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Processo n.º 570/2023
(Autos de recurso contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data : 18 de Abril de 2024

Assuntos:

- Decisão administrativa contenciosamente não impugnada e sua consolidação na ordem jurídica

SUMÁRIO:
I – Dos elementos constantes dos autos resulta provado que o acto ora atacado, que produziu efeitos jurídicos desfavoráveis na esfera jurídica do Recorrente, constituindo-o numa obrigação de pagamento de quantia certa, ou seja, uma decisão que determinou que o mesmo procedesse à restituição das quantias indevidamente recebidas a título de vencimento entre 8 de Agosto de 2020 e 31 de Março de 2021.
II – Conforme os dados dos autos, esse acto que ordenou a restituição da quantia em causa foi objecto de notificação ao Recorrente e não foi por este contenciosamente impugnado, pelo que se consolidou na ordem jurídica como caso decidido, produzindo efeitos vinculativos em relação ao destinatário e ao autor do acto.
O Relator,
_______________
Fong Man Chong

Processo n.º 570/2023
(Autos de recurso contencioso)

Data : 18 de Abril de 2024

Recorrente : (A)

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
(A), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 16/06/2023, veio, em 26/07/2023, interpor o recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 13, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso contencioso de anulação incide sobre o indeferimento de um pedido dirigido pelo Recorrente à Entidade Recorrida, nos termos do qual foi solicitada a devolução da quantia de MOP$316,116.80 devida pela Administração - na pessoa da Entidade Recorrida (que é quem tutela os SA), por terem sido indevida e forçosamente restituídos pelo Recorrente à Administração os montantes por este recebidos a título de remuneração do seu trabalho;
2. Manter-se o Acto Recorrido significa manter uma situação de enriquecimento injustificado por parte da Administração;
3. Com efeito, importa reter que o Recorrente exerceu funções como verificador de primeira alfandegário nos SA entre 6 de Setembro de 1993 e 31 de Março de 2021;
4. Por motivo de doença, o Recorrente esteve impossibilitado de exercer as suas funções, tendo ultrapassado em 7 de Agosto de 2020, o limite de 18 meses dos períodos de faltas por doença a que se reporta o artigo 106.° do ETAPM;
5. Assim, a partir de 7 de Agosto de 2020 o Recorrente devia ter sido automaticamente desligado do serviço para efeitos de aposentação, dado que foi ultrapassado o supra referido limite de faltas por doença e o Recorrente já tinha completado 15 anos de serviço, nos termos do disposto no artigo 107.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 262.º, n.º 1, alínea b), ambos do ETAPM;
6. Em decorrência do exposto, em 3 de Setembro de 2020, o Recorrente, por sua própria iniciativa enão obstante dever ser automaticamente desligado dos SA nos termos das normas acima referidas, requereu aos referidos Serviços a aposentação obrigatória;
7. Contudo, no dia 13 de Novembro de 2020, os SA indeferiram o pedido de aposentação apresentado pelo Recorrente por entenderem - nessa altura - que ainda não estava verificado o requisito referente à ultrapassagem do limite legal de faltas por doença;
8. No mesmo dia 13 de Novembro de 2020, os Serviços de Saúde determinaram que o ora Recorrente tinha efectivamente ultrapassado o limite legal de faltas por doença;
9. De facto, do registo da inspecção feita pela junta de saúde resultou que as faltas justificadas do Recorrente por um período superior a 18 meses satisfaziam as condições necessárias para que este fosse obrigatoriamente aposentado;
10. No dia 24 de Novembro de 2020, os SA notificaram o ora Recorrente das referidas conclusões dos serviços de saúde;
11. Não obstante o disposto no n.º 2 do artigo 262.° do ETAPM, volvidos 30 dias desde que os SA chegaram à conclusão que o Recorrente reunia efectivamente as condições para ser obrigatoriamente aposentado, esses Serviços nada fizeram, pelo que o Recorrente teve de continuar a exercer funções ali entre 8 de Agosto de 2020 e 31 de Março de 2021, sob pena de ser sancionado disciplinarmente;
