Processo nº 82/2023
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Sob acusação do Ministério Público e em audiência colectiva no Tribunal Judicial de Base responderam:
(1°) A (甲),
(2°) B (乙),
(3°) C (丙),
(4°) D (丁), e,
(5°) E (戊), todos com os restantes sinais dos autos.
A final, realizado o julgamento, decidiu-se condenar:
- o (1°) arguido A, como co-autor material da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física agravada”, p. e p. pelos art°s 138°, al. d), 140°, n.° 2 e 129°, n.° 2, al. c), todos do C.P.M., na pena de 9 anos de prisão;
- o (2°) arguido B, como co-autor material da prática de1 crime de “ofensa grave à integridade física agravada”, p. e p. pelos art°s 138°, al. d), 140°, n.° 2 e 129°, n.° 2, al. c), todos do C.P.M., na pena de 10 anos de prisão;
- o (3°) arguido C, como autor material da prática de1 crime de “omissão de auxílio”, p. e p. pelo art. 194°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão;
- o (4°) arguido D, como co-autor material da prática de1 crime de “ofensa grave à integridade física agravada”, p. e p. pelos art°s 138°, al. d), 140°, n.° 2 e 129°, n.° 2, al. c), todos do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; e,
- o (5°) arguido E, como co-autor material da prática de1 crime de “ofensa grave à integridade física agravada”, p. e p. pelos art°s 138°, al. d), 140°, n.° 2 e 129°, n.° 2, al. c), todos do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Em relação ao pedido de indemnização civil aí enxertado, decidiu-se condenar os (1°, 2°, 4° e 5°) arguidos no pagamento solidário de uma indemnização no montante total de MOP$1.000.816,25 e juros ao assistente F (己); (cfr., fls. 1455 a 1478 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, o Ministério Público e os (1°, 2°, 3°, 4° e 5°) arguidos – A, B, C, D e E – recorreram para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 15.06.2023, (Proc. n.° 213/2023), decidiu negar provimento ao recurso do Ministério Público e dos 4° e 5° arguidos, concedendo parcial provimento aos recursos dos 1°, 2° e 3° arguidos, reduzindo-lhes a pena aplicada para uma outra de 7 anos, 8 anos e 5 meses de prisão, respectivamente; (cfr., fls. 1856 a 1942).
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Ainda inconformados, vem agora os (1°, 2° e 4°) arguidos A, B e D recorrer para esta Instância; (cfr., fls. 1987 a 2035, 2036 a 2047-v e 1962 a 1986).
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Em Resposta, foi o Ministério Público de opinião que os recursos não mereciam provimento; (cfr., fls. 2083 a 2095).
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Oportunamente, nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer considerando também que os recursos deviam ser julgados improcedentes; (cfr., fls. 2139).
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Adequadamente processados os autos, cumpre decidir.
A tanto se passa.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados nos Acórdãos do Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância, (cfr., fls. 1459 a 1465-v e 1919-v a 1925), e que aqui se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, (notando-se que, adiante, aos mesmos será feita adequada referência).
Do direito
3. Vêm os (1°, 2° e 4°) arguidos A, B e D recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que mantendo a condenação do 4° arguido, (3 anos e 6 meses de prisão), reduziu a pena aos 1° e 2° arguidos aplicadas, respectivamente para 7 e 8 anos de prisão.
Entende o (1°) arguido A que a decisão recorrida padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, (pugnando pela alteração da qualificação jurídico-penal efectuada e pela sua condenação pela prática de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M.), alegando também que devia beneficiar de uma “atenuação especial” ou “redução” da pena aplicada e da indemnização fixada a título de “danos não patrimoniais” que não devia ser superior a MOP$700.000,00; (cfr., fls. 1987 a 2035).
Afirma, por sua vez, o (2°) arguido B que o Acórdão recorrido padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”, insistindo que a sua conduta não deve ser considerada como a prática em “co-autoria” (material) do crime pelo qual foi condenado, pugnando pela sua condenação como autor de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, pedindo também uma “atenuação especial da pena”, assim como a redução da indemnização a título de “danos não patrimoniais” para montante não superior a MOP$600.000,00; (cfr., fls. 2036 a 2047-v).
