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Processo nº 298/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 22 de Fevereiro de 2024

ASSUNTO:
- Recurso contencioso
- Acto Administrativo
- Irrecorribilidade do acto Recorrido

SUMÁRIO:
- O funcionário que perfaça 18 meses de faltas por doença e com mais de 15 anos de serviço, nos termos do nº 1 do artº 106º e nº 1 do artº 107º ambos do ETAPM é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação;
- Sendo a aposentação prevista naquela norma um acto vinculado na data em que se encontram preenchidos os respectivos pressupostos aquela opera “ex legis”;
- A pronúncia da Entidade Recorrida neste caso não corresponde a um acto administrativo de indeferimento, mas a uma mera actuação de recusa de reconhecimento de um direito ou de um interesse legalmente protegido cuja tutela contenciosa deve operar através da acção prevista no artº 100º do CPAC;
- Tal actuação da Administração mais não é do a sua opinião quanto à verificação dos pressupostos legais da desligação do serviço, pelo que não constitui um verdadeiro acto administrativo, no sentido do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ou seja, no sentido de constituir uma decisão unilateral produtora de efeitos jurídicos que se impõem autoritariamente;
- A falta de objecto do recurso contencioso tem por consequência a absolvição da Entidade Recorrida da instância (artigo 46.º, n.º 2, alínea b) do CPAC e 412.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).


