Processo nº 55/2023
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), A., propôs no Tribunal Judicial de Base acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária contra a “B”, (“乙”), e C (丙), pedindo, a final, a condenação dos ditos (1ª e 2°) RR. no pagamento a seu favor de um total de MOP$1.924.403,34 a título de indemnização pelo “danos patrimoniais” e “não patrimoniais” que alegou ter sofrido em resultado do acidente de viação cuja causa imputou ao aludido 2° R., reservando-se ainda o direito de reclamar dos referidos RR. as “despesas médicas e medicamentosas a partir de 02.03.2021 e posteriores à propositura da acção” a liquidar em sede de execução da sentença; (cfr., fls. 2 a 8 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, por sentença do Mmo Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base julgou-se a acção parcialmente procedente, e, em consequência, decidiu-se condenar a (1ª) R., “B”, a pagar ao dito A a quantia total de MOP$533.700,80 e juros; (cfr., fls. 205 a 212-v).
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Em sede do recurso que do assim decidido interpôs o dito A, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 19.01.2023, (Proc. n.° 796/2022), com o qual se decidiu negar provimento ao recurso, confirmando-se (totalmente) a sentença recorrida; (cfr., fls. 284 a 300-v).
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Ainda inconformado, traz o A. o presente recurso, alegando para concluir nos termos seguintes:
“I. Quanto aos benefícios que deixou de obter por causa da lesão ilícita
1. Nas páginas 22 a 23 do seu Acórdão, o Tribunal de Segunda Instância concordou que o Tribunal a quo fixou a indemnização por danos patrimoniais com base no período da validade do contrato de trabalho. Salvo o devido respeito, o Recorrente não concorda com tal entendimento.
2. Em primeiro lugar, quanto às lesões, é de referir que este acidente de viação causou ao Recorrente fractura de compressão na coluna lombar, fractura no 4.º metacarpo direito, fractura do gancho do punho direito, lesões traumáticas externas no membro inferior esquerdo, lesão na mucosa oral e concussão cerebral, e padece da síndrome de concussão cerebral (com o grau de invalidez de 0,07) e da fractura na coluna lombar e fractura no 4.º metacarpo direito (com o grau de invalidez de 15%) (cfr. artigos 6.º, 9.º e 10.º dos factos provados do Acórdão do Tribunal a quo).
3. Em consequência, o médico sugeriu ao Recorrente que ficasse internado no hospital de 08/12/2018 a 02/02/2019 e lhe atribuiu licença por doença de 03/02/2019 a 07/06/2020 para convalescença (cfr. artigos 7.º e 8.º dos factos provados).
4. A jurisprudência geral entende que os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual incluem: 1) facto, isto é, acto voluntário ou omissivo; 2) ilicitude, isto é, violação do direito de outrem ou da disposição legal destinada a proteger interesses alheios; 3) culpa, incluindo dolo e mera culpa; 4) existência de um dano, ou seja, dano patrimonial ou moral; 5) nexo de causalidade adequada entre o acto ilícito e o dano.
5. E, na determinação da obrigação de indemnização, é adoptada a teoria de nexo de causalidade adequada, segundo a qual, o facto tem de produzir o dano, sendo este efeito adequado daquele facto.
6. No caso em apreço, o acto ilícito do 2.º Réu causou directamente as lesões e as sequelas do Recorrente, provocando directamente que o Recorrente ficou incapacitado para trabalho entre 07/12/2018 e 07/06/2020, pelo que, existe entre si o nexo de causalidade.
7. Assim sendo, durante o período acima referido, a continuação da manutenção da relação laboral e a continuação da percepção do rendimento do Recorrente não devem ser os critérios para determinar a indemnização por danos patrimoniais.
8. Uma vez que segundo as regras de experiência comum, o Recorrente possuía a qualidade de trabalhador não residente de Macau (vulgarmente designado por “cartão azul”), trabalhando para a [Companhia de Construção] como operário de construção civil na [obra] (cfr. artigos 13.º e 14.º dos factos provados), o período em que ele ficou incapacitado para trabalhar implica que o seu patrão perdeu um trabalhador, estando a quota do referido cartão azul ainda ocupada pelo Recorrente.
9. Pelo que, não é difícil compreender que, tendo em conta que o Recorrente teve de suspender o trabalho entre 07/12/2018 e 07/06/2020 (=19 meses) para convalescença, mesmo que se prove que o contrato de trabalho entre o Recorrente e o seu empregador foi rescindido em 30 de Junho, ninguém continua, depois disso, a contratar o Recorrente ou não há novo empregador que aceita o pedido de emprego do Recorrente.
10. Assim sendo, caso o Tribunal fixe a indemnização por perda de salário e de subsídio do Recorrente em consequência do acidente de viação durante o período de convalescença com base na continuação da relação laboral, isto frustra a expectativa razoável que o Recorrente tinha com o nível económico, uma vez que caso o Recorrente não ficasse incapacitado para trabalhar por causa do acidente, poderia esperar que ele pudesse trabalhar continuamente.
11. Ao abrigo do artigo 556.º em conjugação com o artigo 560.º do Código Civil, o princípio adoptado é o de que a indemnização em dinheiro funciona como um meio principal e a reconstituição natural como um meio subsidiário, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Já que a situação do Recorrente não foi causada pela sua própria vontade, a parte que tem culpa fica obrigada a pagar o preço para corrigir o seu acto, isto é, reconstituir a situação do Recorrente que existiria se não tivesse ocorrido o acidente, ou seja, trabalhava saudavelmente para ganhar remuneração.
12. Senão, o salário perdido pelo Recorrente durante todo o período de convalescença em consequência do acidente não pode ser garantido, diminuindo irrazoavelmente a expectativa da qualidade da vida de um adulto que trabalha no exterior para sustentar a família.
13. Pelos acima expostos, solicita ao Tribunal de Última Instância que altere o quantum indemnizatório por salário para MOP$247.000,00 (MOP$13.000,00*19 meses) e o quantum indemnizatório por subsídio de alojamento para MOP$9.500,00 (MOP$500,00 *19 meses).
II. Quanto à perda da capacidade de trabalho
14. Nas páginas 31 a 33 do seu Acórdão, o Tribunal de Segunda Instância referiu que o Tribunal a quo andou bem ao dirimir esta parte do litígio com base no relatório médico de fls. 165 dos autos (cfr. fls. 165 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), pelo que, manteve a decisão do Tribunal a quo.
15. Salvo o devido respeito, o Recorrente não concorda com o referido entendimento.
16. Conforme o artigo 10.º dos factos provados do Acórdão do Tribunal a quo, em 19 de Dezembro de 2020, o médico do [Hospital] diagnosticou o Recorrente, em consequência do presente acidente de viação, sofrer de fractura na coluna lombar, fractura no 4.º metacarpo direito e, em conformidade com as normas legais de acidentes de trabalho, capítulo III, art. 13.º al. a), 3), o seu grau de invalidez foi fixado em 15%.
17. A jurisprudência geral entende que a incapacidade parcial permanente (IPP) que é chamada “dano biológico” pode ser indemnizada autonomamente, não sendo um dano futuro mas sim um dano actual que configura que a capacidade de ganho do Recorrente é irrecuperavelmente reduzida desde a sua alta hospitalar por causa das lesões sofridas em consequência do presente acidente de viação.
18. Isto implica que o presente acidente de viação causa dano da incapacidade parcial permanente ao Recorrente após a alta hospitalar, nomeadamente dano irreversível aos órgãos humanos, podendo afectar o resto da sua vida.
19. Já que o facto acima referido foi dado como provado pelo tribunal, o referido facto deve ser considerado como facto verdadeiro no presente caso, mesmo que o relatório pericial elaborado pelos três peritos de fls. 165 dos autos não referisse que o Recorrente ficou a padecer da I.P.P. na zona lombar e na mão direita e as referidas lesões descritas nos quesitos 8.º e 10.º não fossem dados como provadas, isto não equivale a que a I.P.P. diagnosticada pelo [Hospital] já desapareceu ou se recuperou.
