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Processo n.º 503/2023
(Autos de recurso contencioso)
     
Relator: Fong Man Chong
Data : 11 de Abril de 2024

Assuntos:
     
- Pressupostos necessários para a renovação da autorização da fixação da residência temporária em Macau por motivo de reunião familiar

SUMÁRIO:
I – Face à matéria assente constante dos autos, foi com base na alínea 1) do n.º 2 do artigo 38.º, bem como na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, é que foi concedida aos Recorrentes a respectiva autorização de fixação da residência em Macau, por motivo da reunião familiar da 1.ª Recorrente com o seu cônjuge, residente de Macau e, depois, da 2.ª Recorrente com a 1.ª Recorrente, sua mãe.
II - A autorização de residência que se tenha fundado no casamento do beneficiário da autorização com um residente de Macau, pode ser revogada se a Administração verificar que ocorreu o divórcio ou, então, a mera separação de facto entre os cônjuges, uma vez que, numa e noutra situação, o pressuposto que esteve na base da concessão da autorização terá deixado de se verificar e, consequentemente, a dita autorização terá deixado de se justificar face à finalidade que a determinou.
III – À luz da doutrina jurídico-cível dominante, a verificação da separação de facto pressupõe a reunião de dois elementos: um elemento objectivo, denominado “corpus” que se traduz na ocorrência da ruptura da comunhão de vida que caracteriza a relação matrimonial e que pressupõe a comunhão de leito, mesa e habitação; um elemento subjectivo, designado “animus”, que corresponde a um fenómeno psicológico, uma realidade interior manifestada na intenção, por parte de ambos os cônjuges ou de apenas um deles, de não restabelecer a vida comum e, no caso concorrem, como é manifesto, ambos os elementos. A primeira Recorrente e o seu cônjuge vivem separados e, pelo menos da parte deste, existe o firme propósito de não retomar a vida em comum, uma ruptura definitiva.
IV - Verificando-se a ocorrência de separação de facto entre os cônjuges, fica também demonstrado que o pressuposto que esteve na base da concessão da autorização de residência decaiu e, por isso, é de considerar que se mostra preenchida a hipótese da norma da alínea 3) do n.º 2 artigo 43.º da Lei n.º 16/2021. A Administração estava, pois, legalmente habilitada (ainda que não legalmente vinculada, uma vez que se trará de um poder discricionário) a revogar, como efectivamente revogou, aquela autorização, razão pela qual não merece censura a decisão ora posta em crise e assim deve ser mantida a mesma.

O Relator,
     
_______________
Fong Man Chong

Processo n.º 503/2023
(Autos de recurso contencioso)