12. Ou seja, os SA não só não cumpriram o disposto no supra citado artigo no seguimento do requerimento apresentado pelo Recorrente em 3 de Setembro de 2020, como também não o fizeram quando foi conhecido o relatório elaborado pela junta de saúde em 13 de Novembro de 2020;
13. Pelo que, o Recorrente que sabia reunir as condições para ser aposentado automaticamente desde o dia 7 de Agosto de 2020, teve de continuar ao serviço dos SA para além do momento em que, por força da lei, devia ter sido aposentado;
14. Apenas na sequência de cartas dirigidas pelo Recorrente ao Director-Geral dos SA nos dias 1 de Fevereiro e 16 de Março de 2021, é que aqueles Serviços resolveram desencadear o procedimento administrativo de aposentação obrigatória do Recorrente;
15. Os SA apenas autorizaram a desligação funcional do Recorrente em 30 de Março de 2021, ou seja, oito meses depois da data em que tal deveria ter ocorrido;
16. Nos termos do despacho que determinou a aposentação do Recorrente - de 30 de Março de 2021 - foi além do mais determinado que a aposentação produzia efeitos retroactivos desde 8 de Agosto de 2020;
17. Quer isto dizer que, através do despacho da Entidade Recorrida de 30 de Março de 2021 a Administração veio "dar o dito por não dito", contrariando totalmente a posição que tinha sido anteriormente adoptada pelos SA e com base na qual o Recorrente teve de ser forçosamente mantido em funções durante 8 meses;
18. O aparente erro sobre os pressupostos incorrido pelos SA aquando da rejeição do pedido de aposentação apresentado pelo Recorrente em 3 de Setembro de 2020 - que superveniente mente foi contrariado pelo despacho da Entidade Recorrida de 30 de Março de 2021 - teve como consequência que o Recorrente continuasse a trabalhar para os SA durante o período compreendido entre 8 de Agosto de 2020 e 31 de Março de 2021, tendo por essa razão recebido a remuneração correspondente;
19. Através do ofício com o n.º 3832/SA/2021.2.62 emitido pelos SA em 5 de Julho de 2021 foi requerida a restituição das importâncias recebidas pelo Recorrente a título de remuneração salarial por serem, alegadamente, indevidas;
20. Ou seja, a Administração pretende valer-se da sua própria incúria e do erro incorrido sobre os pressupostos de direito e de facto, prejudicando directamente o Recorrente, exigindo-lhe a restituição das importâncias recebidas a título de retribuição do seu trabalho efectivamente prestado, no montante de MOP$316,118.80;
21. Além disso, a Administração, diante da falta de devolução das referidas importâncias correspondentes à justa retribuição do seu trabalho, moveu contra o ora Recorrente um processo de execução fiscal sob o n.º 2021-93-0xxxxx-30 através do qual este foi forçado a entregar à Administração as quantias ilegalmente exigidas;
22. Por terem sido ilegalmente exigidas, mas por terem sido, todavia entregues pelo Recorrente à Administração, é que o Recorrente veio solicitar à Administração, que fosse restituída a dita quantia de MOP$316,118.80;
23. A prática do Acto Recorrido - o qual corresponde à recusa de restituir o montante de MOP$316,118.80 que foi ilegalmente exigido e que o Recorrente foi indevido forçado a devolver -, consubstancia mais uma ilegalidade, dado que a Administração ao recusar-se a devolver ao Recorrente as quantias correspondentes à retribuição do trabalho por este efectivamente prestado está a enriquecer injustificadamente às custas do Recorrente;
24. Ao Recorrente apenas foi reconhecido o direito - retroactivo - ao recebimento da pensão por aposentação, na sequência do ofício do Fundo de Pensões com o n.º 01xxx/802/DRAS-DAS/FP/2020 proferido no dia 27 de Abril de 2021;
25. Ou seja, apesar de estar automaticamente aposentado desde 8 de Agosto de 2020, ao Recorrente só foi reconhecido o direito a auferir o montante MOP$216,052.60, correspondente aos meses de Agosto de 2020 a Abril de 2021, na sequência do referido ofício;
