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Processo nº 196/2020
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “ASSOCIAÇÃO DE PIEDADE E DE BENEFICÊNCIA «A-MIO»”, ou “A1-MIO”, (“甲廟慈善會”, 或“甲一廟”), A., registada na Direcção dos Serviços de Identificação como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa sob o n.° 492, com sede em Macau, propôs e fez seguir no Tribunal Judicial de Base acção declarativa de condenação com processo ordinário contra:
- B (乙);
- “C”, (“丙”);
- herdeiros incertos de D, (D的不確定繼承人); e,
- demais interessados incertos, (1°, 2ª, 3ª e 4°) RR., pedindo, a final, a procedência da acção, e, em consequência, que fosse:

“a) declarado, para todos os efeitos legais, nomeadamente de registo que o prédio com os n.°s 6 e 8 da [Rua(1)], com a área total de 185m2, identificado nas plantas cadastrais juntas como docs. n.°s 5 e 6 se encontra duplicadamente descrito na CRP uma vez que se encontra descrito simultaneamente sob os n.° XXX e XXXX;
b) ordenada a prática de todos os actos de registo necessários ao cumprimento do disposto nos artigos 25.°, 77.°, 78.° e 79.° do Código do Registo Predial e que são nomeadamente os seguintes:
(i) transcrição para descrição n.° XXX da cota de referência em vigor na descrição n.° XXXX, relativa à inscrição n.° XXXXX, a fls. XXX do livro FXXK de domínio directo a favor do Território de Macau;
(ii) averbamento na descrição n.° XXXX da sua inutilização, com a indicação de que persiste relativamente ao imóvel a descrição n.° XXX;
(iii) averbamento na descrição n.° XXX da duplicação verificada, com a menção de que ficou inutilizada a descrição n.° XXXX;
(iv) actualização da descrição n.° XXX, de acordo com as plantas cadastrais juntas como docs. n.°s 5 e 6, no que se refere à respectiva numeração policial (n.°s 6 e 8 da [Rua(1)]); área (185m2), composição (terreno para construção) e confrontações (NE - [Rua(1)] n.° 4A (n.° XXXXX) e [Rua(2)] n.° 119D; SE - [Rua(1)]; SW - [Rua(3)] n.°s 11-11A (n.° XXXXX), n.°s 13-13B (n.° XXXXX) e [Rua(1)] n.° 10 (n.° XXXX) e NW - [Rua(2)] n.°s 121-123, [Rua(3)] n.°s 9-9B (n.° XXXXX) e [Rua(2)] n.° 119D (Templo de A2);
c) declarado que as parcelas A e B identificadas na planta cadastral junta como doc. n.° 6 e que respeitam à parte do PRÉDIO com o n.° 8 da [Rua(1)] não fazem parte da descrição n.° XXXX e como tal ser ordenada a prática de todos os actos de registo necessários ao cumprimento do disposto no artigo 25.° do Código do Registo Predial, nomeadamente a eliminação da menção existente na descrição n.° XXXX ao n.° 8 da [Rua(1)]; e finalmente
d) a Autora declarada, para todos os efeitos legais, nomeadamente de registo, como a única titular do domínio útil do prédio com os n.°s 6 e 8 da [Rua(1)] (descrito sob os n.°s XXX e XXXX), com a área de 185m2, identificado nas plantas cadastrais juntas como docs. n.°s 5 e 6 e que tem as seguintes confrontações:
․NE - [Rua(1)] n.° 4A (n.° XXXXX) e [Rua(2)] n.° 119D;
․SE - [Rua(1)];
․SW - [Rua(3)] n.°s 11-11A (n.° XXXXX), n.°s 13-13B (n.° XXXXX) e [Rua(1)] n.° 10 (n.° XXXX);
․NW - [Rua(2)] n.°s 121-123, [Rua(3)] n.°s 9-9B (n.° XXXXX) e [Rua(2)] n.° 119D (Templo de A2)”; (cfr., fls. 2 a 15-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

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O processo seguiu os seus termos com a citação dos RR., e, oportunamente, foi admitida a intervenção principal passiva da R.A.E.M., (cfr., fls. 780), que, representada pelo Ministério Público, contestou, pedindo que fossem julgados improcedentes os pedidos da A; (cfr., fls. 791 a 792).

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Fez a A. duas “ampliações do pedido”.

Na primeira, a fim de ser aditado seguinte pedido subsidiário:

“e) Subsidiariamente, para o caso de ser dada como assente a inexistência de duplicação entre as descrições n.º XXX e XXXX e que a parcela de terreno identificada na planta cadastral junta como doc. n.° 6 da petição inicial (relativa ao n.º 8 da [Rua(1)]) não faz, juntamente com o terreno identificado na planta junta como doc. n.º 5, parte das referidas descrições mas está incluída e é parte integrante da descrição n.º XXXX que se refere ao prédio com o n.º 10 da [Rua(1)], ser a Autora declarada, para todos os efeitos legais, nomeadamente de registo, como a legitima proprietária do terreno identificado na plano cadastral junta como doc. n.º 6 da petição inicial, por o haver adquirido por usucapião, ordenando-se em seguida a prática dos actos previstos no artigo 82.º do Código do Registo Predial como a desanexação de tal parcela da descrição n.º XXXX e a sua anexação à descrição n.º XXX, com a transcrição da cota de referencia n.º XXXX, fls. XXX, livro FXXK relativa à inscrição de domínio directo a favor dá RAEM ou a abertura de uma nova descrição em que ficasse a constar também esta inscrição de domínio directo e a inscrição de aquisição do imóvel a favor da Autora”.

Na segunda, a fim de ser aditado seguinte pedido subsidiário:

“f) Subsidiariamente, para o caso de ser dada como assente a inexistência de duplicação entre as descrições n.° XXX e XXXX e que a parcela de terreno identificada na planta cadastral junta como doc. n.° 6 da petição inicial (relativa ao n.° 8 da [Rua(1)]) não faz, juntamente com o terreno identificado na planta junta como doc. n.° 5, parte das referidas descrições mas está incluída e é parte integrante da descrição n.° XXXX, ser a Autora declarada, para todos os efeitos legais, nomeadamente de registo, como a legítima proprietária do terreno identificado na planta cadastral junta como doc. n.° 6 da petição inicial, por o haver adquirido por usucapião, ordenando-se em seguida a prática dos actos previstos no artigo 82.° do Código do Registo Predial como a desanexação de tal parcela também da descrição n.° XXXX e a sua anexação à descrição n.° XXX, com a transcrição da cota de referência n.° XXXX, fls. XXX, livro FXXK relativa à inscrição de domínio directo a favor dá RAEM ou a abertura de uma nova descrição em que ficasse a constar também esta inscrição de domínio directo e a inscrição de aquisição do imóvel a favor da Autora”.

Por despacho proferido a fls. 909 e 910, foram os ditos pedidos subsidiários admitidos.

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Após audiência de discussão e julgamento, por sentença da Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base julgou-se parcialmente procedente a acção, e negando-se provimento aos pedidos identificados nas “alíneas a), b) e c)”, decidiu-se:

“1. Declarar a Autora, Associação de Piedade e de Beneficência “A-Mio” ou “A1 Mio”, titular do domínio útil da parcela de terreno com o n.º 6 da [Rua(1)], identificada na planta cadastral junta aos autos a fls 24 a 25, e da parcela de terreno com o nº 8 da [Rua(1)], identificada como parcela A na planta junta aos autos a fls 27 a 28, tendo as duas parcelas em conjunto a área total de 181m2 e as seguintes confrontações:
NE – [Rua(1)] n.º 4A (n.º XXXXX) e [Rua(2)] n.º 119D;
SE – [Rua(1)];
SW – [Rua(3)] nºs 11-11A (n.º XXXXX), nºs 13-13B (nº XXXXX) e [Rua(1)] n.º 10;
NW – [Rua(2)] nºs 121-123, [Rua(3)] nºs 9-9B (n.º XXXXX) e [Rua(2)] n.º 119D (Templo de A2); e
2. Absolver os Réus, B, C, Herdeiros Incertos de D e Demais Interessados Incertos dos restantes pedidos formulados pela Autora.
(…)”; (cfr., fls. 1456 a 1475-v).

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Tempestivamente, do assim decidido recorreram a A. (“A1 MIO”) e o (1°) R. (B), com estes recursos subindo ao Tribunal de Segunda Instância um outro “recurso interlocutório”, pela (2ª) R., “C”, antes interposto; (cfr., fls. 1491 a 1510, 1608 a 1701 e 1007 a 1010).

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Em apreciação dos ditos recursos, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 29.04.2020, (Proc. n.° 831/2016), onde decidiu:

“1) – Julgar procedente o recurso interlocutório interposto pela 2ª Ré, considerando-a como parte ilegítima e dela se absolvendo da instância (artigos 58º e 413º do CPC).
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2) – Fica revogada a parte da sentença recorrida que se condenou a 2ª Ré nas custas.
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3) – Anular o julgamento dos factos por deficiência e obscuridade dos mesmos e mandar os autos para o TJB a fim de repetir o julgamento, com a realização de diligências pertinentes, nomeadamente a de recorrer ao apoio dos técnicos da DSCC para tirar a medida exacta dos prédios em causa e depois reformular as respostas dos quesitos impugnados pelos Recorrentes neste recurso e eventualmente outras matérias viciadas (artigo 629º/4 do CPC) e decidir o litígio em conformidade”; (cfr., fls. 1834 a 1880-v).

