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Processo nº 563/2023
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data do Acórdão: 11 de Abril de 2024

ASSUNTO:
- Revisão de Sentença estrangeira
- Divórcio


____________________
Rui Pereira Ribeiro











Processo nº 563/2023
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data: 11 de Abril de 2024
Requerente: A
Requerida: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação e Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
  B, também com os demais sinais dos autos.
  
  Citada a Requerida para querendo contestar esta silenciou.
  
  Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

1. Pelo Tribunal da Província de Ben Tre foi proferida sentença em 28.04.2021 e transitada em julgado em 10.09.2021 na qual declarou dissolvido por divórcio o casamento celebrado entre A e B os quais haviam casado entre si em Macau em 12.09.2016;
2. Da decisão referida na alínea anterior consta que:
«Tribunal Popular da
Província de Ben Tre
República Socialista do Vietname
Dependência – Liberdade - Felicidade
N.º da sentença: 14/2021/HNGD-ST
Data: 28 de Abril de 2021
Tribunal Popular da Província de Ben Tre
A sentença produz os efeitos jurídicos
10/9/2021 (Assinatura)
Relativamente ao assunto do divórcio




Em nome da República Socialista do Vietname
Tribunal Popular da Província de Ben Tre
- Os membros do Comité de Julgamento em Primeira Instância incluem:
Julgamento – Juiz:
Sr. C
Jurados do povo:
Sra. D

