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Processo nº 88/2022
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), A., propôs e fez seguir no Tribunal Judicial de Base acção declarativa de condenação em processo comum ordinário contra:
- “B”, (“乙”);
- C (丙); e,
- D (丁), (1ª, 2° e 3°) RR., todos devidamente identificados nos autos.

Invocando – essencialmente – a existência de um “contrato de associação em participação” com a 1ª R., “B”, e alegando o seu “incumprimento”, pediu que fosse proferida sentença na qual:

“1) se condene a 1.ª Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$1,200,000.00 (um milhão e duzentas mil patacas), acrescida de juros de mora já vencidos no valor de MOP$38,786.30 (trinta e oito mil setecentas e oitenta e seis patacas e trinta avos) desde 11 de Fevereiro de 2019, mais os juros à taxa (legal que se continuarem a vencer até ao seu efectivo e integral pagamento;
2) Se condene a 1.ª Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$600,000.00 (seiscentas mil patacas) por cada ano em que subsistir o contrato que vincula ambas as partes”.

Considerando, ainda, que a conduta dos 2° e 3° RR., C e D, afectaram o seu bom nome e reputação, pediu, também, que:

“3) Se condene o 2.° Réu e o 3.° Réu a pagarem solidariamente ao Autor a quantia de MOP$100,000.00 (cem mil patacas) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar desde a data da citação”; (cfr., fls. 2 a 33 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

O processo seguiu os seus termos – com um “recurso interlocutório” pelo A. interposto e admitido com subida diferida; (cfr., fls. 609 a 610) – e, oportunamente, após audiência de discussão e julgamento, proferiu o Mmo Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença “absolvendo os (1ª, 2° e 3°) RR. de todos os pedidos pelo Autor deduzidos”; (cfr., fls. 937 a 943-v).

*

Inconformado, o A. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 24.03.2022, (Proc. n.° 59/2022), concedeu provimento ao aludido “recurso interlocutório”, revogando o despacho aí recorrido e declarando prejudicado o recurso da sentença (absolutória) do Tribunal Judicial de Base; (cfr., fls. 1154 a 1190-v).

*

Do assim decidido, trazem agora os aludidos 1ª, 2° e 3° RR. o presente recurso para este Tribunal de Última Instância pedindo a revogação do dito Acórdão do Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 1197 a 1239).

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Vem interposto recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que – como se viu – julgou procedente o “recurso interlocutório” pelo A. (oportunamente) interposto e que subiu ao Tribunal a quo com o recurso que para aí interpôs da sentença pelo Tribunal Judicial de Base a final proferida.

Passando-se a identificar a “questão” sobre a qual é esta Instância chamada a se pronunciar, diríamos que em causa está – essencialmente – saber se várias “diligências probatórias” pelo A. (oportunamente) requeridas e que mereceu decisão desfavorável por parte do Tribunal Judicial de Base, devia, inversamente, ser objecto de deferimento, como pelo Tribunal de Segunda Instância acabou por ser entendido com a decisão agora objecto do presente recurso.

Assim, e para melhor ponderarmos sobre solução a adoptar, vale a pena atentar nas razões da decisão recorrida do Tribunal de Segunda Instância onde – na parte que agora se nos afigura relevante – se consignou o que segue:

“(…)
Em 16/03/2020 o Autor/Recorrente apresentou um requerimento e 16 documentos, com o seguinte teor:

A, Autor nos autos à margem epigrafados e neles melhor identificado, notificado do Douto Despacho de V.Exa. de fls 329 e ss., vem pela presente e ao abrigo do disposto no artº 431 do Código de Processo Civil, mui respeitosamente, requerer,
Das diligências probatórias
I - Vem reiterar o pedido feito anteriormente para que seja à 1ª Ré ordenada a juncão aos autos da sua escrituração mercantil e documentos a ela relacionados relativa aos exercícios de 2017 e 2018, tal como requerido na Réplica e ao abrigo do disposto nos art°s 455 e 461 do CPC e 51°, 52° e 53° do Código Comercial na medida em que são particularmente relevantes para a descoberta da verdade material tendo em conta os quesitos Doutamente selecionados para a B.I.;
II - Ao abrigo do disposto no Artº 455 do CPC, e por serem fundamentais à descoberta da verdade material, vem requerer que a 1ª Ré venha juntar aos Autos os formulários da Direcção dos Serviços de Finanças M3/M4 relativos ao pagamento do imposto profissional dos seus empregados inscritos para os anos 2016, 2017, 2018 e 2019 (este último quando estiver disponível).
III - Ao abrigo do disposto no Art° 455 do CPC, e por serem fundamentais à descoberta da verdade material, vem requerer que a 1ª Ré venha juntar aos Autos os comprovativos dos pagamentos feitos ao Fundo de Segurança Social relativos aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 até à presente data.
IV - Ao abrigo do disposto no Art° 455 do CPC, e por serem fundamentais à descoberta da verdade material, vem requerer que a 1ª Ré venha juntar aos Autos comprovativo do pagamento no Fundo de Segurança Social da Taxa de Contratação Mensal dos Trabalhadores Não Residentes, relativos aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019.
V - Ao abrigo do disposto no Artº 458 do CPC, e por serem fundamentais à descoberta da verdade material tendo em conta a douta selecção de factos controvertidos na B.I., vem requerer ao Douto Tribunal para que seja notificada a E, melhor identificada no Doc. 31 junto com a Petição Inicial (p.i.) com sede na [Endereço(1)]para se digne vir aos autos juntar:
a) a sua escrituração mercantil e documentos a ela relacionados relativa aos exercícios de 2017 e 2018 e ao abrigo do disposto nos art°s 455 e 461 do CPC e 51°, 52° e 53° do Código Comercial,
b) os formulários da Direcção dos Serviços de Finanças M3/M4 relativos ao pagamento do imposto profissional dos seus empregados inscritos para os anos 2017, 2018 e 2019 (este último quando estiver disponível),
c) comprovativos dos pagamentos feitos ao Fundo de Segurança Social relativos aos anos de 2017, 2018 e 2019 até à presente data,
d) comprovativo do pagamento no Fundo de Segurança Social da Taxa de Contratação Mensal dos Trabalhadores Não Residentes, relativos aos anos de 2017, 2018 e 2019.
VI - Ao abrigo do disposto no art° 455º do CPC, requerer que seja notificada a 1ª Ré para vir aos Autos juntar original ou pública forma dos Documentos 5 a 10, 12, 13 a 27, 29 juntos com a p.i.
VII - Ao abrigo do disposto no artº 455º do CPC, requerer que seja notificada a 1ª Ré para vir aos Autos juntar original ou pública forma dos Documentos que ora se junta cópia ao presente requerimento e que vão identificados como Doc. 1 do presente requerimento para melhor enquadramento do tribunal,
VIII - Ao abrigo do disposto no art° 455º do CPC, requerer que seja notificada a 1ª Ré para vir aos Autos juntar original ou pública forma dos Documentos que ora se junta cópia ao presente requerimento e que vão identificados como Doc. 2 do presente requerimento para melhor enquadramento do tribunal.
IX - Ao abrigo do disposto no art° 455º do CPC, requerer que seja notificada a 1ª Ré para vir aos Autos juntar original ou pública forma dos Documentos que ora se junta cópia ao presente requerimento e que vão identificados como Doc. 3 do presente requerimento para melhor enquadramento do tribunal, e que se reportam a cartas enviadas pelo Autor à 1ª Ré a exigir o pagamento dos salários em atraso.
X - Ao abrigo do disposto no artº 455º do CPC, requerer que seja notificada a 1ª Ré para vir aos Autos juntar original ou pública forma dos Documentos que ora se junta cópia ao presente requerimento e que vão identificados como Doc. 4 do presente requerimento para melhor enquadramento do tribunal, e que se reportam a cartas enviadas pelo Autor à 1ª Ré a exigir o pagamento dos lucros em atraso.
XI - Ao abrigo do disposto no art° 455º do CPC, requerer que seja notificada a 1ª Ré para vir aos Autos juntar original ou pública forma do Documento de que ora se junta cópia ao presente requerimento e que vai identificado como Doc. 5 do presente requerimento para melhor enquadramento do tribunal.
XII - Vem mui respeitosamente requerer que seja aceite a junção de impressões de emails, que ora se juntam como Doc. 6 do presente requerimento, cujo conteúdo é relevante para a descoberta da verdade material, solicitando que lhe seja emitida guia de pagamento de multa ao abrigo do disposto no art° 450, nº2 do CPC.
Depoimento de Parte
XIII - Vem requerer, ao abrigo do disposto nos artºs 477° e ss. do CPC, o depoimento de parte dos 2° e 3º Réus, ambos relativamente aos Quesitos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 13, 14, 29 e 31 da douta B.I., na medida em que são factos cuja prova depende essencialmente do conhecimento pessoal dos mesmos.
XIV - Vem requerer, ao abrigo do disposto nos artºs 477° e ss. do CPC, o depoimento de parte de F, com domicilio em [Endereço(2)], e G, com domicilio em [Endereço(3)], em representação da 1ª Ré, relativamente aos Quesitos 29, 31, 38, 39, 40, 44,
(…)”.

