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Processo nº 234/2024/A
(Suspensão de Eficácia)

Data do Acórdão: 25 de Abril de 2024

ASSUNTO:
- Revogação de autorização de residência
- Suspensão de eficácia



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Rui Pereira Ribeiro










Processo nº 234/2024/A
(Suspensão de Eficácia)

Data: 25 de Abril de 2024
Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A, com os demais sinais dos autos,
  vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 09.02.2024 que declarou a nulidade da sua autorização de residência em Macau.
  Para tanto alega o Requerente em síntese que a execução imediata do indicado despacho lhe causa prejuízo de difícil reparação uma vez que o impede de continuar a trabalhar e auferir o seu salário, sendo certo que é a única fonte de rendimento da sua família pondo em causa a sua subsistência e a de duas netas menores de idade que estão a seu cargo.
  Citada a Entidade Requerida para contestar veio esta fazê-lo invocando que não está demonstrado o prejuízo de difícil reparação e que a não execução do acto lesa gravemente o interesse público de Macau.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer com o seguinte teor:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Segurança que declarou a nulidade da sua autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
  A Entidade Requerida, devidamente citada, apresentou contestação.
  2.
  (i)
  Decorre do disposto nos artigos 120.º e 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de efícácla dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  • a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
  • a suspensão não deterrnlnegrave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
  • do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
  (ii)
  No caso, o acto suspendendo, apesar da sua natureza meramente declarativa, tem um evidente efeito positivo por isso que dele decorre uma efectiva alteração na prévia situação jurídica do Requerente. Legalmente admissivel, portanto, face ao disposto na alínea b) do artigo 120.º do CPAC a peticionada suspensão de eficácia.
  Por outro lado, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, sendo que, como se sabe, esta verificação ser reporta, no, essencial, aos pressupostos processuais do recurso contencioso (v.g. a tempestividade do recurso ou a recorribilidade do acto) e não a qualquer juízo, ainda que perfunctório, sobre o respectivo mérito. Mostra-se, assim, verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
  Também nos parece, com todo o respeito pela posição contrária defendida pela Entidade Requerida na sua douta contestação, que a suspensão de eficácia do acto, a ser decretada, não será susceptível de causar grave lesão do interesse público, pelo que se deve ter por verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
  (iii)
  Resta, pois, a questão de saber se a execução do acto suspendendo causará ao Requerente, previsivelmente, prejulzo de difícil reparação.
  Face à factualidade por ele alegada, em especial a respeitante à perda do rendimento resultante do exercício de actividade profissional e as implicações que daí decorrem para o sustento, não só do Requerente, mas, também do seu agregado familiar, em especial as suas duas netas menores, e tendo presente a jurisprudência mais recente do Tribunal de Segunda Instância a propósito de situações que nos parecem semelhantes àquela que está em causa nos presentes autos, propendemos no sentido de considerar que também o requisito a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC se mostra verificado [cfr., por exemplo, entre muitos outros, o acórdão tirado no processo n.º 454/2023).
  3.
  Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser deferido o pedido de suspensão de eficácia.».
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