26. O pagamento do supra referido montante decorria ope legis do facto de o Recorrente estar aposentado automaticamente desde Agosto de 2020;
27. Ao contrário daquilo que se pretende insinuar no Acto Recorrido, não existe nenhuma duplicação de pagamentos ao Recorrente, uma vez que este teria sempre direito à pensão;
28. A questão é que, como durante o período em que estava - ou já devia estar aposentado - continuou funcionalmente ligado aos SA, então tem de receber, também, a justa retribuição por ser mantido em exercício de funções durante oito meses;
29. Não obstante estar automaticamente aposentado desde 8 de Agosto de 2020 - como muito mais tarde veio reconhecer a Entidade Recorrida - o Recorrente trabalhou durante aqueles 8 meses e por isso não pode vir a Administração fingir que tal não aconteceu e vir exigir o reembolso do que foi pago como retribuição do serviço prestado durante esses meses;
30. Exigir do Recorrente o reembolso das quantias que este recebeu durante os 8 meses em que foi ilegalmente mantido nas suas funções, equivale a assumir que o Recorrente tenha estado a exercer funções para a Administração Pública de Macau sem receber qualquer retribuição pelo seu trabalho, o que é absolutamente inconcebível e inaceitável;
31. A recusa de devolução ao Recorrente - nos termos do Acto Recorrido - das quantias que este foi ilegitimamente forçado a devolver e que correspondiam à remuneração pelo trabalho prestado, corresponde à perpetuação de um enriquecimento sem causa da Administração, uma vez que, a prestação de trabalho para a Administração durante o período compreendido entre Agosto de 2020 e Março de 2021 pelo Recorrente, sem o pagamento de qualquer retribuição, corresponde a uma ilegal poupança dessa despesa na esfera jurídica da Administração;
32. Ao contrário daquilo que resulta do Acto Recorrido, podem e devem ser reconhecidos efeitos de facto à prestação de trabalho pelo Recorrente no período compreendido entre Agosto de 2020 e Março de 2021, especialmente porque a manutenção ilegal do Recorrente em exercício de funções radica única e exclusivamente na conduta ilegal da Administração;
33. Não colhe, portanto, o argumento de que, tendo sido paga a pensão devida ao Recorrente, então não se deve pagar qualquer retribuição pelo trabalho prestado no mesmo período;
34. Apesar de apenas ter sido mantido em exercício de funções por erro manifesto da Administração, o Recorrente esteve, de facto, funcionalmente ligado aos SA durante aquele período de 8 meses, podendo e devendo ser reputado para esses efeitos como um agente putativo;
35. Independentemente de a prolongação daquele vínculo funcional/laboral poder ser classificada como nula ou inexistente, a verdade é que, não pode ser ignorada a situação de facto que foi criada pela Administração e que se reflectiu na prestação de trabalho pelo ora Recorrente;
36. Pelo que, a recusa nos termos do Acto Recorrido da devolução dos montantes que o Recorrente foi indevidamente forçado a restituir à Administração, constitui, por um lado, um atropelo do direito à justa retribuição pela prestação de trabalho e por outro lado constitui um enriquecimento ilícito da Administração, a qual, reitere-se pretende fazer-se valer da sua própria incúria;
37. O Acto Recorrido reflecte um flagrante desrespeito pelos princípios fundamentais do ordenamento jurídico-administrativo, designadamente o princípio da boa fé, regulado no artigo 8.° do CPA;
38. De facto, o Recorrente depositou a sua confiança na conduta da Administração, manteve-se em exercício de funções para lá do momento em que devia ter sido automaticamente aposentado e por isso recebeu vencimentos;
39. Mais tarde, a Administração usando do seu ius imperii veio exigir a restituição dos montantes pagos - justamente - ao Recorrente, lançando mão, inclusivamente de um processo de execução fiscal;