Em 28/05/2020 e na sequência das diligências probatórias requeridas pelo Autor/Recorrente, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho, que é objecto deste recurso interlocutório:
“(…)
Fls. 482 a 546:
Requerimento de várias diligências probatórias.
Prova documental
Vem o Autor requerer nos pontos I a XI, documentos à 1ª Ré e a terceiro.
Em primeiro lugar, não se especificaram os factos que com os documentos quer provar, mesmo após à solicitação do Tribunal (fls. 575v). Não basta dizer genericamente “os quesitos Doutamente seleccionados para a BI” ou “a douta selecção de factos contravertidos na BI”.
Por outro lado, no ponto I, o A. requer à 1ª R. entregar a sua escrituração mercantil e respectivos documentos a ela relacionados aos exercícios de 2017 e 2018. Como se sabe, a escrituração mercantil é um conjunto dos documentos ligados às actividades comerciais duma empresa ou sociedade, incluindo livro de balanços, de actas etc. Outra vez, o A. não identificou os documentos específicos ora pretender a Ré juntar. Não está conforme previsto no art. 455°, n.° 1 do CPC. Aliás, não se pode olvidar que a escrituração mercantil é de carácter secreta, só se pode divulgar nas circunstâncias limitadas (art. 52° do C. Comercial). Pelo exposto, indefere-se este ponto de requerimento.
No ponto II, III e IV, se requer à 1ª R. os formulários da DSF M3/M4 relativos ao pagamento do imposto profissional dos empregados inscritos para os anos 2016 a 2019, os comprovativos dos pagamentos feitos ao FSS de 2016 até a presente data, bem como o comprovativo do pagamento no FSS da Contratação Mensal dos Trabalhadores Não Residente relativos aos anos 2016 a 2019. Trata se de documentos relativos aos empregados da 1ª Ré, que não se relevam, sem mais explicações, para a decisão da presente causa. Assim sendo, é de indeferir estes requerimentos.
No ponto V, o A. requer os documentos acima mencionados, mas a terceiro – a E. Pelas mesmas razões, sem necessidade de outras considerações, indefere-se este ponto.
Vem o A., nos pontos VI a XI, requer a 1ª R. juntar original ou pública forma de series de documentos cujas cópias juntas aos autos por aquele. A 1ª R., na sua resposta, defende que não impugna a genuinidade das cópias referidas, ou não possui os originais, ou não existe original por ser impressão de documento electrónico. Assim sendo, julga-se que a diligência ora requerida já não é necessária, pelo que se indeferem estes pontos.
Autorizo a junção dos documentos no ponto XII, emitindo guia de pagamento de multa prevista no art. 450°, n.° 2 do CPC, fixando o montante de 2UCs.
*
Depoimento de parte
Requer o A. o depoimento de parte da 1ª R. sobre os quesitos 29, 31, 38, 39, 40 e 44, e o da 2° e 3° RR. sobre os quesitos 3 a 8, 10, 13, 14, 29 e 31.
O depoimento da parte é um meio de prova destinado a provocar confissão, ou seja, factos desfavoráveis ao depoente.
Por estar em conformidade com os requisitos previstos no art. 345º do CC e art. 479º do CPC para a sua admissão, admitem-se os depoimentos de parte requeridos pelo A. No entanto, conforme se constata da certidão comercial da 1ª R., este obriga-se com a assinatura de apenas um administrator. Sendo suficiente o depoimento um deles, notifique 1ª R. a indicar uma pessoa com poderes suficientes para o efeito.
*
(…)
***
Notifique e DN.”

*
Houve lapso no correio, por a notificação ter sido enviada para o endereço do antigo escritório do ilustre mandatário do Autor/Recorrente, este veio a justificar a razão de não ter recebido tempestivamente o despacho, tendo apresentado, em 15/06/2020, um novo requerimento para cumprir o que foi ordenado pelo Tribunal a quo:
“A, Autor nos autos à margem epigrafados e neles melhor identificado, notificado do Douto Despacha de v.Exa. de Fls. 575 e ss vem mui respeitosamente expor e requerer o seguinte
I - Do Momento do presente requerimento
O mandatário do Autor alterou o seu endereço profissional em Janeiro do corrente ano para a [Endereço(4)] Macau, mais ou menos pela altura em que também foram em si substabelecidos poderes de representação do autor para a presente acção (Cfr Doc. 1 que ora se junta).
Desde então, tem sido o mandatário do Autor notificado pelos tribunais de Macau para o seu nova endereço profissional, em cartas expedidas no âmbito de dezenas de acções onde representa uma das partes. No entanto, na presente acção, por motivo que não lhe pode ser imputável, continua o mandatário do Autor a ser notificado para o seu anterior endereço profissional.
A alteração do endereço profissional do Autor foi comunicada pela Associação dos Advogados de Macau aos tribunais e outras instituições da RAEM pelos canais formais para o efeito, sendo o mesmo utilizado pelos tribunais em todas as outras acções pendentes.
Assim, apesar de expedida em 21 de Abril de 2020, a notificação contenda o douto Despacha de V.Exa de fls 575 bem como a resposta dos Réus ao requerimento de prova do Autor, só há dias, mais concretamente na passada sexta-feira 12 de Junho de 2020, foi entregue ao mandatário do Autor por quem trabalha nos serviços administrativos do seu escritório anterior.
Já por duas vezes, por telefone, pediu o mandatário do Autor que fosse corrigida a morada profissional do mesmo neste processo, para as notificações.
Assim, atribuindo o sucedido a uma falha completamente desculpável dos serviços da secretaria do Douto Tribunal, mas também a uma falha desculpável do mandatário do Autor - que não adivinhou que pudesse estar a continuar a ser notificado para o endereço anterior mesmo depois de ter alertado os serviços administrativos - vem pelo exposto requerer a V.Exa se digne admitir a presente resposta e requerimento ainda que extemporâneo pois entregue além do prazo subsidiário previsto no Código de Processo Civil.
II - Da indicação dos quesitos a provar por documentos na posse da parte contrária e de terceiros
Dos Documentos pedidos, e que se encontram na posse da Ré,
no ponto I do seu requerimento, destinam-se os mesmos à prova, directa ou indirecta dos quesitos 8°,9°, 12º, 13° 14°, 15°,18°, 19°,27° 29°,31°,41° e 44.
no ponto II do seu requerimento, destinam-se os mesmos à prova, directa ou indirecta dos quesitos 9°,12°,22°,29°,31°,35° e 40°.
no ponto III do seu requerimento, destinam-se os mesmos à prova, directa ou indirecta e consequentemente à formação da convicção do Douto Tribunal em relação aos quesitos 9°,12°,22°,29°,31°,35° e 40°.
no ponto IV do seu requerimento, destinam-se os mesmos à prova, directa ou indirecta e consequentemente à formação da convicção do Douto Tribunal em relação aos quesitos 9°, 12°,22°,29°,31°,35°, e 40°.
- Dos Documentos pedidos, e que se encontram na posse de terceiro, no Ponto V, alíneas a), b), c), d), do seu requerimento probatório, destinam-se os mesmos à prova, directa ou indirecta dos quesitos 29º, 31º, 35º, 39º, 40º e 41.
- Quanto aos documentos juntos pelo Autor na seu requerimento probatório,
os Documentos 1, 2 destinam-se à prova directa ou indirecta, e sempre ao abrigo do principio da livre apreciação da mesma pelo Douto Tribunal, dos Quesitos, 8º, 9º, 12º, 13º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 27º, 31º, 33º,
o Documento 3 destina-se à prova directa ou indirecta, e sempre ao abrigo do princípio da livre apreciação da mesma pelo Douto Tribunal, dos quesitos 3°, 6°, 7°, 8°, 19° e 21°,
o Documento 4 destina-se à prova directa ou indirecta, e sempre ao abrigo do princípio da livre apreciação da mesma pelo Douto Tribunal, dos quesitos 3º, 6°, 8°, 13°, 14°, 18°, 19°.
Quanto ao Documento 5 junto ao seu requerimento probatório, o Autor mui respeitosamente requer que o mesmo seja desentranhado, pois não só seguiu incompleto como os documentos relativos anexados ao email já haviam sido juntos com a p.i ... motivo pelo qual se penitencia.
o Documento 6 destina-se à prova directa ou indirecta, e sempre ao abrigo do princípio da livre apreciação da mesma pelo Douto Tribunal, dos quesitos 3º, 4º, 5º, 7º, 10º, 14º, 21º, 22º a 25º, 26º, 27º.
III - Do depoimento de Parte
Quanto aos depoimentos de Parte requeridos pelo Autor relativamente aos 2º e 3º RR, e tendo em consideração o alegado pela 1ª Ré, vem o Autor, em defesa da sua pretensão, sublinhar que são já factos assentes que 2° e 3° Réu foram sócios e administradores da 1° Ré entre 26 de Junho de 2009 e 8 de Junho de 2018 e 26 de Junho de 2009 e 14 de Novembro de 2017.
Segundo a melhor doutrina, e veja-se, por todos, o Viriato Lima, Manuel de Direito processual Civil, pag 424, "o depoimento de parte só pode ter por objecto - factos relevantes e controvertidos ou necessitados de prova, - factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento".
Ora, os factos controvertidos nos quesitos 3° a 8, 10, 13, 14, 29 e 31 são i) factos de que os 2º e 3º RR têm conhecimento pessoal dado o período de 12 anos durante o qual foram os administradores da 1ª Ré, ii) são factos relevantes, iii) são factos de que por força do já provado e assente nos factos A, B e C, D, E, F e G os 2 e 3 RR devem ter conhecimento e, iv) no entender do douto tribunal são factos que necessitam de prova, caso contrário não estariam na B.I..
Ou seja, por serem considerados relevantes à boa decisão da causa, foram vertidos pelo Douto Tribunal para a Base Instrutória. Ou seja, necessitam de prova, prova essa que, pela natureza do conteúdo dos quesitos, muito dificilmente se fará de forma cabal sem o depoimento dos 2° e 3° RR. Por outro lado, em lado algum reduz a lei, a doutrina ou a jurisprudência o âmbito do depoimento de parte a factos pessoais.
Além de pessoais, pode também o depoimento de parte incidir sobre factos de que tenha conhecimento pessoal.
O que, manifestamente, dada a qualidade das funções desempenhadas pelos 2º e 3º RR. e o período pelas quais as desempenharam, facilmente se conclui.
Por outro lado,
Em relação ao depoimento de parte requerido à 1ª Ré, indicou o Autor o nomes dos seus administradores com o único intuito de acelerar o procedimento caso o douto tribunal deferisse o requerido, por um lado, e por desejar que ambos deponham.
Percebendo o alegado pela 1ª Ré, não pode o Autor concordar com o mesmo em relação à suficiência do depoimento de apenas um dos administradores em representação da 1ª Ré para o caso em concreto.
Vejamos, a prova é um direito das partes, estando, no entanto, submetido às regras e ao poder de direcção do tribunal e deve prosseguir o objectivo primordial da descoberta da verdade.
É fundamental que quem presta o depoimento de parte tenha conhecimento directo e pessoal dos factos, não podendo este converter-se num mero formalismo conducente a obter a confissão
No caso dos administradores das sociedades, por relação com situações específicas da sua actividade corrente, nem todos os administradores têm, nem têm de ter, conhecimento pessoal de todos os aspectos da gestão e da vida da sociedade.
A instrução do processo tem em vista a descoberta da verdade, finalidade a que o tribunal e as partes estão vinculados.
No âmbito do poder de direcção e do princípio do inquisitório consagrados no Código de Processo Civil, a disciplina da instrução é da responsabilidade do juiz.
A 1ª Ré só tem dois administradores e, podendo ambos representar a 1ª Ré, é natural que o seu conhecimento dos factos não seja o mesmo em relação a todos os factos sobre que incidirá o depoimento. É natural que o depoimento de um se complemente com o depoimento de outro, e ambos conjugados conduzam à descoberta da verdade material.
Pelo que, mui respeitosamente se reitera o pedido depoimento de ambos os administradores em representação da 1ª Ré, até porque a única consequência possível do deferimento é o fornecimento de mais informação e prova ao douto tribunal para este sabiamente valorar no momento certo.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente, requer-se então que seja nomeada a Sra. Cíntia Chan de Noronha para depor em representação da 1ª Ré.
Quanto ao alegado pelos R.R. nos pontos 39 a 58 da resposta dos R.R ao requerimento probatório do Autor, vem o mesmo conceder que têm os R.R. razão e retirar o seu pedido correspondente, retratando-se pela demora causada.
Quanto ao demais alegado pelos RR na sua resposta, salvo melhor opinião em contrário, são conclusões em forma de antecipação daquilo que deveriam ser alegações pós-julgamento após prova feita de forma cabal. Quem não deve não teme, costuma dizer-se, e os motivos elencados pelas R.R. para não virem aos autos juntar os documentos que se requer e estão em sua posse não se coadunam com o princípio da descoberta da verdade material.
Um documento, per si, pode, como diz a Autora, servir para provar as obrigações nele contidas. Mas também pode, como é óbvio, conter indícios que embora, secundários ou acessórios, quando conciliados com a restante prova que se consegue fazer, revelam-se de extrema importância para a convicção do douto Tribunal na formação da sua convicção em relação ao quadro geral do litígio em causa, contruída facto a facto, e naturalmente da melhor solução a dar ao mesmo.”