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Ainda inconformada, vem a A. (“A1 MIO”) recorrer, alegando para concluir nos termos seguintes:

“1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo TSI em 29/04/2020 que ordenou a anulação do “julgamento dos factos por deficiência e obscuridade dos mesmos e mandar os autos para o TJB a fim de repetir o julgamento, com a realização de diligências pertinentes, nomeadamente a de recorrer ao apoio dos técnicos da DSCC para tirar a medida exacta dos prédios em causa e depois reformular as respostas dos quesitos impugnados pelos Recorrentes neste recurso e eventualmente noutras matérias viciadas (artigo 629º/4) e decidir o litígio em conformidade.”
2. Recorde-se que, a sentença proferida em primeira instância havia julgado a acção parcialmente procedente tendo, em conformidade, decidido declarar a ora Recorrente como a “titular do domínio útil da parcela de terreno com o n.º 6 da [Rua(1)], identificada na planta cadastral junta aos autos a fls. 24 a 25, e da parcela de terreno com o n.º 8 da [Rua(1)], identificada como parcela a na planta junta aos autos a fls. 27 a 28, tendo as duas parcelas em conjunto a área total de 181 m2”, com as confrontações aí indicadas (vide fls. 1475).
3. O objecto da acção foi identificado com clareza pela Autora e percebido com o mesmo grau de certeza pelos Réus, como o comprova a circunstância de estes terem impugnado as afirmações daquela quanto à identificação física (nomeadamente a respectiva área e confrontações) e registral dos imóveis sub judice, não tendo invocado qualquer ininteligibilidade da causa de pedir.
4. A comprovar essa clareza está também o facto de o TSI não ter ordenado a reformulação da base instrutória, nem a sua ampliação, o que demonstra que a redacção dos quesitos e os factos sobre os quais a prova incidiu, se afiguram suficientes para o julgamento da causa, mormente os pedidos formulados pela Autora, segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito.
5. Por outro lado, não deixa também de causar estranheza o facto de o Tribunal a quo não ter, em momento algum, verberado a fundamentação contida no acórdão que julgou a matéria de facto, sinal de que essa fundamentação indicou com clareza, objectividade e discriminadamente os meios de prova que levaram à decisão, o mesmo se passando com a convicção do julgador.
6. Com efeito, ao não se deter numa linha que fosse nessa fundamentação (com excepção das medições das áreas onde o TSI assenta toda a sua fundamentação) outra conclusão não se pode retirar se não a de que o Tribunal recorrido percebeu aquilo que o tribunal colectivo considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.
7. Neste particular há que realçar também a circunstância de ter sido produzida profusa prova que, inclusive, para além das plantas cadastrais, incluiu uma perícia realizada pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), uma consulta à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) cujo objecto consistiu, precisamente, no esclarecimento dos concretos pontos da matéria de facto que o TSI diz não estarem devidamente esclarecidos.
8. Aquilo que o TSI fez ao abrigo de uma interpretação que se afigura ilegal e abusiva dos artigos 6.º, n.º 3, 513.º e 619.º, n.º 1 alínea a) do CPC, foi pôr em causa prova vinculada, anulando o julgamento de toda a matéria de facto e ordenando a produção de diligências probatórias que já foram realizadas, com base em dados recolhidos através de uma visita ao local cujos dados “têm”, segundo o Tribunal a quo, “o valor certificativo de que alguns factos dados como assentes pelo Tribunal recorrido, impugnados pelas partes, não correspondem à realidade física, aspectos inverídicos estes que devem ser endireitados em sede própria.”!
9. Ora, como se disse, prédio que constitui o objecto da disputa entre Autora e Réus, e cuja identificação está na génese das interrogações do TSI que, por sua vez, justificaram o uso da faculdade prevista no n.º 4 do artigo 629.º do CPC com a anulação do julgamento da matéria de facto e a realização da diligência probatória aí referida (e que, como já se referiu, já consta dos autos), não suscita quaisquer dúvidas, estando perfeitamente identificado nos autos.
10. Com efeito, conforme a Autora alegou em sede de petição inicial, o objecto da acção, sobre o qual recaem os pedidos aí formulados, nomeadamente o pedido de declaração de aquisição por usucapião, consiste no imóvel identificado nas plantas cadastrais juntas como docs. n.ºs 5 e 6 da petição inicial.
11. Conforme demonstram essas plantas, as parcelas de terreno aí demarcadas e assinaladas têm as seguintes áreas: (i) parcela identificada na planta junta como doc. n.º 5 tem a área de 91 m2; (ii) ao passo que as parcelas identificadas na planta junta como doc. n.º 6 com as letras “A” e “B” têm as áreas respectivamente de 90 e 4 m2, perfazendo um total de 94 m2; o que resulta numa área total de 185 m2.
12. Nos artigos 12.º e seguintes da petição inicial, que aqui se dão reproduzidos para todos os efeitos legais, estão elencados os factos em que a Autora baseia os seus pedidos, ou seja, a causa de pedir, os fundamentos da acção.
13. Em resumo, a Autora alegou que:
(i) é possuidora das parcelas de terreno demarcadas e identificadas nas plantas cadastrais juntas a fls. 24 a 25 e 27 a 28;
(ii) essas parcelas fazem parte das descrições prediais n.ºs XXX e XXXX, ou seja estão duplicadamente descritas;
(iii) no passado construiu um prédio nas parcelas de terreno em apreço, cujo projecto foi aprovado pelas autoridades competentes, prédio esse que tinha os n.ºs 6 e 8 da [Rua(1)] e cuja estrutura e terraço eram comuns;
(iv) a posse do referido edifício foi sempre mantida pela Autora que o utilizou para fins diversos, nomeadamente aí instalando uma escola e posteriormente dando-o de arrendamento;
(v) esse edifício foi demolido em 2005, mantendo-se, porém, parte das paredes e da fachada a fim de o delimitar dos prédios contíguos;
(vi) na sequência da referida demolição a Autora manteve a posse das parcelas de terreno identificadas a fls. 24 e 25 e 27 e 28;
(vii) estas parcelas, mormente a parcela demarcada e identificada com a letra “A” na planta a que se refere o doc. n.º 6 (fls. 27 e 28) não estão incluídas e não fazem parte da descrição n.º XXXX apesar de esta, no respectivo extracto, mencionar o n.º 8 da [Rua(1)];
(viii) a descrição n.º XXXX refere-se a um edifício que tinha o n.º 10 da [Rua(1)] e que foi demolido em 2000, e que nada tem a ver com o prédio da Autora.
14. O 1.º Réu e a 2.ª Ré impugnaram a matéria de facto alegada pela Autora, basicamente negando que as parcelas demarcadas e identificadas na planta cadastral junta como doc. n.º 6 da petição inicial, e a que correspondia o n.º 8 da [Rua(1)], fazem parte das descrições n.ºs XXX e XXXX alegando, ao invés, que as mesmas estão integradas na descrição predial n.º XXXX que se refere ao prédio adquirido pelo 1.º Réu através da escritura pública a que se refere a alínea R) dos factos assentes.
15. Foi, pois, nesse sentido que foi seleccionada a matéria de facto nos termos do artigo 430.º do CPC, visando em suma apurar, sendo esse também o sentido e objectivo de toda a prova carreada para os autos e aí produzida, a que descrição predial pertence a faixa de terreno identificada na planta de fls. 27 e 28 – e cuja parcela aí identificada e demarcada com a letra A se deu como provado corresponder ao n.º 8 da [Rua(1)] – e, por outro lado, se a Autora vem exercendo sobre a mesma, em conjunto com o imóvel demarcado e identificado na planta de fls. 24 e 25, uma posse em termos tais que lhe permitam invocar a aquisição destas parcelas por usucapião.
16. Conforme decorre do acórdão proferido sobre a matéria de facto, os factos alegados pela Autora foram grosso modo dados por assentes. A única excepção prendeu-se com a circunstância de o tribunal colectivo ter considerado que apenas a parcela A assim identificada na planta de fls. 27 e 28, com a área de 90 m2, e não também a parcela B (aí também demarcada) e com a área 4 m2, corresponde ao n.º 8 da [Rua(1)].
17. Tudo o resto, nomeadamente:
a) a duplicação de descrições alegada pela Autora, consubstanciada no facto de a parcela de terreno identificada na planta de fls. 24 a 25 e a parcela identificada e demarcada com a letra A na planta de fls. 27 e 28, com a área total de 181 m2, e que correspondiam respectivamente aos n.ºs 6 e 8 da [Rua(1)] estarem descritos sob o n.º XXXX e também sob o n.º XXX (que se refere ao n.º 6 daquela via);
b) as confrontações dos referidos imóveis;
c) a circunstância de, nas parcelas referidas supra na alínea a), a Autora ter construído na década de 30 do século passado um edifício cuja posse sempre manteve e de cuja demolição foram preservadas parte da fachada e das paredes laterais para evidenciar a sua delimitação relativamente aos prédios contíguos, nomeadamente o prédio pertencente ao 1.º Réu;
d) os actos de posse em relação ao aludido edifício e, posteriormente à respectiva demolição, em relação às parcelas de terreno onde o mesmo foi erigido e que se encontram identificadas na planta de fls. 24 e 25 e com a letra A da planta de fls. 27 e 28; ficou assente.
18. A prova que sustenta as conclusões retiradas pelo Tribunal Colectivo foi prolixa, detalhada e minuciosa, tendo respeitado também as regras legais, designadamente no que concerne a prova vinculada.
