Processo nº 163/2021
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em sede dos Autos de Recurso Civil e Laboral n.° 1230/2019 proferiu o Tribunal de Segunda Instância o seguinte veredicto:
“I - RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
veio deduzir a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
B, C, D, E e F todos, também, com os demais sinais dos autos,
Pedindo que, seja:
a) Declarada nula a venda aos 1ºs Réus através da procedência da acção de execução específica que correu seus termos no processo nº CV3-14-0089-CAO, por se traduzir na venda de um bem alheio no que diz respeito à metade indivisa que pertence ao cônjuge de 己 (F), sendo cancelado o registo de aquisição do imóvel a favor dos 1ºs Réus, através da inscrição nº XXXXXF com o nº de apresentação 140 de 19/11/2014;
b) Declarada nula a venda efectuada aos 2ºs Réus através da escritura de compra e venda celebrada em 18.04.2018 e, em consequência, ser cancelado o registo de aquisição do imóvel a favor dos 2ºs Réus, através da inscrição nº XXXXXXG com o nº de apresentação 137 de 18/04/2018;
c) Declarada nula a compra e venda, por simulação entre os 1ºs e os 2ºs Réus e, em consequência, ser cancelado o registo de aquisição do imóvel a favor dos 2ºs Réus, através da inscrição nº XXXXXXG com o nº de apresentação 137 de 18/04/2018.
Considerando que, relativamente à pretendida declaração de nulidade da primeira transmissão, falta competência ao tribunal, preteriu-se o litisconsórcio necessário e é evidente que não pode proceder se se considerar tratar-se de uma compra e venda, e porque, relativamente à pretendida declaração de nulidade da segunda transmissão não tem o autor, actualmente, interesse em agir, foi proferido despacho de indeferimento liminar da p.i..
Não se conformando com aquele, veio o Autor interpor recurso daquele despacho, apresentando as seguintes conclusões e pedido:
A. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 144 dos autos, sendo que, embora, em tese, o Autor e ora Recorrente concorde com a fundamentação do despacho recorrido, não pode deixar de interpor o presente recurso tendo em conta que a acção foi proposta a fim de dar cumprimento ao disposto no art. 284.º, n.º 2 do Código Civil.
B. Um dos fundamentos do indeferimento liminar da petição inicial - preterição de litisconsórcio necessário - ficou sem efeito, tendo em conta que, em acto subsequente à prolação do despacho recorrido, o Autor requereu o chamamento de F, o devedor principal e anterior proprietário do imóvel objecto dos autos. Por despacho de fls. 152 dos autos, o Tribunal aceitou que fosse acrescentado o novo Réu à acção, pelo que, perante o teor do referido despacho, ficou sem efeito o argumento do Tribunal no sentido de indeferir liminarmente a acção por preterição de litisconsórcio necessário activo.
C. Tal como resulta dos factos descritos na petição inicial, a realidade que está subjacente aos presentes autos é complexa e tem na sua base duas transmissões sobre o mesmo bem imóvel: a aquisição do imóvel em apreço nos autos a favor dos 1ºs Recorridos no âmbito de uma acção de execução específica; em acto subsequente, o negócio jurídico de compra e venda celebrado em 18.04.2018 entre os 1.ºs e os 2.º Réus, todos ora Recorridos.
D. Tal como resulta da petição inicial, a presente acção foi proposta de forma a assegurar que os 2.ºs Réus não possam vir arguir que são terceiros de boa fé, nos termos do disposto no art. 284.º, n.º 2 do Código Civil.
E. Atentos os interesses em discussão na presente acção, a fim de evitar que os 2ºs Réus e ora Recorridos venham tentar prevalecer-se do regime do terceiro de boa fé, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não devia ter indeferido liminarmente a petição inicial.
F. Pelo exposto, atenta a complexidade dos factos em discussão, entende o Recorrente que, não obstante válidos os fundamentos expostos na decisão recorrida, o Tribunal a quo não deveria ter indeferido liminarmente a petição inicial, nem declarado a falta de interesse do Autor para arguir a simulação do negócio de compra e venda celebrado entre os Réus em 18.04.2018.
G. Desde logo, nos termos do disposto nos arts. 232º e 279.º do Código Civil, o negócio simulado é nulo (não anulável), concretizando o art. 279º que a nulidade pode ser arguida a todo e tempo e por qualquer interessado.
H. Pelas razões expostas, por sentido de prudência a e a fim de salvaguardar o que vem disposto no art. 284.º, n.º 2 do Código Civil, entende o Recorrente que o Tribunal a quo deveria antes ter declarado suspensos os autos, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 223.º, n.º 1 do C.P.C., até ser proferida decisão final sobre o registo da hipoteca a favor do Autor, bem como decisão proferida no âmbito do recurso de revisão já interposto.
Termos em que se requer a V. Exas que seja declarado procedente o presente recurso e, em consequência, seja decretada a suspensão dos autos, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 223.º, n.º 1 do C.P.C., até ser proferida decisão final sobre o registo da hipoteca a favor do Recorrente e / ou decisão proferida no âmbito do recurso de revisão já interposto.
Citados os Réus para os termos da acção e do recurso vieram os 2ºs Réus D e E apresentar contra-alegações, com as seguintes conclusões:
I - Da renúncia - A obtenção pelo Autor, nos termos e para os efeitos do art.s 306.º e 215.º, do CPC, da habilitação entre vivos dos aqui 2.os Réus nos autos CV1-17-0243-CEO-B (vide Doc. 1), pressupõe a aceitação do trânsito em julgado da sentença de execução específica proferida nos autos CV3-14-0089-CAO e da validade do mesmo contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 (Doc. 7 da p.i.) que o Autor ora vem impugnar na presente instância.