Perante o alegado pelo ilustre mandatário do Autor/Recorrente, o Tribunal a quo proferiu, em 18/06/2020, uma nova decisão com o seguinte conteúdo:

“Compulsados os autos, verifica-se um lapso no quinto parágrafo da fls. 583. Que ali se consta “Por não estar” deve ser “Por estar”. Mando a rectificação em conformidade.
*
Fls. 585 a 593:
Vem o Autor apresentar a sua resposta ao despacho a fls. 575, justificando a sua apresentação extemporânea por mudança do escritório do mandatário.
Mostra-se que, consoante o documento ora junto com a resposta, o Ilustre Mandatário do Autor mudou o seu domicílio profissional em Janeiro do ano corrente. Não se sabe o motivo de que as informações não tinham chegado ao juízo. Seja como for, já é muito difícil até impossível investigá-lo neste momento. Pelo que, considero que o Autor tem justa causa, admitindo a presente resposta.
*
Na sua resposta, o Autor especificou os factos que com os documentos quer provar.
Todavia, mesmo com as especificações, não se alteram as decisões fundamentadas nas fls. 582 a 583, por não se ver a ligação (directa e ainda indirecta) entre os documentos requeridos e os factos a provar. Aliás, entende-se que para a aplicação do art. 455° do CPC, deve-se identificar precisamente, na medida do possível, o documento (ou os documentos) e não apenas um conjunto genérico de documentos como “toda a escrituração mercantil e documentos relacionados”.(cfr.《Código de Processo Civil Anotado》, José Lebre de Freitas, Volume 2.°, 2ª Edição, pag. 463)
*
No que diz respeito ao depoimento de parte, também mantenho a decisão a fls. 583, com fundamento já exposto.
Notifique a 1ª Ré para pronunciar o requerimento no 2° parágrafo na fls. 590.
*
Os restantes assuntos já foram decididos, sem necessidade de mais consideração.
*
Notifique.”

Quid Juris?
É de ver que, na sequência de aceitar a justificação do ilustre mandário do Autor/Recorrente, o Tribunal proferiu nova decisão, reiterando-se basicamente os mesmos fundamentos para indeferir os pedidos do Autor/Recorrente, tem razão?
Vejamos de imediato.
Ora, a causa de pedir do Autor consiste em, basicamente, no facto de por experiência profissional e relações pessoais que tinha na altura, conseguiu um contrato de prestação de serviços de segurança, celebrado pela H, devidamente identificada nos autos e a 1ª Ré, de que o Autor/Recorrente não era nem é sócio, como contrapartida o Autor tinha direito, segundo aquilo que foi alegado pelo Autor, a receber 30% sobre os lucros distribuíveis anuais da 1ª Ré.
Ora, um dos factos assentes veio a confirmar, parece-nos, a versão do Autor, que é o facto assente 14º com o seguinte teor:
Em 09 de Fevereiro de 2015, 03 de Março de 2016, e 02 de Março de 2017, o Autor recebeu da 1ª Ré, cada vez nas datas indicadas, o montante de MOP600,000.00. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)

O que o Autor veio a reclamar é justamente as desavenças do ano 2018 e 2019, conforme o que ficou provado no facto 16º (Em data não apurada de 2017, começou a ocorrer desavenças entre o Autor e o 2º Réu. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)), a 1ª Ré deixou de pagar tais quantias.
Ora, nesta óptica, é decisivo saber que natureza é que assumias tais quantias (MOP$600,000.00) que a 1ª Ré pagava ao Autor/Recorrente, como este não é sócio, não tem acesso directo a tais informações da 1ª Ré, entendemos assim que os pedidos formulados por ele são legítimos e estão fundamentados, ou seja, nas escrituração mercantil da 1ª Ré, há-de ter elementos esclarecedores sobre a razão de pagamento de tais quantias (MOP$600,000.00).
Do mesmo modo, para indeferir os pedidos, o Tribunal a quo invocou abstractamente que o Autor/Recorrente não chegou a indicar concretamente os quesitos que pretendem ser provados mediante os documentos, cuja junção foi pedida pelo Autor, não é verdade esta afirmação, o requerimento do Autor indicou espressamente quais documentos que pretende obter e para provar quais quesitos.
Na mesma medida a razão de carácter segredo da escrituração mercantil invocado pelo Tribunal recorrido para indeferir os pedidos são insuficientes, visto que tal carácter não é absoluto, já que o artigo 52º do CCOM dispõe:
Carácter secreto da escrituração mercantil)
1. A escrituração mercantil dos empresários é secreta, sem prejuízo do disposto nos números seguintes e em disposições especiais.
2. A exibição ou exame geral dos livros, correspondência e demais documentos dos empresários só pode decretar-se, oficiosamente ou a requerimento de parte, nos casos de sucessão universal, suspensão de pagamentos, falência, liquidação de sociedades ou de outros empresários comerciais, pessoas colectivas, e quando os sócios tenham direito ao seu exame directo.
3. Fora dos casos previstos no número anterior, pode ser ordenada a exibição de escrituração mercantil, a requerimento de parte ou oficiosamente, quando o empresário a quem pertença tenha interesse ou responsabilidade no assunto que justifica a exibição; o exame restringir-se-á exclusivamente aos aspectos que tenham directa relação com a questão de que se trate.

Agora, se tais documentos fossem suficientes para comprovar os quesitos em causa? Já é uma questão diferente. Mas, o Tribunal devia ordenar a junção dos documentos pedidos. Se depois entender que eles são impertinentes, poderá ordenar o seu destrenhamento e condenar o Requerente nas multas. Mas não deve indeferir logo nesta fase os pedidos em causa.
Nesta matéria, importa realçar o que ficou consagrado nos artigos 6º e 8º do CPC, que manda:

Artigo 6º
(Poder de direcção do processo e princípio do inquisitório)
1. Incumbe ao juiz, sem prejuízo do ónus da iniciativa das partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo, ordenando as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório.
2. O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais, sempre que essa falta seja susceptível de suprimento, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, se estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los.
3. Incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

Artigo 8º
(Princípio da cooperação)
1. Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as partes cooperar entre si, contribuindo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
2. O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.
3. As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 442.º
4. Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.

Nestes termos, entendemos que as diligências probatórias requeridas pelo Autor/Recorrente são pertinentes e que têm valor para boa decisão da causa, o que é razão bastante para revogar o despacho impugnado, deferindo-se os pedidos em causa e ordenando-se que o Tribunal a quo aprecie tais provas e proferir nova decisão sobre a matéria de facto em conformidade e, repetido o julgamento, proferir nova decisão de mérito conforme as provas a produzir-se em sede própria (artigo 629º/3 do CPC).
Com o que fica prejudicado o conhecimento do recurso sobre o mérito interposto pelo Autor/Recorrente.
(…)”; (cfr., fls. 1184 a 1190).