19. Efectivamente, para além de prova testemunhal, prova por inspeção judicial (vide fls. 198 a 208), foi produzida abundante prova documental que incluiu a junção aos autos das certidões prediais de todos os imóveis sub judice em que constam todas as inscrições (as em vigor e já canceladas), certidões emitidas pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) contendo a documentação relativa ao processo de construção do edifício com os n.ºs 6 e 8 da [Rua(1)], a que se referem os quesitos 7.º a 10.º, 14.º, 16.º a 19.º da base instrutória, e respectiva demolição, respostas por escrito desta Direcção à matéria de factos dos quesitos 7.º a 9.º e 14.º a 15.º (vide ofício de fls. 1090-1092), cópias de contratos de arrendamento celebrados pela Autora, na qualidade de senhoria, relativamente ao prédio com o n.º 6 e 8 da [Rua(1)].
20. Do processo constam ainda plantas emitidas pela DSCC que identificam e demarcam todos os terrenos objecto da lide e entre eles aquele que constitui o objecto da disputa – o n.º 8 da [Rua(1)] – (vide plantas de fls. 24 28 e planta junta com a contestação do 1.º Réu).
21. Mais, a matéria dos artigos 1.º a 7.º e 13.º da base instrutória foi objecto de perícia realizada pela mesma DSCC, instruída com profusa documentação (vide fls. 1116 a 1175), tendo a perita dessa direcção de serviços comparecido em audiência a fim de depor sobre as conclusões do relatório pericial, tendo o respectivo depoimento sido objecto de gravação e encontrando-se transcrito nos autos!
22. Por outro lado, afigura-se pertinente recordar que a fundamentação do acórdão proferido sobre a matéria de facto foi exaustiva e clara no sentido de apontar quais os meios de prova em que se fundou a convicção do Tribunal a quo, não tendo tal fundamentação merecido censura por parte do TSI.
23. Conforme explica o tribunal de primeira instância a prova carreada para os autos demonstra que a resposta à questão principal da lide, a de saber “se o número policial 8 da [Rua(1)] referido no extracto da descrição predial nº XXXX corresponde ao actual número policial 8 da [Rua(1)]. Ou melhor, se a parcela de terreno localizado no actual número policial 8 da [Rua(1)] faz parte do prédio nº XXXX e do prédio no XXX”, é cristalina: a parcela de terreno identificada com a letra A na planta de fls. 27 e 28, não está descrita sob o n.º XXXX (descrição que diz respeito ao prédio do 1.º Réu), encontrando-se ao invés descrita sob o n.º XXXX, onde está também descrito o prédio com o n.º 6 da [Rua(1)], assim identificado no extracto da descrição n.º XXX.
24. Conforme resulta da respectiva fundamentação, o TSI assenta a sua decisão de anular o julgamento dos factos e ordenar a repetição do julgamento, “com a realização das diligências pertinentes, nomeadamente o de recorrer ao apoio do técnicos da DSCC para tirar a medida exacta dos prédios em causa”, com base no disposto no n.º 4 do artigo 629.º do CPC.
25. O poder de anulação previsto na aludida normal legal tem, conforme decorre do respectivo texto, como premissa e requisito essencial a falta de elementos probatórios no processo. Ou seja, com esta norma atribui-se ao TSI o poder de ordenar a produção de novos meios de prova em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância, isto é, quando a segunda instancia considere “deficiente, obscura ou contraditória” a decisão proferida sobre determinados pontos concretos da matéria de facto.
26. A produção de novos meios de prova subjacente à faculdade prevista no n.º 4 do artigo 629.º do CPC tem, assim, por fito servir para firmar a convicção mais segura sobre determinado facto controvertido, quando para tal baste a junção de algum documento ou a realização de alguma perícia cuja junção e realização, não tendo ocorrido, possa ser oficiosamente decretada.
27. No caso sub judice a condição para o exercício do dito poder de anulação não se verifica pelo que o TSI fez um uso errado do mesmo, violando o disposto na norma a que se vem fazendo menção.
28. Efectivamente, como decorre da fundamentação e da parte dispositiva do acórdão recorrido, o TSI não ordenou a produção de novos meios de prova. Os meios de prova que o TSI reputa de essenciais para o esclarecimento da matéria de facto já constam dos autos.
29. Com efeito, foram juntas ao processo plantas cadastrais elaboradas pela DSCC de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 70/93/M de 20 de Dezembro e do Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro, com menção à situação, confrontações, numeração policial, rua área, número de cadastro de todos os prédios/terrenos objecto da lide.
30. Ademais, como já se disse, foi também realizada uma perícia pela DSCC (entidade que, nos termos dos supra mencionados decretos-lei compete elaborar, conservar e manter actualizado o cadastro geométrico dos terrenos da RAEM) que incidiu sobre os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 13.º da base instrutória, onde se pretende identificar os imóveis disputados pelas partes e que constituem o objecto do processo.
31. Assim, constando do processo todos os elementos probatórios que permitiam ao Tribunal a quo apreciar a questão de direito e o mérito dos recursos interpostos pelas partes, como se comprova pela circunstância de o TSI não ter ordenado a produção de qualquer novo meio de prova, mas sim ordenado a repetição de meios de prova já constantes dos autos, o mesmo não podia ter feito uso do poder de anulação previsto no n.º 4 do artigo do artigo 629.º do CPC, norma que violou, devendo, portanto, o acórdão recorrido ser revogado e, consequentemente, ser ordenada a remessa do processo ao TSI para que julgue o mérito da causa, com base na matéria de facto dada por assente.
32. Por outro lado, ainda que se admitisse como legítimo o uso do poder de anulação do julgamento da matéria de facto nos termos em que o fez o Tribunal recorrido ou que tal decisão encontra acolhimento legal no disposto no n.º 3 do citado artigo 629.º – hipótese que apenas se aceita à cautela e por dever de patrocínio – o certo é que, no caso dos autos, a renovação da prova ordenada pelo TSI é ilegal.
33. Desde logo, porque é óbvio que o tribunal colectivo não incorreu em qualquer erro no julgamento dos factos, sendo inaceitável que esse julgamento – baseado em prova vinculada e pericial – venha a ser posto em causa por uma inspecção ao local em que o Tribunal a quo munido de uma fita métrica e após “tirar medidas ao espaço em causa por funcionário de justiça”, decide pôr em causa a identificação física dos prédios sub judice realizada pela DSCC!
34. A descrição n.º XXXX refere efectivamente no respectivo extracto de abertura que o prédio a que mesma se refere (aí identificado como sendo o n.º 6 da [Rua(1)]) tem uma área de 180 metros quadrados. Trata-se, conforme foi dado como assente, de um extracto que remonta a 24/09/1883 e que nunca foi actualizado.
35. Por seu turno, a área de 181 m2 que é mencionada no ponto I da síntese o acórdão recorrido corresponde à soma das áreas atribuídas às parcelas de terreno identificadas na planta de fls. 24 e 25 e na parcela demarcada e identificada com a letra A na planta de fls. 27 e 28, ambas elaboradas pela DSCC. Foi, pois, com base nestes documentos, ou seja nas medições efectuadas pela DSCC, que o tribunal colectivo deu como assente a referida área de 181 m2.
36. Por outro lado, a circunstância de na descrição predial n.º XXXX se mencionar a área de 180 metros (uma descrição aberta em 1883) foi precisamente um dos elementos, entre muitos outros, em que a DSCC se baseou para concluir que tal descrição se referia e englobava as parcelas supra mencionadas e que a parcela na parcela demarcada e identificada com a letra A na planta de fls. 27 e 28 não faz, como nunca fez, parte da descrição n.º XXXX.
37. É isto mesmo o que resulta do relatório pericial de fls. 1117 e seguintes (totalmente ignorado pelo Tribunal a quo), contra o qual nenhum dos Réus reclamou, sinal de que aderiram por completo ao respectivo teor, bem como do esclarecedor depoimento da Sra. Perita em julgamento o qual supra se transcreveu, e que confirmam por completo a matéria dada como assente pelo tribunal colectivo.
38. Onde estão, pois, a obscuridade, a contradição, o erro notório na apreciação da prova quando o tribunal colectivo assentou a sua resposta aos quesitos 1.º a 15.º – os quais servem para identificar física e registralmente os prédios objecto da lide – e nomeadamente o facto de ter considerado que a área total das parcelas de terreno localizadas nos n.ºs 6 e 8 da [Rua(1)] é de 181 m2 e que estas fazem parte da descrição n.º XXXX e XXX (e não da descrição n.º XXXX) quando tal conclusão assentou nos elementos fornecidos pela DSCC (quer através das plantas elaboradas por esta entidade, quer pelo relatório pericial e posteriores esclarecimentos), nomeadamente quanto ao registo, localização, área e confrontações?
39. Não existe qualquer erro, nem contradição no julgamento da matéria de facto. E nem tal contradição ou suposto erro podem ser revelados ou resultar da inspecção feita ao local pelo TSI que, ao contrário do que se afirma no acórdão recorrido, não tem valor certificativo (desconhecendo-se sequer o significado legal de tal conceito) de que os dados apurados pelo tribunal colectivo quanto aos imóveis em apreço e reflectidos nas respostas aos quesitos são “inverídicos” e “devem ser endireitados em sede própria”.
