Processo n.º 575/2023
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data : 25 de Abril de 2024
Assuntos:
- Poder discricionário de escolha de medida sancionatória em processo disciplinar
SUMÁRIO:
I - Verifica-se erro nos pressupostos de facto quando existe uma divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para proferir a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, divergência essa que resulta da circunstância de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, em virtude de uma errada apreciação da prova ou de violação do in dubio pro reo por parte da Entidade Administrativa.
II – O dever de contribuir para o prestígio da Administração, previsto no artigo 279º/1 do ETAPM, é um dever geral cometido aos trabalhadores da função pública, que se traduz na prática de factos pelo arguido (ainda que tenham tido lugar num contexto extrafuncional), que sejam susceptíveis de impactar negativamente o prestígio e a dignidade da Administração. Se tal se verificar, é de concluir que o trabalhador incorre em violação disciplinarmente relevante do identificado dever funcional.
III – Em matéria de processo disciplinar, a escolha da medida sancionatória corresponde ao exercício de um poder discricionário, em relação ao qual os poderes sindicantes do Tribunal são limitados, uma vez que, para além das situações de desvio de poder, de erro nos pressupostos de factos ou de vícios de formais ou procedimentais, no que concerne ao referido exercício, a fiscalização judicial limita-se às situações de erro manifesto ou de total desrazoabilidade, incluindo a violação intolerável dos princípios gerais que regem a actividade administrativa, nomeadamente, do princípio da proporcionalidade.
IV - A conduta do Recorrente é abstractamente enquadrável na previsão do n.º 4 do artigo 314.º do ETAPM, na qual se prevê uma moldura abstracta da pena de suspensão que se situa entre 241 dias e 1 ano, não se podendo dizer, ao contrário do que alega a Recorrente, que a Entidade Recorrida, ao fixar uma pena de suspensão de funções por 300 dias, em razão da desconsideração de circunstâncias atenuantes, tenha violado o princípio da proporcionalidade e fixado uma pena disciplinar excessiva ou manifestamente desrazoável. O que constitui razão bastante para julgar improcedente o recurso que visa atacar a decisão punitiva em causa.
O Relator,
Fong Man Chong
Processo n.º 575/2023
(Autos de recurso contencioso)
Data : 25 de Abril de 2024
Recorrente : (A)
Entidade Recorrida : Presidente do Tribunal de Última Instância (終審法院院長)
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
(A), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Presidente do Tribunal de Última Instância, datado de 27/06/2023, veio, em 27/07/2023, interpor o recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 47, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) É entidade recorrida o Exmo. Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância e objecto do presente recurso contencioso o seu despacho de 27 de Junho de 2023.
2) Nos termos do acto recorrido, o Recorrente terá falsamente inscrito para dois cursos de formação com o subsídio do Governo, pelo que terá violado o "dever de contribuir para a dignidade e prestígio da Administração Pública" previsto no art. 279.°, n.º 1, tendo-lhe sido por isso aplicada a pena de suspensão de 300 dias nos termos do art. 314.°, n.º 4, do ETAPM.
3) Os alegados factos que serviram de base à decisão e sanção disciplinar não foram de forma alguma conhecidos pelo público, mas tão-só descobertos internamente pela Administração Pública, por via de uma comunicação interna do CCAC.
4) Conforme se pode ver na primeira página do relatório final, a fls. 169 (cfr. Doc. 2), o despacho do Exmo. Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância a concordar com a proposta do Sr. Instrutor, não vem acompanhado da sua assinatura, mas apenas da aposição do seu nome dactilografado.
5) Não tendo sido assinado pelo autor do acto, falta-lhe um elemento essencial gerador da nulidade do mesmo, nos termos dos arts. 21.°, n.º 2, al. a), do CPAC e 113.°, n.º 1, al. h), e 122.º, n.º 1, do CPA.
6) O procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida, e a sua extensão por via da qualificação da infracção também como infracção penal depende de comunicação da autoridade judiciária competente, cabendo exclusivamente a ela certificar se determinado comportamento constitui crime e qual ele seja.
7) In casu, não houve qualquer intervenção das autoridades judiciárias no sentido de comunicar a existência de um tal processo-crime ou a natureza criminal dos alegados factos dos presentes autos, nem há qualquer prova nos autos que indicie a prática de crime.
8) Os factos considerados provados na decisão não são suficientes para se preencher o tipo criminal de burla para a extensão da prescrição até 5 anos, pois falta a alegação e prova dos factos relativos à "intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo".
9) Pelo que o procedimento disciplinar prescreveu ao fim de 3 anos a contar da data dos factos alegadamente ocorridos em meados de 2019, extinguindo-se a responsabilidade disciplinar nos termos do art. 286.°, n.º 1, devendo o acto recorrido ser anulado, nos termos do art. 21.°, n.º 1, al. d), do CPAC, por violação do disposto no art. 289.° e do princípio da legalidade plasmado no art. 3.° do CPA.
10) Na decisão pretende-se provar que o Recorrente simulou uma inscrição em 2019 através da prova de que alguns dos seus familiares também se inscreveram em cursos do mesmo centro em 2018, o que não se percebe, especialmente porque, para além da mulher, todos os outros familiares não tinham nem têm uma relação próxima com o Recorrente, conforme resulta da única prova que se produziu nos autos a este respeito, e também porque não há prova nenhuma de que aqueles familiares simularam as inscrições.
11) A fundamentação da decisão justifica essa suposta correlação através de uma suposição meramente hipotética, sem qualquer base factual.
12) A matéria de facto da decisão não contempla nenhum facto sobre a existência de deslocação patrimonial dos subsídios do Governo do beneficiário inscrito para outra pessoa, tendo-se removida da acusação a referência à "compensação das propinas do filho do Recorrente com os subsídios do Governo".
13) Dos autos não consta qualquer prova objectiva - que não sejam meras deduções ou suspeitas - de que o Recorrente simulou a inscrição.
14) A única prova objectiva que há é a de que, segundo as informações disponibilizadas pelo centro de música à então DSEJ, houve aquelas duas inscrições do Recorrente em 2019, que o centro de música declarou ter o Recorrente frequentado a todas as aulas, e que, segundo os registos de entrada e saída, o Recorrente e o instrutor de piano estiveram ausentes de Macau em (apenas) 3 dias num total de 12.
15) Mesmo que houvesse falta de 3 aulas num total de 12 por curso, tal em si não seria de modo nenhum suficiente para se provar que houve simulação, fraude ou burla, por não ser um número substancial, e porque a mera falta não implica de modo algum a intenção de causar prejuízos à RAEM.
16) A verdade, contudo, é que o Recorrente frequentou todas as aulas, conforme confirmado pelos responsáveis do centro de música, porque as aulas eram repostas noutras datas.
17) O Recorrente foi sempre capaz de responder com clareza e determinação às perguntas essenciais sobre os cursos, que já foram há quase 4 anos (tempo e lugar, instrutor, duração das aulas, sabendo até dizer que as aulas começavam pela teoria, e sabendo empregar o termo técnico “樂理”) desde a sua primeira inquirição.
18) Tendo noção dessa falta de prova, a Administração, por variadas ocasiões nestes autos, porque era absolutamente necessário, solicitou informação e auxílio do CCAC, do MP, da PSP e da DSEDJ, sem que tivesse obtido qualquer prova relevante.
19) Na única prova em que a decisão se baseou - as declarações das testemunhas - a decisão peca pelo facto de dar credibilidade ao depoimento de certas testemunhas, afastando essa mesma credibilidade às outras, e de dar credibilidade a apenas parte do depoimento daquelas testemunhas, sem acreditar no demais, sem qualquer fundamento para que assim o seja.
20) As testemunhas do centro de música foram capazes de identificar o Recorrente, a sua mulher e o filho através das fotografias que lhes foram mostradas, e até foram capazes de dizer o seu nome e que eram alunos do centro por vários anos, desde antes de se ter usado o subsídio do Governo.