II - O suscitamento de tal incidente pelo Autor configura um comportamento inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer da decisão de fls. 144-145 que indeferiu liminarmente o ataque à sentença de execução específica proferida nos autos CV3-14-0089-CAO e a invocação da nulidade do contrato de compra e venda de 18.04.2018 feito na petição inicial.
III - Verifica-se assim uma situação de renúncia tácita nos termos do artigo 586.º, n.º 2 do CPC.
IV - Acresce que o Autor, num momento de maior lucidez, diz claramente no parágrafo A das conclusões do recurso que concorda com a fundamentação do despacho recorrido
V - Então porque dele recorre se concorda com a sua fundamentação?
VI - Nada obsta, pois, a que o recurso seja julgado findo pelo relator do processo no Tribunal ad quem pela impossibilidade do conhecimento do seu objecto, ou que o mesmo seja sumariamente julgado (por manifestamente infundado) nos termos do disposto no art.s 619.º, n.º 1, al. e) e g) ex vi do artigo 594.º, n.º do CPC.
VII - Do Abuso de direito - Sem conceder, ainda que porventura assim não se entendesse, sempre o exercício que o Autor fez do direito de recurso do despacho de fls. 144-145 se mostra manifestamente ilegítimo, configurando um abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, que salvo melhor opinião, não deve ser premiado.
VIII - Daí que sempre seja manifestamente ilegítimo o exercício que o Autor fez do direito de recurso que a lei lhe confere, gerando tal abuso mesmas consequências jurídicas que se produzem quando alguém pratica um acto que não tem direito de praticar.
IX - Do pedido formulado na alínea a) do petitório da petição inicial - o que o Autor pretende com este pedido não é mais (nem menos) do que a revogação da sentença transitada em julgado nos autos CV3-14-0089-CAO à margem do regime legal do recurso extraordinário de revisão previsto no artigo 653.º, alínea f) do CPC!
X - Em suma, neste caso estamos perante uma situação de incompetência do tribunal a quo para anular a sentença de execução específica transitada em julgado nos autos CV3-14-0089-CAO dado o tribunal competente para o efeito ser, por força do disposto no artigo 658.º do CPC, o tribunal que nos autos CV3-14-0089-CAO proferiu a decisão a rever.
XI - Sem conceder, ainda que porventura assim não se entendesse, sempre estaríamos perante uma situação de inidoneidade absoluta da forma de processo utilizada (ou de impropriedade do meio processual) quanto ao pedido formulado na alínea a) do petitório da p.i., que constitui uma excepção dilatória inominada, que determina a nulidade de todo o processado (sem possibilidade de aproveitamento ou convolação) e a consequente a absolvição dos Réus da instância.
XII - Da suspensão da instância - o Recorrente não aponta nenhum vício à decisão que indeferiu liminarmente o pedido formulado na alínea a) do petitório da petição inicial, limitando-se a considerar, no parágrafo H das conclusões do recurso, que o tribunal a quo devia ter antes ter mandado suspender a instância nos termos do disposto no artigo 223.º, n.º 1 do CPC.
XIII - Sucede que não foi o despacho recorrido que praticou a violação processual ora mencionada nas alegações do recurso (vide, neste sentido, Ac. TUI, Proc.º n.º 28/2006, 18/07/2007, in B.O.R.A.E.M. N.º 37, II Série, de 12/09/2007).
XIV - Assim, o que o Autor, ora Recorrente, deveria ter feito era ter arguido a nulidade processual no prazo geral de 10 dias (artigo 103.º, n.º 1 do CPC).
XV - Não o tendo feito, precludiu a possibilidade de conhecimento do hipotético vício neste recurso (cfr. Ac. TUI, proc.º 27/2006, de 6/12/2006)
XVI - Não é, pois, de conhecer, a questão suscitada.
XVII - Dos pedidos formulados nas alíneas b) e c) da p.i. - Tratam-se, no entanto, de pedidos para os quais o Autor não tem interesse em agir.
XVIII - Desde logo, porque o que o Autor realmente pretende defender com a arguição da nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 entre os 1.os e os 2.os Réus é uma hipoteca constituída a seu favor sobre o imóvel cujas transmissões impugna.
XIX - Ora, tais transmissões posteriores à constituição da hipoteca não o prejudicam.
XX - Não tem, pois, o Autor interesse em agir, pois pode executar o imóvel onde quer que (e com quem) ele se encontre, desde que realmente disponha dos direitos de que se arroga sobre os 2.os Réus ora executados nos autos de execução CV1-17-0243-CEO (vide Doc. 1).
XXI - Sendo evidente que meio processual mais célere, económico, próprio e adequado para o Autor defender a sua hipoteca a que se refere a inscrição XXXXXXC é o processo de rectificação judicial previsto no artigo 114.º e ss. do Código do Registo Predial a que se refere o artigo 18.º da p.i. e não a presente acção declarativa de condenação, cujo desfecho de nada lhe aproveita.
XXII - Logo se vê por aqui que a legitimação resultante do direito substantivo não se confunde com o interesse em agir visto que pode ter-se o direito de acção, por se ser o titular da relação material, ou por a lei especialmente permitir a respectiva intervenção processual e, todavia, não existir interesse em agir, porquanto, perante as circunstâncias concretas que rodeiam a situação, não existe qualquer necessidade de recorrer ao Tribunal para fazer valer o direito.
XXIII - Acresce, na esteira do já decidido no Ac. do TUI, Recurso civil n.º 5/2008, de 21/01/2009, não ser o Autor “interessado” na declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018, por não ser sujeito de qualquer relação jurídica afectada, na sua consistência jurídica (v.g. subadquirente) ou prática (credor), pelos efeitos translativos do negócio.