Cabendo-nos agora apreciar da adequação do assim decidido, passa-se a ponderar das “razões” pelos recorrentes apresentadas e que se encontram sintetizadas nas seguintes conclusões do seu recurso:

“1. Vem o presente recurso interposto pelos Recorrentes da douta sentença proferida pelo ilustre Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos, que os Recorrentes entendem incorrer em violação e errada aplicação da lei substantiva e processual, nos termos seguintes.
2. Por requerimento de 13 de Março de 2020 (fls. 482 a 486 dos autos), o ora Recorrido solicitou, como diligência probatória a junção:
I. da escrituração mercantil da 1.ª R. e documentos com ela relacionados, dos exercícios de 2017 e 2018;
II. dos formulários M3/M4 relativos ao imposto profissional pago pela 1.ª R. dos seus empregados inscritos para os anos de 2016 a 2019;
III. dos comprovativos dos pagamentos feitos pela 1.ª R. ao Fundo de Segurança Social relativos aos anos de 2016 a 2019;
IV. dos comprovativos dos pagamentos feitos pela 1.ª R. ao Fundo de Segurança Social da taxa de contratação mensal dos trabalhadores não residentes relativos aos anos de 2016 a 2019;
tudo ao abrigo do artigo 455.° do Código de Processo Civil ("CPC''), e
V. a notificação de uma sociedade terceira (ali identificada), para vir juntar (a) a sua escrituração mercantil de 2017 e 2018, (b) os formulários M3/M4 relativos ao imposto profissional dos seus empregados inscritos para os anos de 2017 a 2019, (c) comprovativos dos pagamentos feitos ao Fundo de Segurança Social relativos aos anos de 2017 a 2019 e (d) os comprovativos dos pagamentos feitos ao Fundo de Segurança Social da taxa. de contratação mensal dos trabalhadores não residentes relativos aos anos de 2017 a 2019, ao abrigo artigo 458.° CPC,
para tudo dando apenas por justificação entenderem "serem fundamentais à descoberta da verdade material".
3. O ilustre Tribunal de Primeira Instância ordenou o Recorrido que indicasse os quesitos cuja prova tal documentação estava destinada (fls. 575v) e, posteriormente, veio a indeferir o requerimento de prova (fls. 582-583), fundamentando cabalmente a sua decisão, nomeadamente:
(i) na falta de especificação dos factos concretos cuja prova se pretendia fazer (desde logo porque tal não resultava claro dos quesitos indicados),
(ii) na falta de identificação dos documentos concretos que pretendia da parte da 1.ª Recorrente, em violação do artigo 455.° do CPC,
(iii) em virtude do carácter secreto da escrituração mercantil, decorrente do artigo 52.° do Código Comercial que só permite uma divulgação parcial da mesma,
(iv) na falta de relevância para a decisão da causa, porque esta não foi explicada, do solicitado nos pontos II, III e IV do requerimento probatório que são relativos a trabalhadores da 1.ª Recorrente; e
(v) na falta de relevância para a decisão da causa, porque esta não foi explicada, de toda a documentação solicitada a terceiro.
4. Deste douto despacho, veio o ora Recorrido interpor recurso, interlocutório, que subiu a final com o recurso da decisão final (que determinou o improcedimento do pedido do ali A.), tendo o ilustre Tribunal de Segunda Instância proferido a decisão de que agora se recorre, não chegando a apreciar o mérito da questão.
5. Entendeu a douta decisão recorrida que devia o Tribunal de Primeira Instância ter deferido o requerimento de prova nos pontos I a V (acima descritos) uma vez que, no entender deste, tais documentos seriam relevantes para a causa de pedir, revogando o despacho recorrido, deferindo as diligências probatórias e ordenando a repetição do julgamento, estando, no entender dos Recorrentes, em violação das normas aplicáveis, delas fazendo também uma errada interpretação.
6. A douta decisão recorrida veio fundamentar a sua razão exclusivamente no facto da escrituração mercantil da 1.ª Recorrente poder ter algum interesse para saber qual a natureza do pagamento das quantias que o Recorrido invoca ter direito (1.° parágrafo da pág. 70).
7. Porém, a douta decisão recorrida veio agora deferir as diligências de prova de todo o requerimento probatório em crise, isto é, dos pontos I a V (na sequência da revogação do respectivo despacho) que vão muito para além da escrituração mercantil da 1.ª Recorrente, sem para os restantes pontos tenha dado qualquer justificação ou sequer mostrado a sua relação com a causa de pedir, obrigando, inclusivamente, uma sociedade terceira a juntar toda a sua documentação sem que a decisão recorrida apresente qualquer razão para tal ou sequer mencione tal sociedade terceira.
8. Os documentos destinam-se a fazer prova dos factos (art. 450.° do CPC) e têm naturalmente de estar relacionados com os factos cuja prova a parte se propõe fazer. O pedido de qualquer documento que extravase este âmbito não deve ser aceite. É o caso do requerimento dos autos.
9. O Recorrido pediu para que a parte contrária e terceiros entregassem documentos que não demonstrou estarem relacionados com a causa de pedir ou com os quesitos a provar em julgamento, razão pela qual tal pedido foi indeferido.
10. O que desde logo, redunda em falta de fundamentação da decisão recorrida, em violação da lei processual, determinando a nulidade da decisão nos termos do artigo 571.°, n.° 1, alíneas b) e d) do CPC.
11. Por outro lado, com todo o respeito pela douta decisão recorrida, entendem os Recorrentes que o despacho revogado por esta é claríssimo nas razões pelas quais indeferiu a prova em discussão, justificando cabal e suficientemente a decisão tomada.
12. Parte desta fundamentação (fls. 582 e 582v) é anterior à justificação prestada pelo Recorrido, pelo que, aquando da indicação dos quesitos, o Recorrido conhecia já as dúvidas do ilustre tribunal tendo tido oportunidade para as suprir e clarificar os documentos específicos que pretendia, o que, voluntariamente, não fez.
13. No caso dos quesitos que o Recorrido entendeu justificarem a solicitação da escrituração mercantil da 1.ª R., o que não se concede, são tão precisos que nada justifica que o A. não tenha pedido os documentos exactos que pretendia e, pelo contrário, tenha insistido em pedir toda a escrituração mercantil da 1.ª R. e documentação relacionada:
1) O pretenso acordo que o Recorrido alega ter celebrado com a 1.ª Recorrente não pode ser encontrado em qualquer documento físico já que o próprio alega que terá resultado de uma conversa. Assim, a resposta aos quesitos 8, 13, 14, 15 e 27 não pode ser encontrada na escrituração mercantil da 1.ª Recorrente.
2) O Recorrido podia ter solicitado a exibição de todos os contratos de gestão de segurança celebrados pela 1.ª Recorrente para responder ao quesito 9.°.
3) O Recorrido poderia ter solicitado a exibição das renovações do contrato com o Hotel até à data para responder ao quesito 12.°.
4) O Recorrido podia ter solicitado a exibição do balanço anual e as contas de ganhos e perdas da 1.ª Recorrente de 2017 e 2018 para prova dos quesitos 18.° e 19.°.
5) O quesito 27.° não pode ser provado com a escrituração mercantil da 1.ª Recorrente.
6) Para prova do quesito 29.°, o Recorrido podia ter solicitado a exibição dos documentos relativos à cessação do contrato com o Hotel.
7) O Recorrido podia ter solicitado a exibição do balanço anual e as contas de ganhos e perdas da 1.ª Recorrente de 2017 e 2018 para prova dos quesitos 18.° e 19.°.
8) O quesito 27.° não pode ser provado com a escrituração mercantil da 1.ª Recorrente.
9) Para prova do quesito 29.°, o Recorrido podia ter solicitado a exibição dos documentos relativos à cessação do contrato com o Hotel.
10) A exibição do balanço anual da 1.ª Recorrente relativo ao ano de 2017 e 2018 podia ter sido solicitado para prova dos quesitos 31.°, 41.°, 44.°.
14. Ao solicitar a globalidade da escrituração mercantil da 1.ª Recorrente (bem como da sociedade terceira) sem indicar com precisão os documentos cuja exibição poderia fazer prova dos quesitos indicados, o Recorrido violou o disposto no artigo 455.° do CPC (bem como o artigo 52.° do Código Comercial) .
15. Os elementos solicitados nos pontos II a IV do requerimento probatório em discussão fazem parte da escrituração mercantil da 1.ª Recorrente e estão, como tal, sujeitos às mesmas restrições destas (as mencionadas no artigo 52.° do Código Comercial). Os quesitos indicados para estes 3 pontos são exactamente os mesmos, no entanto:
1) Os quesitos 9.° e 12.° indicados não podem, sob qualquer formulação, ser provados com estes documentos.
2) Estas declarações fiscais e os comprovativos de pagamento, que são assinados pelos representantes legais da 1.ª Recorrente, dos quais o Recorrido não faz parte, não podem fazer prova do quesito 22.° pois jamais demonstrarão quem contratou aqueles trabalhadores.
3) Destas declarações fiscais e os comprovativos de pagamentos também não resulta (nem pode resultar) qual o motivo da cessação do contrato entre a 1.ª Recorrente e o Hotel, questão colocada no quesito 29.°.
4) O quesito 35.° serve para provar os alegados danos morais causados ao Recorrido, pelo que as declarações fiscais e os comprovativos dos pagamentos não servem para provar que o Recorrido estava, alegadamente, aos poucos a ser afastado do negócio da 1.ª Recorrente.
5) O quesito 40.° versa sobre a decisão da 1.ª Recorrente em fazer uma reserva voluntária para pagar indemnizações futuras aos seus trabalhadores. A palavra trabalhadores está lá mas seria no balanço que esta reserva seria encontrada e não nestes documentos da 1.ª Recorrente.
16. Acresce que o Recorrido, no ponto I pediu a escrituração da 1.ª Recorrente nos anos de 2017 e 2019 mas, sem qualquer explicação, pede os formulários M3/M4 e as contribuições ao Fundo de Segurança Social desde 2016, o que na prática daria acesso a informação da 1.ª Recorrente desde 2015, sem que tenha sido dada qualquer explicação.
17. Este pedido está material e temporalmente fora da causa de pedir do recorrido, não obstante, foi deferido pela douta decisão recorrida, sem qualquer explicação.
