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Processo n.º 43/2024 Data do acórdão: 2024-3-21 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– acidente de viação
– incapacidade permanente parcial
– indemnização da perda da capacidade de ganho
S U M Á R I O
Tendo a lesada no acidente de viação reclamado na petição cível enxertada em processo penal a indemnização com fundamento na perda da capacidade de ganho por causa da incapacidade permanente parcial (IPP) sofrida em consequência do acidente, e não com fundamento na ocorrência da IPP como um dano físico no seu corpo, há que achar a quantia indemnizatória daquela perda com consideração, mormente, dos seguintes factores: o rendimento mensal da demandante à data do acidente, a esperança da sua vida profissional desde a cessação do período da sua incapacidade temporária absoluta (ITA) até à consabidamente compreendida idade de 65 anos para aposentação, a percentagem total da IPP, e o factor de desconto para neutralizar o efeito de bolada resultante do recebimento de toda a soma indemnizatória numa vez só.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 43/2024
(Autos de recurso penal)
Recorrente (demandante civil): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 717 a 743 do Processo Comum Colectivo n.o CR4-21-0245-PCC (com enxertado pedido cível de indemnização emergente de acidente de viação) do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte respeitante à decisão civil, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) a ofendida demandante A, alegando e peticionando, na motivação apresentada a fls. 754 a 770 dos presentes autos correspondentes, o seguinte:
– o montante de MOP$150.000,00 fixado nesse aresto para indemnização da sua perda da capacidade de ganho por causa da Incapacidade Parcial Permanente (IPP) sofrida em consequência do acidente de viação é demasiado baixo e contraria o juízo de equidade do art.o 560.o, n.o 6, do Código Civil (CC), devendo esse montante passar a ser de MOP$550.000,00 (como resultante sensivelmente do cálculo matemático através da seguinte fórmula: MOP$21.603,00 (rendimento mensal total dela como croupier em casino, à data do acidente) x 12 (meses) x 18 (anos da esperança da vida profissional, a partir do dia do acidente até à idade de 65 anos para reforma) x a percentagem da IPP x 20% (20%, ao máximo, como factor de desconto, para neutralizar o efeito de bolada da atribuição da indemnização numa vez só);
– e o montante de MOP$200.000,00 atribuído no mesmo acórdão para reparação dos seus danos morais viola o art.o 560.o, n.o 5, do CC, devendo esse montante passar a ser fixado em MOP$500.000,00.
Ao recurso, respondeu a demandada seguradora B, S.A., a fls. 788 a 797 dos presentes autos, defendendo a improcedência do mesmo.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista dada a fl. 809 dos autos, opinou que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa matéria meramente civil.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da factualidade da causa cível enxertada no subjacente processo penal julgada como provada e como tal descrita nas páginas 9 a 17 do texto do acórdão recorrido (a fls. 721 a 725 dos autos), e materialmente não impugnada na motivação do recurso da ofendida demandante, sabe-se, nomeadamente, que a ofendida ora recorrente nasceu em 28 de Fevereiro de 1973, e trabalha, à data do acidente de viação dos autos (ocorrido em 23 de Agosto de 2020), como croupier em casino, com rendimento mensal composto por duas quantias pecuniárias, uma de MOP$9.662,00 e a outra de HKD$11.592,23, e por causa do acidente de viação, acaba ela por ter duas taxas de IPP, de 8% e de 5% (cfr. essas circunstâncias fácticas provadas e referidas outra vez na página 46, a fl. 739v dos autos, em sede da fundamentação jurídica da fixação da quantia indemnizatória da IPP em MOP$150.000,00), sendo certo que o período da sua Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) por causa do acidente cessou em finais de Fevereiro de 2022.
No art.o 80.o do pedido cível inicialmente enxertado a fls. 94 a 119 dos autos, pediu a ofendida demandante a atribuição de uma quantia para indemnização da perda da capacidade de ganho por causa da IPP sofrida.