Data : 11 de Abril de 2024

Recorrentes : - A
- B

Entidade Recorrida : - Secretário para a Segurança

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A e B, Recorrentes, devidamente identificados nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 29/03/2023, vieram, em 04/07/2023, interpor o recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 4 a 16, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. - O marido da 1.ª recorrente confessa que ambos não estão divorciados, que não intentou uma acção de divórcio nos tribunais de Macau e que não propôs ou sugeriu à sua esposa terminar o casamento por livre acordo, designadamente por Via de divórcio por mútuo consentimento na Conservatória do Registo Civil de Macau.
2. - O marido da 1.ª recorrente não invocou qualquer eventual violação de deveres conjugais por parte da sua esposa, designadamente que esta tivesse violado o dever conjugal de respeito, o dever conjugal de fidelidade, o dever conjugal de cooperação nem o duplo dever conjugal de assistência.
3. - A 1.ª recorrente está e permanece casada com o seu marido e não é o simples facto de que existiram desentendimentos conjugais quanto à vida doméstica do casal que tal pode significar qualquer ruptura do animus conjugalis quanto mais do vínculo jurídico-matrimonial que liga a 1.ª recorrente ao seu marido.
4. - Estão em causa eventos que ocorreram apenas em Maio de 2022 e que, por isso, pese embora o período de 1 ano e 1 mês já decorrido manifestamente não levaram à ruptura do casamento seja por divórcio litigioso, designadamente promovido pelo marido da 1.ª recorrente.
5. - A 1.ª recorrente e o seu marido continuam a contactar e ver-se e pese embora as normais discussões familiares que existiram entre ambos, nem por isso existiu - ou existe - a sensação mútua de que a relação conjugal findou ou vai inexoravelmente findar devido a esses eventos, sendo prova eloquente disso o facto de que o vínculo conjugal se mantém in totum, nunca o marido da 1.ª recorrente tendo exercido o seu direito potestativo e unilateral de requerer o divórcio.
6. - Eventos esses, pois, que o casal ainda está em vias de tentar resolver e ultrapassar e que, por isso, nem são de tal modo graves que impeçam a reconciliação nem são tão urgentes e inadiáveis que tenham levado já o marido da 1.ª recorrente a avançar para um divórcio bilateral ou até mesmo unilateral e potestativo.
7. - Terá sido por um escrúpulo extremado e sem fundamento, ou até quiçá por um injustificado e menos informado receio irrazoável, que o seu marido veio dizer o que veio dizer: a 1.ª recorrente crê que o seu marido sentiu que teria uma espécie de indeclinável dever de ir, de imediato, reportar sem mais às autoridades de Macau qualquer evento ou discussão que tenha interferido na vida normal e quotidiana do casal mesmo que tal evento não tenha levado - nem certamente vá levar - ao divórcio ou a uma ruptura definitiva e irreversível do casamento.
8. - Considerando a persistência do casamento entre a 1.ª recorrente e o seu marido, mostra-se extremamente temerária a decisão a quo, isto porque a decisão a quo assentou e pressupôs um factor que se deve caracterizar como sendo puramente precário e contingente: que a discussão que existiu entre o casal se vai necessariamente converter em dissolução do vínculo conjugal por via de divórcio.
9. - Pergunta-se: continuando a não existir divórcio entre o casal e, pelo contrário, ocorrendo, entretanto, a sua reconciliação definitiva, será ou não repristinada ou reposta a ora cancelada autorização de residência da 1.ª recorrente?
10. - Tal pergunta hipotética coloca em destaque a falácia e precipitação na base da decisão recorrida: presunção ficta e inilidível de que, não obstante permanecerem casados entre si, a 1.ª recorrente e o seu marido não estão nem estarão juntos e que jamais se irão reconciliar.
11. - Tal como se depreende do art. 1534.° do Código Civil, saliente-se que não é a circunstância plenamente lícita de ambos os cônjuges adoptarem momentaneamente diferentes residências conjugais que permite caracterizar a quebra do animus conjugalis.
12. - A decisão ora recorrida fez errada interpretação e aplicação do art.38.°, n.º 2, al. 1), e do art. 42.°, n.º 2, al. 3), ambos da Lei 16/2021 de 16 AGO e, bem assim, dos artigos 1638.°, n.º 1, e 1534.°, ambos do Código Civil.
13. - Consequentemente, atentos esses vícios de violação de lei, a decisão a quo configura-se como um acto anulável, ex vi do art. 124.° do C.P.A., invalidades que aqui se invocam como fundamentos específicos para a sua revogação por V. Ex.as, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e a al. d) do n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
NESTES TERMOS,
deverá ser dado provimento ao presente recurso, determinando-se a anulação do acto recorrido, atento os vícios de violação de lei invocados geradores da sua anulabilidade.
