Processo nº 906/2023/A
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 25 de Abril de 2024
ASSUNTO:
- Acção ordinária apensa à falência
- Despacho de adequação processual
- Inutilidade superveniente da lide
SUMÁRIO:
- Havendo-se concluído pela apensação à falência de acção onde se discutia a nulidade de créditos sobre o falido e hipotecas registadas sobre bens da massa falida, decidindo-se já quando o processo havia sido apenso à falência que iria ser processado e decidido em separado por daí resultarem maiores garantias do que a apreciação da questão em sede de impugnação de créditos aquando da respectiva reclamação, não pode o Juiz vir posteriormente a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide com o fundamento de que a impugnação havia de ter sido feita na reclamação de créditos.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 906/2023/A
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 25 de Abril de 2024
Recorrentes: A Limitada e
B Limitada
Recorridos: Administradora da Falência e outros
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A Limitada, e
B Limitada,
ambos com os demais sinais dos autos,
Nestes autos de Reclamação de Créditos por apenso à Falência em que é falida,
C Limitada, também com os demais sinais dos autos,
Proferida decisão a indeferir a suspensão da instância e a julgar verificados e graduados os créditos, não se conformando com a mesma vêm os Recorrentes interpor recurso daquele despacho e sentença, apresentando a seguintes conclusões e pedidos:
a) Questão prévia:
Neste processo de falência foram interpostos dois recursos - no apenso G e no apenso H - cuja decisão do primeiro envolverá a procedência do segundo, pelo menos, parcialmente.
Entendem, por isso, as recorrentes que ambos recursos deverão ser julgados em conjunto, evitando-se, assim, decisões inconciliáveis.
É o que se requer.
b) Quanto ao recurso
Vem o presente recurso interposto da decisão de fls. 73 a 76 destes autos que, por um lado, não suspendeu a instância (como requerido pelos recorrentes); e, por outro lado, elaborou um despacho verificando e graduando os créditos reclamados na falência por D, mormente os constantes do apenso C, referentes às inscrições hipotecárias nºs 2XXX81 C e 2XXX57C.
c) Entendem as recorrentes - que são as Autoras na acção com o nº CV2-21-0019-CAO, que entretanto foi apensada ao processo de falência sob o apenso G – que (i) a apreciação do pedido nesta acção é uma questão prévia da verificação e graduação dos créditos na falência; que (ii) a procedência da mesma, como se espera, tem manifesto interesse no cômputo geral das dívidas da falida; e que (iii) esta acção, por estar apensada à falência, configura uma impugnação daqueles créditos hipotecários de que é titular o citado, D.
d) E foi por isso que os ora recorrentes formularam, num requerimento apresentado na falência, “a suspensão do processo de reclamação de créditos e a inerente suspensão do processo de falência, até que transite em julgado a decisão do processo nº CV2-21-0019-CAO” que, como se disse, foi indeferido na primeira parte do despacho ora recorrido.
e) A procedência desta acção tem uma clara influência na verificação do passivo da falida, porquanto na acção se debatem “... interesses relativos à massa falida ...” (art.º 1102º, nº 1 do C.P.C.).
f) A acção cuja procedência se requer, como apreciação prévia do passivo da falida, é, por isso, uma contestação aos créditos em causa do credor D, da mesma forma que as execuções deste foram apensados à falência oficiosamente (art.º 1140º, nº 4 do C.P.C.).
g) Inexistindo qualquer disposição processual (v. art.º 1140º e segs do C.P.C.) que impeça aos outros credores da falida - no caso, os AA., ora recorrentes - uma contestação em separado aos créditos reclamados no processo de falência.
h) Por outro lado, o parecer do administrador da falência a que se alude no art.º 1147º do C.P.C. é um acto prévio ao saneamento do processo (v. art.º 1147º e 1148º do C.P.C.).
E nesta norma (1148º) consta no nº 4 que “... se a verificação de algum crédito estiver dependente de produção de prova, declaram-se reconhecidos ou verificados os que puderem ser, mas a graduação de todos fica para a sentença final.”
