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Processo nº 906/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 25 de Abril de 2024

ASSUNTO:
- Graduação de créditos em falência
- Acção prejudicial

SUMÁRIO:
- Havendo-se concluído pela apensação à falência de acção em que se discutia a nulidade de créditos sobre o falido e hipotecas registadas sobre bens da massa falida, decidindo-se já quando o processo havia sido apenso à falência que iria ser processado e decidido em separado por daí resultarem maiores garantias do que a apreciação da questão em sede de impugnação de créditos aquando da respectiva reclamação, não podem os créditos ser graduados no respectivo apenso sem que aquela esteja decidida.


____________________
Rui Pereira Ribeiro

Processo nº 906/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 25 de Abril de 2024
Recorrentes: A Limitada e
B Limitada
Recorridos: C Limitada e
D
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A Limitada, e
  B Limitada,
  ambos com os demais sinais dos autos,
  vêm instaurar acção declarativa em processo comum ordinário contra
  C Limitada, e
  D,
  Estes também com os demais sinais dos autos,
  Pedindo que a acção seja julgada procedente e em consequência se declare:
a) a nulidade dos negócios de “mútuo com hipoteca” titulados pelas escrituras outorgadas no Notário Privado, E, datadas respectivamente de 27.04.2018 e 19.07.2018;
b) esta nulidade, deverão ser cancelados os registos das hipotecas, para garantia daqueles mútuos, sob as inscrições nº 2XXX81C e nº 2XXX57C que incidem sobre o prédio descrito sob o nº2XXX7 a fls. XX do Livro XX.
  Citados os Réus vieram estes deduzir contestação.
  As Autoras replicaram.
  Declarada a falência da C Limitada no processo que corre termos no TJB sob o nº CV1-20-0003-CFI, a fls. 312 e 313 foi proferido o seguinte despacho:
  «Conforme os autos, C LIMITADA, 1ª ré, foi declarada falida no proc. n.º CV1-20-0003-CFI, em que se solicitou apensar o presente processo ao da falência (fls. 297).
  Ao abrigo do art.º 1102.º n.º 1 e 2 do CPC, “1. Declarada a falência, todas as causas em que se debatam interesses relativos à massa falida são apensadas ao processo de falência, salvo se estiverem pendentes de recurso interposto da sentença, porque neste caso a apensação só se faz depois do trânsito em julgado.
  2. O disposto no número anterior não é aplicável às causas em que o falido seja autor, às causas sobre o estado e a capacidade das pessoas e àquelas em que, além do falido, haja outros réus.”
  Termos em que, superficialmente, o presente processo não deve ser apensado ao da falência.
  Quanto a esta norma, no direito comparado, a Relação de Porto firmou repetidamente o seguinte entendimento:
  “… Por último, dispunha anteriormente o Cód. Proc. Civil, de ora em diante designado por CPC, o seguinte:
Artigo 1198.º
  Efeitos da falência sobre as causas em que o falido seja parte
  1 – Declarada a falência, todas as causas em que se debatam interesses relativos à massa são apensadas ao processo de falência, salvo se estiverem pendentes de recurso interposto da sentença final, porque neste caso a apensação só se faz depois do trânsito em julgado.
  2 – Exceptuam-se do disposto neste artigo as causas em que o falido seja autor, as ações a que se refere o artigo 73.º, as acções sobre o estado de pessoas e aquelas em que, além do falido, haja outros réus.
  3 – A declaração de falência obsta a que se instaure ou prossiga execução contra o falido; mas se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
  …