21) Os factos essenciais para se determinar se houve simulação e fraude reconduzem-se a saber se o Recorrente frequentou ou não as aulas e se houve ou não compensação das propinas do filho - tanto o Recorrente como todas as testemunhas ouvidas disseram que frequentou e que foram pagas as propinas do filho e deles próprios quando não usavam os subsídios do Governo - mas não se deu relevância a estes depoimentos, quando não há qualquer outra prova que indique o contrário.
22) A parte relativa à compensação das propinas do filho com o subsídio do Governo atribuído ao Recorrente foi desde o início um dos elementos fulcrais da própria existência do presente caso, porque essa compensação, ou, noutros casos da mesma natureza, o pagamento de comissões, constitui o pressuposto factual para a verificação da "intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo" no momento da prática do facto - inscrição nos cursos.
23) A entidade recorrida, em face da contestação do Recorrente, entendeu por bem retirá-lo da decisão final (cfr. art. 36.°), por reconhecer que não houve prova produzida nesse sentido.
24) Por outro lado, tanto o Recorrente como qualquer outra testemunha ouvida disseram sem qualquer hesitação que os cursos inscritos pelo Recorrente com o subsídio do Governo foram de piano.
25) Simplesmente, por razões que escapam ao controlo do Recorrente, o centro de música resolveu declarar à DSEJ que se tratava de cursos de violino, algo que os seus responsáveis admitem.
26) O Recorrente não pode de modo algum ser prejudicado por tal facto que era da exclusiva responsabilidade do centro de música e não do Recorrente.
27) De igual modo, todas as testemunhas e o Recorrente disseram que o horário das aulas não seguia necessariamente o horário submetido à DSEJ, e que nos dias em que a aula não era dada ou frequentada, haveria reposição da mesma.
28) As testemunhas do centro não conseguiram disponibilizar prova dessas mudanças, por terem sido destruídos os registos ou não constarem do computador, em face do que se escreveu na decisão que cabe ao Recorrente o ónus de provar que houve essas mudanças.
29) O Recorrente disse que não tinha - o que é perfeitamente natural segundo as regras da experiência, pois praticamente nenhum aluno dos centros de música o costuma ter, não cabendo pois ao arguido o ónus de produzir essa prova.
30) Mais, não se pode retirar do facto de não haver horário a conclusão de que o aluno não sabia o dia e a hora das suas aulas - algo que a decisão faz.
31) Relativamente às alegadas folhas de presença, apenas o centro de música, enquanto guardião desses registos, poderia provar se efectivamente houve essas assinaturas, mostrando os registos, mas, mais uma vez, essas testemunhas, responsáveis pelo seu arquivamento, não os conseguiram disponibilizar.
32) Também não é minimamente exigível que o Recorrente consiga disponibilizar outra prova como registos de assiduidade, porque não são os alunos que irão ter e guardar esse registo.
33) E para impugnar factos cuja prova não existe ou é insuficiente nos autos não é preciso que o Recorrente prove coisa alguma.
34) Relativamente à suposta contradição entre a versão das testemunhas do centro de música, de que os pais podem acompanhar os filhos sem pagar, e a versão do Recorrente e mulher, de que era preciso pagar para os pais poderem aprender juntamente com os filhos, a verdade é que, sempre que nos autos se refere à desnecessidade de pagar pelos pais, a situação é a de acompanhamento (陪同、陪伴), sem que os pais possam aprender, eles próprios, ao lado do filho; diversamente, sempre que nos autos se refere à necessidade de pagar pelos pais, o termo usado é a aprendizagem dos pais, juntamente com o filho (與兒子學習、一齊上課).
35) Neste ponto, a decisão usou uma fundamentação que não pode ser atendida, pois que se reconhece a eventual ilegalidade da gravação de uma chamada telefónica e por isso não se procedeu à gravação, portanto sem prova, mas reproduz-se o conteúdo da conversa como fundamentação.
36) O Recorrente vem acusado de não saber qual o curso que o centro inscreveu para ele - a verdade é que ele sabia perfeitamente e só não sabia qual o curso que o centro declarou junto da DSEJ, algo que está completamente fora do seu controlo, e por isso é perfeitamente normal que ele não saiba nem se interesse sobre essa comunicação entre o centro e a DSEJ, nem tinha qualquer razão para suspeitar que o centro viesse a inscrevê-lo num curso de violino junto da DSEJ.
37) Não há prova nenhuma nos autos sobre se o Recorrente adquiriu efectivamente alguma competência.
38) "O objectivo de elevar as suas qualidades e competências individuais" constitui o objectivo do Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo para os Anos de 2017 a 2019 conforme dita o art. 1.° do REGA n.º 10/2017, e não um objectivo que a lei impõe aos beneficiários do Programa.
39) Não é de forma alguma ilegal que um beneficiário do Programa não tenha isso como objectivo - não há sanção nenhuma na lei, e nem sequer há esse dever, pois os deveres dos beneficiários são os elencados no art. 16.° do citado REGA.
40) O facto de o Recorrente dizer que "沒有心機認真上課" (fl. 17) não prova de forma alguma o facto de "que a inscrição nos cursos não era para elevar as suas qualidades e competências individuais", porque para não haver a intenção/objectivo de elevar as qualidades e competências individuais é preciso que haja prova da falta dessa intenção logo no momento da inscrição, e não porque durante o curso o aluno não sente grande interesse no curso, que pode dever-se a diversas razões.
41) A retirada da referência à compensação das propinas do filho do Recorrente implica que, mesmo que se considere provado o art. 34.°, não se possa retirar daí a conclusão automática de que a conduta do Recorrente causou prejuízos de MOP$4.800 ao Governo.
42) Na fase da instrução, o Recorrente foi chamado a prestar declarações no dia 19/5/2023 e logo a seguir lhe foi entregue a acusação, já previamente preparada, sem obviamente ter em consideração essas declarações - o que revela desconsideração pela prova produzida e pela defesa do Recorrente ao longo do processo.
43) Em casos como o dos autos, é necessário à Administração socorrer-se do expediente criminal - se o puder fazer nos termos legais - para a obtenção de prova, o que não sucedeu.
44) Perante todas estas dúvidas razoáveis e não removidas pela prova produzida pela entidade recorrida, e considerando que não cabe ao Recorrente provar que é inocente, mas à entidade recorrida provar que, atentos os elementos dos autos, o Recorrente efectivamente cometeu uma infracção disciplinar, a decisão violou o princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência do arguido, devendo em consequência ser anulada nos termos do art. 21.°, n.º 1, al. d), do CPAC.
45) O (único) dever alegadamente violado - o de contribuir para o prestígio da Administração Pública nos termos do art. 279.°, n.º 1 - está necessariamente ligado ao desempenho das funções do funcionário.
46) Resulta claramente da letra da lei que o dever geral plasmado no n.º 1 do art. 279.° se limita aos deveres funcionais, no exercício da função pública, não se aplicando ao caso dos autos, completamente alheio às funções públicas do Recorrente.
47) Pois, a contribuição para o prestígio da Administração Pública surge na lei como uma consequência do exercício da actividade sob forma digna no exercício da função pública.
48) Relativamente aos deveres extra-funcionais cup violação é imputada ao Recorrente, para que se transformem em dever da função dos trabalhadores da Administração Pública, é imprescindível que exista sempre alguma relação com a própria função que se desempenha.
49) Não há qualquer prova nem fundamentação nos autos de que a eventual violação se reflectiu negativamente no cargo exercido.
50) A pena de suspensão aplicada, prevista no n.º 4 do art. 314.º, tem sempre que se basear na verificação da cláusula geral do n.º 1 - casos que revelem culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais.
51) Não há alegação nem prova de facto nenhum sobre a publicidade e o impacto de tal publicidade na dignidade e prestígio do titular do cargo ou da Administração Pública.
52) Para que haja prejuízo para o prestígio do titular ou da Administração, há que haver prova de que o trabalhador de alguma forma deixou revelar o seu estatuto de trabalhador da função pública - o que também não se verificou no presente caso.