40. Por fim, diante do pedido de devolução dos montantes que fora forçado a restituir, a Administração veio praticar o Acto Recorrido, o qual no modesto entendimento do Recorrente revela uma total desrazoabilidade no exercício dos seus poderes, que deve ser jurisidicionalmente censurada;
41. Neste caso, a conduta da Administração deve ser enquadrada na figura do venire contra factum proprium, no sentido em que a situação enfrentada pelo Recorrente decorreu exclusivamente de uma sucessão de actos ilegais praticados pela Administração dos quais esta pretende agora prevalecer-se, com prejuízo para o Recorrente;
42. O Acto Recorrido constitui um acto administrativo cuja ilegalidade pode ser isoladamente considerada, mas cuja apreciação surge encadeada numa série de outros actos e condutas ilegais praticados pela Entidade Recorrida;
43. A prática do Acto Recorrido, consubstanciada na recusa de devolução do montante de MOP$316,116.80 devido pela Administração, enferma de ilegalidade por ter sido praticado na sequência de erro(s) manifesto(s) da Administração e com total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, designadamente por reflectir uma violação clara e manifesta do princípio da boa fé que deve nortear a conduta da Administração Pública, a quem é vedada a adopção de condutas contraditórias;
44. O Recorrente trabalhou nos SA entre 8 de Agosto de 2020 e 31 de Março de 2021, porque a tal foi obrigado pela Administração - que ilegalmente negou o pedido de aposentação obrigatória - e essa circunstância não pode ser ignorada pela Administração, pelo que a prática do Acto Recorrido constitui uma manifesta ilegalidade através da qual se permite um enriquecimento ilícito da Administração;
45. O Acto Recorrido ser anulado ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPTA, por ter sido praticado na sequência de erro manifesto da Administração e por representar uma total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, intolerável à luz dos princípios jurídico-administrativos vigentes.
NESTES TERMOS, e nos mais de Direito, se requer a V. Exas. que se dignem conceder provimento ao presente recurso contencioso, e que, em consequência se dignem anular o Acto Recorrido por se mostrar inquinado de vício de violação de lei, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, designadamente por ofender os princípios da boa fé, da justiça e da imparcialidade, nos termos do artigo 124.° do Código do Procedimento Administrativo, por reflectir um erro manifesto sobre os pressupostos de facto e por revelar uma prática totalmente desrazoável do exercício de poderes discricionários.
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 36 a 39, tendo alegado o seguinte:
      1) 上訴人於2023年4月28日向上訴所針對之實體要求返還其於2020年8月20日至2021年3月31日期間向海關提供服務的報酬澳門元$316,116.8元。
      2) 上訴所針對之實體於2023年6月16日作出第051/SS/2023號批示,決定不批准上訴人的請求,上訴人針對上述批示提起本上訴。
      3) 上訴人自2020年8月8日開始依法轉為退休,並開始收取以此日期計算訂定的退休金及年資獎金。
      4) 上訴人就訂定其為達至退休及年資獎金效力的服務時間的問題先後針對保安司司長及行政法務司司長提起司法上訴(分別為中級法院第429/2021號及第481/2021號司法上訴卷宗)。
      5) 在上述兩個司法上訴中,上訴人均被判敗訴,且沒有提起上訴,因此有關的兩個司法上訴案的裁判已轉為確定。
      6) 既然上訴人自2020年8月8日開始已轉為退休並開始收取退休金,自然不能同時亦收取在職人員的報酬,故其應返還於2020年8月8日至2021年3月31日期間收取由海關發放的報酬。
      7) 海關於2021年7月15日通知上訴人須返還2020年8月8日至2021年3月31日收取的報酬澳門元316,118.8元。
      8) 上訴人就返還報酬一事向上訴所針對之實體提出訴願,上訴所針對之實體於2021年9月14日作出第082/SS/2021號批示駁回訴願,而上訴人並沒有就此提起司法上訴。
      9) 其後,由於上訴人沒有於指定時間內返還上述款項,海關通知財政局進行強制徵收,最後上訴人於2022年11月4日向財政局清繳上述款項。
      10) 在尊重不同的意見下,上訴所針對之實體認為上訴人如不認同應返還有關報酬,應針對第082/SS/2021號批示提起司法上訴。
      11) 然而,上訴人並沒有,且已向財政局清繳上述款項。
      12) 因此,上訴所針對之實體認為上訴人現時要求行政當局返還有關的報酬缺乏法律依據。
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 103 a 105, pugnando pela seguinte conclusão:
Pelo exposto, parece-nos que:
(a) ocorre a invocada excepção dilatória da irrecorribilidade do acto recorrido, prevista no artigo 46.º, n.º 2, alínea c) do CPAC, a qual, verificada nesta fase, deve implicar a absolvição da Entidade Recorrida da instância;
(b) se assim se não entender, o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:


第0xx/SS/2023號批示
事由:請求返還於2020年8月8日至2021年3月31日向海關提供服務的報酬
利害關係人:(A),前一等關員編號6xxxx

經查閱訴願書、海關第14/GAT/2023號報告書及相關卷宗所載的資料,得出重要的事實如下:
1. 利害關係人為海關前一等關員,於2020年8月7日因病缺勤達18個月,根據經第18/2018號法律修改的《澳門公共行政工作人員通則》第107條第1款a)項規定,利害關係人須自動離職以待退休;
2. 海關人力資源處於2021年3月12日制作第74/DRH/2021號報告書,建議批准利害關係人按上述的法律規定,自2020年8月8日起強制離職以待退休,經海關關長於2021年3月17日在報告書上發表意見後,本人於2021年3月30日在上述報告書上作出“批准”的批示;
3. 海關向利害關係人支付報酬直至2021年3月31日;
4. 行政法務司司長於2021年4月21日作出的批示,由2020年8月8日開始以相等於現行薪俸索引表內的210點訂出利害關係人的退休金;
5. 利害關係人就訂定其為達至退休及年資獎金效力的服務時間的問題先後針對本人及行政法務司司長向中級法院提起司法上訴,利害關係人在兩宗司法上訴案中均被判敗訴,且沒有提起上訴;
6. 海關於2021年7月15日通知利害關係人須返還2020年8月8日至2021年3月31日收取的報酬澳門元316,118.8元;
7. 利害關係人就返還報酬一事向本人提出訴願,本人於2021年9月14日作出第082/SS/2021號批示駁回訴願,利害關係人沒有就此提起司法上訴;
8. 由於利害關係人沒有於指定時間內返還上述款項,海關通知財政局進行強制徵收,利害關係人於2022年11月4日向財政局清繳上述款項。
綜上所述,利害關係人自2020年8月8日開始已轉為退休狀況,並開始收取退休金,因此利害關係人無權收取2020年8月8日至2021年3月31日期間由海關發放的報酬,利害關係人亦已於2022年11月4日向財政局返還有關報酬。
基於本程序是應利害關係人的申請而開展,且利害關係人已在申請中充分表達其意見,根據《行政程序法典》第97條的規定,本人決定免除對利害關係人的聽證,以及行使第182/2019號行政命令賦予的權限,決定不批准利害關係人的請求。
著令通知訴願人可於三十日內就本批示向中級法院提起司法上訴。
二零二三年六月十六日於澳門特別行政區保安司司長辦公室。

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    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
(A), melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança datado de 16 de Junho de 2023 que indeferiu um pedido que lhe foi dirigido pelo Recorrente no sentido da devolução da quantia de 316,116.80 patacas respeitante a vencimentos, prémios de antiguidade e subsídios que lhe foram pagos no período situado entre 8 de Agosto de 2020 e 31 de Março de 2021.
A Entidade Recorrida apresentou douta contestação na qual concluiu no sentido da improcedência do recurso.

