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Processo nº 828/2023
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 11 de Abril de 2024

ASSUNTO:
- Recurso contencioso
- Acto negativo
- Interesse em Agir

SUMÁRIO:
- Ainda que o acto seja de conteúdo negativo o legislador no nº 2 do artº 103º do CPAC limita o acesso à acção para a determinação da prática do acto administrativo aos casos em que o interessado não tenha recorrido contenciosamente;
- O direito à opção pela via do recurso ou da acção está na inteira disponibilidade do interessado;
- Tal solução legislativa pressupõe que o legislador entende que o interessado tem sempre interesse em agir ao pedir a anulação do acto que lhe nega a sua pretensão, ainda que o acto a praticar seja de conteúdo vinculado e possa ser objecto da acção em causa, deixando na disponibilidade do interessado o direito a exigir de imediato a condenação à prática do acto de conteúdo vinculado que entender ser devido ou a pedir a anulação do praticado.


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Rui Pereira Ribeiro

















Processo nº 828/2023
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 11 de Abril de 2024
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Subdirectora dos Serviços de Identificação
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso contencioso da decisão proferida pela Subdirectora dos Serviços de Identificação, na qual foi indeferida o requerimento de emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência da RAEM, pedindo ele a anulação deste acto administrativo.
Proferido despacho, foi rejeitado o recurso pela falta do interesse em agir, o qual obsta manifestamente ao prosseguimento do recurso.
Não se conformando com a decisão proferida veio o Autor e agora Recorrente recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
Erro na interpretação e aplicação do Direito
1. O recorrente entende que a decisão de rejeição liminar do recurso contencioso padece do vício do erro na interpretação e aplicação do Direito.
2. Antes de mais, no tocante à causa de pedir e pedidos apresentados na petição de recurso, o recorrente já explicou explicita e expressamente que o acto administrativo recorrido padece dos vícios da falta da fundamentação e do erro nos pressupostos de facto, pedindo a anulação do acto recorrido.
3. De acordo com o princípio da vinculação do juiz à causa de pedir, não é somente o pedido da parte que norteia a atividade do juiz. Também a causa de pedir que encerra a substância ou a matéria do conflito lhe marca as balizas da sua acção. O juiz só pode basear a sua decisão nos factos invocados, nos fundamentos da causa concreta.
4. Mas, ao contrário, o Tribunal a quo não o cumpriu, convidou o recorrente, por despacho de aperfeiçoamento, com fundamento em que a propositura da acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos está mais conforme aos interesses do recorrente, para elaborar de novo a petição inicial, e quando o recorrente recusou o convite, rejeitou liminarmente o recurso contencioso pela alegada falta do interesse em agir.
5. Assim sendo, sem dúvida, o despacho recorrido é nulo pela violação do referido princípio, erro na aplicação dos art.º 397.º e 72.º do CPC, aplicados por remissão do art.º 1.º do CPAC e excesso de pronúncia (vide a segunda parte do art.º 571.º n.º 1 alínea d) do CPC).
6. Segundo, no caso, não está preenchido o art.º 103.º alínea b) do CPAC, portanto, não pode o recorrente intentar a acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos.
7. Quanto à interpretação da alínea b), entretanto, a jurisprudência de Macau tem sempre apoiado que, só quando a Administração tenha reconhecido o preenchimento dos requisitos legais para o requerimento do requerente e ainda recuse conceder o deferimento, pode o requerente intentar a acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, nos termos da alínea b), sendo diferente do entendimento do Tribunal a quo, que considera que basta a prolação dum acto de indeferimento expresso pela Administração.
8. No caso, a entidade recorrida proferiu a decisão de indeferimento sem que tivesse reconhecido o preenchimento dos requisitos para o requerimento do certificado de confirmação do direito de residência, deste modo, era impossível para o recorrente intentar, nos termos da alínea b), a acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos.
9. Além disso, a autorização de emissão ou não do certificado de confirmação do direito de residência não constitui acto de conteúdo vinculado, uma vez que, o juízo sobre a “residência habitual” está sujeito ao exercício do poder discricionário pela Administração.
10. Pelo que, o despacho recorrido obviamente cometeu erro na interpretação e aplicação do art.º 103.º do CPAC.
11. No fim, o recorrente tem interesse em agir sem dúvida, uma vez que, como ensina o Dr. Vieira de Andrade, a legitimidade para interpor recurso contencioso, prevista pelo CPAC, já engloba a exigência do interesse directo e pessoal dos particulares em vencer, assim sendo, à verificação do pressuposto da necessidade de protecção judicial só se impõe a existência do interesse actual do autor, mas não interesse eventual.
12. Evidentemente, no recurso contencioso em que pede anular o acto administrativo recorrido, o recorrente tem realmente interesse actual ou existente, uma vez que, o acto administrativo recorrido negou o seu pedido do certificado de confirmação do direito de residência, já lhe provocou lesão imediata do seu direito, mas não lesão futura ou provável do seu interesse.
13. Outrossim, para o recorrente, como particular, a sua legitimidade do autor nunca foi questionada. Por isso, é impossível que o recorrente não tenha interesse em agir, que é incluído na legitimidade do autor.
14. Tendo em conta o entendimento do TUI sobre o interesse processual do autor, firmado no acórdão n.º 60/2022, o recorrente já pediu expressamente anular o acto administrativo recorrido, o Tribunal a quo não devia sustentar, por ele próprio, que a proposição da acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos poderia defender melhor os interesses do recorrente e, voluntariamente, considerar essa acção como a pretensão subjectiva ou a posição jurídica material do recorrente.
15. E mais, quanto ao acto administrativo de indeferimento expresso definitivo, o legislador não restringe as vias de autotutela dos particulares à proposição da acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e proíbe a interposição do recurso contencioso, mas sim deixa os particulares escolher entre as duas opções.
16. Pelo que, o recorrente limitou-se a optar pela interposição do recurso contencioso contra o acto administrativo recorrido, não se pode contra-atacar que falta interesse em agir.
17. O despacho recorrido obviamente cometeu erro na interpretação e aplicação do art.º 72.º do CPC, aplicado por remissão do art.º 1.º do CPAC.