20. É de salientar que o facto do artigo 10.º dos factos provados do Acórdão do Tribunal a quo foi dado como provado com base no relatório médico das lesões do Recorrente, o qual foi elaborado em 19 de Dezembro de 2020 pelo médico do [Hospital] segundo o seu profissionalismo, pelo que, deve ser considerado como “juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” previsto no artigo 149.º do Código de Processo Penal.
21. Por um lado, o Tribunal a quo deu como provado que o médico do [Hospital] diagnosticou o Recorrente, em consequência do presente acidente de viação, sofrer de fractura na coluna lombar e fractura no 4.º metacarpo direito e em conformidade com as normas legais de acidentes de trabalho de Macau, capítulo III, art. 13.º al. a), 3), o seu grau de invalidez foi fixado em 15%, e por outro lado, não condenou os R.R. a pagar indemnização ao Recorrente por tal dano já existente.
22. Assim sendo, no caso em apreço, para além de padecer de uma I.P.P. de 7% provada pelo Tribunal a quo, o Recorrente também fica a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 15% cuja reconstituição natural não é possível. Tendo em conta que tal dano é indemnizado nos termos do artigo 560.º do Código Civil, a indemnização deve ser feita em dinheiro.
23. Pelos acima expostos, o Recorrente deve ter direito a receber uma indemnização de MOP$404.625,00 (= MOP13.000,00/30*6225 dias*15%) por perda da capacidade para o trabalho desde 19 de Dezembro de 2020 (dia em que a ortopedia do [Hospital] fixou o grau de invalidez) até 4 de Janeiro de 2038 (dia em que o Recorrente completará 65 anos de idade para aposentação) (no total 17 anos e 16 dias, ou seja, 6225 dias).
III. No que diz respeito à indemnização por danos não patrimoniais
24. Nas páginas 23 a 31 do seu Acórdão, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que ao apreciar a indemnização fixada pelo Tribunal a quo com apelo à equidade, depois de ponderar os factores constantes dos artigos 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 12.º, 19.º, 20.º e 21.º dos factos provados do acórdão, o Tribunal de Segunda Instância decidiu manter o montante fixado pelo Tribunal a quo.
25. Quanto a esta parte, os fundamentos do Tribunal a quo vide a página 20 do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
26. Salvo o devido respeito, o Recorrente entende ser demasiadamente baixa e não é justa a indemnização por danos não patrimoniais fixada em MOP$250.000,00.
27. Os factos dados como provados do presente caso (cfr. páginas 12 a 15 do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância) revelam que o Recorrente nasceu a 4 de Janeiro de 1973, antes do presente acidente de viação trabalhava na obra para a [Companhia de Construção] como operário de construção civil na [obra], auferia mensalmente MOP$13.000,00 e recebia mensalmente MOP$500,00 a título de subsídio de alojamento.
28. Após o acidente ocorrido em 7 de Dezembro de 2018, o Recorrente sofreu lesões externas em várias partes do corpo, tendo chegado ficar inconsciente e foi transportado para a Urgência do [Hospital] para socorro médico, e mesmo que voltasse a ter consciência no hospital e tivesse sido submetido à sutura de pele e às intervenções cirúrgicas de desbridamento e sutura no membro inferior esquerdo e na mão direita, o Recorrente ainda teve dores intensas.
29. Após diagnóstico, o Recorrente ficou com fractura de compressão na coluna lombar, fractura no 4.º metacarpo direito, fractura do gancho do punho direito, lesões traumáticas externas no membro inferior esquerdo, lesão na mucosa oral e concussão cerebral.
30. Posteriormente, após o internamento hospitalar por 57 dias (entre 7 de Dezembro de 2018 e 2 de Fevereiro de 2019), o Recorrente continuou a receber as consultas externas de ortopedia e de neurologia até 7 de Junho de 2020, não podendo trabalhar.
31. Na fase inicial das lesões, o Recorrente estava impossibilitado de sair da cama por dores intensas na zona lombar, e na maioria do tempo precisou de ficar na cama, recebeu periodicamente cuidados de enfermagem, o que o deixou muito envergonhado e embaraçoso.
32. Além disso, foi provado que o Recorrente teve dores na zona lombar pelo menos durante 6 meses, e após a alta hospitalar até agora, o Recorrente sente tonturas e desconforto frequentes quando anda de elevador ou transporte público.
33. Em 31 de Outubro de 2019, o [Hospital] diagnosticou o Recorrente padecer da síndrome de concussão cerebral, cujo grau de invalidez foi fixado em 7%.
34. Como é sabido, a concussão cerebral é uma lesão cerebral que afecta as funções do cérebro, podendo causar imprevisivel e intermitentemente dores de cabeça e problemas de atenção, memória, equilíbrio e coordenação. É óbvio que isto afectará profundamente a vida e o trabalho do Recorrente no futuro, nomeadamente não poderá continuar a trabalhar no âmbito de construção civil como antes, levando a que após o acidente de viação o nível económico do Recorrente não possa voltar ao anterior.
35. Por outro lado, em 19 de Dezembro de 2020, o médico do [Hospital] diagnosticou o Recorrente, em consequência do presente acidente de viação, sofrer de fractura na coluna lombar e fractura no 4.º metacarpo direito e em conformidade com as normas legais de acidentes de trabalho de Macau, capítulo III, art. 13.º al. a), 3), o seu grau de invalidez foi fixado em 15%.
36. Do acima referido resulta que o Recorrente sofreu lesões em consequência do presente acidente de viação e tem de receber tratamentos médicos até agora, e o médico sugeriu que lhe se atribuísse licença por doença ao Recorrente, bem como o mesmo recebesse tratamentos medicamentosos e se deslocasse a consultas externas de ortopedia e de neurologia, num total de 548 dias. O longo período de tratamento médico causou grandes dores ao Recorrente, afectando directamente a vida e as emoções do Recorrente.
37. Mais ainda, tendo em conta que à data da ocorrência do acidente de viação, o Recorrente tinha apenas 45 anos de idade, não tendo quaisquer limitações físicas, tendo trabalho legítimo e rendimento mensal estável, porém, o acidente causou-lhe deficiências nas suas funções corporais que lhe levaram a um grau de invalidez de 7% e 15%, respectivamente, consequências essas afectam necessariamente a capacidade para o trabalho do Recorrente e a sua vida original.
38. O mais infeliz é que as sequelas resultantes da concussão cerebral do Recorrente afectarão gravemente a sua vida quotidiana, tal como referido no ponto 8 do relatório pericial de fls. 165 dos autos: … a concussão cerebral deixou-lhe sequelas como zumbido persistente, tonturas frequentes quando anda de autocarro ou elevador, e até agora, o acidente de viação já ocorreu há quase 3 anos, crê-se que o tratamento médico mais avançado é difícil aliviar mais as lesões dele
39. A concussão cerebral levará a que o Recorrente seja incapaz de exercer bem qualquer profissão, nomeadamente os sintomas da concussão cerebral são muitos, os leves podem ser dores de cabeça, tonturas, náuseas, vômitos e os graves podem ser perda temporária de memória ou perda de consciência.
40. É difícil para nós imaginar quantos riscos potenciais esses sintomas podem trazer para o resto da vida do Recorrente e é inevitável que tais sintomas levam a que o Recorrente não possa viver sem preocupações como vivia antes do acidente de viação.
41. À data da ocorrência do acidente, o Recorrente tinha apenas 45 anos de idade. Conforme a esperança média de vida dos homens da população de Macau que é de 80,3 anos (segundo os dados constantes das páginas 11 a 12 das Projecções da População de Macau 2016 – 2036 da DSEC), o Recorrente poderia continuar a viver sem quaisquer lesões por 35 anos, isto quer dizer que as lesões sofridas pelo Recorrente acompanham e trazem perturbações para a vida do Recorrente por mais 35 anos.
42. Também pode-se afirmar que depois de ter sofrido lesões em consequência do presente acidente de viação, o Recorrente já não pode passar o resto da sua vida como antes, reduzindo incessantemente a melhor qualidade da vida que tinha no passado, tudo isso é causado pelo presente acidente de viação, pelo que, ao ponderar a indemnização por danos não patrimoniais, deve também ter em conta as condições e a alegria da vida que o Recorrente tinha.