2.
(i)
(i.1)
A nosso modesto ver, ocorre um obstáculo ao conhecimento do mérito do presente recurso. Pelo seguinte.
Nos termos do n.º 1 do artigo 28.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), só são recorríveis os actos administrativos que produzam efeitos externos. O acto recorrido, manifestamente, não tem a virtualidade de projectar quaisquer efeitos na esfera jurídica do Recorrente.
Importa, na verdade, distinguir entre, actos administrativos impugnáveis e outras manifestações da Administração que, na senda da doutrina alemã, se podem qualificar como meras actuações administrativas («schlichtes Verwaltungshandeln») e em relação às quais o nosso legislador não abre a porta da impugnação contenciosa, justamente, em virtude de as mesmas não produzirem efeitos jurídicos próprios (no sentido da qualificação das meras actuações administrativas como actos da administração sem vocação para a produção de efeitos jurídicos próprios, veja-se MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 376).
O que é típico do acto administrativo impugnável, isto é, do acto administrativo com efeitos externos, é o facto de ele traduzir o exercício de um poder de definição jurídica unilateral normativamente conferido à Administração (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 223).
A imposição do ónus de impugnação do acto, diz MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «só se afigura aceitável quando um órgão administrativo emita uma pronúncia que corresponda ao exercício de um poder de definição jurídica, isto é, quando desse modo esteja a desempenhar uma função que lhe tenha sido normativamente atribuída, ou por previsão normativa específica, ou, pelo menos, porque a emissão de um tal acto configura a expressão normal de um poder inscrito no âmbito das competências de definição jurídica do órgão e das atribuições do ente ao qual o órgão pertence» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…, p. 225).
No caso em apreço, o acto que produziu efeitos jurídicos que se projectaram desfavoravelmente na esfera jurídica do Recorrente, constituindo-o numa obrigação de pagamento de quantia certa, foi aquele que determinou que o mesmo procedesse à restituição das quantias indevidamente recebidas a título de vencimento entre 8 de Agosto de 2020 e 31 de Março de 2021.
Esse acto não foi objecto de recurso e, além disso, o Recorrente procedeu ao pagamento da quantia cuja restituição foi ordenada. Todavia, apesar de não ter recorrido contenciosamente e de, assim, ter deixado consolidar o acto impositivo, o Recorrente lançou mão de um pedido que dirigiu à Administração, no sentido da devolução da quantia que antes restituiu. Tal pedido, funda-se no instituto do enriquecimento se causa, enquanto pretensão de repetição do indevido e foi ele que desencadeou a actuação administrativa agora sindicada.
(i.2)
O entendimento da doutrina, ainda que a propósito de pedidos indemnizatórios que tenham sido dirigidos pelos particulares à Administração, sempre foi o de que não cabe recurso contencioso relativamente aos actos praticados em resposta a esses pedidos, através dos quais a Administração não define ou declara, autoritária e vinculativamente direitos em matéria de definição das consequências de facto danoso que lhe seja imputado (já neste sentido, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Tomo II, 10.ª edição, reimpressão, Coimbra, 1990, p. 1272-1273. De acordo com este Autor, «nestas matérias deve, em caso de dúvida, interpretar-se qualquer acto administrativo como meramente opinativo, pois que se o legislador estabeleceu o processo da acção contenciosa para a solução dos conflitos de interesses é porque considerou excepcional a licitude dessa resolução por acto definitivo»).
Da mesma forma, e pelas mesmas razões que a pronúncia da Administração sobre a existência do dever de indemnizar ou sobre o quantum indemnizatório não reveste a natureza de acto administrativo ou, seguramente, não reveste a natureza de acto administrativo contenciosamente recorrível, mas, antes, a de uma simples actuação administrativa, também assim sucede quando a Administração se pronúncia sobre um pedido de devolução de quantias enquadrável no âmbito do instituto do enriquecimento sem causa (veja-se, a este último propósito, o alegado pelo Recorrente no artigo 57.º da douta petição inicial, a enquadrar a sua pretensão substantiva inequivocamente à luz daquele instituto).