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Rui Pereira Ribeiro







Processo nº 298/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 22 de Fevereiro de 2024
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 07.03.2023 que rejeitou o recurso hierárquico interposto pelo Recorrente e confirmou a decisão de indeferir a instrução de processo de aposentação, formulando as seguintes conclusões:
a) No presente caso, o despacho recorrido rejeitou o recurso hierárquico necessário do recorrente contencioso e sustentou a decisão de indeferimento da instrução do processo de aposentação, invocando que as faltas por doença do recorrente não tinham atingido o limite máximo previsto pelo art.º 106.º, n.º 1 e n.º 2 do ETAPM, com o fundamento principal no parecer da Junta de Saúde que não lhe tinha confirmado como justificadas as faltas por doença de 17/05/2019 a 01/09/2020, propondo-lhe o regresso ao serviço.
b) O recorrente, porém, pensa que o despacho recorrido violou evidentemente os casos julgados pelo TSI e pelo TUI.
c) Na realidade, tal como quanto confirmado pelo CPSP, de 05/07/2018 a 01/09/2020, o recorrente, estando doente e seguindo o conselho do médico, precisava de ser tratado e tinha que descansar. Apresentou um total de 104 atestados médicos, correspondentes a um total de 732 dias de falta por doença (vd. a carta n.º 201071/DRHDGR/2022P do Chefe do Departamento de Gestão de Recursos do CPSP dentro dos autos administrativos).
d) Resulta dos autos que as faltas por doença de 05/07/2018 a 16/05/2019 foram confirmadas como justificadas por doença pela Junta de Saúde, enquanto as de 17/05/2019 a 01/09/2020 não foram confirmadas como justificadas. Antes a entidade aplicou ao recorrente a demissão pelas suas faltas não confirmadas de 01/05 a 12/09/2019.
e) A demissão foi anulada pelo acórdão do TSI (n.º 10/2021, vd. o anexo 2). Tal acórdão foi depois confirmado pelo TUI (processo n.º 42/2022, vd. o anexo 3). As decisões já transitaram em julgado (vd. o anexo 4). As faltas por doença não confirmadas acabaram por ficar confirmadas como justificadas por doença.
f) No entanto, segundo o despacho recorrido, o recorrente preencheria os requisitos para desligação do serviço para efeitos de aposentação apenas “se tivesse atingido o prazo legal de faltas por doença concedidas pela Junta de Saúde por considerá-lo inidóneo para o serviço”. E com base nas propostas da Junta feitas ao recorrente a 17/05/2019 e a 12/07/2019 de regressar ao serviço e na não confirmação das faltas de 17/05/2019 a 01/09/2020, indeferiu o pedido do recorrente.
g) Aqui deve-se contestar. Quanto às faltas por doença não confirmadas pela Junta de Saúde, já se procedeu à análise no caso de demissão aplicado ao recorrente, no qual se apontava sobretudo que o parecer da Junta de Saúde, não sendo “acto administrativo”, só depois da confirmação do parecer da Junta pelo Director dos SS e da notificação do recorrente é que o seu não regresso ao trabalho teria constituído “falta não justificada”. Senão, como ele submetia atestados médicos com constância, é de considerar as faltas como “justificadas” (vd. acima nos pontos 14) e 16)).
h) Obviamente, segundo os casos julgados em questão, os pareceres da Junta de Saúde, incluindo a proposta ao recorrente do regresso ao serviço e a não confirmação das faltas por doença, não produzem qualquer efeito para com o recorrente, nem podem servir de fundamento para indeferir a aposentação obrigatória ao recorrente.
i) Seja como for, nos termos do art.º 7.º, n.º 4 do CC, as decisões dos tribunais prevalecem obviamente sobre a apreciação da Junta de Saúde. A entidade recorrida, por sua vez, devia ter tomar em conta sobretudo o enquadramento de factos ponderados e apreciados e as regras legais referidos nos casos julgados, ou seja, o parecer da Junta de Saúde, de per sé não é acto administrativo. Na falta da notificação do acto confirmatório do Director dos SS ao recorrente, o parecer da Junta de Saúde não é vinculativo. sendo assim, as suas faltas uma vez não confirmadas, com boas razões, deviam ter sido confirmadas como justificadas por doença
j) De facto, o CPSP confirmou de novo ao recorrente as suas faltas por doença de 17/05/2019 a 19/11/2020 e notificou os departamentos competentes para computarem e pagarem-lhe o vencimento e subsídios referentes ao período (vd. acima o facto 19) e o anexo 5). Segundo os SAFP, quanto às faltas por doença do recorrente, são as decisões dos tribunais que prevalecem e se deve proceder obrigatoriamente conforme quanto lá decidido. A Junta de Saúde, de resto, também considerava ociosos novos exames do recorrente, dada a existência das decisões dos tribunais (vd. os factos acima referidos nos pontos 22) e 23)).