43. Conforme os dados mais recentes publicados pela DSAL de Macau, a mediana de rendimento mensal no sector da construção referente ao ano de 2021 é de MOP$15.000,00 (segundo os dados estatísticos no domínio de trabalho da DSAL de Macau – Mediana de rendimento mensal do emprego por profissão).
44. Porém, o montante fixado pelo Acórdão do Tribunal a quo, de MOP$250.000,00, é apenas 16,67 vezes da aludida mediana de rendimento mensal da população. Por outras palavras, o quantum indemnizatório por danos não patrimoniais fixado pelo Tribunal a quo é apenas 16,67 meses do rendimento de um residente de Macau, ou seja, rendimento inferior a 2 anos, o que não é proporcional às aludidas lesões, dores e perturbações sofridas pelo Recorrente por longo período de tempo.
45. Além disso, merece referir que a inflação constante em Macau nos últimos anos causa directamente a redução do poder de compra do dinheiro, factor esse também deve ser ponderado na fixação da indemnização por danos não patrimoniais.
46. No caso em apreço, as dores corporais, o desgosto moral e as dores emocionais do Recorrente são indubitáveis, e tudo isso afecta profundamente o Recorrente. Uma das finalidades de pagar indemnização por danos não patrimoniais ao Recorrente é a de compensar o Recorrente, deixando o Recorrente esquecer o máximo possível as graves lesões resultantes do presente acidente de viação.
47. Pelo que, o montante da indemnização por danos não patrimoniais fixado pelo Tribunal a quo não é adequado, entendendo o Recorrente que o montante de MOP$250.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais fixado pelo Tribunal a quo não corresponde ao princípio da equidade previsto nos artigos 489.º e 487.º do Código Civil.
48. Tendo em conta a gravidade das lesões sofridas pelo Recorrente, o impacto que lhe é causado para o resto da sua vida e a taxa de inflação que vai enfrentar, solicita ao Tribunal de Última Instância que altere a indemnização por danos não patrimoniais fixada ao Recorrente para um montante não inferior a MOP$1.000.000,00 e só assim é uma indemnização por danos não patrimoniais mais adequada.
Pelos acima expostos, solicita aos MM.ºs Juízes do Tribunal de Última Instância que julguem procedente o presente recurso, revoguem o Acórdão do Tribunal Judicial de Base e em consequência condenem:
- Os dois Recorridos a pagar ao Recorrente um quantum indemnizatório não inferior a MOP$256.500,00 a título de danos patrimoniais por benefícios que deixou de obter por causa da lesão ilícita; e
- Os dois Recorridos a pagar ao Recorrente um quantum indemnizatório não inferior a MOP$654.625,00 (=MOP$250.000,00+MOP$404.625,00) a título de danos patrimoniais por perda da capacidade de trabalho; e
- Os dois Recorridos a pagar ao Recorrente um quantum indemnizatório não inferior a MOP$1.000.000,00 a título de danos não patrimoniais.
(…)”; (cfr., fls. 316 a 324-v e 48 a 80 do Apenso).
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Respondendo, pugnam os RR. pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 344 a 353 e 356 a 366).
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Adequadamente processados os autos, e nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. O Tribunal Judicial de Base considerou provados os seguintes “factos”, (que, em sede do anterior recurso, foram integralmente confirmados pelo Acórdão agora recorrido):
“1. Em 7 de Dezembro de 2018, por volta das 19h51, C (丙) (ou seja, 2.º Réu) conduzia o motociclo de matrícula XX-XX-XX, pela Avenida Panorâmica do Lago Sai Van (no sentido da Rua do Almirante Sérgio para o Ponte Sai Van, havendo duas faixas de rodagem com o mesmo sentido naquela rua) (vide fls. 37 dos autos). (alínea A dos factos provados)
2. O 2.º Réu já pagou uma quantia de MOP1.368,00 a título de despesas médicas do Autor (alínea B dos factos provados).
3. A responsabilidade civil pelos danos provocados pelo motociclo com a matrícula n.º XX-XX-XX, de que é proprietário D (丁), conduzido aquando da ocorrência do acidente dos autos por C (丙), o 2º Réu, se encontrava para si transferida nos precisos termos da apólice n.º XXX/XXX/2018/XXXXXX/XX/XXX, cfr. fls. 94 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. (alínea C dos factos provados)
4. A pedido do Autor, o 2.º Réu emprestou-lhe a quantia de CNY39.000 (trinta e nove mil de Reminbi), equivalente a MOP47.299,20, para ajudá-lo a passar a dificuldade económica temporária. (alínea D dos factos provados)
- Após a audiência de julgamento, dá-se como provados os seguintes factos: (a fundamentação da apreciação dos factos pode consultar fls. 188 a 193 dos autos)
5. O 2º Réu embateu contra A (甲) que atravessava a estrada pela zebra, causando-lhe queda ao pavimento, lesões e ficado inconsciente, o qual precisou de ser transportado de ambulância para o Hospital E para tratamento médico. (resposta ao artigo 2 de factum probandum)
6. O embate e a quada em referência no quesito anterior causaram directamente ao Autor fractura de compressão na coluna lombar, fractura no 4º metacarpo direito, fractura do gancho do punho direito, lesões traumáticas externas no membro inferior esquerdo, lesão na mucosa oral e concussão cerebral. (resposta ao artigo 3 de factum probandum)
7. O Autor ficou internado no [Hospital] entre 07/12/2018 e 02/02/2019, sendo as respectivas despesas médicas de MOP71.368,00. (resposta ao artigo 4 de factum probandum)
8. Em 19/12/2020, após alta hospitalar que teve lugar em 02/02/2019, o médico sugeriu que se atribuísse ao Autor licença por doença durante o período compreendido entre 07/12/2018 e 07/06/2020, bem assim, em 29/12/2020 sugeriu que regressasse às consultas médicas em serviço ambulatório. (resposta ao artigo 5 de factum probandum)
9. No dia 31 de Outubro de 2019, aquando duma consulta do Autor na neurologia do [Hospital], foi-lhe referido que, por virtude de acidente de viação, padece da síndrome de concussão cerebral, cuja grau de invalidez foi fixado em 0.07 (ou seja, 7%). (resposta ao artigo 6 de factum probandum)
10. No dia 19 de Dezembro de 2020, na sequência do presente acidente de viação, o médico do Hospital E diagnosticou o Autor sofrer de fractura na coluna lombar, fractura no 4º metacarpo direito, e, em conformidade com as normas legais de acidentes de trabalho, capítulo III, art. 13.º al. a), 3), o seu grau de invalidez foi fixado em 15%. (resposta ao artigo 7 de factum probandum)
11. Na altura da ocorrência do supracitado acidente de viação, o tempo estava bom, o pavimento encontrava-se seco, tinha iluminação suficiente e a densidade de tráfego era normal. (resposta ao artigo 8 de factum probandum)
12. Após a ocorrência do acidente (isto é, 07/12/2018), o Autor sofreu lesões externas em várias partes do corpo, tendo chegado ficar inconsciente. (resposta ao artigo 9 de factum probandum)
13. Aquando da ocorrência deste acidente de viação, o Autor trabalhava para a “[Companhia de Construção]”, como operário de construção civil, trabalhando na [obra] – e auferia o salário mensal de MOP13.000,00. (resposta ao artigo 10 de factum probandum)
14. A entidade patronal pagava mensalmente ao Autor a quantia de MOP500.00, a título de subsídio de alojamento. (resposta ao artigo 11 de factum probandum)
15. Face ao acidente em causa, o médico sugeriu que se atribuísse ao Autor licença por doença, bem como que o autor se deslocasse a consultas externas de ortopedia e de neurologia, o que impediu o Autor de trabalhar, pelo menos, durante o período de internamento hospitalar de 08/12/2018 a 02/02/2019, nos seis meses posteriores ao acidente e nos dias em que se deslocou a consultas. (resposta ao artigo 12 de factum probandum)
16. Em virtude deste acidente de viação, o Autor perdeu igualmente o subsídio de alojamento, na importância global de, pelo menos, MOP3.000,00 (=MOP500.00*6 meses de internamento hospitalar). (resposta ao artigo 14 de factum probandum)
17. O Autor nasceu a 04 de Janeiro de 1973. (resposta ao artigo 16 de factum probandum)
18. O Autor sofreu dores intensas. (resposta ao artigo 17 de factum probandum)
19. Durante os 57 dias de internamento hospitalar (07/12/2018 a 02/02/2019), o Autor teve dores na zona lombar e recebeu cuidados de enfermagem, situação esta que lhe causou incómodo. (resposta ao artigo 18 de factum probandum)
20. Desde a alta hospitalar até cerca de seis meses após o acidente o Autor continuou a sentir dores na região lombar (lombalgias). (resposta ao artigo 19 de factum probandum)
21. Desde a alta hospitalar até à presente data, o Autor continua a sentir tonturas frequentes quando anda de autocarro ou elevador, o que lhe causa desconforto. (resposta ao artigo 19 de factum probandum)
22. Antes da ocorrência do presente acidente de viação, o Autor gostava de praticar exercício físico. (resposta ao artigo 21 de factum probandum)
23. Imediatamente antes do embate no autor, o 2º réu reduziu a velocidade e travou bruscamente a sua motorizada, não tendo conseguido evitar o embate. (resposta ao artigo 24 de factum probandum)”; (cfr., fls. 207 a 209, 289-v a 291 e 22 a 26 do Apenso).