Por fim, imputa também o (4°) arguido D ao mesmo Acórdão recorrido o (mesmo) vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”, pedindo, também, subsidiariamente, a redução da pena que lhe foi aplicada; (cfr., fls. 1962 a 1986).
3.1 Aqui chegados, e identificadas que estão as “questões” trazidas à apreciação deste Tribunal de Última Instância, vejamos, começando-se pelas questões relacionadas com a “decisão crime”.
–– Do recurso do (1°) arguido A.
Pois bem, como repetidamente tem esta Instância considerado, o vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” traduz-se na “falta de investigação” e de “pronúncia” sobre os “elementos fácticos” que permitam a integração na previsão típica criminal por falência de matéria integrante do seu tipo “objectivo” ou “subjectivo”, ou, até, de uma qualquer “circunstância modificativa” (agravante ou atenuante), sendo, por sua vez, de se considerar que inexiste qualquer “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento; (sobre o sentido e alcance do vício em questão, cfr., v.g., e entre outros, o Ac. deste T.U.I. de 27.11.2020 Proc. n.° 193/2020, de 05.05.2021, Proc. n.° 40/2021, de 30.07.2021, Proc. n.° 104/2021, de 04.11.2022, Proc. n.° 79/2022 e, mais recentemente, de 29.09.2023, Proc. n.° 71/2023).
E analisando o teor do Acórdão do Tribunal Judicial de Base, assim como no agora recorrido, do Tribunal de Segunda Instância, e ponderando igualmente no que alegado vem, cremos ser evidente que não ocorre o “vício” em questão, pois que não se incorreu em “omissão de investigação”, e (expressa e adequada) “pronúncia” relativamente a qualquer dos “factos objecto do presente processo”, tendo os Tribunais em questão apurado e decidido tudo o que de relevante dizia respeito e que ao dito “objecto” lhes cabia decidir.
Vejamos.
In casu, (e relativamente à “parte crime” agora em questão), está, nomeadamente, provado que:
“ 1.
Por volta das 00h00 da madrugada do dia 21 de Novembro de 2021, o assistente F, G e H estavam a divertir skateboard no espaço aberto em frente à [Praça] da [Rua(1)].
2.
Por volta de 01h58 desse mesmo dia, os arguidos A, B, C, D e E, juntamente com I, J e K, depois de se divertirem no “[Karaoke]” sito no [Endereço(1)], queriam encaminhar até à [Discoteca] para continuar a divertir.
3.
Cerca das 02h23 da madrugada desse mesmo dia, os cinco arguidos, juntamente com I, J e K, durante o percurso, passaram pelo espaço aberto em frente à [Praça].
4.
Ao passar por esse local, o arguido A e K entraram em discussão, tendo os arguidos B, D e E, juntamente com J ficado de pé perto do arguido A e da K.
5.
Por volta das 02h29 da madrugada do mesmo dia, o assistente F e G aquando encaminhavam do espaço aberto em frente à [Praça] em direção à [Rua(1)], passaram junto dos cinco arguidos, J e K, tendo o assistente F dado uma olhadela aos quatro arguidos, J e K.
6.
O arguido A ao notar isso, imediatamente insultou o assistente F e G: “O que vocês estão a olhar, caralho?” Além disso, os arguidos A, B, D e E, respectivamente, disseram em voz alta ao assistente F e G: “Vocês não vão embora, caralho!”.
7.
O arguido E deu um empurrão com a mão no peito do assistente F, que o fez cair no chão.
8.
Em seguida, os arguidos A e E correram em direcção ao G, enquanto que os arguidos B e D correram em direção ao assistente F. G imediatamente gritou ao assistente F: “foge!”
9.
Dado que G acelerou o seu skate para fugir, os arguidos A e E não conseguiram correr atrás para abordar com sucesso G, pelo que os dois arguidos correram em direcção ao assistente F, tendo assim G fugido do local com sucesso.
10.
Porém, não tendo o assistente F tempo para se reagir, nesse momento, já os arguidos B e D estavam à volta do assistente F.
11.
O arguido B deu um soco forte na parte da cabeça do assistente F, tendo o assistente F usado ambos os antebraços para se defender e defendeu-se com sucesso.