Contra-alegando veio a Entidade Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, não apresentando, contudo, conclusões.
Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu o seguinte parecer:
«1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs no Tribunal Administrativo um recurso contencioso tendo por objecto a decisão do Subdirector da Direcção dos Serviços de Identificação que indeferiu a emissão do certificado de confirmação do direito de residência.
Por douto despacho constante de fls. 21 e 22 dos presentes autos, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo indeferiu a petição inicial com fundamento na falta de interesse processual.
Inconformado com o assim decidido, veio o Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela revogação daquele despacho.
2.
2.1.
A nosso modesto ver, a questão que tem de colocar-se, é a de saber se, face à nossa lei de processo administrativo contencioso, o interessado que pretenda reagir judicialmente na sequência de um acto administrativo de conteúdo negativo, nomeadamente um acto de indeferimento de pretensão dirigida à prática de um acto de conteúdo vinculado, pode lançar mão do recurso contencioso ou se, ao invés, deve utilizar a acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido (como ensina ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, p. 97, temos um acto negativo sempre que a Administração, provocada a praticar um acto com um determinado conteúdo, se recuse a fazê-lo, e positiva e expressamente manifeste a sua decisão de não alterar as situações jurídicas existentes. No mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 205).
Vejamos.
2.1.1.
Ao invés do sucede com o seu congénere português (cfr. artigo 51.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de Portugal) o nosso CPAC não dá resposta directa à questão formulada.
Da norma do n.º 2 do artigo 103.º do CPAC resulta que o legislador admite a coexistência do recurso contencioso e da acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, que surgem, assim, como meios processuais alternativos, quando esteja em causa a reacção contenciosa relativamente a um acto administrativo de conteúdo negativo ou um indeferimento tácito.
Na sua aparente simplicidade, esta norma poderia levar-nos a adoptar o entendimento segundo o qual recurso e acção são susceptíveis de utilização indiferenciada, cabendo ao particular optar, livremente, por um ou por outro daqueles meios processuais ao seu dispor. A verdade, no entanto, é que não nos parece ser essa a melhor interpretação da lei. Pelo seguinte.
Recurso contencioso e acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido são meios processuais que têm finalidades diferentes e que, como é evidente, proporcionam tutelas judiciais com intensidade diversa. O recurso contencioso do acto administrativo, como meio impugnatório que é, tem, como se sabe, uma finalidade meramente anulatória. Diferentemente, a acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido é um meio de plena jurisdição com finalidade condenatória cujo objecto não é constituído pelo acto administrativo de indeferimento, mas, antes, pela pretensão do interessado à prática do acto administrativo legalmente devido que foi omitido ou recusado pela Administração.
Desta diferente configuração teleológica dos referidos meios processuais resulta, segundo cremos, que, (i) se o interessado apenas tem interesse na eliminação do acto administrativo de conteúdo negativo da ordem jurídica resultante da respectiva anulação ou declaração de nulidade, ou seja, se o seu interesse se esgota num simples regresso ao status quo ante, o meio processual adequado a uma eficaz tutela judicial da sua pretensão é, sem dúvida, o recurso contencioso; (ii) se, em vez disso, o interessado, mais do que a simples anulação do acto, tem interesse e pretende obter o bem jurídico dependente da prática de um acto administrativo de conteúdo vinculado, ou dizendo de outro modo, visa obter a satisfação da pretensão material que, num primeiro momento, deduziu procedimentalmente perante a Administração e que esta se recusou a satisfazer ou a apreciar, então o meio processual adequado será a acção para a determinação da pática do acto administrativo legalmente devido. Nesta última situação, não será lícito ao particular interpor um recurso contencioso. É este, segundo pensamos, o correcto e rigoroso sentido da alternatividade resultante da lei entre os ditos meios processuais (neste sentido, na doutrina alemã, mas com inteira pertinência face à nossa lei processual, FRIEDHELM HUFEN, Verwaltungsprozessrecht, Munique, 2013, pp. 211-212).
A justificação da conclusão que antecede, encontramo-la na necessidade de tutela judicial que se concretiza no pressuposto processual do interesse em agir. Explicitemos.
2.1.2.
O interesse processual, entre nós expressamente consagrado como pressuposto processual, na norma do artigo 72.º do Código de Processo Civil, faz depender o acesso aos tribunais da necessidade de obter a tutela jurisdicional (Rechtsschutzbeduerfnis) de um direito ou de um interesse legalmente protegido. Não basta, portanto, ser titular de uma posição jurídica subjectiva qualificada, maxime um direito subjectivo, para poder requer a sua tutela; é indispensável que essa tutela seja necessária e que o meio utilizado seja o adequado a proporcioná-la (assim, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, O Interesse Processual no Código de Processo Civil de Macau, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano IV, n.º 10, 2000, p. 90).