40. Por conseguinte, quem incorre em erro notório na apreciação da prova é o TSI pois, com a decisão que adoptou, viola ostensivamente o valor de prova vinculada.
41. Efectivamente, nos termos do artigo 25.º do Código do Registo Predial e das disposições contidas no Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro, apesar da identificação física dos prédios ser feita na descrição predial, aquilo que impera no que concerne à localização, área e confrontações dos prédios é o que que consta das plantas cadastrais que são assim o título insuperável da prova/demonstração daqueles elementos.
42. essas plantas – elaboradas, repita-se, pelos técnicos da DSCC com recurso a métodos científicos – constam dos autos pelo que é simplesmente inaceitável que os respectivos elementos venham a ser postos em causa por uma observação in loco feita pelo Tribunal a quo na qual um funcionário de justiça (cuja boa vontade não está em causa) se limita a tirar medidas a olho nu, com o uso de uma fita métrica.
43. Destarte, sendo os factos em análise (plasmados nos artigos 1.º a 13.º da base instrutória) e que dizem respeito à localização, área, e confrontações dos imóveis em apreço, apenas susceptíveis de prova por documento e sendo este a planta cadastral a emitir pela DSCC (vide artigo 25.º do Código do Registo Predial, artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M) estava vedado ao TSI, por se tratar de prova vinculada, já produzida nos autos, destruir o valor da mesma com base numa inspecção ao local em que se decidiram efectuar medições dos dito imóveis a fim de calcular as respectivas áreas.
44. A decisão recorrida viola as mencionadas disposições legais pelo que a mesma deverá ser revogada com o douto suprimento deste Venerando Tribunal, com o consequente retorno dos autos ao TSI para que, com base na decisão proferida pelo tribunal colectivo sobre a matéria de facto, que se deverá manter inalterada, profira decisão de mérito sobre os recursos interpostos da douta sentença proferida em primeira instância.
45. Acresce que, para além de violar o disposto no n.º 4 do artigo 629.º do CPC, no artigo 25.º do Código do Registo Predial e nos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, violando regras sobre o valor da prova vinculada, e assentar em pressupostos errados, o acórdão recorrido peca também por falta de fundamentação sendo, por isso, nulo nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
46. Com efeito, ao ignorar por completo o relatório pericial de fls. 1117 e que, como já se disse, incidiu sobre os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 13.º da base instrutória, que dizem respeito à identificação (localização, área, confrontações, situação registral) dos imóveis sub judice e que depois foi secundado pelo depoimento da Sra. Perita prestada em sede de audiência de discussão e julgamento, através dos quais (perícia e depoimento) resulta assente a prova da matéria quesitada sobre os aludidos artigos, o acórdão recorrido peca por falta de fundamentação e é, por isso, nulo, nos termos da supra citada disposição legal.
47. É que, não obstante no direito vigente em Macau vigorar o princípio da livre apreciação das provas (artigo 558.º do CPC) o mesmo não pode ser entendido como um salvo conduto para o arbítrio. Ou seja, apesar de com o dito princípio se pretender desonerar o julgador das apertadas malhas da prova legal, o mesmo não significa um passaporte que autorize o julgamento de factos contra prova feita ou contra critérios de lógica.
48. No ordenamento jurídico de Macau a perícia constitui um meio de prova, cujo objectivo é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.
49. Nestes termos, o perito actua como um adjuvante do juiz, chamado a esclarecer uma certa matéria recorrendo à sua especial competência técnica e científica, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem, que foi o que sucedeu in casu, com a perícia a ser realizada pelo órgão a quem a lei atribui competência para decidir sobre a identificação física dos prédios existentes em Macau.
50. Como tal, o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
51. Como se viu, a decisão do Tribunal recorrido diverge por inteiro das conclusões constantes do relatório pericial em apreço e das explicações dadas pela Sra. Perita, pelo que se exigia ao TSI um acrescido dever de fundamentação, explicando ponto por ponto o porquê de essas conclusões não merecerem acolhimento, expondo as razões e os motivos que impõem um resultado distinto daquele a que a DSCC chegou e que foi acolhido nas respostas aos quesitos.
52. O que se constata, porem, é como se afirmou, uma total ausência de fundamentação, não tendo o Tribunal a quo explicado em que medida o relatório pericial e as afirmações da Sra. Perita estão errados. Pelo contrário, o TSI bastou-se com uma inspecção ao local para com base em medições efectuadas por funcionário de justiça destruir por completo a prova efectuada que, como se vem afirmando, se encontra suportada em documentação e relatórios elaborados por entidade legalmente competente com base em métodos científicos.
53. Esta falta de fundamentação constitui uma nulidade nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC, implicando a anulação da decisão recorrida e a baixa do processo ao TSI para a reforma do acórdão (vide artigo 651.º do CPC).
54. O que supra se afirmou aplica-se na íntegra ao ponto II da síntese. Efectivamente, ao contrário do que aí se refere, a área de 137 m2 refere-se à área constante da plantas cadastral junta a fls. 318 a 319 (resultante, portanto, dos cálculos efectuados pela DSCC) e que engloba não só a área que se concluiu estar abarcada pela descrição n.º XXXX, mas também a área identificada na planta de fls. 28 e 29 e que, como resulta evidente, é área que constitui o objecto do litígio.
55. É também infundada a afirmação contida no ponto V da síntese conclusiva do acórdão recorrido.
56. Com efeito, importa também ter presente que o pedido de declaração da Autora como a titular do domínio útil, por o haver adquirido por usucapião, reportava-se às parcelas constantes das plantas de fls. 25 e 15 e 27 e 28, identificadas na petição inicial como PRÉDIO por, precisamente, se tratar de um único imóvel construído nos mencionados terrenos.
57. Ora, ao ter declarado a Autora como a titular do domínio útil quer da “parcela de terreno identificada na planta cadastral junta aos autos a fls. 24 e 25, e da parcela de terreno com o n.º 8 da [Rua(1)] identificada como parcela A na planta junta aos autos a fls. 27 a 28, tendo as duas parcelas em conjunto a área total de 181 m2 e as seguintes confrontações ( ... )”, a sentença proferida em primeira instancia limitou-se a dar integral provimento ao pedido formulado na alínea d) da petição inicial, não padecendo de qualquer omissão ou imprecisão, tanto mais que a dita sentença concluiu que tais terrenos fazem parte das mesmas descrições prediais (XXX e XXXX que, como tal se referem a um único prédio em termos registrais), só não tendo ordenado a respectiva correcção por ter entendido que a Autora não observou o procedimento a que aludem os artigos 18.º a 19.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro.
58. Por último, ao decidir que para além da anulação do julgamento, “com a realização das diligências pertinentes, nomeadamente a de recorrer ao apoio dos técnicos da DSCC para tirar a medida exacta dos prédios em causa e depois reformular as respostas dos quesitos impugnados pelos Recorrentes neste recurso e eventualmente outras matérias viciadas (artigo 629./4 do CPC) e decidir o litígio em conformidade”, o TSI exorbita largamente dos poderes que lhe são conferidos pela citada norma.
59. Com efeito, para além de não estarem verificados os pressupostos/requisitos que permitem ao TSI anular o julgamento proferido à matéria de facto – não só porque dos autos constam já todos os elementos probatórios necessários ao julgamento da matéria de facto, mas também porque esta não enferma de qualquer contradição ou obscuridade – o Tribunal recorrido não pode impor ao tribunal colectivo que, perante uma eventual renovação dos meios probatórios (com a realização de novas medições para além daquelas que constam do processo), reformule as respostas dadas aos artigos da base instrutória.
60. Efectivamente, a que propósito é que o TSI, desconhecendo o resultado das diligências probatórias que ordenou, pode impor à partida ao tribunal de primeira instância (a quem cabe, antes de todos analisar criticamente as provas segundo as regras sobre o valor das provas) que reformule ou endireite (para usar a expressão infeliz do acórdão recorrido) as repostas que deu anteriormente aos quesitos, cuja formulação, reitere-se não foi alterada?
61. Basta pensar na hipótese, de as diligências pretendidas pelo TSI produzirem exactamente o mesmo resultado (hipótese que constitui uma certeza), mormente no que concerne às áreas das parcelas de terreno sub judice, daquelas que resultam das plantas cadastrais e do relatório pericial a que se vem fazendo alusão e que constam já dos autos”; (cfr., fls. 1905 a 1939).