k) O despacho recorrido, porém, continuava a julgar o caso do recorrente não correspondente ao prazo máximo legal de faltas por doença estabelecido no ETAPM com base no parecer da Junta de Saúde que os tribunais já tinham julgado como privado de força vinculativa, rejeitando assim o recurso hierárquico necessário do recorrente contencioso. Citando fundamentos obviamente contraditórios aos casos julgados (os acórdãos n.º 42/2022 do TUI e 10/2021 do TSI pelo TUI confirmado) e tirando conclusões igualmente em contraste com os mesmos, enferma do vício de nulidade previsto pelo art.º 122.º, n.º 2, alínea h) do CPA.
l) Discordando-se do acima referido, o despacho, contudo, enferma do vício previsto pelo art.º 174.º do CPAC. Então é anulável. O artigo prevê que a Administração deve cumprir as decisões judiciais, atribuindo à Administração, sobretudo, “o dever de encontrar todas as consequências jurídicas da anulação do acto administrativo, ou seja, a obrigação jurídica de executar a sentença.” (vd. o acórdão n.º 1153/A do TSI)
m) Tal como referido acima nos pontos 14) e 16), no processo sobre a demissão aplicada ao recorrente, já se apreciou o parecer da Junta de Saúde de não ter confirmado ao recorrente as faltas por doença. Aquando da decisão tomada pela entidade recorrida sobre a instrução do processo de aposentação, a sentença transitada em julgado, sendo também mandatária, devia ter sida cumprida.
n) Portanto, para executar o efeito do acórdão do TUI, as faltas por doença do recorrente de 17/05/2019 a 01/09/2020 que antes não tinham sido confirmadas pela Junta de Saúde deviam ter sido confirmadas como justificadas. Não tem força vinculativa o parecer da Junta de Saúde que julgava o recorrente idóneo ao regresso ao serviço e que não lhe confirmou as faltas. A tal respeito, tanto os SS como os SAFP concordam que acerca das faltas por doença do recorrente, é de proceder à execução segundo o teor das decisões, sem necessidade de novos exames por parte da Junta de Saúde (vd. acima os pontos 22) e 23)).
o) Com base no acima referido, o despacho recorrido, que indeferiu a instrução do processo de aposentação, rejeitando assim o recurso hierárquico do recorrente contencioso, resultou evidentemente da falta de cumprimento rigorosa dos casos julgados acima citados. Pela ofensa do art.º 174.º do CPAC, é anulável nos termos do art.º 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC.
p) Discordando-se do acima exposto, seja como for, o despacho recorrido enferma do vício de apreciação de facto errónea e violou o art.º 105.º, n.º 3 e n.º 7, o art.º 106.º, n.º 1 e n.º 2, o art.º 107.º, n.º 1, alínea a) e o art.º 262, n.º 1, alínea b) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, pelo que é anulável.
q) Em primeiro lugar, a doença que o recorrente contraiu não foi as mencionadas no art.º 105.º, n.º 4 por remissão do art.º 106.º, n.º 2. Então, o art.º 106.º, n.º 2 do ETAPM citado no despacho recorrido não se aplica ao presente caso. No caso em apreço, a contestação consiste em se o recorrente já passou o limite máximo de faltas por doença previsto pelo art.º 106.º, n.º 1.
r) É de indicar o seguinte. Segundo os pareceres da Junta de Saúde de a 17/05/2019 e de 12/07/2019, já se propôs ao recorrente o regresso ao serviço e não se lhe confirmou as faltas por doença. No entanto, não comunicaram o recorrente oportunamente do acto confirmativo do parecer praticado pelo Director dos SS nos termos do art.º 105.º, n.º 7 do ETAPM. Tal como no caso relativo à decisão sobre a demissão, tanto o TSI como o TUI deram por assente que assim o parecer da Junta de Saúde não era vinculativo (cf. o referido atrás nos pontos 14) – 18)).
s) Analogamente, para além da conclusão sobre as faltas injustificadas, nem a proposta feita pela Junta de Saúde ao recorrente de regressar ao serviço é capaz de produzir efeito para o recorrente.
t) No entanto, quanto à aplicação do art.º 106.º, n.º 1 e do art.º 105.º, n.º 3 do ETAPM, parece que segundo o despacho recorrido, apesar dos casos julgados pelos tribunais com a indicação da falta de força vinculativa do parecer da Junta de Saúde para com o recorrente, e segundo os quais é de considerar como justificadas as faltas por doença não confirmadas pela Junta, ao determinar se o recorrente preenche o requisito para a aposentação obrigatória, sempre julgou com base no parecer daquela Junta.