Entre a condenação à prática de actos devidos e a anulação de actos administrativos estabelece-se uma relação semelhante àquela que, em termos gerais, no processo civil, intercede entre as acções de condenação e as acções de simples apreciação, meramente declarativas. Também ali se verifica que aquelas asseguram uma tutela judicial mais intensa do que estas e por isso se considera que «o autor não tem interesse processual para propor uma acção de simples apreciação se lhe é possível propor, desde logo, uma acção condenatória» (nestes termos, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, O Interesse Processual …, p. 93).
Ora, do pressuposto processual do interesse em agir, ele próprio uma concretização do princípio da economia processual, resulta, a nosso ver, que o autor está obrigado a escolher a forma processual que lhe propicia uma tutela judiciária mais intensa, dessa forma se evitando desnecessárias e indesejáveis multiplicações processuais: o que pode ser decidido de uma só vez não o deve ser em duas vezes (neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, p. 287 e, identicamente, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, O Interesse Processual…, p. 90).
Por isso, parece-nos que não pode ser deixado ao livre arbítrio do interessado a opção por um ou outro meio processual, isto é, pelo recurso contencioso ou pela acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, como se, entre eles, existisse uma autêntica e total fungibilidade. Um tal entendimento é, a nosso ver, incompatível com uma racional gestão dos recursos judiciais que, como se sabe, são escassos, afrontando, ostensivamente, o falado princípio, sistemicamente enraizado, da economia processual.
No momento em que «alguém se dirige aos tribunais administrativos para reagir contra uma atitude de recusa ou de inércia da Administração, em defesa do seu direito à prática de um acto administrativo, a necessidade de tutela judicial que a leva a tribunal concretiza-se no interesse em obter uma pronúncia judicial que proporcione a obtenção do acto pretendido. Para o efeito, o autor deve fazer valer o seu direito à prática desse acto, o que só pode acontecer no âmbito de um processo de condenação» e não já ou, pelo menos não tão eficazmente, num processo de natureza meramente anulatória (Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual…, p. 287. Não desconhecemos os chamados efeitos ultra-constitutivos que, no modelo tradicional do contencioso administrativo, se assinalam às sentenças anulatórias, incluindo, portanto, às sentenças que anulem actos de conteúdo negativo. Em todo o caso, mesmo aí, esses efeitos não são equiparáveis, na perspectiva da eficácia da tutela da posição subjectiva do particular e da economia processual, a uma sentença de condenação da prática do acto legalmente devido, desde logo face ao poder de renovação do acto, em certas situações por parte da Administração e também em função da necessidade de o particular se poder obrigado a lançar mão de um processo chamado executivo mas, em rigor, declarativo, tendente a obter a do tribunal a especificação dos actos e operações a praticar na sequência da anulação, como resulta do artigo 184.º, n.º 2 do CPAC. Assinalando também este último aspecto, veja-se JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Algumas Reflexões a propósito da sobrevivência do conceito de «acto administrativo, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, p. 1209).
Com efeito, da diferente configuração legal do recurso contencioso e da acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, aquele como um meio meramente anulatório, esta como um meio de plena jurisdição, resulta que é no âmbito da acção «que podem ser debatidas em plenitude, e por referência ao momento em que cumpre decidir, todas as questões que se podem colocar a propósito da existência e configuração do dever de actuação da Administração em termos que permitam definir, de modo mais eficaz, a situação das partes, evitando o risco da multiplicação de novos litígios, como exige o princípio da economia processual» [continuamos a seguir MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual…, p. 287. Este entendimento segue de perto o ensinamento de parte importante da doutrina alemã a propósito da chamada Isolierte Anfechtungsklage ou impugnação isolada de actos administrativos de conteúdo negativo. Também aí se tem defendido a inadmissibilidade, em geral, dessa impugnação isolada: neste sentido, FRIEDHEL HUFEN, Verwaltungsprozessrecht…, p. 214; WOLF-RUDIGER SCHENKE, Verwaltungsprozessrecht, 13.ª edição, 2012, pp. 94 e 95; HERBERT POSSER - HEINRICH WOLFF – UWE BERLITT e Outros, Verwaltungsgerichtordnung, Kommentar, Munique, 2014, p. 140, referindo estes últimos Autores justamente a falta de necessidade de tutela judicial (Rechtsschutzbeduerfnis), ou de interesse em agir como obstáculo a tal impugnação isolada].
2.1.3.
Ao que antecede não se pode contrapor a possibilidade que a lei, na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do CPAC, prevê de cumulação no recurso contencioso de um pedido de condenação na prática do acto administrativo legalmente devido, abrindo a porta ao alargamento do objecto do processo no âmbito do recurso contencioso.