Do direito
3. Com o presente recurso insurge-se o A. contra a decisão ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou a sentença (então) recorrida do Tribunal Judicial de Base com a qual se concedeu (apenas) parcial provimento à acção que aí propôs, condenando-se a (1ª) R., “B”, a lhe pagar a quantia total de MOP$533.700,80 e juros.
Vejamos, valendo a pena recordar – ainda que abreviadamente – o que nos presentes autos foi processado e decidido.
Pois bem, na sua petição inicial, pediu o A., ora recorrente, a condenação dos 1ª e 2° RR. no pagamento a seu favor de:
(a) - MOP$71.368,00 a título de “despesas médicas e medicamentosas”;
(b) - MOP$237.466,67 a título de “perda salarial” no período compreendido entre 08.12.2018 e 07.06.2020;
(c) - MOP$9.500,00 a título de “subsídio de alojamento” no período compreendido entre 08.12.2018 e 07.06.2020;
(d) - MOP$201.443,67, a título de “perda de emprego” causada por incapacidade de trabalho durante o período compreendido entre 31.10.2019, (data em que foi fixada ao A. a taxa de incapacidade em 7%), e 04.01.2038, (data em o A. iria atingir a idade de 65 anos e aposentar-se);
(e) - MOP$404.625,00, a título de “perda de emprego” causada por incapacidade de trabalho durante o período compreendido entre 19.12.2019, (data em que foi fixada ao A. a taxa de incapacidade em 15%), e 04.01.2038, (ou seja, data em que o A. atingiu a idade de 65 anos e se aposentou); e,
(f) - MOP$1.000.000,00 a título de indemnização por “danos não patrimoniais”, reservando-se ainda o direito de reclamar dos referidos RR. as “despesas médicas e medicamentosas a partir de 02.03.2021 na fase subsequente da acção”, cujo montante será liquidado em execução da sentença; (cfr., fls. 2 a 8).
Após Acórdão a decidir a “matéria de facto dada como provada” (e atrás transcrita), e procedendo à apreciação dos pedidos pelo A., ora recorrente, deduzidos, assim decidiu o Tribunal Judicial de Base:
“(…)
De acordo com os factos provados na presente causa, no momento em que ocorreu o acidente, na passagem para peões em frente da Avenida Panorâmica do Lago Sai Van, o motociclo de matrícula XX-XX-XX colidiu com o pedestre A (ora Autor) que atravessava a passagem para peões.
Relativamente a tal colisão, na contestação, o 2.º Réu indicou que o Autor saiu repentinamente do passeio para a passagem para peões, e em consequência, foi embatido na passagem para peões perto da posição inicial do autor.
Após a audiência de julgamento, o facto alegado pelo 2.º réu não foi dado como provado.
Além disso, conforme o artigo 23 dos factos provados, mesmo que o 2.º Réu travasse rapidamente o motociclo por si conduzido antes da colisão, não impediu a sua ocorrência. Daí pode-se razoavelmente inferir que a velocidade do 2.º Réu não era baixa, caso contrário, deveria conseguir travar o motociclo por si conduzido, de forma a evitar a colisão com o peão na passagem para peões.
Pelo exposto, tendo em consideração todos os factos provados e não provados (para os estes, pode-se consultar as partes não dadas como provadas nos artigos 1, 23 e 24 de factum probandum), basta determinar que o condutor do motociclo de matrícula XX-XX-XX (ou seja, o 2.º Réu) violou o artigo 37.º, n.º 2 da Lei n.º 3/2007 – Lei do Trânsito Rodoviário, ao aproximar-se de uma passagem para peões sinalizada, o mesmo não reduziu a velocidade, nem parou, se necessário, a fim de deixar passar os peões que se encontrem a atravessar a faixa de rodagem, pelo que colidiu com o Autor que se encontrava a atravessar a passagem para peões.
Com base nisso, nos termos do disposto nos art.º 477.º, art.º 556.º e art.º 557.º do Código Civil, devido à conduta voluntária do 2.º Réu que era culpado, violou ilegalmente os direitos patrimonial e não patrimonial do Autor, causou danos à integridade física do Autor, e tem um nexo de causalidade adequado entre a sua conduta e os danos à integridade física do Autor, este tribunal considera que o Autor tem o direito de exigir que o 2.º Réu se responsabilize pela indemnização relevante.
Quanto à procedência ou não de cada pedido de indemnização concreta do Autor, este tribunal irá analisá-lo, um por um.
- Quanto às despesas médicas e medicamentosas no valor total de MOP71.368,00:
Dos artigos 2 e 7 dos factos provados, mostra-se que as quantias foram pagas pelo 2.º Réu, pelo que a perda do Autor nesta parte já foi reparada, e deve ser julgado improcedente o pedido do Autor relativo às despesas médicas e medicamentosas no valor de MOP71.368,00.1
- Relativamente à indemnização requerida pelo Autor, a título de perda do salário e do subsídio de alojamento durante o período compreendido entre 8 de Dezembro de 2018 e 7 de Junho de 2020:
Do artigo 8 dos factos provados mostra-se que o médico sugeriu que atribuísse ao Autor as licenças por doença até 7 de Junho de 2020, mas, tendo em consideração o resultado determinado dos artigos 13, 19 a 21 de factum probandum (especialmente as partes não dadas como provadas) e o conteúdo concreto dos artigos 15 e 16 dos factos provados, os factos relevantes podem apenas ser sustentados que, com base nas lesões causadas pelo acidente em questão ao Autor e na necessidade de reabilitação, o Autor ficou incapacitado para o trabalho por um período de pelo menos 6 meses após o acidente, e em consequência, perdeu os respectivos salários e subsídios de alojamento.
De facto, é pressuposto da responsabilidade civil extracontratual de que a vítima sofreu dano. Quanto à questão em apreço, o facto danoso que o Autor tem que provar é a perda da sua capacidade de trabalho num período determinado, mas, apenas o conselho do médico para que ele se ausentou ao serviço num período determinado, não pode ser constituído um facto danoso.
Conforme os artigos 13 e 14 dos factos provados, o salário mensal e o subsídio de alojamento mensal do Autor são, respectivamente, de MOP13.000 e MOP500, pelo que o Autor tem direito a receber uma quantia de MOP78.000 (MOP13.000 x 6 meses) e uma quantia de MOP3.000 a título de indemnização por subsídio de alojamento.
- Relativamente à indemnização de trabalho requerida pelo Autor, pela perda de capacidade de trabalho devido à taxa de incapacidade de 7% e 15%
Quanto aos danos substanciais à integridade física e capacidade de trabalho do Autor em relação às sequelas permanentes após o acidente, conforme afirmado pelo Tribunal de Última Instância2, “a perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial ou total é indemnizável, ainda que o lesado mantenha o mesmo salário que auferia antes da lesão”.