É esta a situação em apreço, devendo considerar-se, também aqui, que o administrador da falência não reconheceu - logo, impugnou - aqueles créditos do D (apenso C).
i) Isto é, a graduação dos créditos é um despacho que está dependente da produção de prova - no caso, a apreciação da acção ordinária cuja procedência não permitirá o reconhecimento daqueles alegados créditos do D, e a sua consequente graduação - Daí que os AA. desta acção, os ora recorrentes, tenham também interposto recurso da decisão no apenso G, que extinguiu aquela acção por inutilidade superveniente da lide.
j) Não sendo despiciendo referir que o administrador da falência, no citado parecer nos termos do art.º 1147º do C.P.C., referiu expressamente que os AA. (desta acção ordinária), “impugnaram a constituição daqueles dois créditos e o respectivo procedimento foi apensado ao presente processo ...”; “tal processo deve ser apreciado no presente processo de reclamação de dúvidas”; e “... o processo do apenso G ainda está pendente ...”; “... pelo que a impugnação daqueles dois créditos do D deve ser apreciada no presente processo (de verificação e gradução de créditos).” (tradução nossa)
k) Por isso e com o devido respeito, andou mal o Tribunal “a quo”, antecipando esta decisão de verificação e graduação de créditos, sem que previamente tenha sido apreciado o pedido formulado naquela acção ordinária, na qual se apreciam factos que constituem uma impugnação dos créditos reclamados pelo D, como se disse, no apenso C.
l) Tanto mais que, nos termos do art.º 1165º, nº 1 do C.P.C., é sempre possível uma verificação condicional daqueles créditos, em virtude de uma “acção pendente” em Tribunal.
O que é o caso.
m) O fim principal do processo de falência é o pagamento das dívidas - diremos nós, aquelas que correspondem a um verdadeiro negócio da falida - e a função do administrador é precisamente proceder à respectiva liquidação.
E é por isso que devem ser apensadas ao processo de falência todas as acções em que se apreciem questões relativas aos bens da massa falida, cujo resultado possa influenciar o valor desta massa.
n) Aqueles créditos alegados pelo D - que as AA. desta acção impugnaram - não podem, por isso, considerar-se reconhecidos (art.º 1148º, nº 2 do C.P.C., “a contrario”); e, como se peticionou naqueloutro recurso, aquela acção deve prosseguir os seus trâmites até que se obtenha decisão final que, manifestamente, tem influência na gradução dos créditos da massa falida.
o) O valor em causa naquela acção - na qual se peticiona a nulidade dos mútuos com hipoteca aí referidos, titulados por duas escrituras; e o cancelamento de duas inscrições hipotecárias n.ºs 2XXX81C e 2XXX57C que incidem sobre o prédio nº 2XXX7 (o único bem da falida!) - é substancial no cômputo geral da massa falida, sendo pertinente, por isso, a suspensão da instância, nos termos do artº 223º n.º 1 do CPC.
O presente recurso deverá, assim, ser julgado procedente. anulando-se, por extemporâneo, o despacho de fls.73 a 76 e ordenando-se a suspensão da instância de verificação e graduação de créditos da falida, até que transite em julgado acção do apenso G.
Pelo credor reclamante D foi apresentada resposta àquelas alegações sem que das mesmas constassem conclusões.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
São dois os recursos a apreciar nestes autos, a saber:
- O recurso do despacho de fls. 73 quando indefere a suspensão da instância de reclamação de créditos;
- O recurso da sentença de verificação e graduação de créditos.
Subjacente à apreciação deste recurso está também o recurso interposto da decisão proferida no apenso G da falência e que corresponde ao processo que inicialmente correu seus termos sob o nº CV2-21-0019-CAO, onde foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, porquanto se entendeu que nos termos do artº 1140º do CPC as impugnações dos créditos reclamados na falência deve ser deduzida no apenso de reclamação de créditos pelo que aquela acção se tornou superveniente inútil.
É relevante para a decisão a proferir nestes autos reproduzir o que ali se disse.
Naquela acção são Réus a falida e um terceiro, aqui credor reclamante D.
Invoca-se naquela acção a nulidade dos contratos de mútuo celebrados entre a falida enquanto devedora e o aqui credor reclamante D como credor e consequentemente as hipotecas constituídas a favor deste, pretendendo-se que sejam declarados nulos os indicados negócios de mútuo com hipoteca e cancelados os registos das hipotecas.