Tendo já sido requerida, a título de preliminar à presente acção, a providência de suspensão de eficácia n.º 435/2023, já decretada e presentemente em prazo para interposição de recurso, deverá esta última ser apensa aos presentes autos de recurso contencioso.
*
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 28 a 40, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos vem pedida a anulação do despacho proferido pelo Secretário para a Segurança, em 29.03.2023, através do qual, confirmando a proposta do CPSP, foram revogadas as autorizações de residência na RAEM que haviam sido concedidas a A (para reunião com o cônjuge residente de Macau) e à sua filha B.
2. As Recorrentes alegam que esse despacho fez uma errada interpretação e aplicação do art.38°, nº2, 1) e do art.43º, nº2, 3) ambos da Lei nº16/2021 e dos artigos 1638º, nº1 e 1534º do Código Civil, uma vez que a percepção da autoridade administrativa de que a relação matrimonial terminou em definitivo não é verdadeira.
3. Para tal argumentam que, pese embora, desde Maio de 2022, após uma discussão, a Recorrente A e o seu marido tenham passado a viver em residências separadas, o vínculo conjugal mantém-se in totum, uma vez que este não promoveu nenhuma acção de divórcio, nem invocou qualquer violação de deveres conjugais por parte da sua esposa.
4. Apesar da Recorrente A reconhecer já não residir com o seu marido, tal circunstância não permite às autoridades concluir que o seu matrimónio terminou, nem que não seja possível uma reconciliação, razão pela qual a decisão a quo, ao pressupor que a discussão que existiu entre o casal se vai necessariamente converter, por via de divórcio, em dissolução do vínculo conjugal, se mostra extremamente temerária.
Vejamos.
- DOS FACTOS -
5. A ora Recorrente A obteve, por despacho do Secretário para a Segurança de 12.10.2018, autorização de residência para se juntar ao seu marido C, residente de Macau - cfr. fls.107-108, 109-111 e 116 do processo administrativo (doravante "PA").
6. Após ter visto deferido o pedido de renovação dessa autorização e terminando a validade da última em 22.10.2021, a Recorrente veio, em 08.09.2021, solicitar, nos termos do art.22º do Regulamento Administrativo nº5/2003, nova renovação, o que foi deferido em 16.09.2021 e com validade até 12.10.2023 - cfr. fls.133, 135, 141, 162, 164, 167 e 169 do PA.
7. Enquanto a Recorrente B obteve, em 06.06.2019, autorização de residência, a fim de se reunir com a sua mãe A, tendo a mesma sido renovada com validade até 06.06.2024 - cfr. fls. 138 do PA.
8. Em 14.06.2022, o cônjuge da Recorrente A apresentou uma declaração, junto do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), na qual requer o cancelamento da autorização de residência desta, uma vez que se mudou, passou a viver sozinho e se encontram separados (mais ainda não divorciados) desde 16.05.2022 - cfr. fls.223 do PA.
9. Em 02.12.2022, o cônjuge da Recorrente A apresentou no (PSP uma outra declaração, dando novamente conta de que, após ter sugerido divorciarem-se, as discussões com a sua esposa agravaram-se, circunstância que o obrigou, em 16.05.2022, a mudar para outro apartamento, tendo, desde então, deixado de viver juntos - cfr. fls.223 do PA.
10. Em 14.12.2022, o cônjuge da Recorrente A volta a apresentar uma nova declaração, agora, para declarar que mantém uma forte vontade de se divorciar e que certamente não voltará mais a viver com a sua esposa, para além de requerer o cancelamento da autorização de residência desta, em ordem a evitar uma situação que ponha em risco a sua vida - cfr. fls.177 do PA.
11. Em concordância com a informação nº300003/SRDARPREN/2023P, de 08.02.2023 e com o Director do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, foi proposta pelo CPSP, em 13.03.20223, a revogação da autorização de residência concedida à Recorrente A (reunião com o cônjuge em Macau) e à sua filha B, ao abrigo dos artigos 38º, nº2, 1) e 43º, nº2, 3) da Lei nº16/2021 - cfr. fls. 227-231 do PA.
12. Tal proposta foi submetida à consideração do Secretário para a Segurança, o qual proferiu, em 29.03.2023, o seguinte despacho:
“Concordo. Proceda-se conforme proposto.”- cfr. fls.231 do PA.
13. Ambas as Recorrentes, bem como o mandatário, foram notificados desse despacho através dos ofícios do CPSP datados de 23.05.2023 e expedidos por via postal - cfr. fls.239-245 do PA.
- DO DIREITO -
14. No caso sub judice, o despacho recorrido, confirmando a proposta do CPSP, revogou as autorizações de residência na RAEM que haviam sido concedidas a A e à sua filha B.
15. De facto, foi concedida, em 12.10.2018, à Recorrente A autorização de residência, a fim de se reunir com o seu marido na RAEM Macau, tendo a mesma sido renovada com validade até 12.10.2023.
16. Enquanto a Recorrente B obteve, em 06.06.2019, autorização de residência, a fim de se reunir com a sua mãe A.