XXIV - Só se fosse subadquirente e/ou credor dos 1.os Réus poderia o Autor ser considerado “interessado” para efeitos do art.º 279.º do Código Civil, mas não é.
XXV - Logo não tendo adquirido nem sendo credor dos transmitentes, não podia, pois, o Autor, ter lançado mão do regime do artigo 284º, n.º 2 do CC para justificar a proposição da presente acção.
XXVI - Assim, perante a constatação pelo Tribunal a quo de que nenhum dos pedidos formulados pelo Autor na sua p.i. poderia ser conhecido ou proceder, impunha-se, como se impôs, o seu indeferimento liminar por força do disposto no art.s 394.º, n.º 1, alíneas, c) e d), última parte, do CPC.
XXVII - Nada obsta, pois, à confirmação da decisão de indeferimento liminar, com o mesmo ou por diverso fundamento.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Alega o Autor na p.i. que o então proprietário da fracção autónoma que identifica, o aqui 3º Réu (F), constituiu a seu favor hipoteca sobre a mesma para garantia do pagamento de um mútuo.
Posteriormente os aqui 1º Réus (B, C) instauraram contra o então proprietário dessa mesma fracção autónoma, acção em que pediam a execução específica de contrato de promessa de compra e venda dessa fracção, acção essa que veio a ser julgada procedente declarando-se em consequência que aquele (o então proprietário e hipotecante) a vendia aos aqui 1ºs Réus os quais foram condenados a expurgar a hipoteca constituída sobre a mesma a favor do Autor.
Entretanto, por razões que não importa aqui descrever foi averbado o cancelamento do registo da hipoteca a favor do Autor.
Após o averbamento do cancelamento do registo da hipoteca a favor do Autor, os 1ºs Réus venderam aos 2ºs Réus (D, E) a fracção autónoma identificada e a que respeitam os autos.
Tomando conhecimento do cancelamento da hipoteca a seu favor, o Autor reagiu, estando neste momento em curso acção judicial com vista a que seja rectificado o registo de cancelamento da hipoteca, fazendo-se novamente inscrever o mesmo (o registo da hipoteca) a favor do Autor.
Invocando a nulidade da compra e venda realizada através da acção declarativa em que foi proferida sentença a decidir pela execução específica do contrato de compra e venda da fracção autónoma a que se reportam os autos e invocando também a nulidade da compra e venda realizada entre os 1ºs e os 2ºs Réus, vem o Autor pedir que se declarem as mesmas nulas.
Independentemente da veracidade da factualidade invocada, que nesta sede não cabe ainda apurar, esta é em síntese a argumentação usada pelo Autor, o qual pretende, com o primeiro pedido (a nulidade da venda por execução especifica) erradicar a venda pelo proprietário-hipotecante aos 1º Réus, e em consequência que seja também declarada nula a venda feita pelos 1ºs Réus aos 2ºs Réus, ou, se assim não for entendido erradicar a venda feita pelos 1ºs Réus aos 2ºs Réus com base na simulação, regressando o bem à esfera jurídica ou do 3º Réu proprietário-hipotecante a favor do Autor, ou dos 1º Réus.
Vejamos então.
1. Quanto à validade da venda feita aos 1º Réus, pedidos a) e b) da p.i.
Conforme resulta da p.i. e das certidões do registo predial juntas aos autos e referentes à fracção autónoma objecto destes, a compra e venda entre o proprietário-hipotecante aqui 3º Réu e os 1ºs Réus foi decidida em acção em que foi pedida e julgada procedente a execução específica de contrato de promessa de compra e venda.
Embora, na acção de execução de execução específica se peça ao tribunal que se substitua ao promitente inadimplente proferindo em substituição deste a declaração de vontade que lhe correspondia, o que ocorre é que essa “declaração de vontade” é proferida através de uma sentença.
Não sendo interposto recurso da sentença e tendo esta transitado em julgado ela tem força obrigatória geral nos termos do artº 574º do CPC, pelo que, não pode agora voltar a ser apreciada ou a decidir-se sobre aquela mesma declaração negocial.
Destarte, porque a questão da compra e venda entre o aqui 3º Réu e os 1ºs Réus foi objecto de decisão judicial na acção em que se pedia a execução específica do contrato de promessa de compra e venda, a qual já transitou em julgado, por força da excepção dilatória do caso julgado – artº 412º, 413º al. j) do CPC - não pode o tribunal voltar a apreciar a mesma1, o que, sendo de conhecimento oficioso – artº 415º do CPC -, poderia justificar o indeferimento liminar por ser manifesto que a pretensão do Autor não poderia proceder – artº 394º nº 1 al. d) do CPC -.
Pelo que nesta parte, embora por razões diversas das invocadas no despacho recorrido, admitimos que, caso outras razões não obstassem ao indeferimento liminar, poderia ter-se decidido nesse sentido.
2. Da nulidade por simulação da venda dos 1ºs aos 2ºs Réus.
Como já se referiu supra na acção que julgou procedente o pedido de execução específica e em consequência a fracção autónoma vendida aos aqui 1º Réus, foram estes condenados a expurgar a hipoteca constituída a favor do Autor.
Quando ocorre a venda entre os 1ºs e 2º Réus havia sido averbado o cancelamento da hipoteca constituída a favor do Autor, e os 2ºs Réus adquiriram a fracção autónoma livre de ónus e encargos.
Na acção que corre termos no TJB sob o nº CV3-19-0011-CRJ está em causa a validade do averbamento em que se declara a caducidade da inscrição feita da hipoteca constituída a favor do agora Autor e Recorrente sobre a fracção autónoma a que se reportam estes autos.
Caso se venha a decidir no sentido de eliminar o averbamento em que se declara o cancelamento, o resultado é que o registo da hipoteca a favor do Autor/Recorrente volta a vigorar.