12.
Porém, depois do assistente F ter defendido com os antebraços, ele imediatamente perdeu o equilíbrio e caiu ao chão.
13.
Depois que o assistente F caiu ao chão, os arguidos A, B, D e E deram socos e pontapés em todo o corpo do assistente F.
14.
Na altura, o assistente F foi de tal maneira espanqueado que ficou deitado no chão. O arguido A pegou no skate do assistente F, com toda a força deu uma pancada na testa do assistente F, fazendo com que a cabeça do assistente F sangrasse.
15.
Posteriormente, o arguido B levantou o pé deu uma pisadela forte na testa do assistente (ou seja, no mesmo local da testa onde o referido arguido A deu a pancada com o skate), fazendo com que o assistente F sofresse dor intensa e ter perdido a consciência.
16.
Em seguida, os arguidos A, B, D e E continuaram a cercar o assistente F que estava inconsciente, com a cabeça a sangrar e deitado no chão, agredindo-lhe com socos e pontapés durante cerca de cinco minutos.
17.
O arguido C viu o assistente F inconsciente, pelo que agarrou o braço do assistente F e arrastou-o do chão a uma distância de 1 a 2 metros da posição inicial, e quando verificou que o assistente F ainda tinha respiração, decidiu deixar o assistente F nesse referido local e ir embora.
18.
Depois disso, os arguidos A, B, C, D e E, juntamente com K continuaram a encaminhar em direcção à [Discoteca] para divertir.
19.
G que estava escondido de longe, viu os cinco arguidos terem ido embora, imediatamente aproximou-se para verificar as lesões do assistente F e viu a testa dele a sangrar (vide fotos de fls. 70 dos autos), de imediato pediu socorro à polícia.
20.
Posteriormente, o assistente F foi conduzido ao [Hospital] para tratamento (vide fls. 21 dos autos).
21.
A polícia recebeu a queixa deslocou ao local do crime para investigação e encontrou diversas manchas de sangue no chão (vide fotos de fls. 15 a 16 dos autos).
22.
O comportamento dos arguidos A, B, D e E causou directamente e inevitavelmente ao assistente F fratura exposta do crânio, contusão cerebral e hemorragia subaracnóidea, o tempo estimado para recuperação era de 12 meses (o período de recuperação tinha sido determinado pelo seu médico assistente). A hemorragia cerebral pôs em perigo a vida do assistente F, portanto preenche o crime de ofensa grave à integridade física previsto no artº 138º, al. d) do CP, (vide parecer clínico de medicina legal de fls. 274 e 885 dos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos e sendo parte integrante da presente acusação).
23.
Além disso, o comportamento dos arguidos A, B, D e E também causou várias lesões no corpo do assistente F (vide fotos de fls. 390 a 395 dos autos).
(…)
35.
Os arguidos A, B, D e E livres, conscientes e voluntariamente, simplesmente por motivo fútil de o assistente F, na altura do incidente, ter dado uma olhadela ao passar junto dos quatro arguidos, fez com que eles propositadamente usaram a violência para atacar o assistente F, que por sua vez causaram directamente e inevitavelmente ofensa grave à integridade física e à saúde do assistente F.
36.
Os cinco arguidos sabiam perfeitamente que a sua conduta é proibida e punida por lei de Macau.
(…)”; (cfr., fls. 1459 a 1461-v e 18 a 27 do Apenso).
Exposta que atrás ficou a “matéria de facto provada”, (e, em nossa opinião, relevante para a decisão a proferir), continuemos.
Como se deixou relatado, entende o 1° arguido, ora recorrente, que padece a decisão recorrida do referido vício de “insuficiência” porque não se deu como “provado” que o mesmo “agiu sob o efeito do álcool”, que “estava excitado porque antes tinha andado a discutir”, e que “foi provocado pelo ofendido, que lhe dirigiu palavrões”, reconhecendo, porém, que esta matéria não foi oportunamente alegada, (especialmente), na sua “contestação”, considerando, contudo, que foi referida em sede de audiência de julgamento.