53) A inexistência de factos sobre a deslocação patrimonial dos subsídios do Governo do beneficiário inscrito para outra pessoa, implica que os alegados factos, mesmo que provados, não sejam suficientes para se determinar que houve prejuízo grave contra a dignidade e prestígio do titular ou da Administração.
54) Por força do princípio da legalidade e do princípio in dubio pro reo, há que concluir que não houve qualquer violação do dever de contribuir para o prestígio da Administração Pública, nem qualquer circunstância que comprovadamente atente gravemente contra a dignidade e prestígio de um trabalhador da função pública, devendo ser o acto anulado por violação de lei nos termos do art. 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC.
55) Por força de lei expressa, todo o arguido em processo disciplinar tem direito ao exame do processo e à passagem de certidões.
56) O Recorrente, já na fase da defesa pós-acusação, veio requerer a confiança do processo ao seu mandatário por prazo não superior a 48 horas para preparação da defesa, direito fundamental e impreterível conferido a todo o arguido nos termos do art. 334.º, n.º 1 - o que foi indeferido.
57) Requereu-se também, especificando o fim a que se destinam, a passagem de certidões de determinadas folhas do processo - o que foi parcialmente indeferido, em face do art. 294.°, n.º 3: Não poderá ser recusada a passagem de certidões quando estas se destinem à defesa ou promoção de legítimos interesses e em face de requerimento, especificando o fim a que se destinam.
58) Ambos os actos de indeferimento levam a que o procedimento em causa padeça do vício de nulidade insuprível, nos termos previstos no art. 298.°, n.ºs 1 e 2, devendo ser anulado o acto recorrido com fundamento em nulidade do procedimento por violação do direito de defesa do arguido, nos termos do art. 21.°, n.º 1, al. d), do CPAC.
59) Prevê o art. 327.°, nº 1, al. g), que está impedido de exercer a função de instrutor aquele que já tinha dado parecer ou informação sobre o enquadramento jurídico de factos praticados pelo arguido, relevantes para o processo.
60) O Sr. Instrutor do processo disciplinar em causa foi o Inquiridor do processo de inquérito que o antecedeu, sobre o mesmo objecto e contra o mesmo arguido.
61) Tendo, no âmbito daquele processo de inquérito, emitido pareceres, ou pelo menos informações, sobre o enquadramento jurídico de factos praticados pelo Recorrente, relevantes para o processo disciplinar, designadamente no relatório final de inquérito, relativamente aos deveres que considerou violados pela conduta do Recorrente, às sanções aplicáveis, à suspensão preventiva e à recomendação final.
62) Pelo exposto, devem ser declarados nulos todos os actos praticados no âmbito do processo disciplinar por impedimento do Sr. Instrutor, anulando-se consequentemente o acto recorrido nos termos do art. 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC.
63) Deveria a decisão ter tido em conta a ausência de publicidade da suposta infracção como circunstância atenuante nos termos da al. f) do art. 282.° - o que não aconteceu.
64) A comunicação interna e confidencial do CCAC não era para comunicar qualquer infracção, mas a pedir que a entidade recorrida procedesse a investigações para apurar se houve ou não infracção.
65) O CCAC é um órgão público, respondendo perante o Chefe do Executivo, fazendo portanto parte da Administração Pública e não, de forma alguma, do público.
66) E a publicidade da conduta tem que se referir a essa conduta mesma - não uma informação genérica que porventura tenha figurado nos jornais.
67) Não tendo os factos do caso sub judice sido objecto de conhecimento do público, nem sequer figurando nos relatórios anuais do CCAC (o último de 2022), só se pode concluir pela ausência de publicidade da alegada infracção.
68) Por outro lado, a decisão também não tomou em consideração as circunstâncias atenuantes do baixo valor envolvido e das pequenas responsabilidades do cargo exercido e pouca instrução do Recorrente.
69) Com efeito, a referência àquelas circunstâncias não serviu para graduar a pena concretamente aplicável ao caso nos termos do n.º 1 do art. 316.º, nem para excepcionalmente aplicar pena de escalão mais baixo do que ao caso caberia nos termos do n.º 2.
70) A falta de consideração das referidas circunstâncias atenuantes constitui um outro vício de que padece, devendo o acto recorrido ser anulado também por esta razão, nos termos do art. 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC.
71) Para além disso, a pena de suspensão de 300 dias afigura-se manifestamente desproporcional à suposta infracção, pelo que vem também violado o princípio da proporcionalidade consagrado no art. 5.°, n.º 2, do CPA, devendo como tal também ser anulado o acto recorrido nos termos do art. 21.°, n.º1, al. d), do CPAC.
72) Por despacho da entidade recorrida, foi atribuída eficácia retroactiva a um acto sancionatório.
73) "O acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado", nos termos do art. 117.º, n.º 1, do CPA, só podendo haver retroactividade nos casos excepcionalmente previstos no art. 118.° - o que não é o caso dos autos.
74) A suspensão preventiva é um instituto que não se confunde com a pena de suspensão, não se podendo entender que esta é uma extensão daquela e que portanto poderá considerar-se iniciada com a execução daquela.
75) Não sendo a mesma coisa, o acto recorrido está a produzir efeitos retroactivos contra disposição expressa da lei, devendo como tal ser anulado nos termos do art. 21.°, n.º 1, al. d), do CPAC.
76) A suspensão preventiva só pode perdurar "até decisão final do processo mas por prazo não superior a 90 dias".
77) A medida começou a produzir efeitos no dia 29 de Março de 2023, enquanto o acto recorrido foi praticado no dia 27 de Junho de 2023 e notificado a 29 de Junho, pelo que são 91 dias de suspensão preventiva, superior ao prazo legalmente permitido.
78) Termos em que se verifica mais um outro vício de violação de lei, devendo o acto recorrido ser anulado nos termos do art. 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC.
Nestes termos e nos demais de Direito que serão doutamente supridos por V. Exas., requer-se a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a anulação do acto do Exmo. Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância de 27 de Junho de 2023, com todas as consequências legais, designadamente a reposição do vencimento não pago, pedido que se fundamenta, de acordo com o art. 21.º, n.º 2, al. a), e n.º 1, al. d), do CPAC, respectivamente em falta de elemento essencial do acto e em violação de lei.