*

Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como provados os factos seguintes:

“Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora é uma associação de piedade e de beneficência, sem fins lucrativos, que foi fundada há mais de 123 anos sob a égide do A-Mio, sito em Macau, na [Rua(2)] (antiga [Rua(3)]) (alínea A) dos factos assentes).
- Os seus estatutos foram publicados pela primeira vez no Boletim Oficial de Macau (B.O.M.) no ano de 1930, tendo a última alteração ocorrido em 2007 com a respectiva publicação no B.O.M. n.º 2, II Série, de 9 de Janeiro de 2008 (alínea B) dos factos assentes).
- A Autora encontra-se registada na Direcção dos Serviços de Identificação como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa sob o n.º 492, estatuto que lhe foi atribuído por Portaria n.º 93/74 de 6 de Julho, publicada no B.O.M. n.º 27 de 6 de Julho de 1974 (alínea C) dos factos assentes).
- Conforme a certidão predial a fls. 37 a 51 dos autos, o extracto da descrição n.º XXX refere o prédio com o n.º 6 da [Rua(1)] (alínea D) dos factos assentes).
- A apresentação que conduziu ao extracto de abertura da citada descrição predial foi feita em 24 de Agosto de 1880 (fls. 42) (alínea E) dos factos assentes).
- Segundo o teor da descrição n.º XXX, o imóvel em apreço é foreiro ao Território de Macau, conforme inscrição n.º XXXXX, lavrada a fls. XXX do livro FXXK (fls. 46) (alínea F) dos factos assentes).
- Encontrando-se o respectivo domínio útil registado a favor da Autora desde 20 de Janeiro de 1886, sob a inscrição n.º XXXXX, lavrada a fls. XXX do livro GXXK. (fls. 47) (alínea G) dos factos assentes).
- A apresentação que conduziu ao extracto de abertura da descrição n.º XXXX foi feita em 24 de Setembro de 1883. (fls. 38) (alínea H) dos factos assentes).
- Conforme a Certidão predial a fls. 31 a 51 dos autos, o extracto da descrição n.º XXXX refere-se ao prédio com o n.º 6 da [Rua(1)] (alínea H1) dos factos assentes).
- Nos termos da descrição n.º XXXX o prédio a que a mesma se refere tem a área de 180m2 (alínea I) dos factos assentes).
- Segundo o teor desta descrição o imóvel a que a mesma respeita é também foreiro ao Território de Macau, conforme inscrição n.º XXXXX, lavrada a fls. XXX do livro FXXK. (fls. 41) (alínea J) dos factos assentes).
- Sendo que o mesmo foi, por escritura de 3 de Setembro de 1883 lavrada na Secretaria da Junta da Fazenda, dado de aforamento a D, tendo a apresentação que conduziu ao registo do respectivo domínio útil sido lavrada sob “o n.º 1 do Diário de Vinte e quatro de Setembro de mil oitocentos oitenta e três”. (fls.40) (alínea K) dos factos assentes).
- O prédio descrito sob o n.º XXX (cujo domínio útil se encontra inscrito a favor da Autora) ter sido vendido à Autora por D (alínea L) dos factos assentes).
- O domínio útil do n.º 10 da [Rua(1)], prédio que se encontra descrito na CRP sob o n.º XXXX, a fls. XXX verso do livro BXX, encontra-se inscrito a favor do 1º Réu conforme inscrição n.º XXXXXX do livro G (fls. 55 a 58) (alínea M) dos factos assentes).
- A descrição predial relativa ao prédio com o n.º 10 da [Rua(1)] refere também no seu extracto o n.º 8 desta via. (fls. 56) (alínea N) dos factos assentes).
- Foi intentada pela Autora a providência cautelar (proc. n.º CV2-11-0037-CAO-A) contra os RR, cuja decisão proferida em primeira instância em 28 de Fevereiro de 2011, improcedeu o pedido da Autora, indeferindo-se a providência cautelar solicitada (alínea O) dos factos assentes).
- Por acórdão do TSI datado de 21 de Julho de 2011, foi negado provimento ao recurso interposto pela Autora, requerente na providência cautelar supra mencionada (alínea P) dos factos assentes).
- Por acórdão do TUI, datado de 14 de Dezembro de 2011, foi concedido provimento ao recurso e à providência solicitada, intimando os requeridos, aqui os RR, de se absterem de praticar quaisquer actos em relação ao prédio n.º 8 da [Rua(1)], nomeadamente aqueles que sejam susceptíveis de perturbar a posse da requerente em relação ao mesmo (alínea Q) dos factos assentes).
- Em 4 de Abril de 2006, o 1º réu celebrou a escritura pública de compra e venda com E e F, proprietários do prédio descrito sob o n.º XXXX, em 7 de Abril de 2006, requereu à CRP o registo predial. (alínea R) dos factos assentes)
- Conforme a certidão de registo predial, emitida pela CRP, em 24 de Outubro de 1944, o Sr. G adquiriu o domínio útil do terreno descrito sob o n.º XXXX, o qual foi inscrito em 26 de Outubro de 1944 na CRP a favor do mesmo sob o nº XXXXX. (fls. 298) (alínea S) dos factos assentes)
- Em seguida, em 21 de Fevereiro de 2003, E e F adquiriram de G, por escritura pública de compra e venda, no Cartório Notarial Privado H, o domínio útil do terreno descrito sob o n.º XXXX, o qual foi inscrito em 28 de Fevereiro de 2003 na CRP a favor dos mesmos sob o nº XXXXXG. (fls. 299) (alínea T) dos factos assentes)
*
Da Base Instrutória:
- O actual número policial da parcela de terreno identificada na planta cadastral definitiva junta a fls 24 a 25 é 6 da [Rua(1)] (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX (adiante prédio nº XXX) corresponde à parcela de terreno identificada na planta cadastral junto a fls 24 a 25 e à parcela de terreno A identificada na planta cadastral emitida a pedido da Autora e junta a fls 27 e 28 (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- O actual número policial da parcela de terreno A identificada na planta cadastral junta a fls. 27 e 28 é 8 da [Rua(1)] (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob nº XXXX (adiante prédio nº XXXX) corresponde à parcela de terreno identificada na planta cadastral junta a fls 24 a 25 bem como à parcela de terreno A identificada na planta cadastral junta a fls 27 e 28 (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- As parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)], têm a área total de 181 m2, a qual corresponde à soma da área da parcela de terreno identificada na planta cadastral junta a fls 24 a 25 e da área da parcela de terreno A identificado na planta cadastral junta a fls 27 e 28 (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- As parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] têm as seguintes confrontações (resposta ao quesito 6º da base instrutória):
NE – [Rua(1)] n.º 4A (n.º XXXXX) e [Rua(2)] n.º 119D;
SE – [Rua(1)];
SW – [Rua(3)] nºs 11-11A (n.º XXXXX), nºs 13-13B (n.º XXXXX) e [Rua(1)] n.º 10 (n.º XXXX);
NW – [Rua(2)] nºs 121-123, [Rua(3)] nºs 9-9B (n.º XXXXX) e [Rua(2)] n.º 119D (Templo de A2).
- Nas parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] esteve durante várias décadas implantado um edifício que foi praticamente todo demolido em 2005 (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- O terraço e a estrutura da edificação desse edifício eram comuns (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- Desde a demolição do edifício, nas parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] apenas se mantêm parte da fachada e das paredes laterais do mesmo (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- As quais se mantiveram para evidenciar a sua delimitação relativamente aos prédios contíguos, designadamente ao prédio localizado no actual número policial 10 da [Rua(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX, a fls. XXX verso do livro BXX (adiante prédio nº XXXX) (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- O prédio nº XXX, adquirido pela Autora a D, está também descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
- As parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] confrontam a SW com o prédio nº XXXX (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- O edifício então construído nas parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] era perfeitamente autonomizado do prédio localizado no actual número policial 10 da [Rua(1)] (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
- O edifício que estava construído no prédio localizado no actual número policial 10 da [Rua(1)] foi demolido no ano de 2000 (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
- A Autora submeteu em 1934 à aprovação da então Direcção das Obras Públicas um projecto de obras que previa a construção as parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)], composto por duas entradas autónomas, correspondendo a cada parte um rés-do-chão, 1º e 2º andares (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
- O projecto em apreço foi aprovado pela então Direcção das Obras Públicas que, para o efeito, emitiu a licença para obras n.º 96 de 5 de Março de 1934 (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
- A Autora construiu a suas expensas o edifício nas parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] ao qual em data não posterior a 1937 foi atribuído os números de policiais 6 e 8 da [Rua(1)] que ainda se mantêm (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
- Finalizada, em data não apurada mas não posterior a 1938, a construção do edifício referido nas respostas aos quesitos 7º e 16º, a Autora fruía-o como sua dona (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
- A Autora é reconhecida em geral, e pelas pessoas que residiam e que residem nas cercanias das parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] também pelas pessoas que frequentam o A1-Mio, sito nas suas traseiras, como a legítima e exclusiva proprietária deste prédio (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
- A Autora é reconhecida como a legítima titular das parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] pelas entidades públicas que, como a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transporte, a ela se dirigem quando se torna necessário resolver algum assunto a ele relativo excepto, em 2005, a propósito da demolição do edifício nelas construído (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
- Ao longo de todos estes anos até à respectiva demolição, a Autora, na convicção de ser a proprietária das parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)], sempre procedeu a suas expensas e por sua iniciativa à manutenção do edifício aí implantado (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
- Nomeadamente procedendo, quando necessário, à pintura da fachada exterior e à reparação e substituição de portas e janelas (resposta ao quesito 23º da base instrutória).
- A Autora instalou, no último andar do edifício aí erigido, uma escola que funcionava sob a sua direcção (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
- Para além do referido fim, a Autora deu-o também de arrendamento, recebendo as respectivas rendas dos inquilinos (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
- O último inquilino do edifício foi um antiquário chinês que aí se manteve como arrendatário, pagando as respectivas rendas à Autora, até pouco antes à demolição desta construção em 2005 (resposta ao quesito 26º da base instrutória).
- Em virtude do avançado estado de degradação do edifício aí implantado, o qual exigia uma intervenção estrutural e de fundo que a Autora optou por não realizar em face dos seus elevados custos (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
- O que consta das respostas aos quesitos 9º e 10º (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
- Após a referida demolição, a pedido de dois vizinhos da zona, a Autora facultou-lhes o espaço para guardar materiais (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
- A Autora, através dos seus responsáveis ou empregados, desloca-se periodicamente às parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] a fim de o inspeccionar e de se assegurar do seu estado (resposta ao quesito 32º da base instrutória).
- A Autora praticou os actos referidos nas respostas aos quesitos 16º, 18º, 19º, 22º a 25º, 27º, 29º, 30º e 32º, com a intenção e a convicção de se tratar da proprietária do prédio localizado nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)], e a consciência de não estar a lesar o direito de outrem (resposta ao quesito 33º da base instrutória).
- De forma ininterrupta (resposta ao quesito 34º da base instrutória).
- Até 2010, sem violência nem oposição de ninguém, nomeadamente daqueles que no passado foram proprietários do prédio localizado no actual número policial 10 da [Rua(1)], registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX (resposta ao quesito 35º da base instrutória).
- No ano de 2010, o 1º Réu, proprietário do prédio localizado no actual número policial 10 da [Rua(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX, pretendeu que a Autora desocupasse a parcela de terreno localizada no actual número policial 8 da [Rua(1)] (resposta ao quesito 36º da base instrutória).
- Quando foi outorgada a escritura pública referida em R) dos factos assentes, na parcela de terreno localizado no actual número policial 8 da [Rua(1)], não havia nenhuma edificação, mas apenas alguns escombros e paredes baixos com acesso fechado à chave (resposta ao quesito 39º da base instrutória).
- Após a demolição do edifício construído nas parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)], a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transporte, em 27 de Fevereiro de 2006, informou E e F para pagarem as despesas com a demolição da parte do edifício localizado no actual número policial 8 da [Rua(1)] que ameaçava ruir porque o extracto da descrição predial nº XXXX fazia referência aos números policiais 8 e 10 da [Rua(1)] (resposta ao quesito 41º da base instrutória).
- Apesar de ter inicialmente negado a sua qualidade de proprietários da parcela de terreno localizada no actual número policial 8 da [Rua(1)], E e F, então proprietários do prédio n.º XXXX, pagaram cada um a quantia de MOP$25.750,00 a título de despesas de demolição (resposta ao quesito 42º da base instrutória).
- A Autora não pagou as despesas com a demolição da parte do edifício construído na parcela de terreno localizado no actual número policial 8 da [Rua(1)] (resposta ao quesito 43º da base instrutória).
- Em 2005, aquando da demolição do edifício construído nas parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)], a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transporte considerou E e F proprietários da parcela de terreno localizado no actual número policiai 8 da [Rua(1)] porque o extracto da descrição predial nº XXXX fazia referência aos números policiais 8 e 10 da [Rua(1)] (resposta ao quesito 45º da base instrutória).
- O que consta da resposta ao quesito 39º (resposta ao quesito 46º da base instrutória).
- Em 22 de Junho de 2010, o 1º Réu outorgou com a 2ª Ré um contrato-promessa que tinha por objecto a compra e venda de um terreno identificado como nºs 8 e 10 da [Rua(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX (resposta ao quesito 50º da base instrutória).
- No dia de outorga desse contrato-promessa, o 1º Réu recebeu da 2ª Ré, a título de sinal a quantia de HK$2.500.000,00, ficando acordado que os remanescentes HK$5.000.000,00 seriam pagos de uma vez só aquando da outorga pelo 1º Réu da compra e venda ou da procuração com poderes especiais a favor da 2ª Ré relativamente ao terreno referido na resposta ao quesito 50º no prazo de 60 dias a contar a partir da outorga do contrato-promessa (resposta ao quesito 51º da base instrutória).
- Em 23 de Agosto de 2010, o 1º Réu outorgou uma procuração com poderes especiais a favor da 2ª Ré relativamente ao do terreno referido na resposta ao quesito 50º (resposta ao quesito 52º da base instrutória).
- A dita procuração continha os poderes para a gestão em geral, a venda do terreno em causa, a cobrança de quantias e sinal, a apresentação à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transporte de anteprojectos, projectos, plantas e licenças, e a pratica de negócio jurídico consigo mesmo relativamente a tal terreno (resposta ao quesito 53º da base instrutória)”; (cfr., fls. 1459 a 1465-v e 1861-v a 1864-v).