Em despacho proferido a fls. 312 e 313 daqueles autos entendeu-se que ali se discutiam interesses relativos à massa falida e que, apesar de um dos Réus não ser a falida, como esse Réu é credor daquela e consequentemente um dos credores reclamantes na falência – o que aqui se comprova -, estando em causa a impugnação do contrato de mútuo celebrado entre os Réus, havia interesse na apensação dos autos ao de falência o que foi ordenado.
Apenso o processo aos autos de falência, depois de ouvir as partes e o administrador da falência foi proferido o despacho de fls. 329 daqueles autos, onde em síntese se entende que apesar do objecto daqueles autos por consistir no pedido de nulidade dos contratos de mútuo celebrados entre falida e um dos credores poder ser objecto do apenso de reclamação de créditos, se conclui pela tramitação e decisão do processo em separado do apenso da reclamação de créditos.
Nos termos do artº 1145º do CPC a contestação dos créditos relacionados faz-se na reclamação de créditos como se diz no despacho impugnado.
Contudo, como já se havia decidido naqueles autos o processo iria ser tramitado e decidido em separado por assim se entender ser mais conveniente às questões que se suscitavam e dar maiores garantias.
De acordo com o disposto no artº 7º do CPC o Juiz não só pode como deve “determinar a prática dos actos que melhor se ajustem aos fins do processo”, sendo certo que a decisão deste processo em separado do incidente de reclamação e impugnação dos créditos cabe perfeitamente dentro daquele princípio de adequação formal dada a complexidade da questão.
Na sequência daquele despacho as partes foram orientadas nesse sentido, sendo inútil que houvessem deduzido impugnação dos créditos relacionados do 2º Réu na reclamação de créditos, uma vez que já havia sido proferida decisão que essa matéria seria objecto daqueles autos.
Aliás tanto assim foi que nestes autos de reclamação de créditos não foi objecto da sentença de verificação e graduação de créditos a impugnação dos créditos do credor D.
Por fundamentos que aqui não interessa aduzir e que constam do Acórdão proferido naquele apenso, concluiu-se que ali já se havia decidido que a impugnação dos créditos de D haveria de ser apreciada e decidida em separado naqueles autos autonomamente pelo que assim haverá de se proceder, sob pena de que, se assim não se entendesse aquela impugnação ter de ser conhecida neste apenso.
Destarte, não só a oportunidade para decidir da verificação dos créditos nestes autos está dependente de naquele efectivamente se apreciar e decidir a impugnação ali deduzida, pois se assim não for, haverá que conhecer aqui da verificação daqueles créditos, sendo certo que, independentemente dos autos onde seja apreciada e decidida a impugnação dos créditos de D, a graduação final dos créditos só pode ser feita depois da decisão que se haja proferido sobre essa impugnação transitar em julgado nos termos do nº 4 do artº 1148º do CPC, sem prejuízo de se reconhecerem ou não os demais créditos caso haja condições para tanto.
Assim sendo, é óbvio que a decisão do indicado apenso H é prejudicial quanto à decisão da reclamação de créditos seja quanto à oportunidade/momento para decidir da verificação, seja quanto à possibilidade de proceder à graduação dos créditos.
Termos em que, pelos fundamentos expostos de acordo com o disposto no nº 1 do artº 223º do CPC haveria que ter sido ordenada a suspensão da instância destes autos de verificação e graduação de créditos, procedendo o recurso no que concerne ao despacho que a indeferiu.
Procedendo o recurso quanto ao despacho que indeferiu a suspensão da instância fica prejudicado a apreciação do recurso quanto à sentença proferida de verificação e graduação de créditos uma vez que esta ainda não poderia ter sido deduzida, contudo ainda que assim não fosse, sempre haveria que proceder o recurso quanto à graduação de créditos, pois esta não podia ser feita antes de estarem decididas todas as impugnações dos créditos reclamados de acordo com o já indicado nº 4 do artº 1148º do CPC, o que não aconteceu até se decidir a impugnação do crédito de D.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos revoga-se o despacho recorrido que indeferiu a suspensão da instância e a sentença subsequente de verificação e graduação de créditos e em consequência ordena-se a suspensão desta instância.
Custas a atender por quem a final ficar por elas responsável.
Registe e Notifique.
RAEM, 25 de Abril de 2024
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)
906/2023/A CÍVEL 33