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 71 a 81, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 上訴人提出,根據他所接到的行政行為的通知,被上訴實體在紀律程序的總結報告上的簽名是打印的,導致行政行為欠缺其中一項主要要素,從而使得處罰批示無效。
2. 上訴人的這種說法是將行政行為本身與行政行為的通知混為一談。
3. 實際上,從卷宗內(第169頁至195頁)可以看到,被上訴實體在紀律程序的總結報告的首頁上以手寫方式作出同意報告書內容的批示,並簽名及加註日期。至於上訴人接到的通知(通知書和相關總結報告全文)上沒有手寫簽名,那只不過是行政行為通知的問題。
4. 法律僅要求將行政行為的全文、行為的作出者、作出行為的日期、提出申訴的可能性和期間以及提起司法上訴的可能性通知給利害關係人。並沒有要求將行政行為的原件正本,甚至於行政行為作出者的簽名,都原封不動地展示給利害關係人。
5. 因此,這項上訴理由純屬無稽之談,明顯不能成立。
6. 關於紀律程序時效已過的問題,首先,雖然在作為處罰之依據的紀律程序總結報告中並未分析紀律程序的時效問題,但這個問題其實在前置階段已經解決過了。
7. 在之前的調查程序的總結報告中,具體為卷宗第79頁至第80頁,調查員明確地提出並分析了時效的問題。在其中,調查員指出,一般而言紀律程序的時效期間為3年,但如果相關行為同時構成犯罪,且刑事追訴時效期間超過3年,則適用刑法所定的時效期間。由於相關行為構成詐騙罪,而該罪的刑事追訴時效期間為5年,故此相關紀律責任的追訴時效期間亦為5年。相關事實發生在2019年,尚未過追訴期。
8. 從卷宗第2頁中可以看到,本紀律程序所涉及的相關事實是由廉政公署的助理廉政專員通報給終審法院院長辦公室,當中明確指出,“有關行為涉嫌觸犯《刑法典》第211條規定及處罰之‘詐騙罪’,案件已移送檢察院處理”。
9. 根據經第4/2012號法律重新公佈的第10/2000號法律(《澳門特別行政區廉政公署組織法》)第11條第3款的規定,廉政專員及助理專員在其權限內的刑事訴訟行為方面,具有刑事警察當局地位。可見,廉政公署(及其助理專員)完全有權限作出相關行為是否構成犯罪以及具體是屬於哪項犯罪的判斷,終審法院院長辦公室作為司法行政機關,無權質疑有關定性。而紀律程序的預審員,也不必再對相關犯罪的具體主客觀構成要件進行詳細分析。
10. 故此,預審員在具有刑事警察當局地位的助理廉政專員的(有關行為構成詐騙罪並已移送檢察院展開刑事程序)通報下,作出的紀律責任的追訴時效期尚未屆滿的判斷,並不存在瑕疵。
11. 上訴人既然使用政府資助報請了培訓課程,且就有義務了解培訓中心實際為其填報的課程是否與真實情況相符,而這也正是教青局向其手提電話發出確認報讀資訊的短信(“閣下的報名正待核實,請謹記向機構致電確認......”)的用意所在。但上訴人從未詢問過,而且也漠不關心,正如在他的聲明中所表露出的那樣(“只知報讀後取回身份證便沒有理會其他事宜”),以至於直至案發他都一口咬定自己報的是鋼琴,但實際情況卻是小提琴。而上訴人為此提供的解釋——平時很少留意手機短信——實在不是一個可以令人接受和信服的理由。
12. 另外,上訴人既然使用政府資助報讀了培訓課程,就有義務按照事先訂定的、已向教青局作出申報的時間表去上課,而這也正是教青局採取了一系列的監管措施(上課時間表一經輸入電腦系統便不允許嗣後作出更改、要求學員簽署出席表、要求培訓機構在7日內在電腦系統上申報學員的出席情況)的用意所在。
13. 然而,卷宗內有充分證據(證人證言、教青局和廉政公署提供的課程資料和申報出席情況、上訴人和課程導師的出入境記錄)證明,上訴人沒有按照教青局的要求,在預先設定好的時間內(2019年5月4日至7月20日每逢週六的15:30-17:00),出席其所真正報讀的小提琴課程。
14. 這樣,被上訴實體的舉證義務也就履行完畢了。接下來就輪到上訴人來舉證推翻以上這些指控:具體是在什麼時間、上了什麼課?
15. 要注意,被上訴實體並沒有毫無來由地無端猜測上訴人沒有出席培訓課程,然後強迫上訴人自證其無罪——如果是這樣的話,那確實構成對“無罪推定”原則的違反——正相反,被上訴實體是在卷宗內的資料顯示上訴人有6次出席培訓課程記錄與實際情況不符的基礎上,通過聽取上訴人自己的聲明,再結合培訓中心盧XX的證言,發現所有的出席記錄均不真實,因為培訓中心並沒有嚴格按照課程時間表舉辦課程(根據上訴人自己的聲明,載於行政卷宗第16頁,“聲明人表示..........記憶中課表的時間是不正確的”;根據證人盧XX的聲明,載於行政卷宗第97頁,“教青局系統的日期不能更改.......系統要求一星期內要報出席率,遲了申報會影響培訓中心的評分,所以學生簽名的時間有可能與實際上堂時間不同”,這足以培訓中心因擔心其評分受影響而沒有據實申報出席情況)。
16. 但上訴人卻無法提供任何證據。他的反駁理由——在沒有使用政府資助時需要使用信用卡或現金支付學費——沒有任何實質證據支持,當然不能予以採信。
17. 上訴人根本無法回答以下幾個重要問題,即:
—為什麼他和配偶與自己的母親(B)住在同一屋簷下,甚至母親還曾親自開車送他的兒子去培訓中心上課的情況下,卻不知道他的母親也在同一時間段內(2018年2月至4月、2018年8月至10月),在同一間培訓中心上課(要知道,上訴人的兒子(C)自2015年起就一直在該培訓中心上課);
—無法對嫌疑人的聲明和證人梁XX、盧XX的聲明中的兩處根本性矛盾提供解釋:1)培訓中心的負責人梁XX和負責處理報名事務的職員盧XX說父母陪同子女上課不用交錢,而嫌疑人卻說自己為了陪兒子上課而需(使用政府資助)另外繳納一份學費;2)培訓中心負責處理報名事務的職員盧XX說上訴人與其兒子是分開上課,而上訴人卻說自己與兒子是一起上課;
—無法就嫌疑人的配偶(C)為什麼會在其與嫌疑人的母親(B)及自己的胞弟(D)幾乎是同一時間在培訓中心報名(2018年7月29日10:45、10:47-10:50和10:53-10:55)的情況下,卻沒有與他們在培訓中心見過面的荒謬說法提供解釋。
18. 無須證明上訴人用政府資助抵銷他兒子的學費。只要證明了上訴人申請了相關贊助(4,800.00澳門元)但卻沒去上課,就足以說明他對特區政府造成了相同金額的損失。
19. 最後要強調的是,上訴人所提出的“疑點利益歸被告”原則僅當存有“不可解決的”、“合理”且“可闡明相關理由的疑問”時才適用.......不能僅僅存在“不同”甚至“相互矛盾”的事實版本,還要求面對所提出的證據,在審判者的內心——而不是在上訴人的內心——就構成裁判前提的事實存有一些疑問,而該等疑問如前所述必須是“合理”且“不可解決”的(見終審法院2021年7月2日第97/2021號案、2022年3月11日第12/2022號案和2023年4月14日第29/2023-I號案的合議庭裁判)。
20. 雖然在調查程序的總結報告中,調查員曾經提及“使人對於(A)是否確實有在培訓中心上課產生強烈懷疑”,但那只不過是在調查階段。經進行一系列的補充調查措施(聽取(C)、梁XX、盧XX)的聲明,分析卷宗內的文件資料,預審員對於上訴人沒有上課已不存疑問。故不存在對“疑點利益歸被告”原則的違反。
21. 在此部分,上訴人在第69條中對於Manuel Leal-Henriques的觀點的引用是不切題的,因為作為被上訴批示之依據的紀律程序總結報告:在其第四部分(法律)的第1點(所違反之義務)中,清楚地指出所違反的義務是在法學理論界被稱為正直行為義務的職務外義務(deveres extra-funcionais),而其在第69條中引用的內容所解釋的則是職務上的義務(deveres funcionais)。
22. 無論是中級法院,還是終審法院,均認為公務員可以因其私人生活中的行為被科處紀律處分。
23. 澳門特區中級法院在2003年6月19日第201/2001號案的合議庭裁判中曾明確指出:“Não se exige que a infracção seja cometida no serviço ou em funções, em sentido estrito, bastando que tenha sido cometida, como o foi, em público, ou em local aberto ao público e que objectivamente seja comprometedora da honra, do brio ou do decoro pessoal ou da instituição.”
24. 而澳門特區終審法院亦曾在2010年11月24日第62/2010號案的合議庭裁判中明確指出:“É evidente que factos da vida privada de um funcionário podem ser objecto de sanção disciplinar.”。
25. 至於上訴人在第73條引用Figueiredo Dias和Costa Andrade兩位作者的觀點,以及引用《通則》第314條第1款之規定,認為公務員私人生活中的行為終究還是要體現為對職務上義務的違反,才能成為紀律處分(特別是停職處分)的依據,對此要指出的是,上訴人在私人生活中作出的這個使用政府資助虛假報讀培訓課程的行為,所體現的正是對《通則》第279條第1款所規定的“為公共行政當局之聲譽作出貢獻”的一般性義務的違反。
26. 要知道,公職對於公務員的道德和操守是有潔癖的。所有公共部門職位的公開招考,都要求投考人遞交《無犯罪記錄證明書》;那麼同樣的道理,對於已經進入公職而正在擔任公務員的人員來說,如果在社會上犯了罪,即使與其擔任的職務沒有關係,難道就不應該接受紀律處分麼?