u) É obviamente errada a aplicação dos preceitos jurídicos no despacho recorrido. Ao presente caso sempre são aplicáveis a análise feita nas decisões judiciais acima referidas e as respectivas fundamentações. Por exemplo, segundo os pareceres dos SAFP e dos SS, seriam ociosos novos exames do recorrente pela Junta e a execução das decisões judiciais não carecia de novos pareceres da Junta (vd. os factos acima referidas nos pontos 22) e 23)). Ou seja, depois do proferimento das decisões dos tribunais sobre a demissão, não era possível nem necessário obter novos pareceres da Junta de Saúde sobre a idoneidade ou não do recorrente ao serviço durante as faltas por doença ou apreciar se confirmar as faltas ou não.
v) Portanto, na aplicação do art.º 105.º, n.º 3 e do art.º 106.º, n.º 1 do ETAPM ao presente caso para determinar se as faltas por doença do recorrente já atingiram o limite máximo legal, não é o parecer da Junta de Saúde que deve prevalecer, antes sim os casos julgados pelos tribunais. Senão as decisões judiciais perderiam todo o sentido.
w) O despacho recorrido, com base no parecer da Junta de saúde, apreciou obviamente mal os factos e aplicou erradamente os preceitos legais pois entendia que as suas faltas por doença ainda não tinham atingido o limite legal. Senão, executando-se as decisões dos tribunais, consideram-se como justificadas por doença as faltas do recorrente (vd. o referido acima no ponto 19)), só para ao mesmo tempo, com base no parecer da Junta de Saúde, julgar o recorrente idóneo para o regresso ao serviço naquele período, não confirmando-se-lhe as faltas por doença, cometer-se-ia uma incoerência.
x) Além disso, é preciso apontar aqui que não notificaram o recorrente do parecer da Junta de Saúde uma vez confirmada pelo Director dos SS, violando-se assim o art.º 105.º, n.º 7 do ETAPM, não concedeu tempestivamente ao recorrente a ocasião de impugnar o parecer acerca da não confirmação das faltas por doença e da sua idoneidade ao regresso ao serviço. É de saber que depois da notificação sobre a confirmação pelo Director dos SS do parecer da Junta de Saúde, o parecer dado por assente também pode ser derrubado por decisões dos tribunais.
y) Resulta patente que o parecer da Junta de Saúde citado no despacho recorrido não pode produzir efeito ao recorrente; muito menos se pode, com base naquilo, tomar uma decisão que lhe sairia desfavorável.
z) Portanto, segundo o entendimento dos casos julgados, as faltas por doença do recorrente de 05/07/2018 a 01/09/2020 se conformavam ao limite máximo de faltas por doença previsto pelo art.º 106.º, n.º 1 do ETAPM. Preenche o prescrito pelo art.º 262.º, n.º 1, alínea b) sobre a desligação obrigatória do serviço para efeitos de aposentação.
aa) Por fim, nos termos do art.º 262, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do ETAPM, se o funcionário público reúne os requisitos para a aposentação obrigatória, a Administração deve forçosamente instruir-lhe o processo de aposentação. Trata-se obviamente de um acto administrativo de teor vinculado.
ab) Segundo os factos mencionados acima (sobretudo nos pontos 8), 9) 10) e 20)), no presente caso, o recorrente contencioso entrou a prestar serviços no CPSP em 29/05/1999 e até 26/08/2014 já tinha completado 15 anos de serviço para efeitos de aposentação. Preenche, sem dúvida, o requisito previsto pelo n.º 107.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM. E segundo as decisões dos tribunais, a Administração devia ter dado por justificadas as faltas por doença do recorrente de 17/05/2019 a 01/09/2020. Juntamente com o período de faltas por doença já confirmadas de 05/07/2018 a 16/05/2019, já passou o limite máximo de faltas por doença previsto pelo art.º 106.º, n.º 1 do ETAPM.
ac) Assim sendo, como o recorrente corresponde ao previsto pelo art.º 106.º, n.º 1 e pelo art.º 105.º, n.º 3 do ETAPM sobre o limite máximo de faltas por doença, bem como pelo art.º 107.º, n.º 1, alínea a), nos termos do art.º 262, n.º 1, alínea b) e n.º 2, a entidade recorrida devia ter aprovado o pedido do recorrente, instruindo-lhe oficiosamente o processo de aposentação.
ad) Portanto, nos termos do art.º 103, n.º 1 e do art.º 24.º, n.º 1, alínea a) do CPAC, no presente recurso contencioso, pode-se cumular o pedido de mandar à entidade recorrida deferir-lhe o pedido, instruindo-lhe oficiosamente o processo de aposentação, informando sobre a contagem de tempo de serviço e enviando os autos ao Fundo de Pensões.