Ora, analisando os autos e tendo presente o que se fez constar no Acórdão do Tribunal Judicial de Base (e do Tribunal de Segunda Instância), pouco se mostra de dizer em relação ao que assim vem alegado.
Na verdade, cabe referir que o Acórdão do Tribunal Judicial de Base se apresenta adequadamente relatado quanto à factualidade “provada” e “não provada”, (especificando e elencando-a), o mesmo sucedendo com as razões do assim decidido (no que toca à decisão da matéria de facto), justificando-se, de forma expressa e clara, as “razões da convicção do Tribunal”.
E, nesta conformidade, (em face do que aí se fez constar, sendo mesmo de registar o empenho do Tribunal em explicitar, cabalmente, as razões da sua convicção e decisão), nenhum motivo de censura nos merece.
Com efeito, e como parece evidente, não é por o Tribunal não dar relevo às – eventuais – “declarações”, ou “versões”, pelo arguido prestadas e apresentadas em audiência, (e não considerar provado o que o mesmo agora diz ter aí alegado), que se incorre no assacado vício de “insuficiência”.
Importa, aliás, ter presente que, na situação em causa, e em face das “contradições” nas declarações pelo ora recorrente prestadas em audiência, procedeu o Tribunal à leitura das que tinha antes prestado em sede de Inquérito, nenhuma razão existindo para qualquer reparo à decisão assim proferida; (cfr., art. 338° do C.P.P.M.).
E, assim, em face da factualidade dada como provada, e atrás retratada, evidente se nos mostra igualmente que acertado está o “enquadramento jurídico-penal” efectuado, considerando-se que o ora recorrente cometeu, em co-autoria material com os 2°, 4° e 5° arguidos, o crime de “ofensa grave à integridade física”, p. e p. pelo art. 138°, al. d) do C.P.M., pois que do julgamento realizado resultou assente (como acusado estava) que com a “agressão” que perpetraram “provocaram perigo para a vida do ofendido/assistente F”; (cfr., “facto 22°”, e o preceito legal citado).
Por sua vez, visto estando também que a “violenta agressão” que infligiram ao ofendido se nos apresenta totalmente “gratuita”, e “desproporcional”, integrando, claramente, o conceito de “motivo fútil”, (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 31.07.2020, Proc. n.° 90/2020), igualmente se nos mostrando de entender que adequada foi a “agravação” ao abrigo do art. 140°, n.° 2 e art. 129°, n.° 2, al. c) do C.P.M., sendo pois de manter.
Assim, nenhum “motivo legal” havendo para qualquer “atenuação especial”, ponderando nos critérios do art. 40° e 65° do mesmo C.P.M., visto estando que a pena aplicável é de 2 anos e 8 meses a 13 anos e 4 meses de prisão, e não olvidando aqui o teor do C.R.C. do ora recorrente, do qual resulta que não é “primário” e que já cumpriu pena de prisão efectiva, mostra-se de aceitar a pena pelo Tribunal de Segunda Instância arbitrada de 7 anos de prisão, motivo não parecendo haver para qualquer reparo, não nos mostrando haver margem para qualquer redução.
–– Passemos para o recurso do (2°) arguido B.
Como atrás se deixou igualmente relatado, é este recorrente de opinião que se incorreu em “erro notório na apreciação da prova”, insistindo que a sua conduta não deve ser considerada como a prática em “co-autoria” (material) do crime pelo qual foi condenado, pugnando pela sua condenação como autor de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, pedindo também uma “atenuação especial da pena”.
Ora, também este recurso se nos apresenta, para já, e nesta parte, totalmente improcedente.