Admitindo-se que o Autor obtém a procedência dessa sua pretensão nessa outra acção, é do interesse deste invocar a nulidade da venda feita pelos 1ºs Réus aos 2ºs Réus, uma vez que, na decisão em que se julgou procedente a acção de execução específica e a aquisição a favor destes (dos 1º Réus), estes (os 1º Réus) foram condenados a expurgar a hipoteca, enquanto que, aquando da venda feita pelos 1º Réus aos 2º Réus, estes adquiriram o bem sem que a hipoteca se encontrasse registada.
Ora, sem aprofundar a questão uma vez que não é o objecto deste recurso, mas de acordo com as soluções em direito plausíveis, o credor hipotecário (admitindo que o Autor/recorrente venha a obter decisão a seu favor quanto ao registo da hipoteca) com registo da hipoteca a seu favor, previamente à realização da compra e venda cuja nulidade por simulação invoca, tem interesse em que o bem regresse à esfera jurídica do anterior titular do direito o qual estava condenado a expurgar essa mesma hipoteca.
Especialmente se essa venda é feita num momento em que contra a sua vontade e através de um acto ilegal o registo dessa mesma hipoteca tiver sido cancelado.
Assim sendo, não acompanhamos a decisão recorrida na parte em que indefere a acção por entender que o Autor não tem interesse em agir para invocar a simulação da compra e venda entre os 1ºs e 2ºs Réus, tanto mais que, se lhe assistir razão e se o não fizer, estes (os 2ºs Réus) podem ser tidos como adquirentes de boa-fé, com as consequências que daí advierem.
Aqui chegados, impõe-se concluir que a acção sempre poderia prosseguir com vista a apreciar o pedido formulado em c).
Não sendo no caso em apreço admissível o indeferimento liminar parcial quanto aos pedidos formulados em a) e b) uma vez que deles não resulta a exclusão de algum Réu - nº2 do artº 394 do CPC – não podia a p.i. ter sido liminarmente indeferida ainda que parcialmente, havendo que decidir em conformidade.
Sobre esta mesma questão de facto e estando em causa os mesmos sujeitos, embora num contexto jurídico diferente, já nos pronunciámos no Acórdão de 07.01.2021 proferido no processo que correu termos neste tribunal sob o nº 980/2020.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido o qual deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos se outros motivos não houver que obstem a tal.
Custas a cargo da parte que afinal vier a ficar vencida.
Registe e Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 297 a 303 do Apenso que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformados com o assim decidido, vem os (2os) RR. D (丁), e E (戊), recorrer para este Tribunal de Última Instância, alegando para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“I - O recurso da decisão de indeferimento liminar proferida pelo tribunal de 1.º instância a fls. 144 e 145 não devia ter sido conhecido pelo tribunal a quo ou, tendo-o sido, devia tal decisão ter sido confirmada com o mesmo ou por diverso fundamento.
II - Primeiro, porque a obtenção pelo Autor, nos termos e para os efeitos do art.º 306.º e 215.º, do CPC, da habilitação entre vivos dos aqui 2.os Réus nos autos CV1-17-0243-CEO-B por decisão transitada em julgado transitado em 16/05/2019 (fls. 213 a 214v), pressupõe a aceitação por ele da decisão tomada no despacho de fls. 144 a 145, de 30.04.2019.
III - Isto por a decisão de substituição do B / C pelo D / E por habilitação entre vivos requerida pelo ora Autor no Apenso B dos autos CV1-17-0243-CEO pressupor a aceitação pelo Autor da sentença de execução específica transitada em julgado nos autos CV3-14-0089-CAO e da validade do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 (fls. 121 a 122v).
IV - Acresce que à data da apresentação das alegações de recurso para o TSI do A em 1/07/2019 (fls. 168 e ss.), já tinha transitado em julgado em 16/05/2019 (fls. 213 a 214v) a decisão de substituição do B / C pelo D / E por habilitação entre vivos requerida pelo ora Autor no Apenso B dos autos CV1-17-0243-CEO.
V - O incidente de habilitação entre vivos de fls. 213 a 214v suscitado pelo Autor configura assim um comportamento inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer da decisão de fls.144-145 que indeferiu liminarmente o ataque à sentença de execução específica proferida nos autos CV3-14-0089-CAO e a invocação da nulidade do contrato de compra e venda de 18.04.2018 feito na petição inicial.
VI - É que de duas, uma: ou se optava pela substituição do B / C pelo D / E por causa do efeito translativo do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 (fls. 121 a 122v) ou se optava por arguir a nulidade desse contrato, rejeitando-se a sua eficácia.
VII - Uma ou outra, nunca as duas, dado não se poder ter, ao mesmo tempo, sol na eira e chuva no nabal por se tratarem de situações contraditórias, logo mutuamente excludentes.
VIII - Verifica-se assim uma situação de renúncia tácita nos termos do artigo 586.º, n.º 2 do CPC, por não poder recorrer a parte que, expressa ou tacitamente, tenha aceite a decisão depois de proferida, considerando-se aceitação tácita a que deriva da prática de qualquer acto incompatível com a vontade de recorrer.
IX - Tanto assim é que, se a petição inicial não tivesse sido liminarmente indeferida no despacho de fls. 144 a 145, esta substituição do B / C pelo D / E por habilitação entre vivos requerida pelo Autor no Apenso B dos autos CV1-17-0243-CEO faria com que o tribunal de 1.ª instância tivesse de declarar, ao invés, a extinção da lide por inutilidade superveniente (art.º 229.º, alínea e), do C.P.C.).