27. 而且上訴人所任職的部門還是終審法院院長辦公室,特區的司法行政部門,對於其職員的道德操守顯然有著比一般行政部門更高的要求。
28. 更何況,我們還要考慮上訴人在刑事程序中涉嫌觸犯的是什麼罪。根據廉政公署的通報,上訴人涉嫌觸犯的是詐騙罪,它與盜竊罪、搶劫罪、勒索罪、濫用信任罪等罪名一樣,在法律學術界被公認為屬於“嚴重損害名譽的犯罪”(crimes gravemente desonrosos),相比於其他犯罪而言,它們更不被公職部門所接受。
29. 上訴人違紀的事實,是特區政府的其他部門(廉政公署)在調查時發現,並轉介終審法院院長辦公室處理,而不是本辦公室自行發現,對外的負面影響已經造成。
30. 另外,正如終審法院在2021年9月29日第122/2021號案的合議庭裁判所指出的,“即使上訴人在執行職務以外作出有關行為,即使上訴人沒有公開事件,也沒有損害檢察院聲譽的故意,其行為對司法機關的形象和聲譽造成的負面影響都是客觀存在,並且不言而喻。事實上,由於案件是公開舉行審判聽證,任何人都可以旁聽(《刑事訴訟法典》第77條第1款及第6款),因此上訴人被判處有罪的消息必定會公之於眾,而在任何一名市民看來,司法機關工作人員犯罪都會嚴重地影響其所屬機關的形象、聲譽、威望及尊嚴”。
31. 處分的選擇也沒有過度。因為,被上訴實體在可科處之處分的幅度範圍(停職241日至1年)內,選擇了中間點(300日),因此無論如何不能說存在過度。
32. 上訴人根據《通則》第334條提出上訴人的辯護權被侵犯的問題。
33. 從已遞交的行政卷宗中可以看到,上訴人(的律師)於2023年5月22日提出查閱及交付卷宗的申請。預審員於同日作出批示,基於上訴人所涉及的刑事程序仍處於司法保密階段,卷宗內含有一些不宜洩露的機密/敏感資料,不批准交付卷宗的申請,但批准其於當日下午14時30分至17時45分,以及次日的辦公時間內,在終審法院院長辦公室的圖書館內查閱行政卷宗。
34. 這裡的機密/敏感資料,指的是廉政公署和教青局提供的上面印有“機密”字樣的公函,其中,廉政公署第0004/DSCC/2023號公函上特別指出,“現時案件仍處於偵查階段,基於司法保密原則,謹請貴辦公室以保密方式妥善處理有關資料”。正是基於這個原因,預審員才不批准上訴人(的律師)將卷宗拿回其律師樓查閱。
35. 然而,不批准交付卷宗,並不必然代表侵害了上訴人的辯護權。
36. 事實上,上訴人的律師不但於2023年5月22日下午14時30分至17時45分,在圖書館查閱了卷宗(見卷宗第149頁的《查閱卷宗記錄》),而且還取得了其認為重要的頁數的證明書(見卷宗第152頁的《證明書》),以至於儘管其已被批准於第二天(23日)繼續查閱卷宗,但他並沒有再次前來。這足以說明上訴人的律師對於卷宗內的資料已經了如指掌、胸有成竹,認為沒有再次查閱的必要。
37. 而且從其所遞交的上訴狀的內容來看,上訴人的律師對卷宗內所載的內容也是如數家珍,不存在任何其被阻止獲悉的資料。
38. 另外,預審員所指定的查閱卷宗的地點,也不是一個會讓上訴人的律師感到陌生的地方:終審法院院長辦公室臨時辦公樓地下的圖書館。上訴人的律師有時會來此處借閱書籍,甚至有幾次還隨身攜帶自己的筆記本電腦,在此處一邊借閱書籍,一邊處理自己的工作。當時,上訴人的律師並未因監視器和負責辦理借閱書籍手續的工作人員的存在而感到任何的不自在,因此不理解為什麼上訴人的律師會說他的權利因監視器和工作人員的存在而受到了限制。
39. 另外,從紀律程序的卷宗中可以看到,不論是查閱及交付卷宗的申請,還是發出證明書的申請,都是由上訴人向預審員提出,理所當然應該由預審員作出決定。如果對於相關決定有異議,可以向被上訴實體提出訴願。不明白上訴人為什麼會提出應由終審法院院長作出相關決定的權限問題。
40. 故此,不能說上訴人的辯護權受到了侵犯。
41. 上訴人根據《通則》第327條第1款g項提出預審員應迴避的問題。
42. 《通則》第327條第3款規定,(要求預審員迴避的)“申請須自獲悉預審員之委任或獲悉作為聲請迴避之依據之事實起48小時內提出,並須提供一切證據方法”。
43. 然而,從已遞交的行政卷宗中可以看到,上訴人在紀律程序中從來沒有提出過預審員須迴避的問題。
44. 正如終審法院在2012年7月25日第8/2012號案的合議庭裁判中所言:“除因沒有聽取嫌疑人之聲明而引致的無效屬不可補正並可在司法上訴中提出來外,紀律程序的原則為所有的程序上的無效,如沒有適時提出來,均視為已獲補正(《澳門公共行政工作人員通則》第298條第1款、第2款及第3款)”。
45. 因此,預審員(因擔任調查程序的調查員而在紀律程序中)須迴避的問題,即使存在,也已經因為上訴人(的律師)沒有適時提出而得到了補正,不能在司法上訴中再提出。故這項理由明顯不成立。
46. 關於減經情節,首先有必要指出的是,減輕情節沒有被列在已查明事實/控訴書中並不構成任何瑕疵,因為這不會造成對嫌疑人任何權利(尤其是辯護權)的侵犯。減輕情節只會使嫌疑人受益,相信沒有人會愚蠢到針對預審員認為對其有利的情節提出反駁。
47. 《通則》第282條所列出的各項減輕情節並不是自動適用,因為根據《通則》第316條第2款的規定,“經衡量在程序中證實之減輕或加重情節之特別價值後,得特別減輕或加重處分,科處比原來可科處於該個案者較低或較高之處分等級”。條文中所使用的“得”(poderá)字清楚地說明了這是立法者賦予紀律懲處機關的一項權能。換言之,任何一項減輕情節的存在都不能必然導致處分的特別減輕。要綜合考慮事實的不法性和行為人的過錯。
48. 另外,說被上訴批示沒有進行減輕處分等級的操作也是完全沒有道理的。從紀律程序的總結報告中可以看到,預審員認為,嫌疑人的行為抽象而言既符合第315條第2款o項規定的“顯示出其失去擔任職務之尊嚴”的情況,又符合第一314條第4款規定的“嚴重損害官職或職位據位人之尊嚴及聲譽”的情況。
49. 這屬於表面競合/法條競合。根據澳門特區終審法院在2014年2月12日第83/2013號案的合議庭裁判中所闡述的觀點,在刑法中,表面競合的處罰規則,是在兩者中選取更能保護被侵犯利益的一項罪狀,也就是刑罰更重的一項罪狀來處罰被告。此觀點同樣適用於紀律程序。由於發生了《通則》第315條第2款o項之規定與《通則》第314條第4款之規定的表面競合,故應擇其重者罰之,即應選擇適用第315條第2款o項,對嫌疑人科處撤職處分。
50. 只不過由於存在一些減輕情節,例如嫌疑人所擔任的職位責任較輕且嫌疑人的文化水平較低,且涉案金額不高(減輕違紀行為之嚴重性),所以才會在一個比“撤職”處分更低的處分等級“停職”中選擇處罰的份量。
51. 故此,被上訴批示適當地考慮了減輕情節。上訴人提出的欠缺考慮減輕情節的理由明顯不能成立。
52. 從卷宗第169頁至195頁所載的、作為被上訴批示之依據的總結報告中可以清楚地看到,當中並未提及停職處分的生效日期。所謂的“回溯適用”,發生在由紀律程序的秘書於2023年6月27月簽署的通知書上。
53. 況且,這也根本不是什麼行政行為的所謂“回溯適用”。而是根據《通則》第277條的規定,將《刑法典》第74條第1款的規定適用到紀律程序中的停職處分上的結果。
54. 眾所周知,在刑事程序中,如嫌犯最終被判刑,那麼他在該訴訟程序中被拘留及羈押的時間,於執行實際徒刑時予以全部扣除(《刑法典》第74條第1款)。
55. “羈押”(prisão preventiva)與“徒刑”(pena de prisão)之間的這種關係,在進行處分行為的通知/執行時,被套用在了“防範性停職”(suspensão preventiva)與“停職”(pena de suspensão)的關係上。即,在通知/執行停職處分時,負責通知/執行的機關根據《通則》第277條(“候補法律”)的規定,參照《刑法典》第74條第1款的規定,對嫌疑人被防範性停職的時間進行了扣除,所以才會在上訴人隨訴狀遞交的文件一《終審法院院長辦公室第160/O/GPTUI/2023號公函,“處分通知”)中出現“自採取防範性停職的措施之日起生效”這樣的表述。
56. 亦即,這是在執行停職處分時,對防範性停職的時間進行扣除。根本不涉及行政行為的“回溯適用”。
57. 而這樣的理解在法學界也是有著理論支持的。根據葡國公職法律專家Paulo Veiga Moura的觀點,防範性停職的時間應計算在紀律程序最終所科處的停職處分的期間之內,他指出:
“Porém, não esclarece esta norma se o tempo de suspensão preventiva é ou não contabilizado para efeitos de cumprimente da pena que eventualmente venha a ser aplicada ao arguido, só se colocando, muito naturalmente, esta questão quando a pena efectivamente aplicada seja a de suspensão.