18. É manifesta a falta de relação destes pedidos II a IV com a causa de pedir e a impossibilidade de fazerem prova dos quesitos para que foram indicados, o que demonstra o acerto da decisão tomada pelo despacho revogado.
19. No ponto V do requerimento probatório, o Recorrido vem solicitar estes mesmos elementos não apenas em poder de terceiro mas pertença de e relativos a um terceiro. Para todos estes elementos indicou o Recorrido os quesitos 29.°, 31.°, 35.°, 39.°, 40.° e 41.°, sem mais explicações, porém:
1) Nenhum dos elementos solicitados desta sociedade pode, objectivamente, fazer prova se a 1.ª Recorrente (e não a sociedade a quem os elementos estão a ser solicitados) perdeu por vontade própria o contrato com o Hotel, quesito 29.°.
2) Se são os lucros da sociedade terceira que o Recorrido queria ver para a prova do quesito 31.°, então deveria ter solicitado o balanço e a conta de ganhos e perdas daquela sociedade e não os elementos que constam do ponto V.
3) Este conjunto de documentos jamais poderá fazer prova do quesito 35.°, relativo a alegados danos morais causados ao Recorrido, e não têm como demonstrar que o Recorrido estava aos poucos a ser afastado do negócio da 1.ª Recorrente (e não da sociedade terceira), como alega.
4) O quesito 39.° diz r:espeito exclusivamente à 1.ª Recorrente.
5) O quesito 40.° diz respeito a uma decisão da 1.ª Recorrente.
6) O quesito 41.° diz respeito aos lucros da 1.ª Recorrente e ao pagamento de bónus pela 1.ª Recorrente aos seus trabalhadores.
20. Se na narrativa do Recorrido, esta sociedade terceira só passa, alegadamente, a ter relevância e participação a partir de meados de 2019, então qual é a relevância – para não dizer a legitimidade – do Recorrido para solicitar informação mercantil da sociedade terceira relativa aos anos de 2017 e 2018 (se a diferença até estaria em 2019, segundo o que alega)?
21. E qual a relevância (e a legitimidade) do Recorrido para obter informação dos trabalhadores da sociedade terceira nos anos de 2017 a 2019, em particular nos anos 2017 e 2018?
22. No entanto, esta diligência foi autorizada pela douta decisão recorrida.
23. A identificação dos Factos que pretende provar através da indicação dos quesitos pode ser bastante quando a sua relação é óbvia mas, como acima se indicou, tal não acontece no caso em análise.
24. O Recorrido deve balizar a prova aos quesitos que ficaram a constar da base instrutória e não à narrativa que apresentou nas suas peças e que não teve expressão naquela.
25. A sociedade terceira só está ligada aos presentes autos através do quesito 31.° e tal seria bastante para o tribunal não aceitar documentação para provar outros quesitos que com ela não têm qualquer conexão, como, acertadamente, fez o despacho ora revogado.
26. Do artigo 455.°, n.° 1 pode ler-se "(…) no requerimento a parte identifica quanto possível o documento e específica os factos que com ele quer provar." (sublinhado nosso).
27. O dispositivo é claríssimo. Cremos ter acima demonstrado o quão acessível era para o Recorrido, sem conhecer qualquer pormenor da contabilidade da 1.ª Recorrente, ter identificado os documentos concretos que necessitava sem se imiscuir na privacidade da contabilidade desta, como abusivamente tentou.
28. Por último, entendeu a douta decisão recorrida que o carácter secreto da escrituração mercantil invocado no douto despacho revogado não era de atender porque não era absoluto (pág. 70).
29. A escrituração mercantil é o conjunto de todo os documentos, livros e registos que compõem a actividade financeira de uma empresa, que listam todo o seu património e dívidas. Esse conjunto de documentos é suficiente para demonstrar todo o segredo do negócio, a solvabilidade da empresa e toda a informação que a concorrência precisa para concorrer deslealmente com o negócio de quem a mostra, daí a protecção legal desta informação.
30. É verdade que, nos termos do artigo 52.° do Código Comercial tal secretismo não é absoluto mas o caso dos autos não cabe em nenhuma das excepções ali previstas.
31. A propósito do carácter secreto da escrituração mercantil e das excepções a este princípio, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto (face a um pedido bastante mais específico que o do Recorrido) no seguinte sentido:
I - O art° 41° do Código Comercial consagra o princípio geral do carácter secreto da escrituração comercial.
II - Porém, no que se refere às relações civis, regulam os art°s 42° e 43° do Código Comercial as formas de aceder à escrituração mercantil, por remissão do art° 534° do CPC.
III - O art° 42° permite a exibição judicial por inteiro, da escrituração comercial e dos documentos a ela relativos, a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de quebra - em qualquer uma destas circunstâncias o comerciante é obrigado, se lhe for solicitado, a colocar à disposição do tribunal toda a escrituração mercantil, para ser analisada com vista à prova das questões suscitadas.
IV - Por sua ve4 o art° 43° admite um exame parcial da escrita mercantil, que pode ser requerido por qualquer uma das partes em litígio ou oficiosamente, relativamente à escrita na posse da outra ou mesmo de terceiro, desde que a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
V - O exame a realizar está conexo com a prova por arbitramento ou inspecção judicial - com efeito, estas diligências permitem conciliar, de forma proporcional, os direitos ao segredo comercial e à descoberta da verdade material.
VI - De um lado, os peritos ou o tribunal analisam e avaliam, no escritório do comerciante, o que importa ao apuramento da verdade sem reproduzirem as partes inspeccionadas ou examinadas; de outro ledo, assim se evita que a escrita, ou parte dela, estando à disposição do tribunal, possa ficar fora do controle do comerciante e ao alcance de terceiros.
VII - O que quer dizer que, se o comerciante não autorizar outra forma de análise da escrita mercantil, esta só poderá ser feita nos termos específicos do art° 43° do C. Comercial.
VIII - Assim, salvo expressa disposição legal nesse sentido, nunca é permitida a cópia, reprodução, requisição ou apreensão dos documentos de escrituração sem a anuência da entidade cuja escrita é examinada. (sublinhado nosso)
(Proc. n.° 7494/06.9TBLRA.C1, de 19 de Janeiro de 2010, in www.dgsi.pt)
32. Nos números 1, 2 e 3 do artigo 52.° do Código Comercial podemos encontrar a combinação dos artigos 41.°, 42.° e 43.° do Código Comercial português, respectivamente, sendo-lhe aplicável a mesma lógica de aplicação jurídica exposta na decisão acima citada, que se crê ser, por si só, esclarecedora.
33. Cabe, nesta fase, salientar que o requerimento do Recorrido foi da juncão de toda a escrituração mercantil e documentos com ela relacionados - facto que os ora Recorrentes salientaram nas suas alegações de recurso para o ilustre Tribunal de Segunda Instância mas que não foi atendido ou sequer ponderado na decisão recorrida.
34. Ora, a escritura mercantil pode ser integralmente exibida (mas não junta) exclusivamente nas circunstâncias do n.° 2 do artigo 52.° do Código Comercial mas já não nos casos referidos no n.° 3 do mesmo preceito.
35. Porém, o n.° 3 do artigo 52.° do Código Comercial não tem aplicação à situação em análise nestes autos .porquanto tal situação não configura nenhuma das hipóteses jurídicas identificadas nesse prefeito, porque este preceito só é aplicável:
(v) ao exame (e não à junção que foi requerida);
(vi) parcial (e não integral como foi solicitada) da escrituração mercantil;
(vii) restringindo-se "exclusivamente aos aspectos que tenham directa ligação com a questão que se trate" (e que o Recorrido em momento algum indicou junto do Tribunal a quo); e
(viii) "quando o empresário a quem pertença tenha interesse ou responsabilidade no assunto que justifica a exibição", responsabilidade que não está apurada em sede própria e não pode, naturalmente, resultar de mera alegação do Recorrido.
36. Assim, ao revogar o despacho em crise e ao deferir a prova solicitada pelo Recorrido, em particular a escrituração mercantil da 1.ª Recorrente e da sociedade terceira, a douta decisão recorrida viola o artigo 52.° do Código Comercial:
(i) ao determinar a junção aos autos de documentação, quando a lei só permite a sua exibição,
(ii) ao determinar a junção aos autos de uma globalidade de informação que a lei manda restringir "exclusivamente aos aspectos que tenham directa relação com a questão de que se trate" e
(iii) ao determinar a junção de documentação cuja relevância o Recorrido nunca justificou nos autos.
37. A manutenção da decisão implica uma exposição da totalidade da informação comercial de duas sociedades que a lei não permite e que será de enorme prejuízo para aquelas.
38. Na medida em que a lei não permite a exposição desta informação na forma requerida pelo Recorrido, também não deveria a mesma ter sido determinada pelo ilustre Tribunal ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de cooperação.
39. Com o devido respeito, ao contrário do entendimento expressado .na douta decisão recorrida (p. 71) tais documentos não só não são suficientes, como se espera acima ter demonstrado, para provar os quesitos em causa, como são irrelevantes, pelo que a sua junção não deveria ter sido ordenada ao princípio dos artigos 6.° e 8.° do CPC, que não têm aplicação ao caso.
40. Pelo que, a decisão recorrida viola a lei processual, o que determina a sua nulidade, nos termos do artigo 571.°, n.° 1, alíneas b) e d) do CPC.
41. A decisão faz ainda uma errada interpretação da lei processual, em particular dos artigos 450.°, 455.° e 461.° do CPC e viola o disposto nos artigos 455.° e 461.° do CPC e no 52.° do Código Comercial, permitindo a junção de documentos em violação dos requisitos ali determinados.
42. Por tudo o acima exposto deve a decisão recorrida ser declarada nula, ou caso assim, não se entenda, o que não se concede, deve a mesma ser revogada e mantido o despacho por ela revogado em cumprimento da lei aplicável à situação em análise, seguindo o processo seus ulteriores termos, apreciando-se o recurso de mérito sem que os autos baixem à primeira instância para repetição do julgamento.
(…)”; (fls. 1226 a 1239).