  Na vigência do CPC considerava-se que em matéria de falência vigorava o princípio da universalidade de procedimento ou da plenitude da instância falimentar, a significar que todos os direitos que tivessem o falido como sujeito passivo tinham de ser apreciados e decididos no mesmo processo, com vista a satisfazer todos os credores, de forma igual, seja pela totalidade dos créditos, seja em rateio. No entanto, se o falido fosse demandado juntamente com outros RR. ou executados e como o processo de falência só podia ter o falido no lado passivo, extraía-se certidão do processo relativamente à responsabilidade do falido e reclamava-se o crédito correspondente no processo de falência, sendo declara extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, naqueloutro processo e relativamente à parte respeitante ao falido, pois para este tais autos deixaram de ser o meio próprio de atuar o direito, dada a competência universal adquirida pelo Tribunal da falência (5).
  Porém, relativamente Às ações autónomas deduzidas apenas contra o falido e pendentes aquando da declaração de falência, decretada esta, eram elas apensadas automaticamente ao processo de falência, valendo o ato como reclamação de créditos, pelo que as ações apensadas mantinham o seu interesse, isto é, não se verificava em relação a elas a inutilidade superveniente da lide, pois elas eram integradas na – única – lide falimentar.
  Tal regime justificava-se porque o processo de falência era tido como uma execução universal contra o falido, pretendendo-se satisfazer, com um único processo, a totalidade dos créditos de todos os credores (6).”1
  A legislação então vigente de Portugal é quase igual às disposições do CPC vigente de Macau, são inequivocamente comparáveis.
  Segundo o entendimento acima aludido, após declarada a falência, são apensados todos os processos em que o falido seja réu ao de falência, a fim de efectuar uma execução universal, de forma a satisfazer, com um único processo, a totalidade dos créditos de todos os credores. Só em casos excepcionais, ou seja, nos processos em que haja outros réus além do falido (art.º 1102.º n.º 2, correspondente ao art.º 1198.º n.º 2 do CPC de Portugal), os outros devedores também têm relação com uns determinados créditos, é naturalmente inadequado/impossível apreciar, de uma vez só, todos os créditos contra o falido no processo de falência.
  No presente caso, um outro réu D é credor da 1ª ré/falida, tem pelo menos 4 créditos em relação à 1ª ré/falida, os quais gozam da garantia real do registo predial n.º 2XXX7. As outras duas autoras também são credoras da 1ª ré/falida, por isso, todas as partes do presente processo debatem interesses relativos à massa falida.
  E mais, no caso, as duas autoras pediram declarar nulos o contrato de mútuo e o contrato de constituição de hipoteca voluntária, celebrados pelos dois réus respectivamente em 27 de Abril de 2018 e em 19 de Julho de 2018, bem como cancelar o registo predial da coisa hipotecada. Uma vez julgada procedente, podem esperar que os seus créditos sejam satisfeitos pelo rendimento da venda do bem imóvel penhorado no proc. n.º CV2-15-0054-CEO-B.
  Por outro lado, sendo declarada a falência da 1ª ré, serão liquidados os seus bens ao abrigo dos art.º 1129.º e ss. do CPC, altura em que os credores podem reclamar créditos (o 2º réu declarou que já reclamou os seus créditos), impugnar os créditos reclamados pelos outros credores, e depois, o tribunal profere a decisão após efectuada a diligência probatória eventual, a graduação é geral para os bens da massa falida e particular para os bens a que respeitem direitos reais de garantia. Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial nem a resultante da penhora. (art.º 1152.º do CPC)
  Assim sendo, além de evitar as questões da litispendência e da existência de decisão com trânsito em julgado, parece ser mais adequado e útil revolver as impugnações das partes no procedimento de liquidação dos bens da falida.
  Com base nisso, o Tribunal entende que o apensamento do presente processo ao de falência está conforme ao referido princípio da execução universal, não viola o art.º 1102.º n.º 2 do CPC.
  Pelo exposto, decide-se apensar o presente processo ao processo da falência n.º CV1-20-0003-CFI do 1º Juízo Cível.
  Notifique e medidas.».
  
