando aquele não fosse suficiente para obter uma tutela eficaz da posição jurídica do particular.
Mas com o alargamento do uso do meio aos casos em que haja acto administrativo nulo ou inexistente juridicamente de que o interessado não tenha interposto recurso contencioso, possibilidade consagrada no n.º2, abriu-se a amplitude da sua utilização, deixando entrever a intenção do legislador no sentido de querer manifestar aquilo que se poderia designar por teoria do alcance médio. Se o interessado interpôs recurso de acto nulo ou inexistente fica precludido o direito de uso da acção. O legislador só não abraçou o alcance máximo, porque confinou o uso da acção, mesmo havendo um acto administrativo, aos casos em que este é nulo ou juridicamente inexistente (sobre estas teorias do alcance do meio, ver, v.g., Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 3ª ed., pág. 139-147, ainda que reportado ao rt. 69°, nº2, da LPTA; tb. Santos Botelho, Contencioso Administrativo, 4ª ed., pág. 506-507). Nesses casos, o uso da acção é alternativo ao do recurso contencioso, tal como decorre da "Nota de Apresentação do Código" (Para a compreensão das teorias do alcance citadas, no direito comparado, ver Ac. do TCA/Sul, de 10/12/2000, Proc. n° 4313/00).
Subscrevemos estes ensinamentos.
Pelo expendido, é de julgar procedente o recurso interposto pelos Recorrentes, revogando-se a sentença e mandando-se baixar os autos ao TA para prosseguir os ulteriores termos processuais, caso inexistam outros obstáculos legais.
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Síntese conclusiva:
I – Perante o pedido de inscrição no respectivo fundo de pensões, formulado pelos ora Recorrentes, o Conselho de Administração do Fundo de Pensões indeferiu tal pretensão invocando sumariamente que os Recorrentes não tenham esse direito reconhecido pela legislação aplicável, deliberação esta que é, sem dúvida, um acto administrativo, já que a Entidade Recorrida exerceu um poder de Direito Administrativo, indeferindo a pretensão dos Recorrentes, definindo assim negativamente o estatuto jurídico-profissional dos Recorrentes, afectando a sua esfera jurídica, produzindo-se deste modo efeitos jurídicos concretos externos. Aliás, a mesma situação já foi decidida por este TSI no processo registado sob o nº 1297/2019, com acórdão proferido em 09/07/2020.
II – Face aos termos consagrados no artigo 100º do CPAC, a lei não determina expressamente as situações em que seja obrigatório intentar acção ou interpor recurso contencioso. Quer dizer, o uso da acção, em vez do recurso contencioso, dependerá, segundo o juízo que o interessado fizer da situação, da maior vantagem e garantia para a tutela judicial efectiva que a acção lhe oferece e da mais provável celeridade no andamento do processo e, assim mesmo, da mais rápida condenação da Administração no reconhecimento do direito que ela lhe tem vindo a negar. Em situações normais, a opção de uma ou outra forma processaual por si só não é razão bastante para indeferir liminarmente a PI quando os Recorrentes optaram por forma de recurso contencioso para atacar uma decisão administrativa.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença e mandando-se baixar os autos ao TA para prosseguir os ulteriores termos processuais, caso inexistam outros obstáculos legais.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 01 de Fevereiro de 2024.
Fong Man Chong
(Juiz Relator)
Ho Wai Neng
(1º Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(2º Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
1 O aditamento do elemento «publicidade legalmente exigida» derivou apenas de na altura a lei fundamental portuguesa considerar que a falta de publicidade implicava a inexistência jurídica do acto.
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2023-766-estagiários-inscrição-Fundo de Pensões 1