Como tivemos oportunidade de referir noutro local, continuamos a considerar que a cumulação a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do CPAC tem como exclusivo campo de aplicação o dos actos positivos de conteúdo ambivalente, isto é, os actos que tenham «introduzido uma modificação em favor de terceiro, em detrimento das pretensões do interessado, que pretendia ser ele o beneficiário» de tal modificação.
Nestas situações, a cumulação permitirá, por um lado, com o pedido principal, obter a anulação contenciosa do acto de conteúdo positivo e com o pedido cumulado obter, desde logo, a condenação da Administração a praticar o acto devido, deste modo obtendo uma tutela mais eficaz da sua posição subjectiva juridicamente protegida (cfr. VIRIATO LIMA - ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, RAEM, 2015, p. 71).
Não vemos, com todo o respeito o dizemos, que sentido poderá fazer a cumulação de um pedido de condenação na prática de um acto administrativo legalmente devido no recurso contencioso de um acto administrativo de conteúdo negativo quando a lei coloca à disposição do interessado um meio próprio para efeito de obter a condenação, sobretudo se tivermos em conta que que da procedência da acção de condenação resultará, implicitamente, a eliminação do acto administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação. Pelo contrário. Por via da cumulação estará a introduzir-se uma desnecessária perturbação processual, desde logo no que concerne à tramitação dos pedidos cumulados (cfr. o n.º 2 do artigo 24.º do CPAC) que, para além de desaconselhável, a plena tutela da posição jurídica do particular seguramente não reclama.
2.2.
No caso em apreço, resulta da petição inicial que o Recorrente reage contra o indeferimento da emissão de um certificado de confirmação do direito de residência por considerar, entre o mais, que estão verificados os pressupostos legais dessa emissão.
Da conjugação dos artigos 1.º e 5.º do Regulamento Administrativo n.º 7/1999 com o artigo 1.º, n.º 1, alínea 2) da Lei n.º 8/1999, resulta que a Administração deve emitir aquele certificado relativamente aos «cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM».
Trata-se, como bem decidiu o Meritíssimo Juiz a quo, de um acto administrativo legalmente vinculado. Na verdade, demonstrando-se que um cidadão chinês residiu habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, a Administração está obrigada a emitir o dito certificado, não dispondo de qualquer margem ou abertura discricionária para não o fazer (como se sabe, a vinculação existe quando a norma de competência indica de forma fechada as circunstâncias que desencadeiam a intervenção administrativa; estabelece que a Administração tem de agir quando esses pressupostos se verifiquem e, por fim, define, de forma rigorosa e fechada em que consiste essa acção: nestes termos, por último, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, 2020, pp. 202-203).
Contrariamente ao que alega o Recorrente, a circunstância de o legislador utilizar um conceito aparentemente indeterminado, como seja o de «residência habitual» não mexe com a anterior conclusão. Trata-se, na verdade, de um conceito que apenas na aparência é indeterminado, pois que o mesmo não concede margem de livre apreciação à Administração ou, se quisermos, que não lhe confere discricionariedade, sendo, por isso plenamente sindicável pelos tribunais (assim tem vindo a decidir o Tribunal de Última Instância: entre outros, acórdãos de 13.11.2019, processo n.º 106/2019; de 18.12.2020, processo n.º 190/2020; de 27.1.2021, processo n.º 182/2020. Sobre a questão da diferença entre indeterminação estrutural e mera dificuldade de interpretação e entre conceito jurídico indeterminado em sentido próprio e um mero conceito classificatório de imprecisão hermenêuticamente resolúvel, veja-se JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 70, pp. 38 a 57).
Além disso, também em contrário do que vem alegado pelo Recorrente, o indeferimento da pretensão que deduziu junto da Administração no sentido de ver emitido o certificado de confirmação consubstancia, como parece evidente, uma recusa de praticar esse acto administrativo. A Administração recusou-se a emitir o certificado. A recusa da prática do acto traduz-se no indeferimento da pretensão do particular (neste mesmo sentido, que nos parece óbvio, VIRIATO LIMA – ÁLVARO DANTAS, Código…, pp. 309-310. É também a lição que se colhe, nos Autores «clássicos» do Direito Administrativo de matriz portuguesa: assim, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Volume III, Lisboa, 1989, pp. 155-156 e no já citado ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, p. 97).
A situação enquadra-se, portanto, e fora de dúvida na previsão da norma na alínea b) do n.º 2 do artigo 103.º do CPAC. Por isso, em nosso modesto entender, o Recorrente estava obrigado a lançar mão da acção para determinação da prática de acto legalmente devido. Isto porque, como vimos, do teor da sua petição inicial resulta manifestamente que aquilo que o mesmo pretende não é a simples eliminação do acto administrativo de indeferimento, mas, mais do que isso, a prática do acto administrativo que considera ser devido.
O recorrente tem, pois, evidente falta de interesse processual na interposição do recurso contencioso. Daí que se justifique a rejeição liminar do recurso contencioso, face ao disposto nos artigos 72.º, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do artigo 1.º do CPAC, e 46.º, n.º 2 deste último diploma legal, como muito bem decidiu o Meritíssimo Juiz a quo.
3.
Pelo exposto, parece-nos, salvo melhor opinião, que deve ser negado provimento ao presente recurso.».