X - Devia, pois, o recurso do Autor para o TSI ter sido julgado findo pelo relator do processo no Tribunal a quo pela impossibilidade do conhecimento do seu objecto, ou ter o mesmo sido sumariamente julgado (por manifestamente infundado) nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 619.º, n.º 1, al. e) ou g), do C.P.C.
XI - Tal não sucedeu, nem a questão da renúncia tácita recortada nas conclusões I a VI das conclusões das contra-alegações foi resolvida pelo tribunal a quo, pelo que, nesta parte, a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia (art.º 571.º, n.º 1, alínea d), do CPC, ex vi do art.º 652.º do CPC).
XII - Deverá assim mandar-se baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, com as legais consequências.
XIII - Segundo, porque ainda que porventura assim não se entendesse, sempre o exercício que o Autor fez do direito de recurso do despacho de fls. 144-145 se mostra manifestamente ilegítimo, configurando um abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, que salvo melhor opinião, não deveria ter sido premiado.
XIV - Desde logo, porque se o Autor concordava com a fundamentação do despacho recorrido (parágrafo A das conclusões das suas alegações de recurso para o TSI), então porque dele recorreu?
XV - Depois, porque a decisão de substituição do B / C pelo D / E por habilitação entre vivos requerida pelo ora Autor no Apenso B dos autos CV1-17-0243-CEO transitou em julgado em 16/05/2019 (fls. 213 a 214v).
XVI - Sucede que tal decisão de fls. 213 a 214v pressupõe lógica e necessariamente a aceitação pelo Autor da sentença de execução específica transitada em julgado nos autos CV3-14-0089-CAO e, por conseguinte, da validade e eficácia do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 (fls. 121 a 122v), ora impugnadas na presente acção liminarmente indeferida em 1.ª instância.
XVII - Logo, a apresentação das alegações de recurso em 1/07/2019 (fls.168 e ss.), contra o despacho de fls. 144 a 145 após o trânsito em julgado em 16/05/2019 do despacho de fls. 213 a 214v, configura um comportamento contraditório com a habilitação entre vivos dos ora 2.os RR. requerida (e obtida) pelo Autor no Apenso B dos autos CV1-17-0243-CEO.
XVIII - Dai que, face ao disposto no art.º 326.º do Cód. Civil, sempre seja manifestamente ilegítimo o exercício que o Autor fez do direito de recurso que a lei lhe confere, gerando tal abuso as mesmas consequências jurídicas que se produzem quando alguém pratica um acto que não tem direito de praticar.
XIX - Sucede que a questão do abuso de direito sintetizada nas conclusões VI a VIII das conclusões das contra-alegações também não foi enfrentada nem resolvida pelo tribunal a quo, pelo que, nesta parte, a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia (art.º 571.º, n.º 1, alínea d), do CPC, ex vi do art.º 652.º do CPC).
XX - Deverá assim mandar-se baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, com as legais consequências.
XXI - Terceiro, porque o que o Autor pretende com o pedido formulado na alínea a) do petitório da petição inicial não é mais (nem menos) do que a revogação da sentença transitada em julgado nos autos CV3-14-0089-CAO à margem do regime legal do recurso extraordinário de revisão previsto no artigo 653.º, alínea f), ou do recurso de oposição de terceiro previsto no art.º 664.º, ambos do C.P.C.!
XXII - Em suma, neste caso estamos perante uma situação de incompetência do tribunal dos autos CV2-19-0048-CAO para revogar a sentença de execução específica transitada em julgado nos autos CV3-14-0089-CAO, dado o tribunal competente para o efeito ser, por força do disposto no artigo 658.º e no art.º 667.º, n.º 1, do C.P.C., o tribunal que proferiu a decisão a rever.
XXIII - Por outro lado, verifica-se também uma situação de inidoneidade absoluta da forma de processo utilizada (ou de impropriedade do meio processual) quanto ao pedido formulado na alínea a) do petitório da p.i., a qual, só por si, constitui motivo evidente que a pretensão do autor não pode proceder face ao disposto no art.º 394.º, n.º 3, do C.P.C.,
ou por se tratar de uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, que determina a nulidade de todo o processado (sem possibilidade de aproveitamento ou convolação) e a consequente a absolvição dos Réus da instância.
XXIV - Sucede que a questão da incompetência do tribunal dos autos CV2-19- 0048-CAO recortada na conclusão X das contra-alegações não foi enfrentada nem resolvida pelo tribunal a quo, apesar de se tratar de uma excepção dilatória do conhecimento oficioso (art.os 31.º, n.º 1, 230.º, n.º 1, alínea a) e 413.º, alínea a), do C.P.C.), pelo que, nesta parte, a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia (art.º 571.º, n.º 1, alínea d), do CPC, ex vi do art.º 652.º do CPC).
XXV - O mesmo se diga da questão da impropriedade do meio processual recortada nas conclusões XI das contra-alegações, a qual, apesar de se tratar de uma excepção dilatória do conhecimento oficioso, também não foi enfrentada nem resolvida pelo tribunal a quo, pelo que, nesta parte, a decisão recorrida também é nula por omissão de pronúncia (art.º 571.º, n.º 1, alínea d), do CPC, ex vi do art.º 652.º do CPC).
XXVI - Deverá assim mandar-se baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, com as legais consequências.
XXVII - Quarto, porque no que respeita à revogação da decisão de indeferimento liminar do pedido formulado na alínea a) da p.i., acórdão recorrido violou a função positiva do caso julgado material, designada por “autoridade do caso julgado”, por ser impossível voltar a apreciar-se na presente acção os pressupostos do direito à execução específica do contrato-promessa de 23/06/2014 por força da autoridade do caso julgado da sentença proferida nos autos CV3-14-0089-CAO,
XXVIII – a qual não se limitou a reconhecer o direito à execução específica, mas se substituiu, ela própria, à celebração da escritura respeitante ao negócio prometido, fazendo as vezes do negócio definitivo (Cf. “Direitos Reais, por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, segundo as preleções do Prof. Doutor C. A. Mota Pinto, pp. 142-143).