No acórdão do TUI n.º 39/2018 de 11 de Julho de 2018 refere-se: na fixação da quantia indemnizatória por perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente, o tribunal deve atender ao disposto no n.º 5 do art.º 560.º do Código Civil, bem como recorrer à equidade, nos termos do n.º 6 do art.º 560.º do mesmo Código (quanto à aplicação do critério de equidade, tem em conta as circunstâncias concretas de cada caso, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, aos patrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc..); além disso, deve-se ainda atender a outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais, etc..3
Importa salientar que, o pedido do Autor tem por base o seu salário efectivo à data do acidente, e o valor indemnizatório é calculado conforme as taxas de incapacidades por si alegadas (vide os artigos 9 e 10 dos factos provados e o quesito 10.º de fls. 165 dos autos). Mas, a fórmula de cálculo apresentada pelo Autor é apenas de ser tomada como referência, pela razão de que as remunerações pela quais a vítima foi efectivamente perdida em decorrência das lesões é um tipo de dano diferente da indemnização por dano biológico decorrente do dano físico.
Mais, há que salientar que, conforme os artigos 9 e 10 dos factos provados, o médico do [Hospital] disse ao Autor, respectivamente, em 31 de Outubro de 2019 e em 19 de Dezembro de 2020, que ele sofre a taxa de incapacidade de 7% e 15%, respectivamente, mas, um certo conteúdo referido num certo relatório médico não significa que o conteúdo já referido deva ser verdadeiro. Nestes termos, há que se analisar os factos provados da presente causa, a fim de se concluir a taxa de incapacidade sofrida efectivamente pelo Autor.
Quanto à região lombar e à mão direita do Autor, após a audiência de julgamento (especialmente o resultado determinado dos artigos 19 a 21 de factum probandum), as sequelas do Autor referentes às regiões acima referidas não foram dadas como provadas. Mais, no relatório da perícia que foi feita por ordem de fls. 165 dos presentes autos, os três peritos também não deram como provada a existência da taxa de incapacidade do Autor na região lombar e na mão direita (vide as respostas aos quesitos 8.º e 10.º e, a situação do exame na primeira parte do relatório). Por isso, in casu, não foi dado como provado que o Autor sofre a taxa de incapacidade de 15% devido aos problemas na coluna lombar e na mão direita.
Relativamente à concussão cerebral, tendo em conta o artigo 21 dos factos provados e o conteúdo do relatório da perícia acima referido, in casu, é razoável inferir que o Autor sofre uma taxa de incapacidade de 7% devido aos problemas em questão.
Tendo em conta as circunstâncias concretas em causa, nomeadamente a idade relativamente jovem do Autor na altura do acidente (45 anos de idade, vide o artigo 17 dos factos provados); as situações físicas, salário e trabalho do Autor antes das lesões; a taxa da incapacidade parcial permanente fixada ao Autor (7% referente à concussão cerebral); o eventual impacto da incapacidade acima referida nas suas situações físicas; e, as sequelas concretas do Autor (vide o artigo 21 dos factos provados), este Tribunal considera que é adequado o valor indemnizatório fixado em MOP250.000,00.
- Relativamente à indemnização por dano não patrimonial no valor de MOP1.000.000,00:
Face à indemnização por dano moral requerida pelo Autor, o valor indemnizatório também deve ser equitativamente fixado nos termos do disposto no art.º 560.º, n.º 1 e n.º 6 do Código Civil.
Quanto às circunstâncias concretas em causa, tendo em consideração o período do internamento hospitalar e o período de recuperação do Autor (os artigos 8 e 15 dos factos provados); a coma do Autor após o embate e as dores decorrentes das fracturas (três fracturas: fractura no 4.º metacarpo direito, fractura do punho direito e fractura de compressão na coluna lombar, respectivamente); as dores sofridas durante o internamento hospitalar e após a alta (os artigos 5, 12, 18, 19 e 20 dos factos provados); a inconveniência no internamento hospitalar e o desconforto decorrente das sequelas (os artigos 19 e 21 dos factos provados); e, o acidente de viação em questão causado por negligência do condutor, este Tribunal entende que, nos termos do disposto nos art.º 487.º, art.º 489.º e art.º 560.º, n.º 6 do Código Civil, é adequada a fixação da indemnização por dano não patrimonial ao recorrente em MOP250.000,004.
- O Autor reserva o direito de reclamar dos dois Réus as despesas médicas e medicamentosas a partir de 2 de Março de 2021 na fase subsequente da acção, cujo montante será liquidado em execução da sentença:
Tendo em conta que os factos provados não podem sustentar a existência de despesas resultantes de que o Autor ainda tem de receber os tratamentos médicos e medicamentosos pelas lesões decorrentes do acidente em questão, é improcedente este pedido do Autor.
- Relativamente ao juro requerido pelo Autor:
Relativamente ao valor indemnizatório de MOP1.924.403,34 referido na primeira parte da petição inicial, o Autor pede este valor acrescido de juros, à taxa legal, contados a partir da data de citação até ao seu integral pagamento.
Face a tal, não assiste razão ao Autor.
De facto, relativamente a este pedido do Autor, quer na natureza da indemnização por dano patrimonial quer na da indemnização por dano não patrimonial, o valor concreto de ambos só pode ser fixado por meio de um cálculo não puramente matemático. Portanto, após a liquidação, toda a indemnização fixada que o Autor tem direito a receber aplica-se completamente a uniformização de jurisprudência proferida no acórdão do TUI n.º 69/2010 de 2 de Março de 2011. Nestes termos, o juro de mora da respectiva indemnização é contada a partir da data da prolação da presente sentença.
- Relativamente à dedução do pagamento já efectuado pelo 2.º Réu:
Na contestação, o 2.º Réu indicou que, tinha emprestado ao Autor a quantia de CNY39.000, equivalente a MOP47.299,20.
Na réplica, o Autor não se opôs aos factos alegados pelo 2.º Réu nos artigos 11 a 14 da sua contestação, e pediu uma decisão do tribunal nesta parte.
Do artigo 4 dos factos provados, demonstra-se que, a pedido do Autor, o 2.º Réu emprestou-lhe a quantia de CNY39.000 (trinta e nove mil de Reminbi), equivalente a MOP47.299,20, para ajudá-lo a passar a dificuldade económica temporária.
Assim, deve ser feita uma dedução de MOP47.299,20 ao valor indemnizatório que o Autor tem direito a receber por danos por ele sofridos5.
*
De acordo com os factos provados, a responsabilidade civil causada pelo motociclo de matrícula XX-XX-XX no dia do acidente foi transferida para a Ré (sic.), através do contrato de seguro com a apólice n.º XXX/XXX/2018/XXXXXX/XX/XXX. Conforme a apólice de fls. 94 dos autos, o valor máximo do seguro é de MOP1.500.000,00.
Uma vez que é determinado que, devido ao presente acidente, o Autor tem direito a receber a indemnização de MOP581.000,00 (78.000,00 + 3.000,00 e 250.000,00 + 250.000,00) e, após a realização da dedução de MOP47.299,20 acima referida, a responsabilidade pela indemnização total de MOP533.700,80 deve ser integralmente assumida pela 1.ª Ré”.
Nesta conformidade, e em dispositivo, decidiu-se:
“1. Condenar a 1.ª Ré a pagar ao Autor uma indemnização de MOP533.700,80, acrescida de juros de mora, à taxa de juro de 9,75% ao ano, a contar desde a data da presente sentença;
2. Julgar improcedentes os demais pedidos formulados pelo Autor contra 1.ª Ré e, improcedentes todos os pedidos formulados pelo Autor contra o 2.º Ré, absolvendo os dois Réus dos mesmos.
(…)”; (cfr., fls. 209 a 212).
Conhecendo do recurso que do assim decidido interpôs o dito A., ora recorrente, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância no seu Acórdão agora objecto do presente recurso:
“Ora, como a matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1ª instância não foi impugnada, todas as questões discutidas nesta sede do recurso serão decididas com base no quadro factual considerado assente pelo Tribunal recorrido.