Do direito

3. Como se colhe do que se deixou relatado, o presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que, (como se viu), entendeu – em síntese – que a factualidade dada como provada pelo Tribunal Judicial de Base padecia de deficiência e obscuridade, e, assim, ordenou a realização de novo julgamento para a sua clarificação e nova decisão.

Em face do que pela A., ora recorrente, vem alegado, pedindo que se “ordene a baixa dos autos ao TSI para que, com base na matéria de facto dada por assente em primeira instância pelo tribunal colectivo, e nos elementos probatórios constantes dos autos, julgue os recursos interpostos pela Autora e 1.° Réu da sentença proferida em primeira instância, mantendo-se inalterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, (…)”, (cfr., fls. 1938-v e 1939), vejamos que solução adoptar.

Pois bem, como atrás já se fez referência, (e vale a pena recordar), da sentença pela Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base proferida foram interpostos 2 recursos.

Um, pela A., pedindo a “procedência dos pedidos deduzidos nas alíneas a), b) e c) da sua petição inicial”, e, o outro, pelo 1° R., no qual “impugnava a decisão da matéria de facto do Tribunal Judicial de Base”, imputando, ainda, à sentença proferida, “nulidades” várias.

Começando – e bem – por apreciar o recurso pelo 1° R. interposto, concluiu o Tribunal de Segunda Instância que os “dados constantes dos autos não permitiam ultrapassar as dúvidas verificadas quanto às áreas concretas de cada um dos prédios em litígio, às suas concretas confrontações, estando, ou não, definidas as suas demarcações, desconhecendo-se quem detinha o poder de facto sobre cada um dos prédios”, e, na sequência de uma “inspecção judicial” levada a cabo, (para averiguar as áreas de cada prédio, cfr., fls. 1831 a 1831-v), entendeu o Tribunal de Segunda Instância que existia “erro na matéria de facto”, considerando que a “realidade jurídica definida pelo Tribunal recorrido não estaria conforme com a realidade física”.

Nesta conformidade, e considerando estar-se numa “situação de ausência de elementos suficientes nos autos para ultrapassar tais dúvidas”, recorreu ao mecanismo previsto no art. 629° do C.P.C.M., (principalmente do seu n.° 4), anulando – oficiosamente – o julgamento (sobre a matéria de facto) efectuado por deficiência e obscuridade, decretando a devolução dos autos ao Tribunal Judicial de Base para aí se repetir o julgamento, “com a realização das diligências pertinentes, nomeadamente, a de recorrer ao apoio dos técnicos da D.S.C.C. para tirar a medida exacta dos prédios em causa e reformular as respostas dos quesitos impugnados pelos recorrentes (…), e eventualmente proferir decisão outras matérias viciadas (…) e decidir o litígio em conformidade”; (cfr., fls. 1880).

Insurgindo-se contra o assim decidido, e atento o que na sua peça recursória vem alegado, diz, (essencialmente), a A., ora recorrente que:
- o Tribunal de Segunda Instância fez uma errada aplicação do art. 629°, n.° 4 do C.P.C.M., (já que constam do processo todos os elementos probatórios necessários para se proceder a uma apreciação e decisão sobre a factualidade objecto de decisão do Tribunal Judicial de Base); e, (subsidiariamente), que,
- julgando-se legítimo o uso do poder de anulação ao abrigo do n.° 3 do art. 629°, ilegal seria (também) a ordenada “renovação da prova” porque (na mesma) não existia qualquer insuficiência de elementos probatórios no processo, não havendo erro de julgamento ou qualquer obscuridade, nenhum valor (certificativo) se podendo igualmente atribuir à “inspecção” ao local feita pelo Tribunal de Segunda Instância; considerando, ainda, que,
- o Acórdão recorrido “viola as regras sobre o valor da prova vinculada”, (cfr., art. 25°do Código do Registo Predial, art°s 1° e 4° do Decreto-Lei n.° 3/94/M);
- sendo, também, “nulo por falta de fundamentação”.

–– Ora, sem prejuízo do muito respeito por diferente opinião, apresenta-se-nos desde já adequada a seguinte nota para dizer que não se vislumbra qualquer “violação de prova vinculada” e/ou “nulidade por falta de fundamentação”.

Com efeito, e como cremos que de forma clara resulta do que se deixou relatado, o Tribunal de Segunda Instância não “alterou qualquer resposta aos quesitos da base instrutória”, não tendo deixado de justificar, (expressamente), a sua decisão, considerando aquelas respostas “deficiências” e “obscuras”.

Assim, evidente se apresenta que, relativamente a estas “duas questões”, inviável é reconhecer qualquer razão a A., ora recorrente.

–– E, então, continuando, importa (agora) saber se, podia o Tribunal de Segunda Instância anular o julgamento nos termos do art. 629°, n.° 4 do C.P.C.M., como, in casu, entendeu decidir.

Vejamos.

Se bem ajuizamos, (e simplificando), cabe consignar desde já que todo o “problema” dos presentes autos resume-se à questão de saber se o prédio identificado com o actual “número (policial) 8” da [Rua(1)], deve, ou não, ser considerado “parte integrante” da descrição predial sob o n.° XXXX, que diz respeito a um prédio titulado pelo 1° R., (precisamente com o n.° XXXX), ou se, pelo contrário, deve ser considerado “parte integrante” das (duplicadas) descrições prediais sob os n°s XXX e XXXX, (prédios n°s 698 e 1147), a favor da A., ora recorrente, efectuadas.

Em resultado da realizada audiência de discussão e julgamento (sobre a matéria de facto), concluiu o Tribunal Judicial de Base que o dito prédio identificado com actual “número policial 8” da [Rua(1)] não fazia parte do prédio n.° XXXX do 1° R., fazendo antes parte do prédio n.° XXX.

E, nesta conformidade, (e abreviando), apesar de considerar que provada tinha ficado a grande maioria dos factos pela A. alegados, entendeu que existia “um obstáculo que impede que se julguem procedentes os pedidos principais nos termos formulados pela Autora”, assim justificando esta solução:
“É que a existência dos citados problemas nessas descrições prediais (os de as descrições prediais n.ºs XXX e XXXX se referirem a um mesmo prédio de que fazem parte as parcelas de terreno identificadas com os actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] e o de a descrição predial n.º XXXX se referir a um prédio que corresponde apenas à parcela de terreno identificada com o actual número policial 10 da [Rua(1)]) não tem qualquer apoio nas duas plantas cadastrais definitivas dos prédios descritos sob os n.ºs XXX e XXXX juntas respectivamente a fls. 24 a 25 e 318 a 319. (…)
Assim, apesar de estar apurado nos presentes autos que as descrições prediais em questão não correspondem à situação actual dos prédios descritos, na ausência de plantas cadastrais provisórias ou definitivas onde transparece essa realidade, não se pode ordenar as alterações dos registos prediais como pretende a Autora”, (cfr., fls. 1467-v e 1468-v), desta forma acabando por julgar improcedentes os 3 primeiros pedidos principais – constantes das alíneas a), b) e c) – pela A. formulados, declarando-se, tão só, a mesma “titular da parcela de terreno com o n.º 6 da [Rua(1)], identificada na planta cadastral junta aos autos a fls. 24 e 25, e a da parcela de terreno com o n.º 8 da [Rua(1)], identificada como parcela A na planta junta aos autos a fls. 27 a 28, tendo as duas parcelas em conjunto a área total de 181m2 e as seguintes confrontações: (…)”; (cfr., fls. 1475).