Sra. E
- Secretária do Tribunal: Sra. F – Secretária do Tribunal Popular da Província de Ben Tre
Em 28 de Abril de 2021, em sede do Tribunal Popular da Província de Ben Tre, foi realizado o julgamento público, em primeira instância, do processo de divórcio n.º 11/2020/TLST-HNGD que foi admitido em 26 de Fevereiro de 2020.
De acordo com a decisão n.º 18/2021/QDXXST-HNGD proferida em 20 de Abril de 2021 na sequência do julgamento, os dados das partes são os seguintes:
- Autora: Sra. B, ano de nascimento: 19XX;
Morada: XX路XX區XX組XX, Cidade de Ben Tre, Província de Ben Tre.
- Réu: Sr. A, ano de nascimento: 19XX;
Morada: S/N Avenida XX, Branco XX XX, XX XX, Macao, China.
(A Sra. B e o Sr. A apresentaram o relatório sobre o pedido de ausência à audiência de julgamento)
Conteúdo da causa:
Conforme a petição inicial datada de 17 de Fevereiro de 2020, as alegações datadas de 3 de Março de 2020 e o relatório sobre a ausência à audiência de julgamento datado de 3 de Março de 2020, a Autora Sra. B referiu:
Ela e o Sr. A conheceram-se e entenderam-se voluntariamente e contrariam casamento voluntariamente na Conservatória do Registo Civil de Macau, cujo fundamento é a certidão de registo de casamento n.º 2653/2016/RC, de 23 de Agosto de 2016. No início do casamento, o casal vivia felizmente e dava-se muito bem. Na vigência do casamento, o casal tem uma filha, de nome G, cuja data de nascimento é 2 de Maio de 2014. Até 2017, o marido regressou raramente ao Vietname, pelo que, o casal reuniu-se muitas poucas vezes e não teve contacto sempre. Desde então até agora, o casal já se separou de facto há quase 3 anos, pelo que, o sentimento de amor entre o casal desapareceu gradualmente, não sendo feliz a vida conjugal, pelo que, ela intentou a acção, pedindo que fossem resolvidas as seguintes questões:
Quanto ao casamento: Ela pediu divórcio com o Sr. A, e após o divórcio, o Sr. A não precisará de pagar-lhe a pensão de alimentos.
Quanto ao filho/filha: Na vigência do casamento, o casal tem uma filha de nome G (data de nascimento: 2 de Maio de 2014).
Actualmente, a filha G está a viver com ela, pelo que, pediu ao Tribunal que lhe atribuísse o exercício do poder paternal em relação à filha, não solicitando ao Sr. A o pagamento da pensão de alimentos.
Quanto aos bens e dívidas em comum: Na vigência do casamento, ambas as partes não têm qualquer dívida, pelo que, não é necessário pedir o envolvimento do Tribunal neste assunto.
Por estar ocupada no trabalho, ela pediu a ausência à audiência de julgamento.
Segundo as alegações apresentadas em 7 de Abril de 2021 e o documento relativo ao pedido de ausência à audiência de julgamento, o Sr. A referiu:
Ele concordou com as alegações da Sra. B sobre os factos como eles se conheceram e a decisão de se casarem.
No início do casamento, ele deslocava-se sempre entre Macau e o Vietname, a relação conjugal era muito boa. Na vigência do casamento, o casal tem uma filha G (data de nascimento 2 de Maio de 2014). Até 2017, ele regressou raramente ao Vietname, o casal reuniu-se muitas poucas vezes, mesmo não teve contacto sempre. Desde então até agora, o casal já se separou de facto há quase 3 anos, pelo que, os sentimentos de amor entre o casal desaparecem gradualmente, não sendo feliz a vida conjugal. Ele sabe que a Sra. B pediu ao Tribunal a dissolução da relação matrimonial entre si.
Quanto à relação matrimonial: Ele consentiu no divórcio com a Sra. B.
Quanto ao filho/filha: O Sr. A consentiu que a Sra. B continuasse a criar a filha G mas ele não pagará a pensão de alimentos.
Quanto aos bens e dívidas em comum: Na vigência do casamento, o casal não tem qualquer dívida, pelo que, não é necessário pedir o envolvimento do Tribunal neste assunto.
Dado que o Sr. A vive em Macau onde fica longe do Vietname e face ao alastramento da pandemia, ele pediu ao Tribunal Popular da Província de Ben Tre que fosse autorizada a sua ausência à audiência de julgamento.
Após o estudo e a apreciação dos elementos da causa, mais em conformidade com as alegações das partes, o Comité de Julgamento reconhece:
O Tribunal reconhece:
(1) O litígio entre a Sra. B e o Sr. A é divórcio. A Autora, Sra. B, vive no Vietname enquanto o Réu, Sr. A, vive no exterior (Macau), pelo que, ao abrigo dos artigos 35.º n.º 3, 37.º n.º 1 alínea a), 38.º n.º 2 e 40.º do Código de Processo Civil, o processo é da competência do Juízo de Menores do Tribunal Popular da Província de Ben Tre.
(2) Quanto à relação matrimonial: A Sra. B e o Sr. A conheceram-se e entenderam-se voluntariamente e contrariam casamento voluntariamente na Conservatória do Registo Civil de Macau, cujo fundamento é a certidão de registo de casamento n.º 2653/2016/RC, de 23 de Agosto de 2016, pelo que, o casamento entre a Sra. B e o Sr. A é legal, sendo reconhecido e protegido por lei.
A Sra. B e o Sr. A referiram que no início do casamento, a vida conjugal era feliz, ambas conheceram-se um a outro e deram carinho e cuidados mutuamente. No início, o Sr. A deslocava-se sempre entre Macau e o Vietname, pelo que, a relação conjugal era boa. Na vigência do casamento, o casal tem uma filha de nome G (data de nascimento 2 de Maio de 2014). Até 2017, o Sr. A regressou raramente ao Vietname, o casal reuniu-se muitas poucas vezes, mesmo não teve contacto sempre, e desde então até agora, o casal já se separou de facto há quase 3 anos, pelo que, os sentimentos de amor entre o casal desaparecem gradualmente, não sendo feliz a vida conjugal. O Comité entende que actualmente a Sra. B vive no Vietname enquanto o Sr. A vive em Macau, a distância geográfica entre eles é longe, ambas as partes deixam de cumprir os deveres conjugais, não podendo dar carinho e cuidados mutuamente no casamento, e durante o julgamento, a Sra. B e o Sr. A ausentaram-se à audiência de julgamento, pelo que, o Tribunal não conseguiu realizar a conciliação.
Da análise acima referida resulta que o pedido de divórcio com o Sr. A formulado pela Sra. B é fundado e o Sr. A também consentiu na dissolução da relação matrimonial, pelo que, o Comité autorizou o pedido.
(3) Quanto ao filho/filha: A Sra. B e o Sr. A referiram ter uma filha, de nome G (data de nascimento: 2 de Maio de 2014).
Actualmente a filha vive com a Sra. B. A Sra. B pediu que continuasse a criar a filha e não solicitou ao Sr. A o pagamento da pensão de alimentos. O Sr. A concordou com isso, pelo que, o Comité também aceitou tal pedido.
(4) Quanto aos bens e dívidas em comum: A Sra. B e o Sr. A referiram não ter qualquer dívida, não pedindo o envolvimento do Tribunal neste assunto, pelo que, o Comité não tratou disso.
(5) Quanto às despesas de mandato judicial off-shore e despesas de tradução: Ficam a cargo da Sra. B.
(6) Quanto às custas das causas relativas aos assuntos de casamento e família em primeira instância: Ficam a cargo da Sra. B.
Pelas razões acima referidas:
Decide:
Ao abrigo dos artigos 35.º n.º 3, 37.º n.º 1 alínea a), 38.º n.º 2, 40.º, 147.º e 477.º do Código de Processo Civil.
São aplicáveis o artigo 56.º n.º 1 e o artigo 127.º da Lei de Casamento e Família; Em 30 de Dezembro de 2016, o Comité Permanente do Congresso publicou a Resolução n.º 326/2016/UBTVQH14 que regulamenta as taxas de cobrança, a redução e isenção, a cobrança, o pagamento, a gestão e o uso das custas processuais e dos emolumentos judiciais.
Decisão:
1. Concorda com o pedido de divórcio da Sra. B.
Quanto ao casamento: Autoriza o divórcio entre a Sra. B e o Sr. A.
Quanto ao filho/filha: A Sra. B e o Sr. A têm uma filha, de nome G (data de nascimento: 2 de Maio de 2014) que actualmente está a ser criada directamente pela Sra. B.
Depois de confirmar ser uma negociação voluntária entre a Sra. B e o Sr. A, a Sra. B continuará a criar directamente a filha G e o Sr. A não precisará de pagar a pensão de alimentos.
O Sr. A tem direito e dever de visitar a filha, ninguém pode impedi-lo. Caso o abuso de visita à filha do Sr. A impeça ou provoque impacto negativo para os cuidados, a criação e a educação da filha, a Sra. B tem direito a pedir ao Tribunal para restringir o direito de visita à filha do Sr. A.
A Sra. B e os seus membros familiares não podem impedir o Sr. A de exercer o direito de visitar, cuidar, criar e educar a filha.
Para os direitos da filha, os pais, as pessoas ou os órgãos previstos no artigo 84.º n.º 5 da Lei de Casamento e Família têm direito a pedir ao Tribunal a alteração da regulação do poder paternal do filho/a.
Caso haja fundamentos legítimos, a Sra. B e o Sr. A podem alterar a pensão de alimentos da filha e a forma de criação da filha através da negociação. Caso não seja sucedida a negociação, podem pedir o envolvimento do Tribunal.
Quanto aos bens e dívidas em comum: A Sra. B e o Sr. A referiram não ter qualquer dívida, não sendo necessário pedir o envolvimento do Tribunal neste assunto, pelo que, o Tribunal não apreciou esta parte. Qualquer litígio no futuro será resolvido em outro processo.
2. Quanto às despesas de mandato judicial off-shore: Deve B pagar a quantia de $200.000VND (duzentos mil VND), porém, conforme o recibo n.º 0006978 emitido pelo Departamento de Execução das Causas Civis da Província de Ben Tre em 28 de Fevereiro de 2020, tal quantia foi descontada do preparo dos emolumentos já pago, no montante de $200.000VND (duzentos mil VND).
3. Quanto às despesas de tradução: Ficam a cargo da B e já foram pagas.
4. Quanto às custas das causas relativas aos assuntos de casamento e família em primeira instância: B deve pagar a quantia de $300.000VND (trezentos mil VND), porém, conforme o recibo n.º 0006974 emitido pelo Departamento de Execução das Causas Civis da Província de Ben Tre em 24 de Fevereiro de 2020, tal quantia foi descontada do preparo da causa já pago, no montante de $300.000VND (trezentos mil VND).
5. A Sra. B tem direito a recorrer no prazo de 15 (quinze) dias contados a partir da data da notificação legal e legítima da sentença; o Sr. A tem direito a recorrer no prazo de 1 (um) mês contado a partir da data do mandato legal e legítimo da sentença
Locais de recepção:
- Tribunal Popular de Nível Superior da Cidade de Ho Chi Minh
- Ministério Público da Província de Ben Tre
- Departamento de Execução das Causas Civis da Província de Ben Tre;
- Partes
- Depósito»