XXIX – Nesta conformidade, devia o Tribunal a quo ter confirmado o despacho de fls. 144 a 145 na parte relativa ao indeferimento liminar do pedido formulado na alínea a) do petitório da p.i., por julgar verificada a excepção de caso julgado, na modalidade de autoridade de caso julgado, como lhe impunha o disposto no art.º 576.º, n.º 1, ex vi do art.º 394.º, n.º 1, alínea d), última parte, do C.P.C., com as legais consequências.
XXX – Quinto, porque o Autor não tem interesse em agir para o pedido formulado na alínea a) do petitório da p.i.
XXXI – Desde logo, porque o que o Autor realmente pretende com o pedido formulado na alínea a) do petitório da p.i. é revogar a sentença de execução específica transitada em julgado em 9.06.2015 nos autos CV3-14-0089-CAO.
XXXII – Sendo evidente que o meio processual próprio e adequado para o Autor defender o seu direito de sequela resultante da inscrição hipotecária XXXXXXC é o processo de rectificação judicial previsto no artigo 114.º e ss. do Código do Registo Predial a que se refere o artigo 18.º da p.i. e não a presente acção declarativa constitutiva uma vez que a sentença proferida nos autos CV3-14-0089-CAO lhe é oponível e o vincula, nos termos e para os efeitos do art.º 576.º do C.P.C., por força da eficácia reflexa do caso julgado.
XXXIII – Isto porque o Autor, ora recorrido, é um “terceiro juridicamente indiferente”, dado que a sentença proferida nos autos CV3-14-0089-CAO não lhe causa nenhum prejuízo jurídico, conforme resulta da jurisprudência dos tribunais superiores da RAEM, máxime do acórdão do TUI, de 10.07.2020, tirado do processo n.º 27/2020, in www.court.gov.mo.
XXXIV – Logo se vê por aqui que a legitimação resultante do direito processual não se confunde com o interesse em agir visto que pode ter-se o direito de acção por a lei especialmente permitir a respectiva intervenção processual e, todavia, não existir interesse em agir, porquanto, perante as circunstâncias concretas que rodeiam a situação, não existe qualquer necessidade de recorrer ao Tribunal para fazer valer o direito.
XXXV – Sexto, porque o Autor não tem legitimidade substantiva nem, por conseguinte, interesse em agir, em relação pedidos formulados nas alíneas b) e c) do petitório da petição inicial da presente acção CV2-19-0048-CAO.
XXXVI – Desde logo porque o interesse em agir afere-se no momento da propositura da acção onde se manifesta a pretensão (art.º 211.º, n.º 1, do CPC).
XXXVII – Ora, à data da proposição da presente acção não se verificava (como não se verifica) o facto (futuro e incerto), ou seja, a procedência da acção de rectificação judicial CV3-19-0011-CRJ, no qual o tribunal a quo fundou a sua decisão de que o Autor tem interesse actual em que o bem regresse à esfera jurídica do anterior titular do direito o qual estava condenado a expurgar essa mesma hipoteca e que, por conseguinte, tem interesse actual em agir para invocar a simulação da compra e venda entre os 1.ºs e 2.ºs Réus.
XXXVIII – Isto porque as acções não podem ser usadas para reconhecer o que não existe – já que elas requerem a efectividade do direito que se pretende fazer valer e acautelar e não um qualquer direito eventual ou interesse hipotético.
XXXIX – Sendo meridiano que a tutela judicial não pode servir para acautelar um direito futuro e incerto do Autor emergente da hipotética procedência da acção da acção de rectificação judicial CV3-19-0011-CRJ.
XL – Neste sentido MANUEL DE ANDRADE in “Noções Elementares de Processo Civil”, pp. 78/82, segundo o qual o interesse em agir consubstancia-se na necessidade de tutela judicial decorrente “da necessidade em obter a protecção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação.”
XLI – Ora, não sendo o direito resultante da eventual procedência da acção da acção de rectificação judicial CV3-19-0011-CRJ um direito efectivo do Autor, não há lesão actual desse direito à data da proposição da presente acção em 12.04.2019 (fls. 2), logo não podia a mesma prosseguir, como não prosseguiu.
XLII – Isto porque as acções não podem ser usadas para reconhecer o que não existe – já que elas requerem a efectividade do direito que se pretende fazer valer e acautelar e não um qualquer direito eventual ou interesse hipotético.
XLIII – Depois, porque o que o Autor realmente pretende defender com a arguição da nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 entre os 1.os e os 2.os Réus (fls. 121 a 122V) é o direito de “sequela” ou de “seguimento” resultante da hipoteca constituída a seu favor sobre o imóvel cujas transmissões impugna.
XLIV – Ora, nenhuma transmissão do imóvel posterior à constituição da hipoteca prejudica o direito de sequela do credor hipotecário.
XLV – Não tem, pois, o Autor interesse em agir, já que a proceder a acção de rectificação judicial CV3-19-0011-CRJ, poderá executar o imóvel onde quer (e com quem quer) que ele se encontre, na qualidade de credor hipotecário do F.
XLVI – Acresce que na esteira do já decidido no Ac. do TUI, Recurso civil n.º 5/2008, de 21/01/2009, o Autor não é “interessado” na declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018, por não ser sujeito de qualquer relação jurídica afectada, na sua consistência jurídica (v. g. subadquirente) ou prática (credor), pelos efeitos translativos do negócio.