17. Sucede que, em Junho e Dezembro de 2022, C, cônjuge da Recorrente A, veio solicitar ao CPSP o cancelamento da autorização de residência desta, uma vez que, apesar de ainda não estar divorciado, se separou dela em 16.05.2022 e desde então vive sozinho.
18. Foi essa a circunstância que deu origem à decisão aqui em crise, na medida em que se verifica o decaimento do pressuposto que tinha fundado a autorização de residência concedida, em 12.10.2018, à Recorrente A.
19. As Recorrentes imputam ao acto sindicado o vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do art.38º, nº2, 1) e do art.43º, nº2, 3) ambos da Lei nº16/2021 e dos artigos 1638°, nº1 e 1534° do Código Civil, uma vez que a percepção da autoridade administrativa de que a relação matrimonial terminou em definitivo não é verdadeira.
20. Já que, pese embora, desde Maio de 2022, após uma discussão, a Recorrente A e o seu marido tenham passado a viver em residências separadas, o vínculo conjugal mantém-se in totum, uma vez que este não promoveu nenhuma acção de divórcio, nem invocou qualquer violação de deveres conjugais por parte da sua esposa.
21. Apesar da Recorrente A reconhecer já não habitar com o seu marido, argumenta que tal circunstância não permite às autoridades concluir que o seu matrimónio terminou, nem que não seja possível uma reconciliação, razão pela qual a decisão a quo, ao pressupor que a discussão havida entre o casal se vai necessariamente converter em dissolução do vínculo conjugal, se mostra extremamente temerária.
Vejamos.
22. Pelo acto sindicado foram revogadas as autorizações de residência da Recorrente A e da sua filha B, com fundamento no facto do marido daquela ter expressamente informado as autoridades de que se havia separado desta em Maio de 2022.
23. Sendo certo que, a entidade competente não se limitou a acolher a situação de facto relatada pelo marido da Recorrente A, pois que tal realidade foi confirmada pela própria, quando esclareceu que, efectivamente, deixou de viver com o seu marido.
24. Não restando qualquer dúvida que, em Maio de 2022, a Recorrente A e o seu cônjuge se separaram e passaram a habitar em diferentes casas, o acto pelo qual foi revogada quer a autorização da residência que havia sido concedida a esta, quer à sua filha, é, como veremos, irrepreensível.
25. É indubitável que a revogação da autorização de residência representa um acto ablativo, um acto que amputa um "status quo" favorável e positivo anterior.
26. E como neste tipo de acto administrativo o ónus probatório dos pressupostos de facto do acto incumbe à Administração, esta procurou inteirar-se acerca do verdadeiro e actual estado do matrimónio.
27. Realmente, a finalidade invocada pela recorrente A para a autorização de residência inicialmente pretendida foi a reunião conjugal e não outra.
28. Os factos mostram também que a Recorrente A não cumpriu o dever de comunicação a que se encontra sujeita ao não reportar às autoridades que se tinha separado do seu marido, pois foi a união familiar com ele que permitiu estarem reunidas as condições para lhe ser concedida autorização de residência na RAEM.
29. Tal como a lei está redigida, o que, verdadeiramente, importa indagar é se houve alteração do condicionalismo fáctico específico que esteve na base do acto administrativo inicial que concedeu a autorização de residência.
30. E, pelo que foi apurado no procedimento administrativo, a reunião conjugal entre a Recorrente A e o seu marido deixou de existir desde Maio de 2022.
31. Circunstância que preenche a causa do decaimento do pressuposto que tinha fundado a autorização de residência concedida à Recorrente A e da qual depende a autorização de residência da sua filha B.
32. Sendo assim os vícios em causa têm necessariamente que improceder.
33. Com efeito, o acto em crise nos presentes autos não pode ser anulado com fundamento em violação de lei, tal como reivindicado pelas Recorrentes, quer porque a Recorrente A reconheceu (para além do seu marido) e confirmou no procedimento administrativo que, realmente, os dois cônjuges deixaram de viver juntos como marido e mulher.
34. Porquanto, a decisão recorrida não se mostra ilegal, uma vez que foi adoptada com base em pressupostos factuais coincidentes com a realidade.
35. Ora, não pode olvidar-se que foi a separação de facto da Recorrente A e do seu marido, em Maio de 2022, que determinou a adopção do acto sindicato, decaindo, desse modo, o pressuposto que tinha fundado a autorização de residência concedida em 12.10.2018.
36. De resto, a manutenção de casamentos meramente formais não serve como motivo de autorização/renovação de residência na RAEM, pois que, o que importa é a convivência efectiva e não a mera manutenção do vínculo legal.