  Apensos os autos ao processo de falência veio a ser proferido o despacho de fls. 329 com o seguinte teor:
  «Após ouvidas a administradora da falência e as partes, a administradora da falência e a falida entendem que o presente processo deixa de ser independente, o 2º réu pede prosseguir com base no teor da contestação e articulado superveniente até à prolação da decisão final, as duas autoras insistem em prosseguir separadamente do processo de reclamação de créditos.
  Tendo em conta os referidos entendimentos, vem o Tribunal fazer uma análise sobre a questão da independência do processo.
  Ao abrigo dos art.º 1140.º n.º 1 e 1152.º do CPC, o processo apenso de reclamação de créditos visam resolver duas questões: 1. Apreciação e reconhecimento de créditos; 2. Graduação de créditos.
  No presente processo apenso, com fundamento na falta de prestação efectiva de empréstimo entre os réus, as autoras pediram: 1. Declarar nulos os dois negócios jurídicos de mútuo com hipoteca em causa; 2. Ordenar o cancelamento dos registos das hipotecas inscritas sob os n.ºs 2XXX81C e 2XXX57C.
  O Tribunal entende que, antes de mais, o pedido de cancelamento dos referidos registos das hipotecas não constitui uma questão a resolver em processo apenso de reclamação de créditos, que nem é aplicável para tratar tal pedido, deve ser apreciado em processo comum ordinário de declaração; segundo, quanto ao pedido de declaração da nulidade dos negócios jurídicos de mútuo, embora seja uma questão pressuposta para a apreciação e reconhecimento de créditos e possa ser apreciado em processo apenso de reclamação de créditos, a garantia processual do segundo é menor do que a do presente processo, ponderando também que existe uma relação de dependência entre o pedido de cancelamento dos registos das hipotecas e este pedido, portanto, deve ser apreciado no presente processo, mas não no processo apenso de reclamação de créditos.
  Com base nisso, o Tribunal entende que o presente processo se mantém independente e, em consequência, ordena prosseguir.
  Notifique.
*
  A petição inicial das autoras e os documentos juntados manifestam que, os dois contratos de mútuo com hipoteca, que elas pediram declarar nulos, foram celebrados entre os réus sem a intervenção do cônjuge do 2º réu, mas o 2º réu e o seu cônjuge contraíram casamento no regime da comunhão de adquiridos, os contratos de mútuo com hipoteca e os registos das hipotecas fizeram-se na constância do seu casamento. No tocante aos referidos factos alegados pelas autoras, ao abrigo do art.º 1603.º do Código Civil, pelo menos as hipotecas inscritas sob os n.º 2XXX81C e 2XXX57C são bens comuns do casal.
  Ao abrigo do art.º 61.º n.º 2 do CPC, para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, é necessária a intervenção do cônjuge do 2º réu no presente processo, sob pena da ilegitimidade dos réus.
  Com base nisso, ao abrigo dos art.º 6.º n.º 2 e 213.º n.º 1 do CPC, notifique as autoras de fazer a referida reparação dentro de 10 dias, sob pena da rejeição da acção.».
  Requerida a intervenção principal do cônjuge do 2ª Réu veio a mesma a ser admitida – cf. fls. 625 primeira parte -.
  Admitida aquela, vem a ser proferido o despacho de fls. 625 com o seguinte teor:
  «Quanto à inutilidade superveniente
  As autoras intentaram a presente acção declarativa em 3 de Março de 2021, pediram declarar nulas as escrituras públicas de mútuo, celebradas entre a C LIMITADA, 1ª ré, e D, 2º réu, perante o notário privado E, respectivamente em 27 de Abril de 2018 e em 19 de Julho de 2018, também pediram cancelar as inscrições n.ºs 2XXX81C e 2XXX57C dos registos prediais.
  A acção das autoras tem como objectivo impugnar os créditos decorrentes dos referidos mútuos com hipoteca.
  No momento de intentar a acção, a 1ª ré C LIMITADA ainda não foi declarada falida.
  Todavia, em 9 de Julho de 2021, a 1ª ré C LIMITADA foi declarada falida no processo principal, os respectivos processos de execução e de reclamação de créditos foram apensados ao da falência nos termos do art.º 1140.º n.º 4 do CPC.
  Isto é, declarada a falência da 1º ré C LIMITADA, as impugnações sobre os créditos devem ser deduzidas no processo apenso de reclamação de créditos do processo da falência, ao abrigo dos art.º 1140.º e ss. do CPC.
  Pelo que, a impugnação de créditos, deduzida pelas autoras através da presente acção antes da declaração da falência da falida, incorre na inutilidade superveniente, uma vez que, declarada a falência, todas as impugnações eventuais de créditos devem ser deduzidas no processo apenso de reclamação de créditos do processo da falência (vide os art.º 1140.º e ss. do CPC).