XLVII – Só se fosse subadquirente (art.º 284.º, n.º 2, do Cód. Civil) e/ou credor dos 1.os Réus (art.º 600.º, n.º 1, do Cód. Civil) poderia o Autor ser considerado “interessado” para efeitos do art.º 279.º do Código Civil, mas não é.
XLVIII – Com efeito, face ao disposto nos art.os 284.º, n.º 2 e 600.º, n.º 1, do Cód. Civil, o Autor não tem legitimidade substantiva para invocar a nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 entre os 1.os e os 2.os Réus, uma vez que deles não é subadquirente nem credor.
XLIX – Logo não tendo adquirido (nem sendo credor) dos transmitentes, não podia o Autor ter lançado mão do regime do artigo 284º, n.º 2 do Cód. Civil para justificar a proposição da presente acção.
L – Por outro lado, enquanto o Autor, por força da procedência de um recurso extraordinário ad hoc, não conseguir revogar a sentença de execução específica transitada em julgado em 9.06.2015 nos autos CV3-14-0089-CAO, de nada lhe serve a nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018, pois, quando muito, veria o imóvel regressar à esfera jurídica dos primeiros réus e não à esfera jurídica do devedor F, pelo que nenhum benefício teria o Autor com a declaração de nulidade, o que lhe retira o actual interesse em agir.
LI – O Autor não é, pois, “interessado” no negócio nos termos e para os efeitos dos art.os 284.º, n.º 2 e 600.º, n.º 1, do Cód. Civil, mas apenas um “terceiro indiferente” ao contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 entre os 1.os e os 2.os Réus, pelo que não tem legitimidade para arguir a sua nulidade nos termos do art.º 279.º do CC.
LII – Sétimo, porque não procede o entendimento sufragado no acórdão recorrido de que: «Aqui chegados, impõe-se concluir que a acção sempre poderia prosseguir com vista a apreciar o pedido formulado em c). Não sendo no caso em apreço admissível o indeferimento liminar parcial quanto aos pedidos formulados em a) e b) uma vez que deles não resulta a exclusão de algum Réu – nº 2 do artº 394 do CPC – não podia a p.i. ter sido liminarmente indeferida ainda que parcialmente, havendo que decidir em conformidade. Sobre esta mesma questão de facto e estando em causa os mesmos sujeitos, embora num contexto jurídico diferente, já nos pronunciámos no Acórdão de 07.01.2021 proferido no processo que correu termos neste tribunal sob o nº 980/2020.»
LIII – Desde logo, por o disposto no art.º 394.º, n.º 2, do C.P.C. consentir o indeferimento liminar parcial da petição, mesmo sem excluir da causa qualquer réu (Neste sentido, na esteira de Castro Mendes, cf. Viriato Lima, “Manual de Direito Processual Civil”, Macau, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2005, p. 240-241.
LIV – Depois, por o caso julgado formal do acórdão do TSI de 07.01.2021 (recurso nº 980/2020) quanto à questão da suspensão da instância executiva na pendência dos autos CV3-19-0011-CRJ não relevar para a presente à presente acção por só ter valor intraprocessual, ou seja, só ser vinculativo no próprio processo CV1-17-0243-CEO em que a decisão foi proferida (cfr. art.º 575.º, do C.P.C.).
LV – Assim, perante a constatação de que nenhum dos pedidos formulados pelo Autor na sua p.i. poderia ser conhecido ou proceder, impunha-se, como se impôs em 1.ª instância, o seu indeferimento liminar por força do disposto no art.º 394.º, n.º 1, alíneas, c) e d), última parte, do C.P.C.
LVI – Impõe-se, pois, à revogação do acórdão recorrido e, por conseguinte, à confirmação da decisão de indeferimento liminar tomada pelo tribunal de 1.ª instância, com o mesmo ou por diverso fundamento.
LVII – Caso assim não se entenda por se julgar(em) procedente(s) a(s) nulidade(s) do acórdão, deverá mandar-se baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão amuada, com as legais consequências”; (cfr., fls. 316 a 340-v).
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Respondendo, diz o A. A (甲), o que segue:
“1. A petição inicial deve ser liminarmente indeferida quando ocorra uma das situações previstas nas várias alíneas do n.° 1 do art. 394.° do CPC, não sendo admissível o indeferimento liminar parcial da petição, a não ser que dele resulte a exclusão de algum dos réus - art. 394.°, n.° 2, do CPC.
2. Desde logo, uma parte dos fundamentos aduzidos pelo Tribunal Judicial de Base para o indeferimento liminar da petição, nomeadamente no que respeitava à questão do litisconsórcio necessário, foi sanada pelo chamamento do 3.° Réu, F.
3. Depois, e ao contrário do que os recorrentes pretendem fazer crer, não houve uma decisão do Tribunal Judicial de Base sobre o mérito da causa. Daí que não venha ao caso discutir grande parte da argumentação dos recorrentes, porque o que esteve em causa no recurso para o Tribunal de Segunda Instância, e que foi por este Tribunal apreciado e julgado, foi se o indeferimento liminar - que em parte, especialmente na questão que tem que ver com o interesse processual, se baseou numa análise, pelo Tribunal Judicial de Base, ainda apenas perfunctória da situação sub judice - estava legalmente bem sustentado na previsão das normas constantes do art. 394.° do CPC ou não. E a douta conclusão do Tribunal de Segunda Instância foi que, por um lado, há uma forte probabilidade de o Autor - ora recorrido - ter interesse em agir para invocar a simulação da compra e venda entre 1.°s e 2.°s Réus, o que só o prosseguimento da acção permitirá concluir; e, por outro lado, o n.° 2 do art. 394.° do CPC não permite o indeferimento liminar parcial da petição, porque não resultaria do mesmo a exclusão de algum dos réus. Pelo que, esteve bem o Tribunal de Segunda Instância em revogar o despacho de indeferimento liminar proferido pelo Tribunal Judicial de Base e a substitui-lo por outro a ordenar o prosseguimento dos autos.