Neste recurso pelo Recorrente/Autor foram levantadas essencialmente as seguintes 3 questões:
1) - Incorrecta fixação da indemnização patrimonial pelo Tribunal recorrido:
Com base nos factos assentes sob os nºs 13º e 14º, o Tribunal considerou que, por causa do acidente de viação, o Autor não podia trabalhar durante 6 meses, com base nisto o Tribunal decidiu que o Recorrente/Autor tem direito a receber uma indemnização patrimonial correspondente a 6 meses de salário, acrescido de MOP$3000.00 a título de subsídio de residência (MOP$13000.00 X 6 +MOP$3000.00 = MOP$81000.00). Discordando desta decisão, dela o Recorrente veio a recorrer com os fundamentos de que o período em que ele ficou incapacitado para trabalhar era mais longo, ou seja, desde 07/12/2018 a 07/06/2020.
O Tribunal recorrido não atendeu este período todo visto que, conforme o contrato de trabalho assinado pelo Recorrente/Autor, na altura vigente, este caducou em 30/06/2019!
Ora a questão em discussão prende-se com a causa de pedir invocada por ele, a indemnização poderia ir além do período da validade do contrato de trabalho que na altura o Recorrente/Autor tinha, com a condição de que ele alegasse e comprovasse que, mesmo que tivesse ocorrido o acidente de viação, tal contrato viria a ser renovado pela entidade patronal, então ele continuaria a ter o mesmo rendimento. Toda a causa de pedir do Autor foi construída com base neste raciocínio. Porém, como ele não alegou esta parte da matéria – continuação da manutenção da relação laboral com a mesma entidade patronal e como tal também a continuação da percepção do rendimento -, não cometeu erro quando o Tribunal fixou a indemnização patrimonial com base no período da relação laboral que subsistia na altura.
Pelo que, na falta de causa de pedir nesta parte da matéria, não poderá ser atendido o pedido nestes termos formulados pelo Autor, o que é razão bastante para julgar improcedente esta parte do recurso por ele interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Passemos a ver a 2ª questão levantada pelo Recorrente.
2) - Incorrecta fixação da indemnização moral pelo Tribunal recorrido:
Com base nos factos assentes sob os nºs 8º, 15º, 5º, 12º, 18º, 19º e 20º, o Tribunal fixou no valor de MOP$250,000.00 a título de indemnização moral a favor do Recorrente/Autor, desta decisão igualmente ele discordou e veio interpor recurso contra a mesma, tendo pedido que o valor não devia ser inferior a um milhão de patacas.
Refere-nos o artigo 477º do CC de Macau (correspondente ao artigo 483º do CC de 1966) que:
(Princípio geral)
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
Entre os danos indemnizáveis estão os danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 489º do CC, correspondente ao artigo 496º do CC de 1966).
Esta disposição insere-se na responsabilidade civil extra-contratual ou aquiliana.
Doutrina e Jurisprudência estão, no entanto, maioritariamente de acordo, de que, que a ressarcibilidade dos danos de natureza não patrimonial, consagrada no artigo 489º do CC (artigo 496º do CC de 1966) a respeito da responsabilidade aquiliana ou extracontratual, tem também a sua aplicação a respeito da responsabilidade civil obrigacional6, lançando mão da analogia, devido à lacuna existente entre os normativos atinentes a esta última responsabilidade, e por força dos mesmos princípios que estão na base da indemnização ou ressarcibilidade pelo dano.
Há que referir, no entanto, que, de acordo com o disposto no artigo 489º/1 do CC de Macau, só os danos de natureza não patrimonial que revistam gravidade merecem a tutela do direito7.
O artigo 489º (Danos não patrimoniais) do CCM dispõe:
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.
Como referem Pires de Lima - Antunes Varela, in C. Civil Anot., I, 2.ª ed., revista e act., 434, «A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada), enunciando como possivelmente relevantes, entre citações jurisprudenciais, «a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação de um indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão de um curso ou duma carreira», e como não justificativas dessa tutela «os simples incómodos ou contrariedades».
A questão que se coloca aqui é de saber se o valor indemnizatório arbitrado pelo Tribunal de primeira instância é adequado ao dano sofrido pelo Autor?
De realçar que a indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstruir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar, de alguma forma o lesado pelos momentos negativos que passou e sancionar a conduta do lesante. O que se trata é de impor ao ofensor uma sanção em benefício do ofendido8.
O nº 3 do artigo 489º do CC de Macau refere que «O montante de indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487º».
Entre «as demais circunstâncias» que o artigo 487º manda atender na fixação da indemnização além da gravidade da lesão, há que atender aos padrões normalmente utilizados pelos Tribunais em casos análogos e a tudo o mais que acompanhe o caso.
A resolução de casos segundo a equidade inscreve-se na orientação que busca uma melhor adequação da decisão judicial às circunstâncias concretas da vida: consiste, essencialmente, numa solução que atende às particularidades dos casos concretos, seja em aplicação de uma norma que manda decidir segundo as circunstâncias do caso particular, seja como processo extra-sistemático de integração de lacunas (sobre estes tópicos, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 113-120, e OLIVEIRA ASCENSÃO, o Direito-Introdução e Teoria Geral, 13ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pp. 243-253 e 442-443).
(…)
No caso sub judice, são os seguintes factores que importa atender:
(...)
5. O 2º Réu embateu contra A (甲) que atravessava a estrada pela zebra, causando-lhe queda ao pavimento, lesões e ficado inconsciente, o qual precisou de ser transportado de ambulância para o [Hospital] para tratamento médico.(對待證事實第2條的回答)
6. O embate e a quada em referência no quesito anterior causaram directamente ao Autor fractura de compressão na coluna lombar, fractura no 4º metacarpo direito, fractura do gancho do punho direito, lesões traumáticas externas no membro inferior esquerdo, lesão na mucosa oral e concussão cerebral. (對待證事實第3條的回答)
(...)
8. Em 19/12/2020, após alta hospitalar que teve lugar em 02/02/2019, o médico sugeriu que se atribuísse ao Autor licença por doença durante o período compreendido entre 07/12/2018 e 07/06/2020, bem assim, em 29/12/2020 sugeriu que regressasse às consultas médicas em serviço ambulatório. (對待證事實第5條的回答)
(...)
10. No dia 19 de Dezembro de 2020, na sequência do presente acidente de viação, o médico do [Hospital] diagnosticou o Autor sofrer de fractura na coluna lombar, fractura no 4º metacarpo direito, e, em conformidade com as normas legais de acidentes de trabalho, capítulo III, art. 13.º al. a), 3), o seu grau de invalidez foi fixado em 15%. (對待證事實第7條的回答)
(...)
12. Após a ocorrência do acidente (isto é, 07/12/2018), o Autor sofreu lesões externas em várias partes do corpo, tendo chegado ficar inconsciente.(對待證事實第9條的回答)
(...)
19. Durante os 57 dias de internamento hospitalar (07/12/2018 a 02/02/2019), o Autor teve dores na zona lombar e recebeu cuidados de enfermagem, situação esta que lhe causou incómodo. (對待證事實第18條的回答)
20. Desde a alta hospitalar até cerca de seis meses após o acidente o Autor continuou a sentir dores na região lombar (lombalgias). (對待證事實第19條的回答)
21. Desde a alta hospitalar até à presente data, o Autor continua a sentir tonturas frequentes quando anda de autocarro ou elevador, o que lhe causa desconforto. (對待證事實第19條的回答)
Globalmente ponderados estes factores, tendo em conta o critério seguido por esta instância de recurso no tratamento de casos semelhantes, entendemos que é justo o valor fixado pelo Tribunal recorrido, ou pelo menos, não nos parece que tal valor é manifestamente inferior ou representa uma flagrante injustiça, pelo que, é de manter tal valor, julgando-se improcedente o recurso nesta parte, confirmando-se a decisão ora recorrida.