  Com base nisso, a presente acção declarativa é rejeitada pela inutilidade superveniente.
  Custas pelas autoras.
  Notifique e medidas.».
  Não se conformando com este despacho vêm as Autoras interpor recurso do mesmo apresentando a seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da decisão de fls. 625 e segs. que, por alegada “inutilidade superveniente da lide”, indeferiu a petição inicial das AA., ora recorrentes.
b) A questão “subjudice” é exactamente a de saber se, pelo facto desta acção ordinária ter sido apensada ao processo de falência (sob o nº CV1-20-0003-CFI-G), tal apensação configura uma contestação (impugnação) dos créditos reclamados, - no caso, os créditos impugnados na acção ordinária em apreço, reclamados no apenso C pelo alegado credor, D –
Vejamos, então,
c) Nos termos do despacho proferido nestes autos de acção ordinária (ainda, como CV2-21-0019-CAO) em 29/07/2021 (fls. 298) - feito após o ofício interno do TJB, de fls. 297 (“remessa de processos”) - o Mº Juiz titular do processo, mandou anexar os presentes autos à falência da 1ª R., C, Limitada, sob pena de uma inutilidade superveniente da lide.
d) Posteriormente, o mesmo Mº Juiz expressou a sua opinião, no despacho de fls. 309, onde referiu:
“(...)
Entendemos que talvez seja mais idóneo e útíl para dirimir o litígio da presente acção nos autos da liquidação do activo da falida. Assim sendo, notifique as partes para pronunciar sobre 1) se a presente acção é apensada à falência decretada no processo nº CV1-20-0003-CFI; 2) caso negativa, se se extingue a instância da presente acção por inutilidade superveniente da lide em virtude do processo da liquidação do activo da falida.”
e) Foi ainda proferido o despacho de fls. 312 e 313, que aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual o Mº Juiz titular do processo, depois de tecer considerações sobre a finalidade de um processo de falência (“... após a declaração de falência o objectivo é transferir todos os autos do falido como réu para os autos de falência, para um julgamento nos apensos, como uma “execução universal”, a fim de reembolsar todos os credores do falido num mesmo processo ...”) - entendeu (e decidiu) que:
“Considerando o exposto, o Tribunal considera que a transferência destes autos para os autos de falência corresponde àquele princípio da “execução universal” acima referido e não viola o disposto no nº 2 do art.º 1102º do C.P.C..
Consequentemente, é decidido remeter estes autos para o 1º Juízo Cível, para o anexar à falência com o nº CV1-20-0003-CFI.” (tradução nossa)
f) Recebido o processo nos autos de falência :- e anexado ao mesmo sob o apenso G - foi proferido douto despacho pelo Mº Juiz do Tribunal “a quo” (fls. 318), no qual, também aqui, depois de referir que “... se lhe afigura que o efeito final deste processo (a acção ordinária CV2-21-0019-CAO) é decidir qual é a graduação dos créditos dos Autores e do 2º Réu (D) ... esta acção vai ser apreciada como impugnação dos créditos reclamados ou seja, no processo anexo H ...” (tradução e negrito nossos); foi ordenado que os interessados e o administrador da falência se pronunciassem sobre o facto.
g) Ouvidos os interessados e o administrador da falência, foi decidida, por despacho de fls. 329, “a prosecução dos autos, face à sua independência” e também porque é “... uma questão prévia da verificação e graduação de créditos ...” da falência.
Neste mesmo despacho, foi ordenado o aperfeiçoamento da petição inicial, face à não intervenção do cônjuge do 2º R., sob pena de ilegitimidade passiva.
O que foi cumprido.
h) Aqui chegados, verifica-se, salvo melhor opinião, que:
• O julgamento da acção ordinária em causa é uma questão prévia da verificação e graduação dos créditos na falência;
• A acção ordinária é um processo apenso à falência; e o pedido formulado na mesma tem claramente uma influência na “execução universal” dos bens do falido, porquanto, como se disse, a procedência da mesma tem manifesto interesse no cômputo geral das dívidas da falida (e, consequentemente, de todos os créditos reclamados).
• Pelo facto da acção estar apensada à falência, tal configura uma impugnação dos créditos reclamados pelo credor, D, quanto às alegadas escrituras de mútuo com hipoteca referidas no pedido formulado na acção.