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Do Direito

É do seguinte teor a decisão recorrida:
«A, recorrente, interpôs recurso contencioso contra a decisão de indeferimento do seu pedido do certificado de confirmação do direito de residência, proferida em 8 de Junho de 2023 pela entidade recorrida ao abrigo do art.º 1.º n.º 1 alínea 2) da Lei n.º 8/1999, pediu anular o acto por padecer dos vícios da falta da fundamentação e do erro nos pressupostos de facto.
Sendo admitido o caso, por despacho constante das fls. 14 a 15v. dos autos, o Tribunal convidou o recorrente para, ponderando que ele já expressou na sua petição inicial a pretensão subjectiva, alterar a interposição do recurso na proposição da acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, nos termos dos art.º 103.º e ss. do CPAC, e elaborar e entregar de novo a petição inicial, uma vez que esse meio processual está mais conforme à sua pretensão subjectiva e, importantemente, o recorrente tem interesse em empregar esse meio processual, mas não em interpor recurso contencioso.
O recorrente pronunciou-se nas fls. 19 a 20 dos autos, recusou alterar a forma processual e entregar de novo a petição inicial.
O seu entendimento firmado não consegue ilidir a posição original do Tribunal:
Antes de mais, estão evidentemente preenchidos os pressupostos legais para propor a acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. No tocante ao sentido substancial e interpretação extensiva sobre “recusa da prática de acto de conteúdo vinculado”, prevista pelo art.º 103.º n.º 1 alínea b) do CPAC, quer a doutrina quer a jurisprudência já oferecem justificação concreta1, que não será repetida aqui.
Por outro lado, o recorrente suscitou a questão dos dois vícios, que podem conduzir à anulação do acto recorrido, mas a “acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos” tem como objecto a pretensão ou a posição jurídica subjectiva do interessado2, o seu benefício previsível naturalmente não se restringe à anulação do acto recorrido. De facto, quando vencer, qualquer acção de condenação, para além de satisfazer a sua pretensão, logicamente eliminará da ordem jurídica o acto recorrido. Neste sentido, desde que o recorrente pretende a autorização pela entidade recorrida da emissão do certificado de confirmação do direito de residência, obviamente não tem interesse em, reunindo-se condição para obter uma sentença condenatória, porém, só pedir a anulação do acto.
Pelo exposto, decide que:
Com base nos fundamentos constantes do despacho a fls. 14 a 15v. dos autos (cujo teor se dá por reproduzido), é rejeitado o recurso do recorrente A pela falta do interesse em agir, a qual obsta manifestamente ao prosseguimento do recurso (vide o art.º 72.º do CPC, aplicado por remissão do art.º 1.º do CPAC, e art.º 46.º n.º 2 do CPAC).».
Sobre uma questão idêntica à destes autos já se pronunciou este Tribunal em Acórdão datado de19.03.2020 proferido no Processo nº 735/2019 cujo sumário é o seguinte:
«I – A norma do artigo 1º da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro, é uma norma concretizadora e densificadora da norma do artigo 24º da Lei Básica da RAEM, valendo aqui, ao nível da hermenêutica jurídica, o princípio de interpretação da norma ordinária em conformidade com o padrão constitucional, à luz do qual aquela deve ser interpretada dentro do espaço normativo delimitado pelo artigo 24º da Lei Básica.
II – O conceito de domicílio permanente é um elemento estruturante da aquisição do estatuto de residente permanente da RAEM, introduzido pela Lei Básica através do seu artigo 24º, que exige algo mais do que o conceito de residência habitual face aos termos consagrados no próprio artigo 24º da Lei Básica da RAEM.
III – O conceito de domicílio permanente é preenchido por um conjunto de elementos factuais, referentes nomeadamente ao local de residência habitual, tendencialmente estável e duradouro de uma pessoa, onde se encontra a sua casa em que a pessoa vive com estabilidade e tem instalado e organizado a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da vida pessoal e profissional de uma pessoa.
IV – É consentâneo com o referido na alínea III quando o artigo 8º da Lei nº 8/1999 enumera exemplificativamente alguns elementos tidos em consideração para esta finalidade:
1) Ser Macau o local da sua residência habitual;
2) Ser Macau o local de residência habitual de familiares próximos, nomeadamente o cônjuge e os filhos menores;
3) A existência de meios de subsistência estáveis ou o exercício de profissão em Macau;
4) O pagamento de impostos nos termos da lei.
V – Para efeitos da aquisição do estatuto de residente permanente da RAEM, o artigo 24º da Lei Básica da RAEM divide os sujeitos em 3 universos:
- Pessoas titulares de nacionalidade chinesa;
- Pessoas titulares de nacionalidade portuguesa;
- Pessoas titulares de outra nacionalidade (diferente das duas acima referidas).
Em relação ao 2º universo de pessoas, a regulamentação encontra-se prevista nas alíneas 3) e 4) do artigo 24º da Lei Básica em que se destaca, entre outros elementos exigidos, o de jus soli (nascido em Macau) e ter domicílio em Macau.
VI – Em relação aos portugueses, para o efeito de acesso ao estatuto de residente permanente da RAEM, não releva apenas o critério de jus sanguis, importando preencher-se cumulativamente os seguintes requisitos:
- Que tenha nacionalidade portuguesa (que funciona como pressuponente);
- Que tenha nascido em Macau;
- Que tenha domicílio permanente em Macau.
VII – No que toca aos filhos nascidos for a de Macau, cujos progenitores sejam portugueses, com já estatuto de residente permanente de Macau, o acesso a este estatuto (pelos menores) opera-se por força do disposto na alínea 5) da Lei Básica, ou seja, deve ter o seu domicílio permanente em Macau e aqui reside habitualmente mais de 7 anos (cfr. Artigo 1º/1-8) da Lei nº 8/1999, de 20 de Dezembro).
VIII – No caso, como à data do nascimento da Recorrente, a sua progenitora não tinha domicílio permanente em Macau e ela (a Recorrente) tem vivido com esta última sempre, mesmo hoje, a Recorrente não preenchia também este requisito, e como tal a sua pretensão não pode proceder: pediu que fosse reconhecido o seu estatuto de residente permanente por facto de ser descendência chinesa e portuguesa e ser filho de uma residente permanente da RAEM, pois, existe um facto impeditivo: nascimento for a de Macau, no caso concreto.».
O recurso no qual foi proferido aquele Acórdão havia sido interposto pela entidade Recorrida da decisão do Tribunal Administrativo na qual se concluía pela procedência do recurso e revogação do despacho de indeferimento de emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência da RAEM.