O Tribunal a quo fixou em MOP$150.000,00 a quantia destinada à indemnização da IPP da demandante, e fixou em MOP$200.000,00 (com base nos fundamentos fácticos e jurídicos expendidos nas páginas 47 a 48 do texto do mesmo acórdão, a fl. 740 a 740v dos autos) o montante para reparação dos danos morais sofridos pela mesma ofendida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas ao mesmo tempo nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O cerne do recurso prende-se com a injusteza, ou não, dos montantes fixados pelo Tribunal recorrido para indemnização da IPP (de 13%, no total) e para reparação dos danos morais da ofendida demandante.
Desde já, no tangente à IPP, nota-se que a demandante reclamou a indemnização na sua petição cível inicial com fundamento na perda da capacidade de ganho por causa da IPP (e não com fundamento na ocorrência da IPP como um dano físico no seu corpo).
Daí que, na esteira do entendimento jurídico recentemente assumido por este TSI em recursos congéneres, há que achar a quantia indemnizatória da perda da capacidade de ganho por causa da IPP, com consideração, mormente, dos seguintes factores:
– o montante total do rendimento mensal da demandante à data do acidente de viação, composto por duas parcelas pecuniárias, uma de MOP$9.662,00, e a outra de HKD 11.592,23;
– a esperança da sua vida profissional por cerca de mais 16 anos (i.e., desde finais de Fevereiro de 2022 em que cessou o período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) até à consabidamente compreendida, segundo as regras da experiência da vida humana na sociedade de Macau, idade de 65 anos para aposentação, em função da data de nascimento em 28 de Fevereiro de 1973);
– a percentagem total (8%+5%=13%) da IPP sofrida em consequência do acidente de viação;
– o factor de desconto, ora fixado em 15%, para neutralizar o efeito de bolada resultante do recebimento de toda a soma indemnizatória numa vez só.
Assim tudo em ponderação, é de passar a fixar em MOP$450.000,00 o montante indemnizatório da perda da capacidade de ganho da demandante por causa da IPP em consequência do acidente de viação dos autos.
E quanto à quantia indemnizatória dos danos morais sofridos pela demandante: O Tribunal recorrido fixou-a em MOP$200.000,00. Atentas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância com pertinência à fixação equitativa, nos termos do art.o 489.o, n.o 1 e n.o 3, primeira parte, do CC, do montante destinado à reparação dos danos morais (tais como as referidas na fundamentação do acórdão recorrido na suas páginas 47 a 48), é já equitativamente justo aquele montante de MOP$200.000,00.
Em suma, procede parcialmente o recurso, sendo certo que o montante indemnizatório da perda da capacidade de ganho da demandante, no valor acima fixado de MOP$450.000,00, passa a vencer juros legais a partir de hoje até integral e efectivo pagamento, enquanto todas as outras quantias indemnizatórias atribuídas no aresto recorrido têm os seus juros legais a contar já desde a data do acórdão recorrido, isto tudo em obediência ao douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 2 de Março de 2011 do Processo n.o 69/2010 do Venerando Tribunal de Última Instância.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso da demandante civil, passando, por conseguinte, a aumentar para MOP$450.000,00 (quatrocentas e cinquenta mil patacas) o montante de MOP$150.000,00 fixado no acórdão recorrido para indemnização da perda da capacidade de ganho por causa da IPP, contando-se os juros legais desta quantia de MOP$450.000,00 a partir de hoje até integral e efectivo pagamento (enquanto os juros legais de todas as outras quantias indemnizatórias atribuídas no acórdão recorrido já começaram a vencer juros desde a data desse aresto até integral e efectivo pagamento).
Custas do pedido civil nas Primeira e Segunda Instâncias pela demandante e pela demandada seguradora, na proporção dos respectivos decaimentos finais.
Macau, 21 de Março de 2024.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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