Não temos quaisquer dúvidas em como o período de suspensão preventiva terá de ser contabilizado para efeitos de cumprimento de pena de suspensão que seja aplicada ao arguido no final do procedimento disciplinar, sob pena de se estar a privar esse mesmo arguido de um direito fundamental - o direito ao efectivo exercício de funções - por um período superior ao legalmente permitido. Na verdade, se por força de lei um trabalhador não pode ser sancionado com a impossibilidade de exercer as suas funções por mais de 240 dias, seguramente que se o tempo de suspensão preventiva não fosse contabilizado para efeitos de cumprimento da pena definitivamente aplicada, estar-se-ia a legitimar que o arguido pudesse ser privado de exercer funções por 330 dias, assim se impondo uma restrição não autorizada por lei ao referido direito fundamental. Por isso, o período de suspensão preventiva terá que ser considerado como tempo de efectivo cumprimento da pena quando está vier a ser decretada, sendo certo que, nessa hipótese, o arguido será privado da remuneração e da antiguidade correspondente ao período da pena aplicada.”(見其著作《Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado》,第二版,第232頁及第233頁)。同樣的觀點亦見於該作者的另一本著作《Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas》,第一版,第603頁及第604頁。
58. 上訴人如果對這個明顯對其更為有利的停職處分期間的計算方式不認同,本應針對這個通知提出異議,從而獲取被上訴實體就這個執行問題的明示及最終決定,因為被上訴實體由始至終從未就停職處分開始計算的日期發表過意見;但不能以通知書中所載的這個停職處分期間的計算方式作為針對處分批示提起司法上訴的依據,因為它根本不是處分批示的組成部分。因此,處分行為回溯適用的上訴理由也不能成立。
59. 最後,防範性停職超出《通則》第331條第1款規定的90日最長期間一天的後果,至多只能是向嫌疑人退回超出最長期限之相關日數的在職薪俸,無論如何不能導致處分行為無效,因為它不是處分行為本身的瑕疵,而是之前的(採取防範性停職措施的)行為在執行上的或有瑕疵。
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 167 a 173, pugnando pelo improvimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
事由:第1/2023號紀律程序-處分通知
(A)先生:
根據現行《澳門公共行政工作人員通則》第339條第1款及第308條第2款的規定,現通知台端根據終審法院院長於2023年6月27日在第1/2023號紀律程序作出的批示,對台端科處300日的停職處分(自採取防範性停職的措施之日,即2023年3月29日起生效)。相關內容已於2023年6月27日通過電話方式作出通知。
有關停職處分之效力,根據上述《通則》第309條的規定,停職期間中止職務聯繫、喪失報酬,以及喪失為年資及退休效力而計算之日數之權利等,但不影響醫療福利、收取家庭津貼及房屋津貼之權利,謹請知悉。
此外,根據上述《通則》第342條,並結合《行政訴訟法典》第25條第2款a)項及《司法組織綱要法》第36條第(八)款(1)項的規定,台端可自接獲本通知翌日起30日內向中級法院提起司法上訴。
順頌
台安
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IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
(A), melhor identificado nos autos, interpôs o presente recurso contencioso do acto praticado pelo Presidente do Tribunal de Última Instância, datado de 27 de Junho de 2023, que, em processo disciplinar, puniu o Recorrente com a pena de suspensão de 300 dias, pedindo a respectiva anulação.
Foi apresentada douta contestação pela Entidade Recorrida, na qual se concluiu no sentido da improcedência do recurso.
2.
(i)
A primeira questão colocada pelo Recorrente, correspondente ao primeiro fundamento do seu recurso, é a de saber se o acto recorrido é nulo por lhe faltar um elemento essencial, no caso, a falta de assinatura do autor do acto.
Salvo o devido respeito, parece-nos que o Recorrente não tem razão.
É certo que, de acordo com o disposto na alínea h), do n.º 1 do artigo 113.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o acto administrativo deve constar a assinatura do seu autor, implicando a respectiva falta a nulidade do acto ou, até, uma situação de verdadeira inexistência (neste último sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 264).
Todavia, no caso em apreço, do simples confronto com o original do acto recorrido, que se encontra a fls. 169 do processo administrativo instrutor apenso, logo resulta que desse acto consta a assinatura manuscrita pelo punho do respectivo Autor, pelo que, a nosso modesto ver, não pode deixar de concluir-se pela manifesta insubsistência do aludido vício que o Recorrente imputou ao acto recorrido.
(ii)
O segundo fundamento do recurso consiste na alegação de que o acto recorrido sofre do vício de violação de lei em virtude de o mesmo ter sido praticado numa altura em que o procedimento disciplinar já se mostrava prescrito.
Cremos que assim não é. Em termos breves, pelo seguinte.
De acordo com o n.º 1 do artigo 289.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), a regra geral em matéria de prescrição é a de que «o procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida». Porém, segundo o disposto no n.º 2 do mesmo artigo 289.º do ETAPM, «se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal».
No caso, segundo o Recorrente, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar é o prazo geral, de 3 anos, e não o prazo de 5 anos previsto no artigo 110.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, uma vez que, segundo diz, para ser aplicado esse prazo mais longo, necessário seria que a autoridade judiciária competente tivesse qualificado os factos praticados pelo Recorrente como factos criminosos, o que, no caso, não ocorreu.
Sem quebra do respeito devido, não nos parece que seja assim. A norma do n.º 2 do artigo 289.º do ETAPM, se bem a interpretamos, aponta no sentido de exigir apenas a integração abstracta da conduta que constitui ilícito disciplinar num qualquer tipo legal de crime, sem que, no entanto, exija, maus do que isso, a instauração concreta de um procedimento criminal, e, menos ainda, claro está, a condenação do agente do ilícito disciplinar pela prática de determinada infracção criminal (veja-se no mesmo sentido, na jurisprudência comparada, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19.02.2021, processo n.º 309/12-0BEAVR, disponível em linha).