1) Factos

a) Por despacho do Exmº Secretário para a Segurança de 09.02.2024 com base no parecer do relatório nº 200186/SRDARPA/2023P foi declarado a nulidade da autorização de residência do Requerente A, com o seguinte fundamento:
«1. Em 2010, o interessado A (agora portador do BIRPM), titular do «Salvo-conduto para deslocações a Hong Kong e Macau», requereu a “autorização de residência” por motivo de reunião conjugal com sua esposa – residente de Macau B, e no dia 26 de Maio do mesmo ano, foi-lhe concedida a autorização de residência. Posteriormente, em 2021, foi denunciado o “casamento falso” do interessado.
2. À luz da sentença proferida no Processo n.º CR1-22-0143-PCC, B, tendo por objectivo ganhar remuneração, e A, de acordo comum e com divisão de tarefas entre si, contraíram casamento falso no Interior da China, com base no qual se requereu a autorização de residência em Macau para A. Em 16 de Dezembro de 2022, o TJB condenou os dois, pela prática do crime de falsificação de documento, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 3 anos, tendo a sentença transitado em julgado no dia 18 de Janeiro de 2023.
3. A “autorização de residência” do interessado foi concedida com base na certidão de casamento não correspondente à verdade, e o acto criminoso envolvido, pelo qual foi o interessado condenado pelo TJB, é também o factor chave da concessão da respectiva “autorização de residência”, pelo que este Departamento instaurou o procedimento de audiência escrita do interessado, pretendeu declarar nula a “autorização de residência” concedida ao interessado, e emitiu-lhe a “notificação da audiência escrita”. Em 26 de Junho de 2023, este Departamento recebeu as alegações escritas apresentadas pelo advogado do interessado.
4. Após a análise:
(1) As alegações não se apresentam suficientemente fundamentadas, e não bastam para ilidir a intenção deste Departamento no sentido de revogar a autorização de residência com base na prática do crime de natureza fraudulenta;
(2) A existência da relação matrimonial entre A e B, é o pressuposto e elemento essencial da concessão, pela Administração, da “autorização de residência” em Macau, e o TJB já condenou os dois pela prática do “crime de simulação e invocação de certos actos jurídicos para obtenção de autorizações”, quer dizer, verifica-se a inexistência originária do respectivo pressuposto;
(3) O advogado do interessado requereu, nos termos do art.º 123.º, n.º 3 do CPA, a atribuição de certos efeitos jurídicos decorrentes de actos nulos, mas, considerando que o interessado enganou a Administração com a relação matrimonial falsa e obteve a “autorização de residência”, este Departamento entende que não é aplicável o referido disposto ao caso do interessado.
5. Pelo exposto, propõe-se a declaração de nulidade da “autorização de residência” do interessado A, conforme o disposto no art.º 122.º, n.º 2, al. c) do CPA.».
b) O Requerente explora o estabelecimento C工程;
c) O Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização concedeu ao Requerente a verba de MOP250.000,00 para a exploração daquele estabelecimento cujo reembolso começou em 26.07.2023;
d) O filho do Requerente D foi condenado na pena de prisão de 4 anos e 6 meses de prisão cujo cumprimento iniciou em 20.10.2023;
e) O filho do Requerente D casou com E em 23.09.2020, tendo o casal duas filhas nascidas em 16.08.2021 e 13.08.2023;
f) E não é residente de Macau;
g) É o Requerente quem suporta o pagamento das despesas onde as netas vivem e da creche das mesmas.

2) Do Direito
  
  De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
  a) Tenham conteúdo positivo;
  b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente».
  No caso dos autos o acto em causa declara a nulidade da autorização de residência do Requerente alterando a situação jurídica deste, pelo que é um acto de conteúdo positivo.
  Por sua vez o CPAC no seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, a saber:
Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
  1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.
  
  Vejamos então.
  
  No que concerne ao prejuízo de difícil reparação o que resulta demonstrado é que o Requerente explora um estabelecimento comercial em Macau sendo essa a sua fonte de rendimentos com os quais provê não só à sua subsistência mas também de duas netas 2 anos e 8 meses de idade, também elas residentes de Macau cuja mãe não tem autorização de residência em Macau e o pai está a cumprir pena de prisão.
  Trabalhando por conta própria com a execução do cancelamento da autorização de residência o Requerente fica imediatamente impossibilitado de continuar a exercer a mesma actividade.
  Ainda que os prejuízos que resultassem da impossibilidade do Requerente continuar a exploração da sua actividade comercial pudessem hipoteticamente ser ressarcidos através do pagamento de uma indemnização, o prejuízo resultante de não poder tomar conta de duas crianças menores, uma de dois anos e outra de oito meses de idade, netas do Requerente, naturais e residentes de Macau e cujo pai está preso e a mãe não tem autorização de residir em Macau, acrescendo a impossibilidade destas continuarem a viver em Macau onde nasceram e vivem, agravado por um retorno abrupto a um outro qualquer local até agora desconhecido, dada a componente psicológica que acarreta, jamais poderá ser integralmente ressarcida através de uma quantia pecuniária que apenas alcançará compensar, mas não reparar.
  Destarte, somos a entender que está verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC - prejuízo de difícil reparação -.
  Acompanhamos o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público de que estão verificados os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 121º do CPAC, uma vez que não resultam indícios em sentido contrário.
  
  Estando preenchidos os requisitos cumulativos do nº 1 do artº 121º do CPAC impõe-se decidir em conformidade deferindo a requerida suspensão de eficácia do acto.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos vai deferido o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 09.02.2024 que declarou a nulidade da autorização de residência do Requerente A.
  
  Sem custas por delas estar isenta a Entidade Requerida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 25 de Abril de 2024
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  Fong Man Chong
  (1º Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng
  (2º Juiz-Adjunto)
  
  Fui presente,
  Álvaro António Mangas Abreu Dantas
  (Delegado Coordenador do Ministério Público)

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