Processo n.º 801/2023 Data do acórdão: 2024-2-7 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– contestação em processo penal
– princípio da concentração da defesa
– suspensão da execução da inibição de condução
– art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
1. Não tendo apresentado contestação à acusação para alegar factos em seu abono acerca de qual o conteúdo do seu trabalho, não pode vir o arguido, ao arrepio do princípio da concentração da defesa, plasmado no art.o 409.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal, invocar, apenas na motivação do recurso, um conjunto de “factos”, não supervenientes, respeitantes ao conteúdo do seu trabalho como assistente pessoal, para peticionar a suspensão da execução da pena de inibição de condução, por prática do crime de fuga à responsabilidade.
2. Só se colocará a hipótese de suspensão da execução da sanção de inibição de condução à luz do art.o 109.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, quando a pessoa arguida for um motorista de profissão e tiver a sua subsistência a depender dessa profissão.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 801/2023
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): (A)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 102 a 106v do Processo Comum Singular n.o CR5-23-0201-PCS do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte em que o condenou na pena efectiva de inibição de condução por cinco meses, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de fuga à responsabilidade, p. e p. sobretudo pelo art.o 89.o da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), veio o arguido (A), aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), assacando, na motivação apresentada a fls. 112 a 117 dos presentes autos correspondentes, àquela decisão judicial, o exagero na pena de inibição de condução, a falta de fundamentação do porquê da não suspensão da inibição e a violação do art.o 109.o, n.o 1, da LTR (porquanto, no tocante a este ponto, a despeito de a sua profissão não ser motorista profissional, a carta de condução é indispensável para a sua profissão como assistente pessoal, posto que faz parte do seu trabalho conduzir diariamente o seu patrão para diversos locais, daí que não podendo fazê-lo pode ver diminuído o seu salário ou até ser despedido do emprego).
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 120 a 122v dos presentes autos, no sentido material de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer a fls. 135 a 136 dos autos, opinando pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cabe decidir do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O arguido não apresentou contestação à acusação, para alegar factos respeitantes ao conteúdo do seu trabalho.
2. No relatório policial de 3 de Março de 2023 de investigação do caso, consta que o ofendido já recebeu indemnização no valor de trezentas patacas.
3. A sentença ora recorrida ficou proferida a fls. 102 a 106v, cuja fundamentação fáctica, probatória e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais.
4. No último parágrafo da página 8 (ora a fl. 105v) desse texto decisório, o Tribunal recorrido teceu motivos pelos quais decidiu não suspender a execução da pena de inibição de condução.
5. Segundo a factualidade dada por provada na sentença: o arguido, depois da intervenção da Polícia no caso, já pagou indemnização ao ofendido; e o arguido declarou ser assistente pessoal, com rendimento mensal de trinta mil patacas.
6. Na fundamentação probatória da sentença, consta que o arguido negou a sua intenção de fugir à responsabilidade.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente decisor do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido recorrente começou por imputar à decisão condenatória penal recorrida o exagero na fixação da pena de inibição de condução.
Pois bem, atendendo a que a quantia indemnizatória paga pelo arguido ao ofendido é apenas de trezentas patacas (de valor, aliás, diminuto), o que denota a evidente não gravidade do estrago causado ao motociclo do ofendido, é de passar, por se afigurar justo e equilibrado, a condenar o arguido em dois meses e quinze dias de inibição de condução, aos padrões da medida concreta desta pena dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal.
Agora da questão da suspensão da pena de inibição de condução:
Desde já, improcede a tese de falta de fundamentação da decisão de não suspensão da execução da pena de inibição, porque que o Tribunal recorrido formulou efectivamente razões dessa decisão na fundamentação jurídica da sentença.
Por outro lado, não tendo apresentado contestação à acusação para alegar factos em seu abono acerca de qual o conteúdo do seu trabalho, não pode vir o arguido, ao arrepio do princípio da concentração da defesa, plasmado no art.o 409.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal, invocar, apenas na motivação do recurso, um conjunto de “factos”, não supervenientes, respeitantes ao conteúdo do seu trabalho como assistente pessoal, para peticionar a suspensão da inibição de condução.
Por fim, tem entendido este TSI, em muitos recursos anteriores congéneres, que só se colocará a hipótese de suspensão da execução da sanção de inibição de condução, quando a pessoa arguida for um motorista de profissão e tiver a sua subsistência a depender dessa profissão.
No caso, da audiência de julgamento então realizada na Primeira Instância resultou que o arguido declarou ser assistente pessoal, isto não basta para ele sustentar que é um motorista de profissão com subsistência da sua vida dependente desta ocupação, pelo que não se mostra plausível a ora pretendida suspensão da execução da sua pena de inibição de condução em sede do n.o 1 do art.o 109.o da LTR.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, reduzindo somente a duração da pena efectiva de inibição de condução do arguido, de cinco meses para dois meses e quinze dias.
Pagará o arguido 2/3 das custas do recurso, com três UC de taxa de justiça correspondente a esse decaimento.
Fixam em duas mil e cem patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso, sendo 2/3 dessa quantia por conta do arguido, e o restante 1/3 a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 7 de Fevereiro de 2024.
Chan Kuong Seng
(Relator)
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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