37. Portanto, nada impede que, descoberta tal ocorrência e assente o fim dos "laços familiares" - o motivo que serviu de suporte à concessão da autorização da residência daquela recorrente - a situação se inverta.
38. Para além de que, a separação do casal constitui, por si só, fundamento para ser revogada a autorização de residência em Macau da ora Recorrente A - in casu, concedida, portanto, numa circunstância que deixou de se verificar (reunião conjugal com o marido residente da RAEM) - bem como, porque dependente desta, a autorização concedida à sua filha B.
39. Preenche a causa do decaimento do pressuposto de "reunião conjugal com o marido residente na RAEM" a circunstância de, mesmo sem estar dissolvido o casamento, os cônjuges se terem separado de facto.
40. Na verdade, se o pressuposto ou requisito que levou a Administração a conceder a autorização de residência inicial foi a "reunião conjugal", temos que concluir que ele decaiu com o fim da comunhão de vida entre a Recorrente A e o seu marido em 2022.
41. Verificando-se este circunstancialismo, está logo integrado, inequivocamente, o decaimento do pressuposto (positivo) da reunião familiar que esteve na base da concessão de autorização de residência àquela recorrente.
42. Se, tal como aqui sucede, a autorização de residência à Recorrente A foi concedida por motivo de "reunião conjugal" com o marido residente na RAEM, a mesma pode ser revogada nos termos do art.43º, nº2, 3) da Lei nº16/2021 se, posteriormente, vier a verificar-se o decaimento desse pressuposto.
43. Tomando em conta a globalidade do despacho e dos pareceres para que remete, resulta a identificação de uma realidade algo diversa daquela que, agora, as Recorrentes sustentam no presente recurso.
44. De facto, a Recorrente A alega que, apesar de reconhecer não habitar com o seu marido, tal circunstância não permite concluir que a relação matrimonial findou, pois até à data não foi intentada nenhuma acção de divórcio.
45. Ora, verificando-se in casu a inexistência de efectiva vida em comum (ou convívio) entre a Recorrente A e o seu cônjuge, tal circunstância faz cessar a situação de existência de "laços familiares" que serviu de suporte à concessão de autorização de residência.
46. O facto-índice "laços familiares" impõe uma situação de facto, com efectiva convivência e existência de laços afectivos e não a mera manutenção do vínculo legal.
47. Recorde-se que a manutenção de casamentos meramente formais não serve como motivo de autorização/renovação de residência na RAEM, pois o que importa é a convivência efectiva, com "afectio" e não a manutenção, ainda que artificialmente, de um vínculo conjugal.
48. O conceito de "separação de facto" traduz-se em, tal como aqui sucede, não existir entre os cônjuges nenhuma "comunhão de vida", pois que não partilham no dia-a-dia aspectos próprios de uma "relação a dois".
49. O que revela aos olhos da Lei é a existência ou inexistência, real, efectiva (não apenas aparente, de fachada) da comunhão física e espiritual própria do casamento.
50. Demonstrada a cessação da comunhão de vida entre os cônjuges está demonstrado o pressuposto da caducidade da autorização de residência cujo pressuposto havia sido a reunião familiar da Recorrente A com o seu cônjuge - cfr. Ac. do TSI de 16.06.2022 (Proc. nº780/2021).
51. Não se pode olvidar que o cônjuge da Recorrente A apresentou três participações, nos meses de Junho e de Dezembro de 2022, ao Departamento competente da PSP informando que deixou de viver com ela desde 16.05.2022 e que estaria a pensar obter o divórcio.
52. Foi com base nesta informação que o procedimento administrativo foi desencadeado com vista à revogação das autorizações de residência concedidas às Recorrentes.
53. Ora, no recurso contencioso e no procedimento administrativo (pois a própria Recorrente A aceitou esse facto na audiência de interessados) é confessado o facto de que os cônjuges não vivem juntos, mas sim separadamente e em casas distintas.
54. Sendo isto verdade, então a situação é, sem dúvida alguma, de separação de facto, o que contraria o fundamento que esteve na base da concessão da autorização de residência Recorrente A e, por tal razão, é motivo para a revogação desta, face aos artigos 42º, 2) e 43º, nº2, 3) da Lei nº 16/2021.
55. E isto é, por si só, suficiente para manter o acto administrativo impugnado, já que este unicamente se limitou a destacar a circunstância de os cônjuges não coabitarem há vários meses e de a Recorrente A deixar de ter a vida em comum com o seu marido.
56. Não tendo sido relevante para o acto a alegada circunstância de a Recorrente A não estar a ponderar o termo da união conjugal através do divórcio.
57. Esta situação é, aliás, idêntica a outra onde o Tribunal de Segunda Instância (TSI) esclareceu, de forma expressa, que na aplicação das normas citadas no acto em crise não importa saber se a Recorrente pretende manter o casamento - vd Ac. do TSI, de 08.02.2018 (Proc. nº683/2016).