i) Daí os AA., ora recorrentes, terem formulado, no requerimento apresentado na falência, “a suspensão do processo de reclamação de créditos e a inerente suspensão do processo de falência, até que transite em julgado a decisão do processo nº CV2-21-0019-CAO” (hoje, apenso G do processo de falência). (doc. Nº 1); o que também foi indeferido.
j) É esta a conclusão que se afigura correcta aos recorrentes e que colide claramente com o despacho ora recorrido.
Na verdade, a procedência desta acção ordinária tem uma clara influência na verificação do passivo da falida, pelo que a sua apreciação não é, como se diz no despacho recorrido, uma inutilidade superveniente da lide; outrossim - face aos valores nele envolvidos - uma manifesta “utilidade da lide”; porquanto na acção se debatem “... interesses relativos à massa falida ...” (art.º 1102º, nº 1 do C.P.C.).
k) A acção cuja procedência se requer, como apreciação prévia do passivo da falida, é, por isso, uma contestação aos créditos em causa do credor D, da mesma forma que as execuções deste foram apensados à falência oficiosamente (art.º 1140º, nº 4 do C.P.C.)
l) Inexistindo, por outro lado, qualquer disposição processual (v. art.º 1140º e segs. do C.P.C.), como alegado no despacho recorrido, que impeça aos outros credores da falida - no caso, os AA., ora recorrentes - uma contestação em separado aos créditos reclamados no processo de falência.
Existe, isso sim, uma reclamação de créditos por sugestão do administrador da falência “... quando lhe pareça terem consistência.” (nº 3 do art.º 1144º do C.P.C.); e uma eventual contestação destes “créditos reclamados” (por sugestão do administrador da falência).
m) Por outro lado, o parecer do administrador da falência a que se alude no art.º 1147º do C.P.C. é um acto prévio ao saneamento do processo (v. art.º 1147º e 1148º do C.P.C.).
E nesta norma (1148º) consta no nº 4 que “... se a verificação de algum crédito estiver dependente de produção de prova, declaram-se reconhecidos ou verificados os que puderem ser, mas a graduação de fados fica para a sentença final.”
É esta a situação em apreço, devendo considerar-se, também aqui, que o administrador da falência não reconheceu - logo, impugnou - aqueles créditos do D (apenso C).
n) Isto é, a graduação dos créditos é um despacho que está dependente da produção de prova - no caso, a apreciação da acção ordinária cuja procedência não permitirá o reconhecimento daqueles alegados créditos do D. e a sua consequente graduação -.
o) Não sendo despiciendo referir que o administrador da falência, no citado parecer nos termos do art.º 1147º do C.P.C., referiu expressamente que os AA (desta acção ordinária), “impugnaram a constituição daqueles dois créditos e o respectivo procedimento foi apensado ao presente processo ...”; “tal processo deve ser apreciado no presente processo de reclamação de dúvidas”; e “... o processo do apenso G ainda está pendente ...”; “... pelo que a impugnação daqueles dois créditos do D deve ser apreciada no presente processo (de verificação e gradução de créditos).” (tradução nossa)
p) Com o devido respeito, andou maio Tribunal “a quo”, antecipando uma decisão de verificação e gradução de créditos, por considerar que os AA., ora recorrentes, não impugnaram especificamente os créditos reclamados pelo D - aqueles que os AA. impugnaram no pedido formulado na acção ordinária - quando esta impugnação (ou contestação) consta exactamente do apenso G.
q) Tanto mais que, nos termos do art.º 1165º, nº 1 do C.P.C., é sempre possível uma verificação condicional daqueles crédítos, em virtude de uma “acção pendente” em Tribunal.
O que é o caso.
r) O fim principal do processo de falência é o pagamento das dívidas (verdadeiras) do falido à custa da massa falida e a função do administrador é precisamente proceder à respectiva liquidação.
E é por isso que devem ser apensadas ao processo de falência todas as acções em que se apreciem questões relativas aos bens da massa falida, cujo resultado possa influenciar o valor desta massa.
s) É o caso dos presentes autos que, pelo que se disse, a respectiva apreciação não constiitui uma inutilidade da lide.
Outrossim, uma manifesta utilidade.
t) Os créditos alegados pelo D - que as AA. desta acção impugnaram - não podem, por isso, considerar-se reconhecidos (art.º 1148º, nº 2 do C.P.C., “a contrario”); e a acção em apreço deve prosseguir os seus trâmites até que se obtenha decisão final que, manifestamente, tem influência na gradução dos créditos da massa falida.
  Pelo 2º Réu foi apresentada resposta aquelas alegações sem que das mesmas constassem conclusões.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