Sobre o artº 103º do CPAC “Acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos” em Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado de Viriato Lima e Álvaro Dantas, diz-se nas anotações nº 6 e 7, a pág. 309 e 310 o seguinte:
«6. A segunda situação em que pode ser intentada acção é aquela em que foi praticado um acto administrativo indeferindo pedido atinente a um acto de conteúdo vinculado ou simplesmente decidindo não praticar tal acto vinculado (“Indefiro”, “Não autorizo”).
Um acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.
Quando o acto tem conteúdo vinculado, o interessado pode, igualmente, optar por interpor um recurso contencioso, em alternativa, sendo certo que se interpuser recurso já não pode intentar a acção (n.º 2)
Já o acto de conteúdo discricionário ou de preenchimento valorativo de conceitos jurídicos indeterminados não permite o uso da acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. Restará ao interessado a interposição de recurso contencioso.».

Ainda sobre a questão do acto vinculado veja-se também José Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, Vol. II, em anotação 7 ao indicado artº 103º a pág. 24:
«7 – A alínea b) invoca a prática de acto administrativo expresso de “recusa da prática de acto de conteúdo vinculado”.
A que se refere a expressão? Não é particularmente feliz o timbre da “recusa”, na medida em que sugere uma resistência da Administração em decidir a situação a favor da pretensão do particular, quando a verdade é que a Administração se limita a decidir o caso segundo o prisma que acolhe um certo ponto de vista, eventualmente diferente do interessado, mas muitas vezes em conformidade com posições doutrinais ou jurisprudências dispares, igualmente consideráveis. Seria muito melhor dizer “acto administrativo de indeferimento em situações de conteúdo vinculado”.
Porque, na verdade, é disso que se trata. Quer dizer, esta alínea parte da ideia de que o objecto do processo é um acto administrativo que tenha atentado contra uma vinculação legal em sentido diferente. Ou seja, o pressuposto da alínea é a existência de uma decisão administrativa de mérito, ou seja, uma decisão “… em que a Administração, apreciando o requerimento, se pronunciou desfavoravelmente em relação à pretensão deduzida pelo interessado, contra o que é possível deduzir um pedido de condenação à prática do acto devido” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário, pág. 448).
O propósito do autor é, portanto, mostrar o erro na aplicação do direito por parte desse “acto de recusa”, dessa decisão de indeferimento expresso da pretensão (Mário Aroso de Almeida, O Novo Rgime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., pág. 202) e obter do tribunal uma condenação da entidade administrativa a praticar um novo acto com um conteúdo que se conforme com o sentido que resulta da vinculação legal em apreço. O objectivo da acção é condenar a Administração a praticar um acto de acordo com a vinculação que resulta do quadro normativo aplicável, ou seja, praticar um acto com o conteúdo legalmente pré-determinado; logo, um acto com o conteúdo devido (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 8ª ed., pág. 237)
Pretende-se, assim, que o tribunal analise o assunto e conclua que o acto foi mal praticado e “contra legem”, ou contra disposições que a vinculavam a outro conteúdo decisor, e condene a Administrativa a redecidir o caso conforme o que lhe for determinado, substituindo o acto recusado (o indevidamente indeferido) pelo devido.».
Como Doutamente resulta do Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público e para cujos fundamentos se remete, dúvidas não subsistem de que o acto recusado é um acto vinculado.
Não acompanhando o Douto Parecer na parte em que se pronuncia em sentido contrário ao da possibilidade da cumulação de pedidos nos termos do artº 24º do CPAC, entendemos que no caso em apreço, nada obstava à mesma, se essa fosse a vontade do Autor.
Aquilo que o legislador não distingue não cabe ao interprete distinguir.
No entanto, não foi essa a opção – cumulação de pedidos - do Recorrente o qual invocando vícios de forma por falta de fundamentação e de violação de lei com base no erro nos pressupostos, veio deduzir apenas recurso contencioso com vista à anulação do acto.
A opção do recurso contencioso no caso em apreço não é alheia ao entendimento de alguma Doutrina e Jurisprudência que sustenta que estando em causa um conceito indeterminado como o da “residência habitual” a apreciação do preenchimento do mesmo cabe no poder discricionário da Administração, posição esta que apesar de com ela não concordarmos como já se referiu, era sustentada na decisão proferida e objecto do recurso que mereceu o Acórdão cujo sumário citámos.