58. Pois bem, como se colhe da matéria de facto transcrita, é inquestionável que a autorização de residência da ora Recorrente A, teve como razão de ser, possibilitar a sua pretendida "reunião familiar com o seu cônjuge", ao tempo, já residente na RAEM.
59. Nesta conformidade, e considerando-se que a "reunião familiar" entre essa Recorrente e o seu cônjuge deixou de existir, entendeu-se que aquela concedida autorização de residência perdeu a sua justificação, implicando a necessária revogação e, consequentemente, a da sua filha B.
60. Vêm, porém, as Recorrentes alegar que não houve "ruptura da comunhão de vida conjugal" e que "a falta de vida em comum é mesmo consentida pelo art.1534º do Código Civil", sem que "daí resulte qualquer situação de separação de facto", nos termos do art.1638º, nº1 desse mesmo Código.
61. Ora, não se partilha de tal opinião, pois que o que pelas Recorrentes vem alegado, para além de não ter (o mínimo) suporte factual, apresenta-se mesmo contrário ao que os presentes autos demonstram.
62. O invocado art.1534° do CC, com a epígrafe "Residência da família", dispõe que:
"1. Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente, às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar.
2. Salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família.
3. Na falta de acordo sobre a fixação ou alteração da residência da família, decidirá o tribunal a requerimento de qualquer dos cônjuges".
63. É da decorrência do "dever de coabitação" que aparece a "residência da família", escolhida (em princípio), de comum acordo pelos cônjuges, sendo de notar também, que este mesmo dever conjugal de coabitação - considerado como o mais importante dos deveres pelo sentido comunitário que o inspira (cfr., v.g., Antunes Varela in, "Direito da Família", 5ª edição, pág.345) envolve a obrigação dos cônjuges viverem em "comunhão de leito, mesa e habitação".
64. De relevante para o caso vertente cabe salientar que, em regra, este dever de coabitação cumpre-se na "residência da família" que venha a ser adoptada de comum acordo (ou por decisão do Tribunal) e só "razões ponderosas" (nomeadamente, de natureza profissional, familiar ou de saúde) poderão justificar um comportamento diverso.
65. No caso vertente, não existe qualquer "motivo ponderoso" para a comprovada saída do marido da ora Recorrente A, há mais de um ano, da residência familiar, a não ser o propósito firme de não reatamento da vida em comum.
66. Tal situação chegou ao conhecimento da Administração por declarações do próprio cônjuge dessa Recorrente, o qual também fez questão de esclarecer que pretende accionar os trâmites de divórcio.
67. Independentemente dessa intenção, cabe salientar que foram apresentadas, em Junho e Dezembro de 2022, pelo marido da Recorrente A não uma, mas três declarações, estando obviamente arredado o suposto "escrúpulo extremado" como razão apontada pela recorrente para tal comportamento.
68. O certo é que decorrido mais de um ano, tal como a própria Recorrente A reconhece, o casal continua sem coabitar.
69. E dito isto, pouco mais se mostra de acrescentar, já que se mostra suficientemente demonstrado que decaiu o pressuposto da autorização de residência da Recorrente A quer, ainda, em consequência, da autorização de residência da sua filha B.
70. Aliás, perante situações idênticas, o Tribunal de Última Instância (TUI) tem vindo a esclarecer o seguinte: "Como é evidente, pode haver vida em comum dos cônjuges sem coabitarem normalmente, designadamente, quando trabalhem ou tenham outra actividade em localidades diferentes. Já quando ambos os cônjuges vivam em Macau, que é uma cidade pequena, permitindo que se viva em qualquer ponto dela e se trabalhe ou exerça outra actividade em qualquer outro local desta cidade, para haver vida em comum em Macau dos cônjuges, sem coabitação, tem de haver alguma razão plausível. (...) A falta de coabitação dos cônjuges sem uma razão plausível, quando ambos vivem em Macau, é motivo para o indeferimento da renovação da autorização de residência quando o fundamento desta autorização foi o reagrupamento familiar" - vd. Acórdãos de 31.07.2020 (Proc. nº 80/2020) e de 03.07.2019 (Proc. nº66/2019).
71. Em suma, no caso em apreço, não se vê que a revogação da autorização de residência da Recorrente A e da sua filha B padeça de qualquer vício, já que, como se viu, o facto em que o acto se baseou (separação do casal) é verdadeiro e está, precisamente, na trajectória da previsão do citado art.43º, nº2, 3) da Lei nº16/2021.
72. É por este conjunto de razões que, não merecendo o acto em apreço qualquer censura, é de concluir pela manifesta improcedência dos vícios apontados pelas Recorrentes.
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 62 a 64, pugnando pelo improvimento do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