Com efeito, o tema do agora imputado “erro notório na apreciação da prova” tem sido abundante e repetidamente tratado por este Tribunal de Última Instância, (o mesmo sucedendo com o Tribunal de Segunda Instância), e, firme e pacífico tem sido o entendimento que – em síntese – se pode resumir no seguinte:
“O vício de “erro notório na apreciação da prova” constitui um vício típico – próprio – da “decisão sobre a matéria de facto”, e apenas existe quando se violam as “regras sobre o valor da prova vinculada”, as “regras de experiência” ou as “legis artis”, devendo ser um “erro ostensivo” e de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
Assim, visto estando que o “erro notório na apreciação da prova” nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que o Tribunal devia ter dado relevância a determinado meio de prova – sem “especial valor probatório” – para formar a sua convicção (e assim dar como assente determinados factos), visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da “livre apreciação da prova” e de “livre convicção” do Tribunal”; (cfr., v.g., e para citar os mais recentes, os Ac. deste T.U.I. de 11.03.2022, Procs. n°s 8/2022 e 12/2022, de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022, de 21.09.2022, Proc. n.° 78/2022, de 13.01.2023, Proc. n.° 108/2022, de 03.03.2023, Proc. n.° 97/2022 e de 29.09.2023, Procs. n°s 71/2023 e 81/2023).
In casu, sendo exactamente o que sucede – já que o recorrente limita-se a discordar da “decisão sobre a matéria de facto” pelo Tribunal Judicial de Base proferida e confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância, não adiantando um (único) argumento válido (ou lógico) para fundamentar a sua discordância, (dizendo, apenas, que “o Tribunal não devia acreditar…, e dar como provado…”), ociosas são mais alongadas considerações sobre o ponto em questão.
Com efeito, o Tribunal Judicial de Base justificou, adequadamente, as razões da sua “decisão”, e, a mesma, pelos “elementos de prova” invocados e expressamente referidos – especialmente, as “imagens” retiradas dos vídeos sobre a ocorrência, as “declarações” do próprio ofendido e de outras pessoas que estavam do local, no momento da prática dos factos, e de outras testemunhas, nomeadamente, de agentes da Polícia Judiciária que participaram na recolha de provas e em diversas diligências de investigação – demonstram, claramente, que foram os mesmos elementos rigorosa e logicamente apreciados de acordo com as “regras da experiência e da normalidade das coisas”, correcta se mostrando a decisão proferida.
Assim, e atento o que (especialmente) nos retrata a factualidade constante dos “pontos 11°, 13° a 16°, 22°, 23°, 35° e 36°” da matéria de facto provada (e atrás transcrita), manifesto é que igualmente correcto é o “enquadramento jurídico-penal” efectuado quanto ao ora recorrente, nenhuma censura ou reparo merecendo o neste sentido decidido.
Quanto à “pena”, o mesmo se nos mostra de dizer.
De facto, para além do que revelam os referidos “factos provados” quanto à conduta do ora recorrente, e ponderando no estatuído nos art°s 28°, 40° e 65° do C.P.M., importa ter presente que ao ora recorrente tinha sido (recentemente) concedida a medida de “liberdade condicional”, (poucos meses antes dos factos), o que não deixa de demonstrar que, in casu, especialmente acentuadas são as necessidade de prevenção criminal, (totalmente) inviável sendo assim qualquer redução da pena por não se vislumbrar qualquer motivo (atendível) ou margem para tal.
–– Vejamos agora do recurso do (4°) arguido D.
Entende este recorrente que o Acórdão recorrido padece do (mesmo) vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”, pedindo, também, subsidiariamente, a “redução da pena” que lhe foi aplicada.
Ora, no ao assacado “erro notório” diz respeito, valem aqui – mutatis mutandis – as considerações que atrás se fizeram sobre a mesma matéria em sede do anterior recurso do (2°) arguido B, nada mais se mostrando de acrescentar.
Quanto à imputada “violação do princípio in dubio pro reo”, evidente é também que nenhuma razão tem o recorrente.
Com efeito, constituindo igualmente tema repetidamente trazido à apreciação deste Tribunal de Última Instância, constitui também entendimento firme que o mesmo se identifica com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore, sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.
Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida insanável, razoável e motivável, definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., v.g., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, Vol. VIII, pág. 611 a 615).
Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido “versões dispares” ou mesmo “contraditórias”, sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – (alguma) dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.
A violação do “princípio in dubio pro reo” exige, sempre, que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num “estado de dúvida” quanto aos factos que devia dar por “provados” ou “não provados”.