Deve, portanto, entender-se que o acto de recusa de devolução de determinada quantia antes restituída pelo particular à Administração em cumprimento de obrigação que ao mesmo foi imposta por acto administrativo que não foi objecto de impugnação contenciosa, por isso que não pertence às atribuições de qualquer ente administrativo, nem às competências de qualquer órgão administrativo estatuir definitivamente sobre tal matéria, estando a mesma, como é bom de ver, reservada aos Tribunais, não constitui um acto administrativo sujeito a impugnação contenciosa (expressamente neste sentido, a lição de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…, p. 226, que acompanhamos), sendo, por isso contenciosamente irrecorrível (apesar de o artigo 97.º do CPAC não o referir explicitamente, nada obsta a que se proponha uma acção com fundamento no enriquecimento sem causa: neste sentido, VIRIATO LIMA/ÁLVARO DANTAS, Código Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ, 2015, p.297).
(ii)
Para o caso de assim se não entender, sempre diremos que, a nosso modesto ver, o recurso não pode proceder.
Com efeito, decorre da leitura da petição inicial que toda a alegação do Recorrente é feita, essencialmente, por referência a outros actos que estão a montante do chamado acto recorrido, mas que com ele se não confundem, em especial, o acto administrativo que determinou que o mesmo restituísse a quantia cuja devolução agora pretende.
A verdade é que, como antes dissemos, esse acto que ordenou a restituição da quantia em causa foi objecto de notificação ao Recorrente e não foi por este contenciosamente impugnado, pelo que se consolidou na ordem jurídica como caso decidido. Dele resulta, por isso, nomeadamente, o chamado efeito vinculativo (Bindungswirkung), que, como sabemos, se traduz no carácter obrigatório das determinações nele contidas para os sujeitos da relação jurídica sobre a qual incide, sendo que, tal efeito vinculativo abrange não só o destinatário do acto, mas também o seu autor (cfr., MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito…, p. 185).
É certo que o Recorrente alega, em especial nos artigos 54.º, 59.º e 61.º da douta petição inicial, que a Administração, ao praticar o acto recorrido, exerceu com total desrazoabilidade poderes discricionários. Todavia, não se vê, nem o Recorrente indica, que norma legal confere poderes discricionários à Administração para devolver uma quantia a favor de um particular que o mesmo, em momento anterior, entregou àquela em cumprimento de uma obrigação juridicamente vinculante resultante de acto administrativo, resultando, por isso, infundado, salvo o devido respeito, portanto, dizer-se sequer que, no caso, a Administração exerceu poderes discricionários.
Consideramos, pois, que se não deve acolher a pretensão impugnatória do Recorrente (no mesmo sentido, ao menos quanto à conclusão, e tendo por objecto decisório uma situação semelhante, pode ver-se o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 22 de Abril de 2021, processo n.º 338/2020)
3.
Pelo exposto, parece-nos que:
(a) ocorre a invocada excepção dilatória da irrecorribilidade do acto recorrido, prevista no artigo 46.º, n.º 2, alínea c) do CPAC, a qual, verificada nesta fase, deve implicar a absolvição da Entidade Recorrida da instância;
(b) se assim se não entender, o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.”
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Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece do vício imputado pelo Recorrente.
Por outro lado, importa sublinhar que a decisão sobre o mérito deve ser entendido como prevalecente sobre a decisão sobre as questões de natureza exceptiva, assim, é de julgar improcedente o recurso e manter o acto recorrido, mantendo-se a decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I – Dos elementos constantes dos autos resulta provado que o acto ora atacado, que produziu efeitos jurídicos desfavoráveis na esfera jurídica do Recorrente, constituindo-o numa obrigação de pagamento de quantia certa, ou seja, uma decisão que determinou que o mesmo procedesse à restituição das quantias indevidamente recebidas a título de vencimento entre 8 de Agosto de 2020 e 31 de Março de 2021.
II – Conforme os dados dos autos, esse acto que ordenou a restituição da quantia em causa foi objecto de notificação ao Recorrente e não foi por este contenciosamente impugnado, pelo que se consolidou na ordem jurídica como caso decidido, produzindo efeitos vinculativos em relação ao destinatário e ao autor do acto.

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Tudo visto, resta decidir.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente que se fixam em 6 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 18 de Abril de 2024.

(Relator) Fong Man Chong

  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng

(Procurador-Adjunto) (Segundo Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng Tong Hio Fong
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