*
3) - Incorrecta decisão em matéria de indemnização a título da perda da incapacidade pelo Autor na sequência do acidente de viação em que o Autor foi vítima:
Ora, a decisão do Tribunal recorrido foi tomada com base nas conclusões constantes do relatório médico de fls. 165 que tem o seguinte teor:
“De acordo com os elementos constantes dos autos e as alegações do paciente, o examinado sofreu um acidente de viação no atravessamento da faixa de rodagem no dia 7 de Dezembro de 2018, recebeu os tratamentos médicos no departamento de urgência do [Hospital] e foi internado no mesmo hospital, em seguida, foi submetido às consultas por prescrição nos departamentos de ortopedia e neurocirurgia do mesmo hospital e foram-lhe atribuídas as licenças por doença. Diagnóstico clínico: 1. Fractura de compressão do primeiro segmento das vértebras lombares; 2. Fractura do segmento proximal do quarto metacarpo da mão direita; 3. Fractura do gancho do punho direito; 4. Lesões traumáticas externas no membro inferior esquerdo; 5. Lacerração da mucosa oral; e, 6. Concussão cerebral.
Exame médico clínico de 6 de Dezembro de 2021: está consciente, responde às perguntas ao ponto, e não se encontra anormalidade na aparência da cabeça e do rosto. A força de preensão da mão direita é normal, e o movimento dos dedos e punho da mão direita não é limitado. Não há dor parcial à compressão na região lombar, e as actividades não são limitadas. A marcha é normal, é ligeiramente instável ao realizar a marcha em tandem (tandem gait), e o resultado do teste de Romberg é normal. O examinado queixa-se de zumbido constante após as lesões sofridas e de tontura frequente ao apanhar autocarro e elevador.
Pelo exposto, quanto ao objecto da perícia constante do ponto IV) de fls. 118v. dos autos, o parecer médico é o seguinte:
1. As lesões e os danos do examinado foram causados pelo presente acidente de viação.
2. Sim.
3. As lesões acima referidas causaram ao examinado o zumbido constante e, a tontura frequente ao apanhar autocarro e elevador.
4. Não.
5. Não.
6. Não.
7. Tempo de recuperação: cerca de 6 meses para as lesões na região lombar, cerca de 6 meses para as lesões na mão e cerca de 1 mês para a concussão cerebral.
8. As lesões na região lombar e na mão não deixaram as sequelas ao examinado. A concussão cerebral deixa as sequelas ao examinado, como o zumbido constante e a tontura ao apanhar autocarro e elevador. Desde o acidente até ao presente, há quase três anos, acredita-se que o mais tratamento também seja difícil para reduzir a ofensa ao examinado.
9. Sim.
10. Nos termos do disposto na alínea d) do art.º 78.º do Capítulo V da Tabela de Incapacidade anexa ao D.L. n.º 40/95/M - síndrome pós-comocional, a incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.) é fixada em 0,07.
Nada mais a acrescentar. É confirmado através da assinatura.”
A a convicção formada pelo Tribunal tendo em conta todos os dados disponíveis nos autos. Nesta sede de recurso, não temos dados que demonstrem que as provas foram erradamente apreciadas pelo Tribunal ou existem outros dados que permitam tirar uma conclusão diversa da tirada pelo Tribunal de 1ª instância, o que o Recorrente/Autor veio a fazer neste recurso não passa de manifestar a sua discordância com a argumentação e decisão do Tribunal recorrido.
Na ausência de dados fidedignos para contrariar a decisão recorrida, é de a manter nos seus precisos termos por ser uma decisão correcta e legalmente sustentada.
Improcede assim esta parte do recurso.
(…)”; (cfr., fls. 294-v a 300-v).
A final, e como já se referiu, julgou o Tribunal de Segunda Instância improcedente o recurso que o A. aí interpôs da sentença do Tribunal Judicial de Base, confirmando, totalmente, o decidido.
Voltando agora o A. a impugnar o deliberado pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, que dizer?
Vejamos.
Com o presente recurso, pede o ora recorrente que se condene:
“- Os dois Recorridos a pagar ao Recorrente um quantum indemnizatório não inferior a MOP$256.500,00 a título de danos patrimoniais por benefícios que deixou de obter por causa da lesão ilícita”, pedindo, ainda, que se condene,
- “Os dois Recorridos a pagar ao Recorrente um quantum indemnizatório não inferior a MOP$654.625,00 (=MOP$250.000,00+ MOP$404.625,00) a título de danos patrimoniais por perda da capacidade de trabalho”; e
- “Os dois Recorridos a pagar ao Recorrente um quantum indemnizatório não inferior a MOP$1.000.000,00 a título de danos não patrimoniais”; (cfr., fls. 324-v).
–– Comecemos pelo quantum de “MOP$256.500,00”, que diz respeito ao que o recorrente alega constituir uma indemnização por “perda salarial e de subsídio de alojamento”, pelo período de 07.12.2018 a 07.06.2020.
Pois bem, como se viu, (e se deixou igualmente transcrito), o Tribunal Judicial de Base considerou que o A., ora recorrente, auferia um “salário mensal” de MOP$13.000,00, e que recebia um “subsídio de alojamento” de MOP$500,00 por mês, e, nesta conformidade, arbitrou, respectivamente, o montante de MOP$78.000,00 – MOP$13.000,00X6 – e de MOP3.000,00 – MOP500,00X6 – correspondente ao período de 6 meses contados desde 08.12.2018, (dia seguinte ao acidente), “período de tempo” que se considerou ser aquele em que o ora recorrente esteve “incapacitado para o trabalho” em consequência do acidente, (e que constituía assim a decisão sobre o pedido pelo A. deduzido na sua petição inicial atrás assinalado com a letra “b”; cfr., pág. 16 deste aresto).
Pretende, porém, o ora recorrente, que a “indemnização” em causa abranja o período desde a data do acidente, (07.12.2018), até 07.06.2020.
E, ponderando no decidido, cremos que, aqui, não se pode reconhecer razão ao A. ora recorrente.
Na verdade, (e ainda que a decisão sobre esta questão não seja muito feliz em termos da sua fundamentação), importa, desde já, atentar que, apreciando este segmento decisório do Tribunal Judicial de Base, salientou o Tribunal de Segunda Instância que “O Tribunal recorrido não atendeu este período todo visto que, conforme o contrato de trabalho assinado pelo Recorrente/Autor, na altura vigente, este caducou em 30/06/2019”; (cfr., pág. 25 deste aresto).
Verificando-se que tal data do “términus” do contrato de trabalho do A. – 30.06.2019 – era, efectivamente, a que constava do “documento n.° 9” – “contrato de trabalho” – pelo mesmo junto aos autos com a sua petição inicial, (cfr., fls. 55), e que, em resposta à matéria da “base instrutória” resultou “não provado” que “Após o dia 30/06/2019 o Autor viu-se impedido em renovar o seu contrato de trabalho”, e que “Até ao presente momento o Autor ainda não consegue trabalhar normalmente, razão porque o esforço físico e limitado por não estar ainda recuperado, pelo que é-lhe impossível trabalhar como antes, ou seja, como operário de construção civil ou em trabalhos de natureza semelhante”, (cfr., resposta do Colectivo do T.J.B. aos “quesitos 13° e 15°”, a fls. 189 e 190), impõe-se concluir que acertado se apresenta o que sobre esta “questão” se decidiu.
Com efeito, se a reclamada “indemnização” diz respeito ao que o A., ora recorrente, alega corresponder a “perdas salariais”, (MOP$247.000,00=MOP$13.000,00X19meses), e ao “subsídio de alojamento”, (MOP$9.500,00=MOP$500,00X19meses), que deixou de receber como consequência do acidente, (cfr., concl. 1ª a 13ª), e visto estando que o seu “contrato de trabalho” findou em 30.06.2019, não constituindo o acidente que sofreu “causa” para a sua não renovação, (ou melhor, provado não estando que a não renovação do seu contrato de trabalho foi consequência directa do acidente de que foi vítima), evidente se nos mostra que motivo não existe para qualquer compensação a título de “salários” e ditos “subsídios” para além da referida.
–– Passemos agora para o pedido do pagamento de um quantum não inferior a MOP$654.625,00 a título de “perda de capacidade de trabalho”.
Vejamos.
Relativamente a tal “perda de capacidade para o trabalho” fixou o Tribunal Judicial de Base uma indemnização de MOP$250.000,00, que o Tribunal de Segunda Instância confirmou.