No caso dos autos, e sem prejuízo do muito respeito, cremos que tanto a “decisão da matéria de facto dada como provada”, assim como a fundamentação relativamente à sua convicção demonstram, de forma clara e cabal, que o arguido recorrente cometeu o crime pelo qual foi pelo Ministério Público acusado, tal como pelo Tribunal Judicial de Base foi condenado e, agora, pelo Tribunal de Segunda Instância confirmado, nenhuma dúvida se vislumbrando (ou existindo) em todo o processado, evidente sendo assim a solução para esta questão.
Relativamente à pena, considerando que em causa está a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, (e que a moldura aplicável é de 2 anos e 8 meses a 13 anos e 4 meses de prisão), não sendo ainda de olvidar que o ora recorrente também não é “primário”, (pois que em 26.07.2018 transitou em julgado a decisão que o condenou em pena de prisão suspensa na sua execução por 1 crime de “sequestro”), evidente se nos apresenta que excessiva não é a dita pena, havendo assim de se julgar totalmente improcedente o recurso em questão.
3.2 Por fim, vejamos da “indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais” do assistente, e relativamente ao qual pedem os (1° e 2°) arguidos A e B uma redução.
Pois bem, o Tribunal Judicial de Base fixou-a em MOP$1.000.001,00, o que foi confirmado pelo Tribunal de Segunda Instância.
E, então, que dizer?
Ora, como é sabido, os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa-biológica e mental, física e psíquica, e que, “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito” nos termos do art. 489°, n.° 1 do C.C.M..
Sobre esta matéria teve já este Tribunal de Última Instância oportunidade de se pronunciar, considerando-se, nomeadamente, que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 01.07.2020, Proc. n.° 9/2020, de 18.12.2020, Proc. n.° 187/2020, de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022 e de 22.03.2023, Proc. n.° 52/2019).
Na verdade, e como é sabido, a reparação dos danos não patrimoniais não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma possibilidade compensatória, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais” confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias “situações concretas” e atento o estatuído nos art°s 489° e 487°.
Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, importa ter ainda em conta que se mostra de considerar que quando o cálculo da indemnização assente em “juízos de equidade”, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o caso concreto; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022).
Não se pode pois olvidar que (na ausência de uma definição legal) o “julgamento pela equidade” é sempre o produto de uma “decisão humana”, que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, distinguindo-se, do puro “julgamento jurídico”, por apresentar menos preocupações sistemáticas e maior empirismo e intuição; (cfr., v.g., M. Cordeiro in, “O Direito”, pág. 272).
Por sua vez, importa ponderar que na fixação da compensação por danos não patrimoniais, há que ter presentes os valores habitualmente atribuídos pela jurisprudência e em especial os atribuídos a situações de gravidade próxima nas decisões mais recentes e paradigmáticas, de forma a harmonizar os valores a arbitrar com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis; (sobre idêntica questão, cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 01.07.2020, Proc. n.° 9/2020, de 31.07.2020, Proc. n.° 45/2020 e de 18.12.2020, Proc. n.° 187/2020).
Nesta conformidade, ponderando no que provado está, em especial, que o ofendido tinha pouco mais de 17 anos de idade, nas “lesões” que sofreu, (em resultado da “grave conduta dos demandados”), e que, para além das dores, sofrimentos, angústias e inconvenientes que teve de suportar em consequência da (violenta) “agressão” de que foi vítima, e que, padece, ainda, de uma “incapacidade parcial permanente de 13%”, (cfr., fls. 1419), que, (infelizmente, mas como é perfeitamente expectável), não deixará de continuar a lhe causar “desgostos” e “inconvenientes” pela vida fora, temos pois para nós que, também aqui, motivos não se vislumbram para qualquer redução, sendo pois de se julgar igualmente improcedentes as pretensões pelos 1° e 2° arguidos, A e B, apresentadas quanto a esta matéria.
Dest’arte, e tudo vito, resta deliberar como segue.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos dos (1°, 2° e 4°) arguidos A, B e D, confirmando-se, integralmente, o Acórdão recorrido.
Pagarão os arguidos as custas dos seus recursos com taxa de justiça individual que se fixa em 10 UCs para os (1° e 2°) arguidos A e B, e 8 UCs para o (4°) arguido D.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 01 de Novembro de 2023
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 82/2023 Pág. 20
Proc. 82/2023 Pág. 21