Aqui chegados, vejamos.

–– Como se viu, na sua petição inicial, formulou também o A. um pedido de indemnização por danos não patrimoniais contra os 2° e 3° RR. no valor de MOP$100.000,00, (acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a data da citação).

E, tal como se consignou em sede de exame preliminar e como em posterior despacho, (cfr., fls. 1282 e 1293), importa decidir da “admissibilidade do recurso” interposto por estes 2° e 3° RR. para este Tribunal de Última Instância; (ainda que, na prática, a relevância da questão acabe por se diluir, visto que as alegações de recurso foram apresentadas, conjuntamente, com a 1ª R. que, manifestamente, pode recorrer, sendo que a eventual procedência do seu recurso não deixaria de beneficiar aqueles).

Pois bem, em matéria de recursos, a regra geral é a de que “Salvo disposição em contrário, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atende-se somente ao valor da causa”; (cfr., art. 583°, n.° 1 do C.P.C.M.).

Conforme aponta Viriato Lima, “Há, pois, dois requisitos cumulativos para a admissibilidade do recurso em função do valor da acção e da sucumbência:
- A causa tem de ter valor superior à alçada do tribunal de que se recorre;
- A decisão impugnada tem de ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
Quer isto dizer que o recurso é admissível quando as causas atingem determinado valor que mereçam subir a um outro tribunal para uma segunda apreciação. Mas isso não basta. É que, apesar do valor da causa, o vencido pode tê-lo sido num valor tão baixo que não seria razoável admitir um recurso só em homenagem ao valor da causa. É então necessário que o valor do vencimento seja de metade do valor da alçada para merecer a apreciação pelo tribunal de recurso”; (in “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., pág. 688 e 689).

Contudo, à aparente simplicidade da lei contrapõem-se casos bastante duvidosos na sua aplicação que levam mesmo alguma doutrina a optar por “soluções contraditórias”; (cfr., v.g., a solução para a “cumulação simples de pedidos”, in ob. cit., pág. 690, e a solução proposta por Miguel Teixeira de Sousa in, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 483).

In casu, e como se deixou relatado, na sua petição inicial, formulou o A. um “pedido de indemnização contra a 1ª R.” com base no incumprimento de um contrato, (que qualificou como de “associação em participação”) – situação que se pode comprovar, em especial, nos art°s 151° a 161° da petição inicial – deduzindo outro “pedido indemnizatório contra os 2.° e 3.° RR.” com base numa alegada responsabilidade extracontratual destes; (cfr., os art°s 162° a 173° da p.i.).

Assim postas as coisas, e ressalvando sempre melhor opinião, apresenta-se-nos que estamos perante uma “coligação de RR.” nos termos do art. 64° do C.P.C.M..

Com efeito, e continuando nós a acompanhar V. Lima: a “Legitimidade plural ou litisconsórcio consiste na pluralidade de partes principais.
A ideia geral da distinção entre litisconsórcio em sentido estrito e coligação é a seguinte:
- Existe litisconsórcio em sentido estrito quando há pluralidade de partes e unidade quanto a certo ponto. (…)
Para Castro Mendes a chave da distinção é a do pedido. (…)
Haverá litisconsórcio em sentido estrito nos restantes casos, ou seja:
- Quando por mais que uma parte ou contra mais que uma parte seja formulado um só pedido, ou que a lei toma por pedido único;
- Quando por mais que uma parte ou contra mais que uma parte sejam formulados vários pedidos, mas não discriminadamente – A pede x e y contra B e C; D e E pedem z e w contra F;
- Quando por mais que uma parte ou contra mais que uma parte discriminadamente sejam formulados pedidos não diferentes, mas essencialmente idênticos no seu conteúdo e fundamentos.
Para outros, a distinção entre litisconsórcio em sentido estrito e coligação é a unidade ou pluralidade de relações jurídicas controvertidas”; (in ob. cit., pág. 221 e 222, podendo-se, a propósito de idêntica questão ver o Ac. de 11.05.2005 do S.T.J. de Portugal, Proc. n.° 05S362, onde se decidiu que:
“1. Nos casos de coligação activa há uma cumulação de acções e, para efeitos de recurso, o valor a atender não é o valor da acção, mas o valor que corresponderia a cada uma das acções, caso tivessem sido propostas em separado.
2. O mesmo acontece nos casos de coligação passiva.
3. Nos casos de coligação activa com dedução de pedido reconvencional, o valor a atender para efeitos de recurso é o valor que a acção proposta por cada um dos autores teria se tivesse sido proposta em separado, acrescido do valor do pedido reconvencional deduzido contra cada um dos respectivos autores”).

Nesta conformidade, (e mesmo que se entendesse que não era possível determinar o valor da sucumbência), sempre se nos parece que se deve ter em consideração que o “valor da causa”, (para os 2° e 3° RR., no âmbito da sua alegada responsabilidade solidária pelo pedido formulado pelo A.), não permite o seu recurso para este Tribunal de Última Instância; (cfr., art. 18°, n.° 1, in fine, da Lei n.° 9/1999, e também, sobre a matéria, o despacho pelo ora relator proferido nos Autos de Recurso Civil n.° 48/2023).

Dest’arte, inadmissível sendo o recurso pelos 2° e 3° RR. apresentado, (porque o valor da acção quanto aos mesmos não excede a alçada do Tribunal de Segunda Instância), impõe-se decidir pela sua não admissão.

*

–– Continuemos, (passando-se a conhecer do recurso da 1ª R.).

Vem afirmado que o Acórdão proferido está viciado por “falta de fundamentação”, uma vez que foram deferidas diligências de prova que não se confundem com a escrituração mercantil da 1ª R. sem que, para tanto, tenha sido apresentada qualquer fundamentação.

Se bem entendemos, diz-se que o Acórdão recorrido é nulo por uma de duas razões: ou padece de um vício de “falta de fundamentação” ou padece de um vício de “omissão de pronúncia”.

Ora, antes de mais, cabe dizer que o vício da “falta de fundamentação” não se confunde com o vício da “omissão de pronúncia”, sendo vícios (bastante) distintos, uma vez que para haver falta de fundamentação é forçoso que haja uma pronúncia quanto às questões colocadas no processo.

Como também nota Miguel Teixeira de Sousa, “Diferente da omissão de pronúncia – que resulta da abstenção de conhecimento das questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por ela formulados - é a falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art.° 668.°, n.° 1, al. b))”; (in ob. cit., pág. 221).

E, atento o teor o Acórdão recorrido, parece-nos que o mesmo não padece de nenhuma “omissão de pronúncia”, visto que o Tribunal de Segunda Instância deferiu “todas as diligências probatórias solicitadas pelo A.”, (que haviam sido rejeitadas pelo Tribunal Judicial de Base e que, por isso, motivaram a apresentação de recurso interlocutório).

Assim, impõe-se-nos considerar que o Tribunal de Segunda Instância não deixou de emitir pronúncia, (ainda que de forma “global”), sobre todas as diligências probatórias que haviam sido anteriormente solicitadas pelo A. e cuja recusa foi objecto de recurso.

Questão (totalmente) diferente prende-se com a eventual “falta de fundamentação”, (no caso, parcial), do Acórdão recorrido.

Diz a doutrina (que se considera boa, se não, a melhor), que “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.° 2 do art. 668.°. (…)”; (cfr., v.g., Alberto dos Reis in, “C.P.C. Anotado”, Vol. V, pág. 140).

Na verdade, “Importa esclarecer que a nulidade da alínea b) (quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão) só se verifica na ausência total de fundamentação.
Se a fundamentação é deficiente ou incompleta, não há nulidade. A sentença será então, ilegal ou injusta, podendo da mesma ser interposto recurso, nos termos gerais”; (cfr., v.g., Viriato de Lima in, ob. cit., pág. 568, sendo, também, de ver o Ac. deste T.U.I. de 13.05.2022, Proc. n.° 74/2021 que: “Como se sabe, a jurisprudência dos tribunais de Macau tem entendido que só nos casos em que se detecta uma ausência total de fundamentação é que se verifica a situação de falta de fundamentação vício gerador da nulidade da sentença, a fundamentação deficiente ou incompleta não implica a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC”).

Para maior clareza expositiva, vale a pena atentar aqui que, in casu, o A. solicitava as seguintes diligências probatórias:
I – Que a 1.ª Ré junte aos autos a sua escrituração mercantil e documentos a ela relacionados relativa aos exercícios de 2017 e 2018;
II – Que a 1.ª Ré junte aos autos os formulários da Direcção dos Serviços de Finanças M3/M4 relativos ao pagamento do imposto profissional dos seus empregados inscritos para os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019;
III – Que a 1.ª Ré junte aos autos os comprovativos dos pagamentos feitos ao FSS relativos aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 até à presente data;
IV – Que a 1.ª Ré junte aos autos comprovativo do pagamento no FSS da taxa de contratação mensal dos trabalhadores não residentes, relativos aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019; e
V – Que a E junte aos autos:
a) A sua escrituração mercantil e documentos a ela relacionados relativa aos exercícios de 2017 e 2018;
b) Os formulários da Direcção dos Serviços de Finanças M3/M4 relativos ao pagamento do imposto profissional dos seus empregados inscritos para os anos de 2017, 2018 e 2019;
c) os comprovativos dos pagamentos feitos ao FSS relativos aos anos de 2017, 2018 e 2019 até à presente data;
d) comprovativo do pagamento no FSS da taxa de contratação mensal dos trabalhadores não residentes, relativos aos anos de 2017, 2018 e 2019.