In casu, provado está que o A., ora recorrente, sofre de uma “taxa de incapacidade de 7%”, (não tendo resultado provado a alegada “taxa de 15%”; cfr., “facto n.° 9”, cabendo, também, notar que, tratando-se de “matéria de facto”, imperativa é a observância por parte desta Instância do estatuído no art. 649° do C.P.C.M.).
Assim, constatando-se, igualmente, que o mesmo A. ora recorrente tinha à data do acidente, (07.12.2018), quase 46 anos, (faltava 1 mês), (cfr., facto n.° 17, onde se diz que nasceu em 04.01.1973), que dizer?
Pois bem, como sabido é, (e como sobre tal matéria já considerou este T.U.I.), o “dano” é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.
Pode revestir “a destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea” (dano real) ou ser “reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado” (dano patrimonial); (cfr., v.g., A. Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 598).
Dentro do “dano patrimonial”, cabem e são indemnizáveis, o dano “emergente” – o prejuízo causado nos bens ou nos direitos existentes na titularidade do lesado – e os “lucros cessantes” – os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito e a que ainda não tinha direito na data da lesão.
Nos termos do n.° 2 do art. 558° do C.C.M., na fixação da indemnização, pode o tribunal atender ainda aos “danos futuros”, desde que previsíveis.
Dispõe também o art. 556° do mesmo C.C.M. – onde se consagra o “princípio da restauração natural” – que a indemnização deve reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Não sendo possível essa “reconstituição natural” – como não o é em casos como o dos autos, em que não pode devolver-se ao lesado a “capacidade e integridade física que tinha antes do acidente” – a indemnização deve ser fixada em dinheiro, (art. 560°, n.° 1), e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos, (art. 560°, n.° 5).
Ora, o “dano corporal”, lesivo da saúde, (“dano biológico”), está na origem de outros danos, (“danos – consequência”), designadamente, aqueles que se traduzem na perda, total ou parcial, da “capacidade de trabalho”.
Como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.° 99/12, “O dano biológico consubstancia uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, sendo que, estando em causa a incapacidade para o trabalho, o mesmo existe haja ou não perda efectiva de proventos laborais”, afirmando aí mesmo que: “(…) havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo.
E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização”.
Seja como for, o certo é que o dano por “perda de capacidade” ou “incapacidade”, (e que como se viu, tem a natureza de “dano patrimonial”), é distinto e autónomo do “dano não patrimonial” que se reconduz à dor, desgosto e sofrimento de uma pessoa que se sente fisicamente diminuída para toda a vida; (sobre esta “distinção” e “autonomia”, vd., v.g., os Acs. do S.T.J. de 03.03.2016, Proc. n.° 4931/11; de 07.04.2016, Proc. n.° 237/13; e da Rel. do Porto de 27.09.2016, Proc. n.° 2007/13, e de 11.10.2016, Proc. n.° 805/15, e Sinde Monteiro in, “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, pág. 248).
Tratando de idêntica questão já considerou este Tribunal de Última Instância que: “Na fixação da quantia indemnizatória por perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente, o tribunal deve atender ao disposto no n.º 5 do art.º 560.º do Código Civil, bem como recorrer à equidade, nos termos do n.º 6 do art.º 560.º do mesmo Código.
Deve-se ainda atender a outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais, etc.”; (cfr., o Ac. de 11.07.2018, Proc. n.° 39/2018).
Dito isto, (e sendo-se de se ter como correcto o entendimento que se deixou explanado sobre o dano relativo à “perda de capacidade de ganho”), importa agora ter presente que se tem também entendido que quando o cálculo da indemnização haja assentado (decisivamente) em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto”; (cfr., v.g., os Acs. do S.T.J. de 05.11.2009, Proc. n.° 381, de 10.10.2013, Proc. n.° 643 e de 20.11.2014, Proc. n.° 5572).
Aqui chegados, vejamos.
Ora, em causa está uma “incapacidade de 7%”, por (cerca de) “20 anos”, ou seja, até o ora recorrente atingir os 65 anos de idade, tida como a normalmente considerada como a idade para a reforma.
E, nesta conformidade, ponderadas as “razões” da decisão recorrida e o que se deixaram antes expostas, cremos que mal não está o decidido, pois que não deixa de ter na base o seguinte cálculo: MOP$250.000 ÷ 19anos = MOP$13.157,89 por ano, ou (cerca de) MOP$1.096,49 por mês.
–– Por fim, apreciemos do decidido quanto à “indemnização por danos não patrimoniais”.
Atribuiu o Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância o quantum de MOP$250.000,00, e pede o A. uma indemnização de MOP$1.000.000,00.
Os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa-biológica e mental, física e psíquica, e que, “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito” nos termos do art. 489°, n.° 1 do C.C.M..
Sobre esta matéria teve já este Tribunal de Última Instância oportunidade de se pronunciar, considerando-se, nomeadamente, que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 01.07.2020, Proc. n.° 9/2020, de 18.12.2020, Proc. n.° 187/2020, de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022 e de 22.03.2023, Proc. n.° 52/2019).
Na verdade, e como é sabido, a reparação dos danos não patrimoniais não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma possibilidade compensatória, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais” confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias “situações concretas” e atento o estatuído nos art°s 489° e 487°.
Nesta conformidade, ponderando no que provado está, em especial, nas “lesões” que o A. ora recorrente, sofreu, no “período de internamento hospitalar”, (57 dias; cfr., facto 19°), e no “sofrimento e dores que padeceu”, assim como nos “inconvenientes” e “desgostos que vai continuar a padecer”, (cfr., factos 20° e 21°), especialmente, em virtude da referida incapacidade de 7%, tem-se também por adequado o quantum de MOP$250.000,00 pelo Tribunal Judicial de Base arbitrado e confirmado pelo Tribunal de Segunda Instância, (que não se apresenta longe ou distante dos “valores” que perante situações idênticas ou próximas se tem considerado como justas e equilibradas).
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso, mantendo-se, integralmente, o decidido.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.
Registe e notifique.
Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 01 de Novembro de 2023
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
1 Considerando que, o 2.º Réu na sua contestação (vide o artigo 14) alegou que, uma vez que o tribunal determine o mesmo a cargo da indemnização, o montante da indemnização a seu cargo deve ser desconto das despesas médicas e medicamentosas já pagas ao Autor e do empréstimo já pago ao Autor.
Sendo que o valor total da indemnização finalmente fixado na presente causa não excede o limite do seguro, é apenas a 1.ª Ré responsável pela indemnização, mas, tendo em consideração que o Autor não deve receber repetidamente a indemnização duas vezes pelo mesmo dano (despesas médicas e medicamentosas), pelo que o Autor não tem direito a receber repetidamente a quantia de MOP71.368,00 requerida pelo Autor na presente causa (esta quantia já foi paga pelo 2.º Réu).
Quanto à responsabilidade final pelo pagamento da quantia de MOP71.368,00 que já foi paga pelo 2.º Réu, trata-se de uma questão interna entre os dois réus e não cabe no âmbito do conhecimento da presente causa.
2 Vide o acórdão do TUI n.º 20/2007 de 25 de Abril de 2007.
3 Vide o acórdão do TUI n.º 39/2018 de 11 de Julho de 2018.
4 Face a tal, este Tribunal já tomou como referência a jurisprudência comparável, nomeadamente o valor indemnizatório de MOP150.000,00 fixado no acórdão do TSI n.º 471/2016 de 9 de Março de 2017.
5 A situação é a mesma referida na nota de rodapé 1.
6 Vaz Serra, RLJ, ano 108º, pág. 221; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., págs. 397 e 398; I. Galvão Telles, Obrigações, ed. AAFDL (1966/67), I, 487 e 597. Contra, no entanto: A. Varela, RLJ, 119º - 127. Com algumas limitações: Pinto Monteiro, Cláusulas limitativas, 1985, 84. Nota 164.
7 Dispõe o artigo 496º, n.º 1 do C. Civil que «Na fixação de indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». (sublinhado nosso)
8 I. Galvão Telles, Obrig., 5.ª ed., pág. 354.
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Proc. 55/2023 Pág. 28
Proc. 55/2023 Pág. 27