Isto dito, quid iuris?

Ora, ponderando no que se deixou relatado quanto ao entendido e decidido, mostra-se-nos de consignar que não se acompanha o Tribunal recorrido quando no Acórdão ora impugnado se considera que o que se discute “essencialmente nestes autos é a área concreta que cada um dos prédios em causa (espaço físico) e não tanto o número policial”, (cfr., fls. 1870-v), pois que não se nos apresenta (especialmente) relevante apurar a “dimensão específica de cada prédio” – tratando-se aqui os n°s 6 e 8 da [Rua(1)] como “prédios distintos”, o que não corresponde à verdade; cfr., as respostas aos quesitos 2°, 3° e 5° da base instrutória – até mesmo porque as partes em litígio dos presentes autos estão (perfeitamente) cientes de quais as (concretas) “parcelas” que estão em discussão, independentemente, (é certo), do maior ou menor acerto da documentação oficial em relação às suas exactas dimensões quando consideradas no seu conjunto.

Na verdade, e inversamente ao que parece transparecer do Acórdão recorrido, o – verdadeiro – problema reside, tão só, no facto de o “prédio n.° XXX” dever incluir tanto a parcela de terreno correspondente ao “número policial 6”, como a parcela de terreno correspondente ao “número policial 8” (da [Rua(1)]), não se devendo considerar (estas “parcelas”) como “prédios separados”; (cfr., fls. 1422 e 1466-v).

Porém, a falta de actualização das “descrições”, originou, (infelizmente), a situação (e confusão) já descrita.

Assim, e feito este – esperemos nós – esclarecimento, e voltando-se então à questão de saber se o Tribunal recorrido fez boa aplicação do art. 629° do C.P.C.M., vejamos.

Prescreve este art. 629° do C.P.C.M. que:

“1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, o Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.
3. O Tribunal de Segunda Instância pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto objecto da decisão impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na primeira instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode o Tribunal de Segunda Instância anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode o Tribunal de Segunda Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou escritos ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limita-se a justificar a razão da impossibilidade”.

Atento o assim preceituado, (e claro nos parecendo que pode esta Instância conhecer da questão), importa não olvidar que “O julgamento da matéria de facto constitui o principal objectivo do processo civil declaratório, tendo em conta que é da matéria provada e não provada que depende o resultado da acção”, sendo, igualmente, de se ter presente que “A decisão da matéria de facto pode apresentar diversas patologias. Umas poderão ser solucionadas de imediato pela Relação; outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento”; (cfr., v.g., António Abrantes Geraldes in, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 3ª ed., 2010, pág. 308 e 329).

Assim, a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto pode, desde logo, ser, (efectivamente), “deficiente”, “obscura” ou “contraditória”.

A “deficiência” na decisão sobre um determinado ponto da matéria de facto verifica-se quando “o tribunal deixou de decidir algum facto sobre que se formulara o quesito”.
A “obscuridade” ocorre quando “o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode determinar-se com segurança”.
E a “contradição”, surge sempre que “a resposta ou respostas dadas a um quesito colidem com as dadas a outro ou outros”; (cfr., v.g., José Alberto dos Reis in, “C.P.C. Anotado”, Vol. IV, 1981, pág. 553, ou como se aponta na jurisprudência comparada, “As respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. São obscuras quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança. São deficientes quando aquilo a que se respondeu não responde a tudo quanto foi quesitado”, in Ac. do S.T.J. de 04.02.1997, Proc. n.° 458/96).

Assim, “verificado algum dos vícios referidos, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los imediatamente desde que constem do processo todos os elementos em que o tribunal a quo se fundou”; (cfr., v.g., António Abrantes Geraldes in, ob. cit., pág. 332).

Não constando dos autos todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto conforme essa se formou perante o Tribunal recorrido, pode o Tribunal de Recurso, neste caso, o Tribunal de Segunda Instância, proceder à “anulação, mesmo a título oficioso, da decisão proferida em 1.ª instância. Este poder de anulação pode ser exercido quando a Relação considere “deficiente, obscura ou contraditória” a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto. Idêntica faculdade cabe quando se considere indispensável a ampliação da matéria de facto. Nestes casos, o tribunal da Relação limita-se a cassar a decisão recorrida e a ordenar a repetição do julgamento, muito embora a repetição não abranja a parte da decisão não afectada pelo vício (…).
Para manter a coerência lógica da decisão, o tribunal de 1.ª instância, ao qual é reenviado o processo, pode “ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão (…)”; (cfr., v.g., José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes in, “C.P.C. Anotado”, Vol. 3°, Tomo 1, 2ª ed., pág. 125, podendo-se também sobre o tema ver Carlos Lopes do Rego in, “Comentários ao C.P.C.”, 1999, pág. 485 e 486, e o Ac. do S.T.J. de 17.10.2019, Proc. n.° 3901/15).

Determinado que deste modo nos parece ter ficado o “alcance” da norma legal contida no art. 629°, n.° 4 do C.P.C.M., cabe então apreciar se o Tribunal de Segunda Instância exerceu o poder de anulação do julgamento sobre a matéria de facto dentro dos “condicionalismos” ali previstos.

Ora, tem a decisão recorrida em questão o seguinte teor:

“O 1.º Réu/Recorrente, B, veio a impugnar a matéria de facto, atacando as respostas dadas pelo Colectivo aos seguintes quesitos (por ordem e por grupo indicados pelo próprio Recorrente/1.º Réu):
- 2.º a 6.º, e 13.º quesitos;
- 10.º e 29.º quesitos;
- 19.º, 20.º e 21.º quesitos;
- 22.º, 23.º e 24.º quesitos;
- 25.º e 26.º quesitos;
- 27.º e 30.º quesitos;
- 42.º, 43.º e 45.º (todos estes receberam RESPOSTAS POSITIVAS); enquanto os seguintes receberam respostas NEGATIVAS:
- 40.º e 44.º quesitos;
- 46.º, 47.º e 48.º quesitos.
(…)
Duas notas prévias sobre o recurso do Recorrente/1.º Réu:
(…)
2) – Falta a indicação concreta, em relação a cada um dos quesitos/resposta impugnado(a), da resposta (ou respostas) que pretenderia obter, a fim de evitar os alegados erros de julgamento de factos.
(…)
No caso, o Recorrente/1.º Réu defende nuclearmente o seguinte:
- As descrições prediais n.º XXX e XXXX referem-se a prédios distintos, foram abertas em datas diferentes e referiam à venda para o mesmo sujeito;
- Tais descrições referentes ao n.º 6 da [Rua(1)] provavelmente reportam-se aos prédios diferentes;
- A Autora nunca adquiriu o prédio sob descrição XXXX, que está registado em nome de D;
- Entende que não há duplicação na descrição do prédio 6;
- As plantas constantes de fls. 26 e 27 dos autos não têm valor probatório, na medida em que foram elaboradas com informações fornecidas pela Autora;
- Não existem documentos oficiais que mencionam a existência dos prédios n.º 6-8 com área 180 metros quadrados.
Que oferecemos a dizer?
(…)
Como os Recorrentes vieram neste recurso impugnar a matéria de facto, e os dados constantes dos autos não nos permite esclarecer todas as dúvidas existentes, nomeadamente as seguintes:
- Qual é a área concreta de cada um dos prédios em discussão?
- Quais são as confrontações concretas de cada um dos prédios?
- Os prédios têm ou não demarcações mais ou menos definidas?
- Quem é que tem o poder de facto actualmente sobre cada um dos prédios em causa?
- Qual a área concreta do prédio sobre o qual a Autora pretende usucapir mediante a presente acção (porque a sentença recorrida não a diz expressamente, limitando-se a dizer a área total dos prédios n.º 6-8, sendo o n.º 6 já está registado em nome da Autora)?
(…)
A fim de esclarecer as dúvidas subsistentes, ao abrigo do disposto no artigo 619.º/1-a), conjugado com os artigos 6.º/3 e 513.º, todos do CPC, foi feita em 15/04/2020, pelas 15H45, uma inspecção ao local, com a presença dos mandatários das verdadeiras partes do processo, verificando-se e certificando-se o seguinte:
- Entre os 3 prédios em discussão existem paredes divisórias, o que permite ver mais ou menos o espaço de cada um deles;
- Foram tiradas medidas ao espaço em causa por funcionário de justiça, a conclusão é:
- O alegado prédio n.º 6 tem 77 metros quadrados;
- O alegado prédio n.º 8 (que está no meio dos outros dois prédios) tem 72 metros quadrados;
- O alegado prédio n.º 10 (único prédio sem tecto) tem 54 metros quadrados.
(Obs. Estas medidas não são rigorosamente exactas, mas não deixam de ter valor de referência).
- Feitas as contas, a área total dos 3 prédios em causa tem 203.81 metros quadrados aproximadamente!
- conforme o facto provado (alínea f) dos Factos assentes), a área dos prédios n.º 6-8 tem 181 metros quadrados, e a área do prédio n.º 10 tem 137 metros quadrados (fls. 27 e 28). O total da área devia ser 318 metros quadrados! O que demonstra claramente que há erro nos factos, ou seja, a realidade jurídica definida pelo Tribunal recorrido não está conforme com a realidade física!!
- Por outro lado, como é um processo de usucapião, importa saber qual o espaço físico sobre o qual a Autora da usucapião tem vindo a exercer o seu poder de facto e, nesta óptica, parece que o ambiente físico permite ter respostas mais claras, porque são matérias que mexem com as confrontações geográficas dos prédios em discussão.
- Depois, o prédio n.º 6 já se encontra registado em nome da Autora, apesar de a descrição predial não mencionar a sua área, omissão esta que deveria ser suprida nesta acção para saber qual a área do prédio (n.º 8) que a Autora pretende usacapir! Não pode nem deve tal como a sentença fez declarando apenas a área global dos 2 prédios (e que é errada a medida, pois não se sabe onde estão tal área de 181 metros quadrados), devendo separar a área do prédio n.º 6 e a do n.º 8!
Obviamente os dados recolhidos na inspecção local não servem como factos assentes para tomar decisão final, mas têm o valor certificativo de que alguns factos dados como assentes pelo Tribunal recorrido, impugnados pelas partes, não correspondem à realidade física, aspectos inverídicos estes que devem ser endireitados em sede própria.
Nestes termos, como os autos não fornecem elementos todos para ultrapassar as dúvidas, não resta outra via senão a de recorrer ao mecanismo previsto no artigo 629.º (principalmente o seu n.º 4) do CPC, que manda:
(…)
Pelo expendido, há-de anular o julgamento dos factos por deficiência e obscuridade dos mesmos e mandar os autos para o TJB para repetir o julgamento, com a realização das diligências pertinentes, nomeadamente a de recorrer ao apoio dos técnicos da DSCC para tirar a medida exacta dos prédios em causa e depois reformular as respostas dos quesitos impugnados pelos Recorrentes neste recurso e eventualmente outras matérias viciadas (artigo 629.º/4 do CPC) e proferir a respectiva decisão final em conformidade.
Síntese conclusiva:
I – Quando a descrição do registo predial menciona que um determinado prédio (com o n.º 6) tem a área de 180 metros quadrados, enquanto o Tribunal recorrido fixou como facto assente a área de 181 metros quadrados dos prédios com os n.º 6 e 8 da mesma rua (objecto sobre o qual incide o pedido da usucapião), mas, em sede de inspecção ao local, verifica-se que a área dos 2 prédios contíguos tem 149 metros quadrados, há, assim, erro no julgamento de factos, porque a realidade jurídica não corresponde à realidade física dos prédios em discussão.
II – Quando o Réu invocou que a área de um terreno conexo com os prédios mencionados na alínea I) tem uma área de 137 metros quadrados, sem que o registo predial mencionasse a respectiva área, nem a escritura pública da aquisição por ele outorgada a mencionava, mas, em sede de diligência da inspecção local, toda a área do prédio indicado pelo Réu tem apenas 126 metros quadrados, existe um outro erro no julgamento de facto.
(…)
IV – Quando a realidade jurídica definida pelo Tribunal recorrido não está conforme com a realidade física dos prédios em causa, é razão bastante para anular o julgamento de factos e mandar repetir o mesmo a fim de eliminar a matéria fáctica viciada ao abrigo do disposto no artigo 629.º/4 do CPC.
V – Se, em relação a dois prédios contíguos, um já se encontra registado em nome da Autora, outro, objecto de usucapião, omite a sua área ao nível do registo predial, e, no caso de o Tribunal vir a julgar procedente o pedido da usucapião, deve indicar a área do prédio usucapido, e não declarar a área total dos dois prédios em causa, dada a natureza diferente dos mesmos em causa.
(…)”; (cfr., fls. 1866-v a 1879-v, pág. 66 a 92 do Ac. recorrido).