NOTIFICAÇÃO N°: 200902/SRDARPNT/2023P
Notifica-se A [titular de Passaporte das Filipinas n.º P6XXXX67B] de que, sobre a intenção de revogar a autorização de residência de V. Ex.ª, após o procedimento de audiência escrita, o Ex.mo Sr. Secretário para a Segurança concordou com o parecer exarado na informação suplementar n.º 300003/SRDARPREN/2023P do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência deste CPSP, e por seu despacho de 29 de de Março de 2023, revogou a autorização de residência de V. Ex.ª, Ainda, quando foi concedida autorização de residência à filha de V. Ex.ª, B [titular de passaporte das Filipinas n.º P4XXXX14B], para se juntar a V. Ex.ª, a mesma autorização também foi revogada por haver decaimento do pressuposto para a concessão da autorização de residência inicial.
Ora se transcreve o teor essencial da informação supramencionada no seguinte:
“1. Por despacho do Ex.mo Secretário para a Segurança de 12 de Outubro de 2018, foi concedida autorização de residência à interessada, A, a fim de se juntar na RAEM ao seu cônjuge, C, residente da RAEM. Essa autorização de residência foi renovada, com validade até 12 de Outubro de 2023.
2. O cônjuge da interessada declarou, por escrito, com o seguinte teor essencial: " ... peço cancelar autorização de interessada. Em 16 de Maio de 2022, deixo a casa e vivo sozinho, nós vivimos separadamente. Por ser ferido fisca e psicologicamente, tenho a vontade de divórcio muito forte, não quero viver com a interessada absolutamente, ainda, também não quero contactar com a mesma. ...". Esta situação leva ao decaimento do pressuposto para a concessão da autorizaçao de residência inicial da interessada (junção ao cônjuge na RAEM), por isso, a autorização de residência da interessada deve ser revogada.
3. Em sede de audiência escrita, o Advogado Procurador da interessada disse que a interessada não tinha qualquer vontade de terminar a relação conjugal e divorciar do cônjuge, só que ambos tinham ideias diferentes, sendo disputas não graves.
4. Dos autos, mostra-se que em 6 de Junho de 2019, à filha da interessada, B, nascida fora do casamento, maior, foi concedida autorização de residência, a fim de se juntar à mãe, A, e essa autorização de residência foi renovada, com validade até 6 de Junho de 2024. Portanto, caso a autorização de residência da interessda seja revogada, a autorização de residência da sua filha também deve ser revogada.
5. Em 11 de Outubro de 2022, o Advogado Procurador da filha da interessada apresentou neste Departamento alegações com teor semelhante ao acima referido, e nelas ainda frisou que a filha dela já integrou na sociedade da RAEM, sendo uma excelente aluna que estava a estudar no Instituto de Formação Turística de Macau.
6. Para se inteirar a actual situação conjugal da interssada e do seu cônjuge, em 2 e 14 de Dezembro de 2022, procedeu-se à chamada telefónica para o cônjuge da interssada, o mesmo disse que já se separaram, e tinha a vontade de divórcio muito forte, e não queria voltar a viver com ela absolutamente. Em 17 de Janeiro de 2023, procedeu-se à chamada telefónica para o Advogado Procurador da interessada, que respondeu que naquela momento, não há quaisquer alterações na situação nem mais para dizer sobre o assunto.
7. O cônjuge da interessada salientou repetidamente que deixou a casa e viveu sozinho, e tinha vontade de divórcio muito forte, não queria voltar a viver com ela absolutamente; enquanto a interessada declarou que não queria divorciar do cônjuge, as disputas não foram graves, eles separaram-se há meio ano, mas não há alterações na relação entre eles. E ainda, o seu cônjuge não queria dirigir-se a este Departamento para esclarecer a situação mais recente, e das suas declarações determinadas do mesmo, não se afigura a possibilidade de voltar a viver juntos.
8. Analisando o caso sub judice, por haver decaimento do pressuposto para a concessão de autorização inicial à interssada e à sua filha (junção ao cônjuge), e ainda, também não se vê factor que é suficiente para manter a autorização de residência e que mereça a ponderar; atento aos aspectos referidos no n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 16/2021, nomeadamente a alínea 1), bem como dos dispostos da alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da mesma Lei, propõe-se a revogação da autorização de residência da interessada, A e da sua filha, B.".
Do acto administrativo atrás referido cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância nos termos do artigo 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Macau, 23 de Maio de 2023.