  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar, não apresentando, contudo, conclusões.
  As partes foram notificadas para apresentar alegações facultativas tendo silenciado.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  Destes autos foi apurada a seguinte factualidade:
a) Em 07.03.2023 pelo Senhor Secretário para a Segurança foi proferido o seguinte despacho:
«Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para a Segurança
Despacho n.º 021/SS/2023
Assunto: recurso hierárquico
Recorrente hierárquico: ex-guarda n.º 106 991 do CPSP, A
O recorrente interpôs recurso hierárquico da decisão tomada pelo Comandante do CPSP em 12/12/2022 no Relatório n.º 900427/DRHDGR/2022P de indeferir a instrução do processo de aposentação pedida pelo recorrente.
Tendo analisado o parecer do CPSP de 22/02/2023 e o teor do recurso hierárquico, subscrevo quanto analisado pelo CPSP no parecer, que se dá por integralmente reproduzido aqui.
Segundo o recorrente hierárquico, o número das suas faltas por doença já atingiu o limite máximo legal, então à luz do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante “ETAPM”), é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação. Invocou também que o CPSP, por não ter cumprido a atribuição legal de instruir o processo de aposentação, violou o princípio da legalidade sem justificação.
Da consulta dos presentes autos resulta que o CPSP já pediu parecer à Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) e aos Serviços de Saúde. Além disso, remeteu as informações do recorrente hierárquico ao Fundo de Pensões para análise. O Fundo de Pensões respondia que o caso do recorrente não satisfazia o pressuposto previsto pelo art.º 106.º, n.º 1, n.º 2 e pelo art.º 107.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM, logo não se tinha como aplicar o disposto no art.º 262, n.º 2 sobre a aposentação obrigatória. O CPSP, em conformidade, propôs indeferir o pedido de instrução de processo de aposentação.
Nos termos do art.º 106.º, n.º 1 do ETAPM, em conjugação com o art.º 105.º, n.º 3, a duração de falta por doença depende da concessão por parte da Junta de Saúde que julga o trabalhador inidóneo para trabalhar. Dos autos resulta que a Junta de Saúde já propôs ao recorrente hierárquico o regresso ao serviço, a 17/05/2019 e a 12/07/2019, evitando porém movimentos de alta intensidade, não devendo ficar de pé por muito tempo e não carregando objectos pesados durante 180 dias a partir de 17/05/2019. O recorrente, contudo, não tinha voltado ao serviço até 01/09/2020 e assim a Junta de Saúde não lhe confirmou as faltas por doença de 17/05/2019 a 01/09/2020.
Apesar do acórdão do TUI n.º 42/2022 constante dos autos, segundo o qual não obstante o facto de as faltas do recorrente não terem sido confirmadas pela Junta de Saúde como justificadas, os períodos referidos nos atestados de exame médico já por ele submetidos ao serviço devem ser considerados como falta justificada; ainda assim, nos termos do art.º 107.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM, em conjugação com o art.º 106.º, n.º 1, n.º 2 e com o art.º 105.º, n.º 3, o recorrente preencheria os requisitos para desligação do serviço para efeitos de aposentação apenas se tivesse atingido o prazo legal de faltas por doença concedidas pela Junta de Saúde por considerá-lo inidóneo para o serviço, e além disso, se ele tivesse completado 15 anos de serviço para o mesmo efeito de aposentação, independentemente da sua capacidade ou não para o trabalho.
Nos termos do art.º 267.º, n.º 1 do ETAPM, a data de aposentação e o período de serviço determinam-se pelo dia da ocorrência do facto motivador da aposentação obrigatória, impassíveis da vontade do próprio interessado ou ainda, do modo de procedimento ou da maneira de tratamento adoptados pela Administração. Como o recorrente não atingiu o limite máximo de faltas por doença previsto pelo art.º 106.º, n.º 1 e n.º 2 do ETAPM, não correspondente ao pressuposto estabelecido pelo art.º 107.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM conjugado com o art.º 262.º, n.º 2. Portanto, é absolutamente livre de qualquer vício de ilegalidade a decisão do CPSP de indeferir-lhe a instrução do processo de aposentação.
Com base no acima mencionado, o signatário, usando da faculdade conferida pelo n.º 1 da Ordem Executiva n.º 182/2019, alterada pela Ordem Executiva n.º 86/2021, e nos termos do art.º 161.º do CPA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, rejeita o recurso hierárquico ora em apreço, confirmando assim o acto objecto do recurso.
Notifique-se o recorrente hierárquico de que pode interpor recurso contencioso ao TSI do presente despacho no prazo de 30 dias.
Aos 07/03/2023, no Gabinete do Secretário para a Segurança RAEM.
O Secretário para a Segurança,
(ass.: vd. o original)
XXX»
- cfr. fls. 14 a 15, traduzido a fls. 87 a 90 dos autos -.