Da decisão recorrida e do Douto Parecer parece resultar que sendo o acto impugnado negativo da sua anulação nada resultará, mantendo-se a situação pré-existente, pelo que não teria o Recorrente interesse em agir.
Também aqui não acompanhamos o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público.
O interessado requereu à administração que fosse emitido o Certificado de Confirmação do Direito de Residência da RAEM.
A Administração pronunciou-se no sentido do interessado não ter direito à residência na RAEM.
Caso se conclua que o acto impugnado enferma do vício de forma por falta de fundamentação – como vem invocado -anulando-se o mesmo, a pronúncia da administração deixa de existir tudo voltando ao momento anterior à mesma, ou seja, àquele em que a pretensão do particular é deduzida e a Administração se tem de pronunciar, desta feita fundamentando o acto, ou eventualmente ao indeferimento tácito conduzindo à alínea a) do nº 1 do artº 103º do CPAC.
Se se concluir pelo vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, a Administração volta a ser colocada na situação de decidir agora com base noutros pressupostos de facto de acordo com a decisão do tribunal ou, se não se pronunciar vamos para o indeferimento tácito.
Ou seja, embora a declaração de anulação de um acto negativo não traga nada de novo o certo é que, em contencioso de anulação como é o recurso contencioso ela não deixa, neste caso concreto de colocar a Administração na situação de se ter de pronunciar novamente uma vez que a decisão proferida seja anulada.
A mesma situação acontece nos casos de concessão de autorização de residência em que negando a Administração o direito e sendo o acto anulado pelo Tribunal aquela é colocada na situação de ter de reapreciar o pedido.
Por fim, José Cândido de Pinho na Obra citada, em anotação nº 3 ao indicado artº 103º a pág. 21, aponta um requisito negativo para a instauração desta acção:
«O requisito negativo.
- A acção só pode ser intentada desde que do indeferimento tácito ou do acto administrativo praticado não tenha sido interposto recurso contencioso.
Ou seja, o interessado pode recorrer contenciosamente do acto tácito de indeferimento (arts. 32º, 38º e 81º) ou do acto expresso de recusa. Fica ao seu critério a escolha do meio mais adequado ao seu interesse, em função da maior ou menor eficácia que conseguir representar para a tutela efectiva que almeja obter. Porém, se interpuser recurso contencioso desses actos, fica impedido de usar a acção (art. 103.º, n.º2. Quer dizer, um meio exclui o outro.
Dito por outras palavras, se houver recurso, não há acção. O que não significa que o recorrente contencioso não pode, juntamente com o pedido de anulação, de declarações de nulidade ou de inexistência do acto impugnado, cumular um outro pedido para a prática do acto legalmente devido se for de conteúdo vinculado (art. 24.º, n.º1, al. a), do CPAC). Neste caso de cumulação de pedidos, a vantagem é evidente e decorre do facto de num só processo se conhecer das questões que separadamente o art. 103º, n2 proíbe.».
Como bem refere o Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu Douto Parecer. Em Macau não existe norma equivalente ao nº 4 do artº 51º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos o qual manda que «se contra um acto de indeferimento for deduzido um pedido de estrita anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do acto devido, e, se a petição for substituída (…)».
Tal solução compreende-se no Ordenamento Jurídico Português em que a condenação à prática de acto devido não se limita aos actos vinculados.
Contudo não é essa a situação de Macau.
Ainda que o acto seja de conteúdo negativo o legislador no nº 2 do artº 103º do CPAC limita o acesso à acção para a determinação da prática do acto administrativo aos casos em que o interessado não tenha recorrido contenciosamente.
O direito à opção pela via do recurso ou da acção está na inteira disponibilidade do interessado, como também resulta da citada nota nº 6 da anotação ao artº 103º do CPAC por Viriato Lima e Álvaro Dantas.
Tal solução legislativa pressupõe que o legislador entende que o interessado tem sempre interesse em agir ao pedir a anulação do acto que lhe nega a sua pretensão, ainda que o acto a praticar seja de conteúdo vinculado e possa ser objecto da acção em causa, deixando na disponibilidade do interessado o direito a exigir de imediato a condenação à prática do acto de conteúdo vinculado que entender ser devido ou a pedir a anulação do praticado.
Destarte, impõe-se concluir em conformidade, revogando o despacho de indeferimento liminar proferido com as necessárias consequências.