Por sua vez, recorde-se também que o Acórdão recorrido fundamentou a decisão agora impugnada nos seguintes termos:

“Ora, a causa de pedir do Autor consiste em, basicamente, no facto de por experiência profissional e relações pessoais que tinha na altura, conseguiu um contrato de prestação de serviços de segurança, celebrado pela H, devidamente identificada nos autos e a 1ª Ré, de que o Autor/Recorrente não era nem é sócio, como contrapartida o Autor tinha direito, segundo aquilo que foi alegado pelo Autor, a receber 30% sobre os lucros distribuíveis anuais da 1ª Ré.
Ora, um dos factos assentes veio a confirmar, parece-nos, a versão do Autor, que é o facto assente 14º com o seguinte teor:
Em 09 de Fevereiro de 2015, 03 de Março de 2016, e 02 de Março de 2017, o Autor recebeu da 1ª Ré, cada vez nas datas indicadas, o montante de MOP600,000.00. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)

O que o Autor veio a reclamar é justamente as desavenças do ano 2018 e 2019, conforme o que ficou provado no facto 16º (Em data não apurada de 2017, começou a ocorrer desavenças entre o Autor e o 2º Réu. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)), a 1ª Ré deixou de pagar tais quantias.
Ora, nesta óptica, é decisivo saber que natureza é que assumias tais quantias (MOP$600,000.00) que a 1ª Ré pagava ao Autor/Recorrente, como este não é sócio, não tem acesso directo a tais informações da 1ª Ré, entendemos assim que os pedidos formulados por ele são legítimos e estão fundamentados, ou seja, nas escrituração mercantil da 1ª Ré, há-de ter elementos esclarecedores sobre a razão de pagamento de tais quantias (MOP$600,000.00).
Do mesmo modo, para indeferir os pedidos, o Tribunal a quo invocou abstractamente que o Autor/Recorrente não chegou a indicar concretamente os quesitos que pretendem ser provados mediante os documentos, cuja junção foi pedida pelo Autor, não é verdade esta afirmação, o requerimento do Autor indicou espressamente quais documentos que pretende obter e para provar quais quesitos.
Na mesma medida a razão de carácter segredo da escrituração mercantil invocado pelo Tribunal recorrido para indeferir os pedidos são insuficientes, visto que tal carácter não é absoluto, já que o artigo 52º do CCOM dispõe:
(…)
Agora, se tais documentos fossem suficientes para comprovar os quesitos em causa? Já é uma questão diferente. Mas, o Tribunal devia ordenar a junção dos documentos pedidos. Se depois entender que eles são impertinentes, poderá ordenar o seu destrenhamento e condenar o Requerente nas multas. Mas não deve indeferir logo nesta fase os pedidos em causa.
Nesta matéria, importa realçar o que ficou consagrado nos artigos 6º e 8º do CPC, que manda:
(…)
Nester termos, entendemos que as diligências probatórias requeridas pelo Autor/Recorrente são pertinentes e que têm valor para boa decisão da causa, o que é razão bastante para revogar o despacho impugnado, deferindo-se os pedidos em causa e ordenando-se que o Tribunal a quo aprecie tais provas e proferir nova decisão sobre a matéria de facto em conformidade e, repetido o julgamento, proferir nova decisão de mérito conforme as provas a produzir-se em sede própria (artigo 629º/3 do CPC).
Com o que fica prejudicado o conhecimento do recurso sobre o mérito interposto pelo Autor/Recorrente.
*
Sintesese conclusiva:
Quando, em nome dos princípios inquisitório e de cooperação (artigos 6º e 8º do CPC) e também para a descoberta da verdade material, o Autor pediu ao Tribunal que fosse notificada a 1ª Ré (sociedade comercial) para juntar aos autos um conjunto de documentos de escrituração mercantil (mais do que 10), tendo justificado os pedidos em causa, para comprovar os quesitos expressamente indicados, porque ele, o Autor, não é sócio da 1ª Ré, mas existe um acordo entre eles, a 1ª Ré reconhecia ao Autor o direito de receber 30% sobre os lucros distribuíveis anuais, tendo a Ré cumprido tal acordo, procedendo ao pagamento de quantias nos anos 2015 a 2017 conforme os factos dados como assentes pelo Tribunal recorrido, os pedidos do Autor devem ser atendidos porque são dados pertinentes e têm valor para a boa decisão da causa. Quando o Tribunal recorrido, sem razão bastante e ponderosa, indeferiu tais pedidos, incorreu na violação dos princípios acima referidos e como tal deve ser revogado o despacho impugnado, deferindo-se os pedidos e mandando-se a repetição do julgamento sobre a matéria de facto nos termos legalmente prescritos (artigo 629º/3 do CPC)”; (cfr., fls. 1188 a 1190, pág. 69 a 73 do Ac. recorrido).

Pois bem, tomando em consideração a transcrita fundamentação do Acórdão recorrido, cremos que se deve concluir que o Tribunal a quo apresentou uma fundamentação tão só dirigida ao primeiro pedido constante do requerimento probatório do A.: referente à junção aos autos da escrituração mercantil da 1ª R., (e dos documentos relacionados com a mesma).

Segundo Miguel Teixeira de Sousa, a falta de fundamentação “verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…)”; (in ob. cit., pág. 221).

Adoptando-se esta perspectiva com a qual concordamos, e através da qual se deve considerar que “cada diligência probatória” corresponde a “um pedido” (autónomo), afigura-se pois que a 1ª R., ora recorrente, tem razão quando aponta ao Acórdão recorrido o vício de “falta de fundamentação”.

Poder-se-ia, (quiçá), defender, que o Tribunal de Segunda Instância fundamentou a sua decisão relativamente a todas e cada uma das diligências probatórias requeridas quando afirmou no Acórdão ora recorrido que:

“Do mesmo modo, para indeferir os pedidos, o Tribunal a quo invocou abstractamente que o Autor/Recorrente não chegou a indicar concretamente os quesitos que pretendem ser provados mediante os documentos, cuja junção foi pedida pelo Autor, não é verdade esta afirmação, o requerimento do Autor indicou expressamente quais documentos que pretende obter e para provar quais quesitos.
(…)
Nestes termos, entendemos que as diligências probatórias requeridas pelo Autor/Recorrente são pertinentes e que têm valor para boa decisão da causa, o que é razão bastante para revogar o despacho impugnado, deferindo-se os pedidos em causa e ordenando-se que o Tribunal a quo aprecie tais provas e proferir nova decisão sobre a matéria de facto em conformidade e, repetido o julgamento, proferir nova decisão de mérito conforme as provas a produzir-se em sede própria (artigo 629º/3 do CPC)”; (cfr., pág. 70 e 72 do Ac. recorrido).

Donde que se poderia (eventualmente) sustentar que, ainda que de forma bastante sintética, o Tribunal recorrido não deixou de apresentar a sua motivação para a sua decisão de deferimento de todas as diligências probatórias cuja rejeição justificou a apresentação de recurso por parte do A..

Contudo, uma “leitura global” da decisão leva-nos a concluir noutro sentido.

Desde logo, importa atentar que a “fundamentação” apresentada limita-se a apontar motivos (específicos e concretos) relativos à apresentação da “escrituração mercantil da 1ª R.”, omitindo-se, por completo, qualquer justificação quanto à apresentação dos formulários M3/M4 da Direcção dos Serviços de Finanças relativos ao pagamento do imposto profissional dos empregados da 1ª R. inscritos para os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, bem como aos pagamentos feitos por esta 1ª R. ao Fundo de Segurança Social pelos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 até à presente data, (incluindo o pagamento da taxa de contratação mensal dos trabalhadores não residentes).

Por sua vez, acresce que tão pouco é apresentada qualquer motivação quanto à apresentação da escrituração mercantil de terceiro, (“E”), e dos formulários M3/M4 da Direcção dos Serviços de Finanças relativos ao pagamento do imposto profissional dos empregados desse terceiro nos anos de 2017 e 2018 ou dos pagamentos feitos por esse terceiro ao Fundo de Segurança Social, (sendo, ainda, de notar que, até mesmo a “síntese conclusiva” do Acórdão recorrido volta a referenciar apenas e tão só o facto do A. ter pedido ao Tribunal que “fosse notificada a 1ª Ré (sociedade comercial) para juntar aos autos um conjunto de documentos de escrituração mercantil (mais do que 10), (…)”).

Nesta conformidade, e ressalvado o muito devido respeito, cremos nós que se impõe constatar que o Tribunal de Segunda Instância considerou procedente o recurso apresentado pelo A. contra a decisão de indeferimento das diligências probatórias acima indicadas sem que tivesse explicitado (qualquer) fundamentação para a alteração da decisão no que concerne às “diligências probatórias constantes dos pontos II a V do requerimento probatório do A.”, o que implica um “vício de falta de fundamentação” que é sancionado com o desvalor da nulidade nos termos do art. 571°, n.° 1, alínea b) do C.P.C.M., devendo-se, então, dar cumprimento ao disposto no art. 651°, n.° 2 do C.P.C.M. com a “baixa do processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada”.

–– Aqui chegados, uma outra “questão” se apresenta pertinente.

Com efeito, a solução que se deixou consignada não atinge a decisão de (deferimento da diligência probatória da) apresentação da “escrituração mercantil”.

Nesta conformidade, vejamos se é a mesma adequada, (necessário não parecendo uma extensa fundamentação para se chegar a uma decisão).

Pois bem, o Acórdão recorrido considera – em síntese – que o “carácter sigiloso” de tal documentação não é “absoluto”, assim autorizando o pedido do A., ora recorrido.

Ora, nos termos do art. 461° do C.P.C.M.:

“A exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial”.