b) Do Direito
  
  Relativamente à matéria dos autos o Douto Parecer elaborado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público tem o seguinte teor:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança que indeferiu o recurso hierárquico da decisão que indeferiu a instrução do seu processo de aposentação, pedindo a respectiva anulação.
  Foi apresentada contestação pela Entidade Recorrida nela se tendo pugnado pela improcedência do recurso.
  2.
  Como já dissemos em situação semelhante, parece-nos que existe um obstáculo ao conhecimento do mérito do presente recurso.
  Em síntese, pelo seguinte.
  O que é típico do acto administrativo e, especialmente, do acto administrativo impugnável, isto é, daquele que, além de verticalmente definitivo, produz efeitos externos (artigo 28.º, n.º 1 do CPAC), é o facto de ele traduzir o exercício de um poder de definição jurídica unilateral normativamente conferido à Administração (assim, por todos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 223).
  Na verdade, prossegue o citado Professor, «a imposição do ónus de impugnação só se afigura aceitável quando um órgão administrativo emita uma pronúncia que corresponda ao exercício de um poder de definição jurídica, isto é, quando desse modo esteja a desempenhar uma função que lhe tenha sido normativamente atribuída, ou por previsão normativa específica, ou, pelo menos, porque a emissão de um tal acto configura a expressão normal de um poder inscrito no âmbito das competências de definição jurídica do órgão e das atribuições do ente ao qual o órgão pertence» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…, p. 225, com destacados nossos).
  Ora, na situação em apreço, salvo o devido respeito, parece-nos evidente, que o Secretário para a Segurança não praticou qualquer acto que tenha procedido à definição unilateral e vinculativa do direito aplicável relativamente à questão de saber se e em que que concretos termos se verificam os pressupostos da desligação do serviço e da consequente aposentação obrigatória do Recorrente.
  A norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM) não podia ser mais clara, ao preceituar que findo o prazo limite referido no artigo 106.º, o trabalhador é automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação se tiver completado 15 anos de serviço para este efeito relevantes, independentemente de ter capacidade ou não para o trabalho.
  Como se alcança da simples leitura da norma, a consequência da desligação do serviço produz-se automaticamente, é dizer, por força da lei, independentemente, portanto, de qualquer decisão da Administração, que a lei, manifestamente, de todo não prevê.
  Daí que, no caso, a pronúncia da Entidade Recorrida não corresponda a um acto administrativo de indeferimento, mas, antes, a uma mera actuação de recusa de reconhecimento de um direito ou, ao menos, de um interesse legalmente protegido de que o mesmo se arroga titular cuja tutela contenciosa deve operar através da acção própria que a lei prevê para o efeito no artigo 100.º do CPAC, sem que, em qualquer caso, se possa dizer que tal actuação da Administração, através da qual esta, em rigor, mais não manifestou senão a sua opinião quanto à verificação dos pressupostos legais da desligação do serviço, constitua, pois, um verdadeiro acto administrativo, no sentido do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ou seja, no sentido de constituir uma decisão unilateral produtora de efeitos jurídicos que se impõem autoritariamente.
  Assim, propendemos no sentido da falta de objecto do presente recurso contencioso, a qual, nesta fase, tem por consequência a absolvição da Entidade Recorrida da instância (artigo 46.º, n.º 2, alínea b) do CPAC e 412.º, n.ºs 1 e 2 do CPC) (no mesmo sentido, em situação em tudo semelhante, decidiu o Ac. TSI de 8.11.2023, processo n.º 241/2023).
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que a Entidade Recorrida deve ser absolvida da instância.».
  Destarte, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, supra reproduzido, à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não é um acto administrativo uma vez que não produz efeitos externos – artº 28º nº 1 do CPAC “a contrário” – pelo que, não é o mesmo recorrível, carecendo o recurso de objecto, excepção dilatória que sendo de conhecimento oficioso impede o conhecimento do recurso e determina a absolvição da instância da Entidade Recorrida, tudo nos termos dos artº 46º nº 2 al. b) do CPAC e artº 412º nº 1 e 2 e 414º ambos do CPC aplicável “ex vi” 1º do CPAC.
  
  Em sentido idêntico já se decidiu no Acórdão deste Tribunal de 08.11.2023 processo nº 241/2023.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se procedente a excepção dilatória da falta de objecto do recurso e em consequência absolve-se da instância a Entidade Recorrida.
  
  Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 22 de Fevereiro de 2024
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Fong Man Chong
  (1º Adjunto)
  
  Ho Wai Neng
  (2º Adjunto)
  
  Fui presente
  Álvaro António Mangas Abreu Dantas
  (Delegado Coordenador do Ministério Público)
298/2023 REC CONT 13