Ora, tal como sustenta a Entidade Recorrida, os factos imputados ao Recorrente são susceptíveis, em abstracto, de preencherem a previsão do tipo legal do crime de burla, previsto e punido pelo artigo 211.º, n.º 1, do Código Penal (como sabemos, comete o crime de burla, «quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial»), pelo que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar não era o prazo geral, de 3 anos, mas, antes, o prazo de 5 anos que resulta da conjugação do disposto no n.º 2 do artigo 289.º do ETAPM e no artigo 110.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.
Daí que possamos concluir que, quando o acto punitivo impugnado foi praticado, não estava esgotado o dito prazo prescricional, não ocorrendo, por isso, violação de lei.
(iii)
O terceiro vício que o Recorrente imputa ao acto é do erro notório na apreciação da prova e nos pressupostos de facto e violação do princípio in dubio pro reo.
Também neste ponto, não podemos acompanhar o Recorrente, apesar de aceitarmos dois dos pressupostos em que o mesmo faz assentar o seu argumentário. O primeiro é o de que, os tribunais, com excepção dos casos em que estão legalmente impedidos de o fazer, não só podem, como devem reapreciar o julgamento de facto realizado pela Administração em toda a sua extensão, ou seja, devem reapreciar todos os elementos de prova que foram produzidos nos autos (cfr. neste mesmo sentido, na jurisprudência comparada, o muito recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.2020, processo n.º 0301/14.0BEBRG0147817, disponível para consulta em linha), o segundo é o de que o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção disciplinar recai sobre a Administração, pelo que, em situação de dúvida sobre a realidade dos factos, é contra ela que deve decidir-se.
Isto dito, estamos convencidos, no entanto, de que a prova produzida no processo disciplinar, de natureza documental, mas também, de natureza testemunhal, e na qual se escorou a decisão disciplinar impugnada, permite suportar com a indispensável segurança que aqui se exige (para além de qualquer dúvida razoável) a prova dos elementos objectivos e subjectivos da infracção disciplinar imputada ao Recorrente, nomeadamente, que o Recorrente, apesar de se ter inscrito em cursos de violino ministrados pelo «Centro de Formação Musical de Piano», entre 4 de Maio e 20 de Julho de 2019, nunca compareceu nas respectivas aulas, nos termos exigidos pela Direcção dos Serviços da Educação e Desenvolvimento da Juventude, como condição da atribuição do subsídio para desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo respeitante ao ano de 2019.
Não nos parece, assim, que haja lugar a imputar ao acto recorrido o vício do erro nos pressupostos de facto (como sabemos, o erro nos pressupostos de factos ocorre quando existe uma divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para proferir a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, divergência essa que resulta da circunstância de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade) em virtude de uma errada apreciação da prova ou de violação do in dubio pro reo por parte da Entidade Recorrida.
(iv)
O quarto fundamento invocado no recurso consiste num alegado erro nos pressupostos de direito em virtude de, segundo o Recorrente, os factos por si praticados não integrarem qualquer infracção disciplinar. Segundo diz, o único dever alegadamente violado, o de contribuir para o prestígio da Administração Pública nos termos previstos no n.º 1 do artigo 279.º do ETAPM, está necessariamente ligado ao desempenho das funções de funcionário.
Vejamos.
Decorre da leitura da fundamentação do acto recorrido que os factos praticados pelo Recorrente foram considerados com relevância disciplinar por se ter considerado que os mesmos correspondem a uma violação do dever, a que alude o n.º 1 do artigo 279.º do ETAPM, de os trabalhadores contribuírem para o prestígio da Administração Pública.
Não nos parece, ao invés do que vem sustentado pelo Recorrente, que a violação desse dever funcional apenas adquira relevância disciplinar quando esteja em causa o desempenho de funções, e não já quando, como sucedeu, aliás, no caso, os factos relevantes tenham tido lugar na vida privada do funcionário, fora do exercício de funções, portanto. Ponto é que os factos praticados, ainda que tenham tido lugar num contexto extrafuncional, sejam susceptíveis de impactar negativamente o prestígio e a dignidade da Administração, no caso concreto, do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância. Se tal se verificar, é de concluir que o trabalhador incorre em violação disciplinarmente relevante do identificado dever funcional.
Ora, tendo em conta o tipo de actos praticados pelo Recorrente, parece-nos claro que, estando em causa, como efectivamente está, uma utilização indevida de verbas provenientes do erário público, os mesmos se prejudicam a imagem, o prestígio, a dignidade daquele Gabinete.
Por isso, e para concluir, julgamos que o enquadramento jurídico-disciplinar efectuado pela Entidade Recorrida não é susceptível de qualquer censura, não sofrendo o acto recorrido, pois, do erro que lhe foi imputado pelo Recorrente (veja-se, no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 29.09.2021, proferido no processo n.º 122/2021).
(v)
O quinto fundamento do recurso é o da violação de lei resultante de nulidade insanável no procedimento disciplinar por violação do direito de defesa.
Alegou o Recorrente que, no decurso do processo disciplinar, mais concretamente na fase da defesa, requereu a confiança desse processo, mas que isso lhe foi negado. Além disso, diz também que lhe foi parcialmente negada a passagem de certidão dos autos que oportunamente requereu. Por isso, em seu entender, mercê de ambos os actos de indeferimento, o procedimento ficou a padecer da nulidade insanável a que se reporta o n.º 1 do artigo 298.º do ETAPM, dado que os mesmos consubstanciam violação do seu direito de defesa.
Não nos parece, com todo o respeito, que este fundamento possa proceder. Vejamos porquê.
De acordo com o disposto no artigo 334.º, n.º 1 do ETAPM, «durante o prazo para a apresentação da defesa, e para esse efeito, podem o arguido e o advogado constituído examinar o processo a qualquer hora de expediente, podendo este requerer para o fazer no seu escritório por prazo não superior a 48 horas».
Por outro lado, preceitua-se no n.º 1 do artigo 298.º do ETAPM que, «é insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos preceitos legais infringidos, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade»
No caso, é certo ter sido indeferida pelo instrutor do processo disciplinar a confiança do processo requerida pelo Recorrente. No entanto, foi-lhe facultada, em alternativa, a consulta do processo nas instalações da biblioteca do Tribunal de Última Instância, nos dias 22 e 23 de Maio de 2023, entre as 14.30 e as 17.45 horas, o que, efectivamente, veio a acontecer no dia 22 de Maio de 2023. Deste modo, somos a considerar que de modo algum se pode vislumbrar na recusa de confiança do processo uma nulidade insanável, dado que essa recusa de nenhuma forma comprometeu o exercício do direito de defesa do ora Recorrente, como, aliás, resulta evidenciado a partir da simples leitura da douta petição inicial.
Além disso, o Recorrente também obteve certidão parcial dos autos em termos que, manifestamente, não comprometeram, bem pelo contrário, o exercício do seu direito de defesa, pelo que, também nesse ponto, se não pode falar da existência de qualquer nulidade e muito menos insanável.
(vi)
O Recorrente invoca um sexto fundamento para suportar a sua pretensão impugnatória. Em seu entender, o instrutor estava impedido em virtude de o mesmo ter sido o inquiridor no processo de inquérito que antecedeu o processo disciplinar.
Não cremos que este fundamento possa ser atendido.
Na verdade, independentemente da questão de saber se o aludido impedimento existe ou não, o certo é que o mesmo não foi arguido perante a entidade que mandou instaurar o processo disciplinar no prazo de 48 horas a que alude o n.º 3 do artigo 327.º do ETAPM, pelo que não pode agora ser invocado nesta sede contenciosa. Como sabemos, a falta da prática de um acto dentro de um prazo peremptório, como é aquele, implica a extinção do direito a exercer nesse prazo.
(vii)
O Recorrente imputa ao acto recorrido um sétimo fundamento que consiste na violação de lei por desconsideração de circunstâncias atenuantes na escolha e medida da pena disciplinar.
A este propósito, alega o Recorrente, por um lado, que o acto recorrido não levou em conta a ausência de publicidade da infracção disciplinar e, além disso, que as circunstâncias atenuantes mencionadas no relatório final não serviram para graduar a pena nem para excepcionalmente aplicar pena de escalão mais baixo àquela que ao caso caberia.