Em sintonia com o assim estatuído, e regulamentando tal “matéria” prescreve o art. 52° do (citado) C. Comercial que:

“1. A escrituração mercantil dos empresários é secreta, sem prejuízo do disposto nos números seguintes e em disposições especiais.
2. A exibição ou exame geral dos livros, correspondência e demais documentos dos empresários só pode decretar-se, oficiosamente ou a requerimento de parte, nos casos de sucessão universal, suspensão de pagamentos, falência, liquidação de sociedades ou de outros empresários comerciais, pessoas colectivas, e quando os sócios tenham direito ao seu exame directo.
3. Fora dos casos previstos no número anterior, pode ser ordenada a exibição de escrituração mercantil, a requerimento de parte ou oficiosamente, quando o empresário a quem pertença tenha interesse ou responsabilidade no assunto que justifica a exibição; o exame restringir-se-á exclusivamente aos aspectos que tenham directa relação com a questão de que se trate”.

Por sua vez, importa atentar também no estatuído no art. 53° do mesmo Código, segundo o qual:

“1. O exame a que se refere o artigo anterior, seja geral ou particular, efectuar-se-á na empresa do empresário, na sua presença ou na de pessoa por ele indicada, devendo ser adoptadas as medidas que se revelem adequadas para a devida conservação e custódia dos livros e documentos.
2. Em qualquer caso, a pessoa a cuja solicitação se decrete o exame poderá servir-se de técnicos auxiliares na forma e número que o tribunal considere necessários”.

Isto visto e dito, e para melhor se esclarecer o que é que em questão agora está, importa definir o conceito de “escrituração mercantil”.

Pois bem, acompanhando António Menezes Cordeiro, dir-se-á que a “escrituração mercantil exprime o conjunto de livros que o comerciante deve ter para conhecer e dar a conhecer, com facilidade e precisão, as suas operações e o estado do seu património. Além disso, essa locução pode ainda traduzir a técnica de registar as operações comerciais e as consequências patrimoniais delas advenientes. Neste último sentido, a escrituração é sinónimo de contabilidade; a escrituração material será, então, a aplicação desta”; (in “Manual de Direito Comercial”, Vol. I, 2001, pág. 297).

Porém, afigura-se-nos que o alcance deva ser mais abrangente do que a “contabilidade”, pois que como salienta Paulo Olavo Cunha:

“Só os livros de actas são hoje obrigatórios (cfr. art. 31.º, n.º 1, do CCom), mas a escrituração abrange todos os documentos pertinentes à sua actividade, incluindo a sua correspondência e contratos.
A escrituração não se confunde, assim, com as contas dos comerciantes, isto é, com a organização contabilística da sua actividade que abrange fundamentalmente a expressão financeira dos respectivos negócios, desde o registo até à apresentação”; (in “Lições de Direito Comercial”, pág. 119).

No mesmo sentido, considera também Miguel Pupo Correia que a escrituração é “o registo dos factos que podem influir nas operações e na situação patrimonial dos comerciantes. (…)
Não deve confundir-se a escrituração do comerciante com a sua contabilidade: esta é apenas a compilação, registo, análise e apresentação, em termos de valores pecuniários, das operações comerciais. É, pois, uma parte muito importante da escrituração, mas esta abrange, além dela, outros registos e arquivos: actas, contratos, correspondência e demais documentação do comerciante”; (in “Direito Comercial – Direito da Empresa”, 11ª ed., pág. 93).

Em suma, a escrituração mercantil consiste “no registo ordenado e sistemático em livros próprios de factos (normalmente mas não necessariamente jurídicos) relativos à actividade mercantil dos comerciantes, tendo em vista a informação deles e de outros sujeitos.
Sendo embora muito importante, a contabilidade – o registo em unidades monetárias de factos, operações e situações patrimonial-contabilizáveis – não esgota a escrituração; esta compreende ainda, designadamente, a documentação de correspondência expedida pelo comerciante e as actas de reuniões de órgãos (plurais, em regra) de sociedades e outras entidades colectivas”; (cfr., v.g., Jorge Coutinho de Abreu in, “Curso de Direito Comercial”, Vol. I, 4ª ed., pág. 170).

Por sua vez, não se pode igualmente perder de vista que a “escrituração mercantil”, tradicionalmente entendida (e pela lei) tratada como “secreta”, tem sido objecto de observações várias sobre este aspecto.

Como nota António Menezes Cordeiro: “Segundo o acima referido artigo 41.º, a escrituração mercantil estaria sujeita a segredo. Todavia, uma série de excepções veio a transformar a regra no seu oposto. (…)
Assistiu-se, assim, a uma progressiva intervenção do Estado nas contas e na escrita dos comerciantes. Primeiro a pretexto de supervisionar sectores sensíveis, como a banca e os seguros, de modo a proteger as pessoas e o mercado; depois, em geral, alargou-se a fiscalização às sociedades, sempre no interesse particular. Finalmente, com fins fiscais, a fiscalização atingiu todos os agentes económicos”; (in ob. cit., pág. 303 e 304).

No mesmo sentido considera também Jorge Coutinho de Abreu que: “Diz-se usualmente que esta norma consagra o carácter secreto da escrituração mercantil (dito acompanhado por um outro bem conhecido: “o segredo é a alma do negócio”) – embora se acrescente habitualmente também que o “princípio do segrego” sofre diversas restrições”; (in ob. cit., pág. 175 e 176).

Ora, atento o seu “regime legal”, não há que duvidar do carácter secreto da escrituração mercantil; (cfr., o art. 52° do C. Comercial).

Porém, (e como nos parece razoável e natural), situações existem, (ou podem existir), que em face de interesses atendíveis justificam o levantamento de certas e determinadas restrições.

Com efeito, mostra-se pois de referir que se tem entendido que “A exibição por inteiro dos livros da escrituração comercial está, em princípio, vedada, mas tal não impede o exame ou inspecção parcial, na parte que seja necessária à prova”; (cfr., v.g., José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto in, “C.P.C. Anotado”, Vol. II, 2ª ed., pág. 469).

E como (também) refere Fernando Pereira Rodrigues, “fora do caso da exibição por inteiro da escrituração, que apenas é facultada nas situações previstas no preceito citado, nada impede a exibição, para exame e/ou junção de cópia, de elementos da escrituração comercial. A lei do processo não admite a recusa de tais elementos, sendo certo que o artigo 43.º, do Código Comercial até prevê, com limites, o exame daqueles elementos, ao estabelecer que «fora dos casos previstos no artigo precedente, só poderá proceder-se a exame nos livros e documentos dos comerciantes, a instâncias da parte, ou de ofício, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida».
A diferença de regimes tem inteira justificação, pois que enquanto “a exibição por inteiro” envolve o exame completo dos livros, permitindo uma devassa total da actividade profissional do comerciante, e só pode, por isso, ter lugar nos casos, taxativamente, enumerados no artigo 42.º, já a “apresentação” constitui, segundo o artigo 43.º um exame restrito aos elementos da escrituração que interessam à prova de determinado facto concreto, não assumindo, consequentemente, a mesma incomodidade.
Da conjugação dos normativos citados decorre, pois, que o segredo da escrituração mercantil, previsto nos artigos 41.º, 42.º e 43.º do Código Comercial, não faculta às partes recusar a apresentação dos documentos quando se trate de apurar factos em que tenha interesse ou responsabilidade a pessoa a quem eles pertençam, na medida em que aquele segredo não pode subsistir em tal situação, sendo que, em todo o caso, face a um eventual conflito de interesses, por um lado, o do segredo comercial e, por outro, o do dever geral de colaboração com a administração da justiça, sempre o direito ao segredo deve ceder perante um interesse público superior, que é o da boa administração da justiça”; (in “Os Meios de Prova em Processo Civil”, 2015, pág. 119).

Ponderando no que se deixou exposto, cabe então perguntar: em causa está uma situação de “exibição judicial, por inteiro”, da escrituração mercantil da 1ª R. que vai além do que é permitido nos termos do prescrito no transcrito art. 52° do C. Comercial?

Pois bem, in casu, solicitada não foi a apresentação (indiscriminada) de “toda a escrituração mercantil da 1ª R.”, mas, apenas, a que diz respeito “aos exercícios de 2017 e 2018 (…)”.

E, assim, atentos os “interesses em jogo”, adequado não parece considerar que a decisão recorrida incorre em “violação dos art°s 455°, 461° e 52° do C. Comercial”, pois que não foi solicitada a “totalidade da escrituração mercantil” da 1ª R., mas apenas a escrituração relativa aos “exercícios de 2017 e 2018”, (certo sendo que também não era exigível uma “obrigação de indicar especificadamente o assento, ou assentos, que deverão ser examinados, pois isso suporia, quando o exame fosse requerido por pessoa diversa do dono da escrituração, ou ordenado pelo juiz, um conhecimento tal da escrita a examinar que não é fácil de admitir”, (cfr., v.g., José Gabriel Pinto Coelho in, “Lições de Direito Comercial”, Vol. I, 2ª ed., pág. 561), sendo assim de, nesta parte, manter o decidido do Acórdão recorrido, havendo-se, no entanto, que referir, (e sublinhar), que o exame à referida documentação deve observar e ocorrer nos termos do disposto no art. 53° do C. Comercial, (dado que não se pretende apenas a apresentação de simples documentos avulsos da escrituração mercantil, mas a consulta da escrituração mercantil relativa a um determinado período de tempo para exame ou eventual junção de cópia de parciais elementos da escrituração comercial em questão).

Dest’arte, em face do que se explicitou – atenta a referência ao estatuído no art. 53° do C. Comercial – e outra questão não havendo a conhecer, resta deliberar como segue.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos que se deixaram expendidos, em conferência, acordam:
- não admitir o recurso dos 2° e 3° RR., C e D, com custas pelo incidente pelos mesmos e com taxa de justiça individual de 3 UCs;
- conceder parcial provimento ao recurso da 1ª R., “B”, revogando-se o Acórdão recorrido nos exactos termos consignados, suportando a recorrente e o A. recorrido as respectivas custas pelos seus decaimentos, com taxa de justiça individual que se fixa em 3 e 5 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.S.I. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 17 de Janeiro de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 88/2022 Pág. 18

Proc. 88/2022 Pág. 19