  O objecto deste recurso é o despacho que julga extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
  Subjacente ao despacho impugnado está o entendimento de que nos termos do artº 1140º do CPC as impugnações dos créditos reclamados na falência deve ser deduzida no apenso de reclamação de créditos pelo que a presente acção se tornou supervenientemente inútil.
  
  Vejamos.
  
  Nesta acção são Réus a falida e um terceiro, respectivamente 1ª e 2º Réus.
  Invoca-se nesta acção a nulidade dos contratos de mútuo celebrados entre a 1ª Ré enquanto devedora e o 2º Réu como credor e consequentemente as hipotecas constituídas a favor deste, pretende-se que sejam declarados os indicados negócios de mútuo com hipoteca e cancelados os registos das hipotecas.
  No despacho de fls. 312 e 313, já supra transcrito, entendeu-se que nestes autos se discutiam interesses relativos à massa falida e que, apesar de um dos Réus não ser a falida, como este é credor daquela e consequentemente um dos credores reclamantes na falência, estando em causa a impugnação do contrato de mútuo celebrado entre os Réus, havia interesse na apensação dos autos ao de falência o que foi ordenado.
  
  Apenso o processo aos autos de falência, depois de ouvir as partes e o administrador da falência foi proferido o despacho de fls. 329, já supra transcrito, onde em síntese se entende que apesar do objecto destes autos consistir no pedido de nulidade dos contratos de mútuo celebrados entre falida e um dos credores poder ser objecto do apenso de reclamação de créditos, se conclui pela tramitação e decisão do processo em separado do apenso da reclamação de créditos.
  Nos termos do artº 1145º do CPC a contestação dos créditos relacionados faz-se na reclamação de créditos como se diz no despacho impugnado.
  Contudo, como já se havia decidido nestes autos o processo iria ser tramitado e decidido em separado por assim se entender ser mais conveniente às questões que se suscitavam e dar maiores garantias.
  De acordo com o disposto no artº 7º do CPC o Juiz não só pode como deve “determinar a prática dos actos que melhor se ajustem aos fins do processo”, sendo certo que a decisão deste processo em separado do incidente de reclamação e impugnação dos créditos cabe perfeitamente dentro daquele princípio de adequação formal dada a complexidade da questão.
  Na sequência daquele despacho as partes foram orientadas nesse sentido, sendo inútil que houvessem deduzido impugnação dos créditos relacionados do 2º Réu na reclamação de créditos, uma vez que já havia sido proferida decisão que essa matéria seria objecto destes autos.
  O Código de Processo Civil Português é peremptório ao indicar no nº 2 do seu artº 630º que as decisões de adequação formal não são susceptíveis de recurso o que, por conjugação com o nº 2 do seu artº 620º afasta as mesmas do caso julgado formal.
  O CPC de Macau não tem norma idêntica ao nº 2 do artº 630º do CPC Português, contudo, cabendo o despacho de adequação formal na discricionariedade do Juiz, da conjugação dos artº 575º e 584º do CPC resulta igual solução.
  Contudo, ainda que a decisão da adequação formal não faça caso julgado formal, depois de decidir não remeter as partes para o incidente de reclamação de créditos e respectiva impugnação, mandando prosseguir esta acção para que ali seja decidida a impugnação dos créditos, não pode o Juiz concluir pela inutilidade superveniente desta acção porque os créditos haviam de ter sido impugnados no incidente de reclamação.
  A contradição entre as duas decisões é manifesta.
  Caso se venha a entender que o caminho a seguir não é o de conhecer da impugnação de créditos em separado então haveria que dar sem efeito o despacho antes proferido e remeter as partes para a impugnação de créditos no apenso de reclamação, como aliás havia por estas sido requerido inicialmente.
  Nada disso se tendo feito, o que não pode de forma alguma suceder é vedar às partes o direito a impugnarem os créditos porque se entende que o apenso vai ser tramitado e decidido em separado e depois sem decisão alguma, decidir a reclamação de créditos sem apreciar a impugnação por que aí não foi deduzida e julgar a acção onde foi deduzida a impugnação extinta por inutilidade superveniente da lide porque a impugnação havia de ter sido deduzida no apenso de reclamação de créditos.
  
  Destarte, não se tendo revogado o despacho onde se decidiu que a impugnação dos créditos iria ser instruída e decidida nestes autos em separado, nenhuma inutilidade superveniente da instância ocorreu, pelo que, carece o despacho recorrido de fundamento legal.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos revoga-se o despacho recorrido, ordenando a remessa dos autos à primeira instância para decidir em conformidade.
  
  Custas a atender por quem a final ficar por elas responsável.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 25 de Abril de 2024
  
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)
  
1 Vide os acórdãos n.ºs 351/09.9TSTS.P1, 413/08.0TBSTS-F.P1, 0714018 e 185/05.0TTPRT-D.P1 da Relação de Porto.
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906/2023 CÍVEL 33