Ainda no entender do Recorrente, a pena aplicada é manifestamente desproporcional à gravidade da infracção.
Vejamos.
A questão prende-se com a operação de escolha e concreta determinação da medida da pena disciplinar. Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 316.º do ETAPM, as penas disciplinares graduam-se de acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes que no caso concorram e atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade.
Constitui entendimento pacífico entre nós o de que a escolha da medida disciplinar corresponde ao exercício de um poder discricionário em relação ao qual os poderes sindicantes do tribunal são limitados uma vez que, para além das situações de desvio de poder, de erro nos pressupostos de factos ou de vícios de formais ou procedimentais, no que concerne ao referido exercício, a fiscalização judicial limita-se às situações de erro manifesto ou de total desrazoabilidade, incluindo a violação intolerável dos princípios gerais que regem a actividade administrativa, nomeadamente, do princípio da proporcionalidade.
Ao tribunal não compete dizer se, no caso, aplicaria ou não a pena disciplinar de suspensão pelo período de 300 dias, como o fez a Entidade Recorrida. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é outro, é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários», nomeadamente, por violação intolerável, flagrante, evidente do princípio da proporcionalidade ou outro (também assim, Ac. do TUI de 19.11.2014, processo n.º 112/2014 e Ac. do TUI de 5.12.2018, processo n.º 65/2018).
Nesta como noutras situações, «há que pôr em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto administrativo restritivo ou limitativo e os bens e interesses individuais sacrificados por esse acto, para aferir da proporcionalidade da medida concretamente aplicada. E só no caso de considerar inaceitável e intolerável o sacrifício é que se deve concluir pela violação dos princípios orientadores do exercício de poderes discricionários, tais como da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça» (assim, veja-se o acórdão do Tribunal de Última Instância de 5.12.2018, processo n.º 65/2018).
No caso, a nosso ver, não ocorre qualquer dos fundamentos que implicam a intervenção sindicante do tribunal.
A conduta do Recorrente é abstractamente enquadrável na previsão do n.º 4 do artigo 314.º do ETAPM na qual se prevê uma moldura abstracta da pena de suspensão que se situa entre 241 dias e 1 ano, não se podendo dizer, ao contrário do que alega a Recorrente, que a Entidade Recorrida, em razão da desconsideração de circunstâncias atenuantes, tenha violado o princípio da proporcionalidade e fixado uma pena disciplinar excessiva ou manifestamente desrazoável.
Até podemos conceder que a pena disciplinar aplicada não é leve. Mas a verdade é que, a infracção disciplinar em causa é, ela própria, de uma incontornável gravidade por ter atingido lesivamente valores estruturais do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância, como sejam o seu prestígio e a sua dignidade. Compreende-se bem, pois, que essa actuação lesiva por parte do Recorrente, relevante no plano jurídico-disciplinar, não pudesse deixar de suscitar uma actuação punitiva firme por parte da Entidade Recorrida enquanto órgão de topo na hierarquia daquele Gabinete (na lição de MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Volume II, 10.ª edição, 3.ª reimpressão, Coimbra, 1990, p. 819, acolhida pelo Tribunal de Última Instância no seu acórdão de 7.3.2018, processo n.º 8/2018 «as penas disciplinares, como quaisquer outras, a corrigir e a prevenir: corrigem fazendo sentir ao autor do facto punido a incorrecção do seu procedimento e a necessidade de melhorar a sua conduta; e previnem, pois não só procuram evitar que o agente castigado volte a prevaricar, como servem de exemplo a todos os outros, mostrando-lhes as consequências de má conduta. Desta forma, através da acção imediata sobre os agentes, a aplicação das penas disciplinares tem por fim defender o serviço da indisciplina e melhorar o seu funcionamento e eficiência, mantendo-o fiel aos seus fins»).
Não se pode dizer, deste modo, que a pena escolhida e aplicada pela Entidade Recorrida no caso em apreço, de 300 dias de suspensão, tenha indevidamente desconsiderado quaisquer circunstâncias atenuantes que devesse ter implicado a aplicação de uma pena disciplinar mais leve, ou que seja manifesta ou intoleravelmente violadora do princípio da proporcionalidade ou sofre de qualquer desrazoabilidade.
(viii)
O Recorrente invocou como oitavo fundamento do seu recurso que é o da violação de lei por retroactividade ilícita do acto recorrido.
Salvo o devido respeito, sem razão.
A simples leitura do acto recorrido é suficiente para que, com segurança, se possa concluir no sentido contrário ao alegado pelo Recorrente. A Entidade Recorrida não atribuiu eficácia retroactiva à decisão punitiva. O que sucedeu foi que, no ofício de notificação do acto recorrido, o secretário do processo disciplinar fez uma referência que pode ser interpretada como o Recorrente a interpretou, mas sem que daí resulta, como é evidente, qualquer afectação do acto recorrido, pois que este se não confunde com a sua notificação, a qual, sendo apenas integrativa da sua eficácia, não contende com a respectiva validade.
(ix)
Finalmente, alegou o Recorrente o excesso do prazo da medida de suspensão preventiva que lhe foi aplicada.
Debalde, todavia.
É certo que, de acordo com o disposto no artigo 331.º, n.º 1 do ETAPM, em regra, o prazo de duração máxima da medida de suspensão preventiva é de 90 dias, sem prejuízo da respectiva prorrogação nos termos permitidos pelo n.º 2 desse mesmo artigo.
Contudo, a eventual ultrapassagem do prazo máximo de suspensão preventiva que tenha ocorrido é insusceptível, a nosso modesto ver, de se repercutir, de qualquer modo, sobre a validade de acto recorrido, e é desta, e apenas desta, como sabemos e decorre do disposto no artigo 20.º, do CPAC, que se cuida na presente sede processual.
3.
Face ao exposto, deve ser julgado improcedente o presente recurso contencioso.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pelo Recorrente, e, como tal é de julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I - Verifica-se erro nos pressupostos de facto quando existe uma divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para proferir a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, divergência essa que resulta da circunstância de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, em virtude de uma errada apreciação da prova ou de violação do in dubio pro reo por parte da Entidade Administrativa.
II – O dever de contribuir para o prestígio da Administração, previsto no artigo 279º/1 do ETAPM, é um dever geral cometido aos trabalhadores da função pública, que se traduz na prática de factos pelo arguido (ainda que tenham tido lugar num contexto extrafuncional), que sejam susceptíveis de impactar negativamente o prestígio e a dignidade da Administração. Se tal se verificar, é de concluir que o trabalhador incorre em violação disciplinarmente relevante do identificado dever funcional.
III – Em matéria de processo disciplinar, a escolha da medida sancionatória corresponde ao exercício de um poder discricionário, em relação ao qual os poderes sindicantes do Tribunal são limitados, uma vez que, para além das situações de desvio de poder, de erro nos pressupostos de factos ou de vícios de formais ou procedimentais, no que concerne ao referido exercício, a fiscalização judicial limita-se às situações de erro manifesto ou de total desrazoabilidade, incluindo a violação intolerável dos princípios gerais que regem a actividade administrativa, nomeadamente, do princípio da proporcionalidade.
IV - A conduta do Recorrente é abstractamente enquadrável na previsão do n.º 4 do artigo 314.º do ETAPM, na qual se prevê uma moldura abstracta da pena de suspensão que se situa entre 241 dias e 1 ano, não se podendo dizer, ao contrário do que alega a Recorrente, que a Entidade Recorrida, ao fixar uma pena de suspensão de funções por 300 dias, em razão da desconsideração de circunstâncias atenuantes, tenha violado o princípio da proporcionalidade e fixado uma pena disciplinar excessiva ou manifestamente desrazoável. O que constitui razão bastante para julgar improcedente o recurso que visa atacar a decisão punitiva em causa.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente com taxa de justiça que se fixam em 6 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 25 de Abril de 2024.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(1° Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(2° Juiz-Adjunto)
Fui presente
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador)
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