III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, ordenando a remessa dos autos ao Tribunal Recorrido para que se decida como se tiver por conveniente que não seja naqueles termos.

Sem custas por delas estar isenta a Entidade Recorrida.

Registe e Notifique.

RAEM, 11 de Abril de 2024

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1º Adjunto)

Ho Wai Neng
(2º Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador -Adjunto)

1 Vide os proc. n.º 437/20-DPAALD e proc. n.º 439/20-DPAALD do Tribunal Administrativo: “está em crise a situação prevista pelo art.º 103.º n.º 1 alínea b): se a interpretação se restrinja à expressão textual da disposição em conjugação com o art.º 104.º n.º 1, parece que chega a concluir que o respectivo meio processual tem como objecto a atitude da Administração de resistir à prolação duma decisão favorável à pretensão do interessado (recusa da prática do acto vinculado), mas na verdade não é assim. Procurando a origem, vamos ler o texto do art.º 66.º - “condenação à prática do acto devido” – do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de Portugal, cuja fonte se aproxima à fonte do Direito de Macau: “1. A condenação à prática de acto administrativo legalmente devido pode ser pedida quando … b) Tenha sido recusada a prática do acto devido…”
Para o Dr. Mário Aroso de Almeida e o Dr. Carlos Aberto Fernandes Cadilha, a disposição aludida é aplicada à prática de um acto expresso de recusa, ou seja, “a recursa de prática de acto expresso de conteúdo estritamente vinculado, … Em qualquer dos casos, estamos perante um indeferimento de mérito, ou seja, perante uma decisão em que a Administração, apreciando o requerimento se pronunciou desfavoravelmente em relação à pretensão deduzida pelo interessado, contra o que é possível deduzir pedido de condenação à prática de acto devido” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, 2007, pp. 405 a 406). Parece-nos que, a inspiração dessa argumentação consiste em que, sempre que a Administração tenha apreciado o requerimento do interessado e, por conseguinte, proferido uma decisão desfavorável, o interessado pode propor acção de condenação para autodefesa. Ou seja, segundo eles, o acto expresso de recusa não é, como a entidade requerida interpretou, a inexistência do acto administrativo, mas sim tem como pressuposto suficiente uma decisão de indeferimento proferida após o conhecimento do mérito.
Quando voltamos à teoria da lei de processo administrativo de Macau, baseando-se no nosso Código de Processo Administrativo Contencioso e consultando as respectivas anotações e comentários, descobre-se que os expertos do Território na lei de processo administrativo apoiam a opinião igual ao que acima se explica. O Dr. Viriato Lima e o Dr. Álvaro Dantas comentam que, “A segunda situação em que pode ser intentada acção é aquela em que foi praticado um acto administrativo indeferindo pedido atinente a um acto de conteúdo vinculado ou simplesmente decidindo não praticar tal acto vinculado (“indefiro”, “Não autorizo”)”. (Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de processo Administrativo Contencioso, Anotado, pp. 311 a 312). Daqui se vê que, o âmbito de aplicação efectiva da referida disposição é muito mais amplo do que, como a entidade requerida interpretou, “omissão da prática do acto ou ainda quando a prática do mesmo foi recusada pela administração”, não só tem como objecto a situação em que a Administração afirme “Recuso” ou “não decido” (não obstante, na prática administrativa, a Administração raramente responde o interessado dessa forma, em face do requerimento, a sua atitude não passa de ser indeferimento expresso ou tácito. Pelo que, o entendimento da entidade requerida não só está contrariado à interpretação que a doutrina tem apoiado, mas também diminui consideravelmente o valor de aplicação efectiva da respectiva disposição legal, acredita-se que isso não é a intenção do legislador).”
Adianta o Dr. José Cândido de Pinho, que é um outro estudioso amplamente invocado, que: “A que se refere a expressão? Não é particularmente feliz o timbre da “recusa”, na medida em que sugere uma resistência da Administração em decidir a situação a favor da pretensão do particular, quando a verdade é que a Administração se limita a decidir o caso segundo o prisma que acolhe um certo ponto de vista, eventualmente diferente do interessado, mas muitas vezes em conformidade com posições doutrinais ou jurisprudências dispares, igualmente consideráveis. Seria muito melhor dizer “acto administrativo de indeferimento em situações de conteúdo vinculado” (José Cândido de Pinho, Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, volume II (Artigos 97.º a 187.º), CFJJ, 2018, p. 24). Receando-se que o interpretador não se esforça para procurar a resposta a fundo, salienta que a “recusa” na respectiva disposição não é “resistência”, mas sim indeferimento expresso.
2 Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pp. 90 a 91.
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