Do exposto resulta que o Tribunal de Segunda Instância considerou, por um lado, que os factos eram “deficientes” e/ou “obscuros”, e, por outro, que os “elementos constantes dos autos não permitiam resolver tais deficiências ou obscuridades”.

E, nesta conformidade, aqui chegados, afigura-se que a com decisão recorrida não se fez uma adequada aplicação do art. 629°, n.° 4 do C.P.C.M..

Desde logo, (e antes de mais), temos para nós que atento o próprio teor da decisão recorrida, fácil não é, (não nos sendo mesmo possível), descortinar e identificar – com precisão – quais os (concretos) “pontos da matéria de facto” que padecem de “deficiência” ou “obscuridade”, (situação que, infelizmente, e não obstante o “pedido de aclaração” apresentado e sua decisão se manteve; cfr., fls. 1884 a 1885 e 1894 a 1986).

Com efeito, a dado passo do Acórdão recorrido diz-se que “Conforme o facto provado (alínea f) dos Factos assentes), a área dos prédios n.º 6-8 tem 181 metros quadrados, e a área do prédio n.º 10 tem 137 metros quadrados (fls. 27 e 28). O total da área devia ser 318 metros quadrados! O que demonstra claramente que há erro nos factos, ou seja, a realidade jurídica definida pelo Tribunal recorrido não está conforme com a realidade física!!”; (cfr., fls. 1877-v, pág. 88 do Ac. recorrido).

Porém, na dita “alínea f)” dos factos assentes apenas se diz que: “Segundo o teor da descrição n.º XXX, o imóvel em apreço é foreiro ao Território de Macau, conforme inscrição n.º XXXXX, lavrada a fls. XXX do livro FXXK (fls. 46)”.

Admitindo-se que se trate de um lapso, e que se estivesse a querer fazer referência à resposta ao “quesito 5°” – onde se consignou que “As parcelas de terreno localizadas nos actuais números policiais 6 e 8 da [Rua(1)] têm a área total de 181 m2, a qual corresponde à soma da área da parcela de terreno identificada na planta cadastral junta a fls. 24 a 25 e da área da parcela de terreno A identificado na planta cadastral junta a fls. 27 e 28”, e, quiçá, à matéria dos quesitos 1° a 13° e 29° da base instrutória – a verdade é que, (mesmo após cuidada análise), não se vislumbra de que facto dado por assente ou provado na sequência da audiência de julgamento em 1ª Instância se retira que: “a área do prédio n.º 10 tem 137 metros quadrados, (fls. 27 e 28)”, até porque a se fazer fé nos documentos de fls. 27 e 28, o prédio n.° 10 terá 94m2, (cfr., fls. 1421, sendo ainda de se salientar que a dita área dos tais 137m2 apenas se consegue extrair da planta cadastral de fls. 318 e 319).

E, dest’arte, (independentemente do demais), cremos que a verdade é que o Tribunal de Segunda Instância tinha ao seu dispor “todos os elementos probatórios” nos quais se apoiou o Tribunal Judicial de Base para a sua convicção e decisão, sendo-lhe, desta forma, inteiramente possível efectuar a pretendida “reapreciação da matéria de facto”, não se verificando assim o necessário condicionalismo legal imposto pelo art. 629°, n.° 4 para a decretada anulação, (ainda que parcial), da decisão do Tribunal Judicial de Base, (com a consequente repetição do julgamento efectuado).

É, aliás, isso que resulta do que se nos mostra constituir a posição maioritária da (boa) doutrina sobre a questão: “Verificado algum dos vícios referidos, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los imediatamente desde que constem do processo todos os elementos em que o tribunal a quo se fundou”; (cfr., v.g., António Abrantes Geraldes in, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 3ª ed., 2010, pág. 332).

Contudo, não se pode perder de vista, (valendo mesmo a pena atentar), que a referida “anulação” apenas deve ocorrer em situações (muito) “excepcionais” e “residuais”; (cfr., v.g., Carlos Lopes do Rego in, “Comentários ao C.P.C.”, 1999, pág. 485 e 486).

Por sua vez, é também certo que nos termos art. 619°, n.° 1, al. a) do C.P.C.M.:

“1. O juiz a quem o processo for distribuído fica sendo o relator, competindo-lhe assegurar todos os seus termos até final, designadamente:
a) Ordenar a realização das diligências que considere necessárias;
(…)”.

Porém, se bem ajuizamos, (como nos parece ser o caso), tal “poder (de direcção) em sede de um recurso”, não pode (ou deve) envolver, sem colocar em causa a função (e vocação própria) de um “Tribunal de revisão” (ou de “correcção” das decisões da 1ª Instância), uma discricionária recolha – e produção – de “novos elementos probatórios”, (fora dos estritos condicionalismos legais, como, v.g., é o que sucede com o previsto no art. 616° do C.P.C.M.).

Em suma, e sem prejuízo do muito respeito por melhor opinião, incorreu-se no Acórdão recorrido em inadequada aplicação do art. 629°, n.° 4 do C.P.C.M., sendo assim procedente a impugnação pela ora recorrente efectuada a este respeito, devendo o processo voltar ao Tribunal de Segunda Instância para, em conformidade com os poderes que lhe são legalmente conferidos, e outro motivo não obstando, apreciar a decisão da matéria de facto com base nos elementos probatórios existentes aos autos, proferindo, seguidamente, nova decisão sobre os recursos apresentados da sentença do Tribunal Judicial de Base, (notando-se, também, que ainda que se encarasse uma eventual possibilidade de se julgar legítimo o uso do poder de anulação, o mesmo não deixa de pressupor, igualmente, uma “insuficiência de elementos probatórios no processo” ou um “erro de julgamento” ou “obscuridade”, o que, em nossa opinião, e como se deixou adiantado, não se verifica, até porque as “parcelas” de terreno em questão estão claramente identificadas, incluindo as suas confrontações – cfr., respostas aos quesitos 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 12°, 14°, 15° da base instrutória, retirando-se também da dita matéria de facto que a “descrição n.° XXXX” não engloba o “actual n.° 8” da [Rua(1)]).

Dest’arte, imperativa é a deliberação que segue.

Decisão

4. Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordam conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida nos exactos termos consignados.

Custas pelos recorridos.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.S.I. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 08 de Setembro de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 196/2020 Pág. 28

Proc. 196/2020 Pág. 27