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A e B, melhor identificadas nos autos, interpuseram recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança, que revogou as respectivas autorizações de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a sua anulação.
A Entidade Recorrida apresentou contestação na qual conclui pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i)
Comecemos por fazer uma referência ao acto recorrido e seus fundamentos.
Consta, expressamente, da respectiva motivação que a revogação das autorizações de residência das Recorrentes foi determinada pela Entidade Recorrida com fundamento na alínea 1) do n.º 2 do artigo 38.º, bem como na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, por se ter considerado que ocorreu o decaimento do pressuposto sobre o qual se fundou aquela autorização e que foi o da reunião familiar da 1.ª Recorrente com o seu cônjuge, residente de Macau e, depois, da 2.ª Recorrente com a 1.ª Recorrente, sua mãe. Tal decaimento resultou do facto de a 1.ª Recorrente e o seu cônjuge, terem deixado de viver juntos, em comunhão de vida e, além disso, ainda de acordo com a fundamentação do acto recorrido, a Administração ter considerado não se vislumbrar a possibilidade de essa comunhão ser retomada.
(ii)
(ii.1)
As Recorrentes imputam ao acto recorrido o vício de violação de lei em virtude de, segundo dizem, não ter havido divórcio nem separação de facto entre a 1.ª Recorrente e o seu cônjuge, pelo que se não verificaria o decaimento do pressuposto que esteve na base da concessão da autorização de residência.
Não nos parece. Vejamos.
De acordo com o disposto na norma da alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, é causa de revogação da autorização de residência o decaimento de quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado tal autorização.
No caso, a autorização teve por base a reunião familiar da Recorrente com o seu cônjuge [cfr. a alínea 1) do n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 16/2021].
Ora, quando a autorização de residência em Macau for concedida com fundamento no casamento com alguém que tenha o estatuto de residente, em particular, o estatuto de residente permanente, a manutenção de tal autorização dependerá da existência, não só do vínculo jurídico do casamento, mas também de uma verdadeira comunhão de vida, a qual, por sua vez, pressupõe a existência de coabitação entre os cônjuges. Isto é assim porque, o que, em primeira linha, justifica a concessão da autorização de residência com base na chamada reunião familiar - conceito do qual, aliás, a lei n.º 16/2021 não se socorre, contrariamente noutros ordenamentos jurídicos - é a garantia do direito do residente à fruição de uma vida familiar plena e estável a que a Lei Básica, no seu artigo 38.º, defere evidente e justificada protecção (apontando no mesmo sentido, de que o desiderato do chamado reagrupamento familiar por referência do Direito da União Europeia, é o de possibilitar a manutenção da unidade familiar, veja-se a Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativa, justamente, os direitos ao reagrupamento familiar).
Quer isto dizer, portanto, que a autorização de residência que se tenha fundado no casamento do beneficiário da autorização com um residente de Macau, pode ser revogada se a Administração verificar que, entretanto, ocorreu o divórcio ou, então, a mera separação de facto entre os cônjuges, uma vez que, numa e noutra situação, o pressuposto que esteve na base da concessão da autorização terá deixado de se verificar e, consequentemente, a dita autorização terá deixado de se justificar face à finalidade que a determinou.
(ii.2)
No caso, é incontroverso que a 1.ª Recorrente não se divorciou do seu cônjuge. Todavia, dos elementos coligidos pela Administração no decurso do procedimento que culminou com o acto recorrido e não infirmados pelas Recorrentes, inclusive no presente recurso contencioso, resulta, abundantemente, aliás, que os mesmos estão separados de facto. Com efeito, como assinala a doutrina, a verificação da separação de facto pressupõe a reunião de dois elementos: um elemento objectivo, denominado «corpus», que se traduz na ocorrência da ruptura da comunhão de vida que caracteriza a relação matrimonial e que pressupõe a comunhão de leito, mesa e habitação; um elemento subjectivo, designado «animus», que corresponde a um fenómeno psicológico, uma realidade interior manifestada na intenção, por parte de ambos os cônjuges ou de apenas um deles, de não restabelecer a vida comum (nestes termos, RUTE TEIXEIRA PEDRO, in Código Civil Anotado, Volume II, Almedina, Coimbra, 2019, p. 693) e no caso concorrem, como é manifesto, ambos os elementos. A primeira Recorrente e o seu cônjuge vivem separados e, pelo menos da parte deste, existe o firme propósito de não retomar a vida em comum. Um ruptura definitiva, portanto.
Ora, verificando-se a ocorrência de separação de facto entre os cônjuges, fica também demonstrado, como acima dissemos, que o pressuposto que esteve na base da concessão da autorização de residência decaiu e, por isso, é de considerar que se mostra preenchida a hipótese da norma da alínea 3) do n.º 2 artigo 43.º da Lei n.º 16/2021. A Administração estava, pois, legalmente habilitada (ainda que não legalmente vinculada, uma vez que se trará de um poder discricionário) a revogar, como efectivamente revogou, aquela autorização.
Cremos, pois, que o acto recorrido não sofre do vício de violação de lei que lhe foi imputado pelas Recorrentes.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece do vício imputado pelo Recorrente, e, como tal é de julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I – Face à matéria assente constante dos autos, foi com base na alínea 1) do n.º 2 do artigo 38.º, bem como na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, é que foi concedida aos Recorrentes a respectiva autorização de fixação da residência em Macau, por motivo da reunião familiar da 1.ª Recorrente com o seu cônjuge, residente de Macau e, depois, da 2.ª Recorrente com a 1.ª Recorrente, sua mãe.
II - A autorização de residência que se tenha fundado no casamento do beneficiário da autorização com um residente de Macau, pode ser revogada se a Administração verificar que ocorreu o divórcio ou, então, a mera separação de facto entre os cônjuges, uma vez que, numa e noutra situação, o pressuposto que esteve na base da concessão da autorização terá deixado de se verificar e, consequentemente, a dita autorização terá deixado de se justificar face à finalidade que a determinou.
III – À luz da doutrina jurídico-cível dominante, a verificação da separação de facto pressupõe a reunião de dois elementos: um elemento objectivo, denominado “corpus” que se traduz na ocorrência da ruptura da comunhão de vida que caracteriza a relação matrimonial e que pressupõe a comunhão de leito, mesa e habitação; um elemento subjectivo, designado “animus”, que corresponde a um fenómeno psicológico, uma realidade interior manifestada na intenção, por parte de ambos os cônjuges ou de apenas um deles, de não restabelecer a vida comum e, no caso concorrem, como é manifesto, ambos os elementos. A primeira Recorrente e o seu cônjuge vivem separados e, pelo menos da parte deste, existe o firme propósito de não retomar a vida em comum, uma ruptura definitiva.
IV - Verificando-se a ocorrência de separação de facto entre os cônjuges, fica também demonstrado que o pressuposto que esteve na base da concessão da autorização de residência decaiu e, por isso, é de considerar que se mostra preenchida a hipótese da norma da alínea 3) do n.º 2 artigo 43.º da Lei n.º 16/2021. A Administração estava, pois, legalmente habilitada (ainda que não legalmente vinculada, uma vez que se trará de um poder discricionário) a revogar, como efectivamente revogou, aquela autorização, razão pela qual não merece censura a decisão ora posta em crise e assim deve ser mantida a mesma.

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Tudo visto, resta decidir.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelos Recorrentes com taxa de justiça que se fixam em 5 UCs, suportadas por cada um dos Recorrentes.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 11 de Abril de 2024.

Fong Man Chong
(Relator)

Ho Wai Neng
(1o Juiz-Adjunto)

Tong Hio Fong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
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