Representante do Comité de Julgamento de Primeira Instância
Apreciação e aprovação – Juiz
(Assinatura e Carimbo)

C

b) Do Direito

  De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
  Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
  Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
  «1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
  a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
  b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
  c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
  d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
  e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
  f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
  2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
  
  Vejamos então.
  
  Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal Popular da Província de Ben Tre foi decretado o divórcio entre Requerente e Requerida, nada havendo que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, estando assim preenchido o pressuposto da al. a) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente resulta da certidão junta que a decisão não veio de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos da alínea c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Não resulta das certidões juntas que a decisão haja sido tomada sem que a Ré haja sido regularmente citada ou em violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, pelo que se tem por verificada a condição da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  A sentença revidenda procede à dissolução do casamento por divórcio, direito que a legislação de Macau igualmente prevê – artº 1628º e seguintes do C.Civ. -, pelo que, a decisão não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública, tendo-se também por verificada a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Apenas um reparo na decisão agora a confirmar indica-se por manifesto lapso uma data errada para o casamento – 23.08.2016 e que virá certamente de uma errada leitura da certidão de casamento tendo sido considerada a data em que foi lavrado o auto do regime de bens, ainda assim com erro porque foi 25.08.2016 - mas indica-se correctamente o número do registo na Conservatória do Registo Civil e a identificação dos sujeitos, pelo que, dúvida não há que se trata do casamento a que alude a certidão a fls. 4.
  Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação de decisão proferida por tribunal exterior a Macau.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revisão e confirmar a decisão do Tribunal Popular da Província de Ben Tre nos termos acima transcritos.
  
  Custas pelo Requerente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 11 de Abril de 2024


Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)
  
563/2023 8
REV e CONF DE DECISÕES