4. Não cabe, também, discutir o argumento dos recorrentes – que chega a ser ridículo - de que o recorrido teria tacitamente renunciado ao recurso. O processo n.° CV1-17-0243-CAO é uma acção de execução para pagamento de quantia certa - garantida por hipoteca -, proposta pelo autor contra os 1.°s e 3.° Réus. Na pendência da acção, por uma situação que se entende ilegal - e que por isso é objecto de apreciação em dois outros processos, o CV3-19-0011-CRJ e o CV1-19-0024-CRJ -, foi considerada caducada a hipoteca sobre o imóvel a favor do Autor. Aproveitando essa situação ilegal - criada por um requerimento dos 1.°s Réus junto da Conservatória do Registo Predial -, no espaço de cerca de um mês os 1.os Réus venderam aos 2.°s Réus o imóvel. Para poder continuar a execução sobre o bem onerado pela hipoteca - cuja ilegalidade do cancelamento se discute nas supra-referidas acções -, foi então pedida a habilitação dos 2.°s Réus nos autos com o n.° CV1-17-0243-CAO. Este pedido de habilitação não significa, obviamente, que o Autor, ora recorrido, reconhece o que quer que seja relativamente à propriedade dos 2.°s Réus sobre o imóvel. Só de má-fé se pode argumentar como fazem os 2.°s Réus.
5. Aliás, os 2.°s Réus, ora recorrentes, convenientemente "esqueceram-se" de informar Vossas Excelências que apresentaram embargos de executado no processo n.° CV1-17-0243-CAO (que corre termos sob o Apenso C) e que o Tribunal Judicial de Base julgou, por sentença de 14 de Janeiro de 2021, só parcialmente procedentes os embargos, numa questão que tinha que ver com os limites dos juros vencidos e vincendos peticionados. No mais, indeferiu os embargos apresentados pelos 2.°s Réus. Contudo, o Tribunal Judicial de Base veio posteriormente, por despacho de 4 de Fevereiro de 2021, a suspender a instância para aguardar a decisão nos processos CV3-19-0011-CRJ e o CV1-19-0024-CRJ - ou seja, a decisão sobre a validade da hipoteca”; (cfr., fls. 348 a 351).
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Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 21.12.2023, foram-nos os presentes autos redistribuídos, nos mesmos passando a intervir como relator.
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Apresentando-se os autos adequadamente processados, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.
A tanto se passa.
Fundamentação
2. Insurgem-se os (2os) RR. D e E contra o decidido no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que atrás se fez referência, e que, como se viu, revogou a decisão pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base proferida que indeferiu liminarmente a petição inicial pelo A., A, aí apresentada.
Ponderando nas “razões” da referida decisão do Tribunal Judicial de Base e da decisão do Tribunal de Segunda Instância objecto do presente recurso, cremos que motivos não existem para se reconhecer qualquer razão aos ditos (2os) RR., ora recorrentes, muito não se nos afigurando necessário aqui consignar para se demonstrar este nosso ponto de vista.
Antes de mais, cabe salientar que o que o A., ora recorrido, pretende “defender” com a acção que no Tribunal Judicial de Base propôs – e cuja petição inicial foi liminarmente indeferida – é uma “hipoteca” a seu favor constituída sobre o imóvel cujas transmissões com a mesma acção impugna e pretende ver declaradas “nulas” – cfr., os pedidos deduzidos nas alíneas a), b) e c), identificados no início do Acórdão ora recorrido – valendo aqui a pena recordar serem duas as ditas “transmissões”: a primeira, para os 1os RR., (B e C), ocorrida através da procedência e sentença proferida na acção de execução específica que no Tribunal Judicial de Base correu termos em sede do processo n.° CV3-14-0089-CAO, e, a segunda, por estes 1os RR., aos ora recorrentes, (2os RR.), efectuada por escritura de compra e venda celebrada em 18.04.2018.
E, nesta conformidade, (e pelo que ainda que de forma abreviada se passará a expor), cremos ser a decisão ora recorrida a que se apresenta como a mais adequada para a situação.
Vejamos.
Como já ensinavam M. Domingos de Andrade e A. dos Reis, o despacho de indeferimento liminar visa realizar o princípio da economia processual; (in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 177; “C.P.C. Anot.”, Vol. II, pág. 372, e, no mesmo sentido, A. Varela in, “Manual de Processo Civil”, pág. 258).
Com efeito, se o malogro da pretensão se apresenta de tal forma fatal e inevitável, há pois que admitir que o prosseguimento do processo com a sua instrução e discussão constitui um desperdício manifesto da actividade judicial…
Parafraseando A. dos Reis, dir-se-ia que o caso típico de indeferimento liminar em causa, (por improcedência manifesta), é aquele em que uma simples inspecção da petição inicial habilita desde logo o Magistrado a emitir, com segurança e consciência, um juízo no sentido de que não ao autor não assiste o direito de que se arroga; (cfr. v.g., ob. cit., pág. 385).
Contudo, e como igualmente o diz o referido Prof. A. do Reis – constitui este um “poder jurisdicional a exercer em casos extremos”, (ob. e loc. cit.), não sendo (nomeadamente) de se proferir tal decisão de “indeferimento liminar” quando a questão em causa tenha, (ou possa ter), “soluções controvertidas” (na doutrina e na jurisprudência); (neste exacto sentido, cfr., v.g., os Acs. do S.T.J. de 05.03.1987 in B.M.0J. 365°-562; de 22.10.92, Proc. n.° 083031; de 19.01.93, Proc. n.° 082399; de 02.02.93, Proc. n.° 083048; de 26.01.94, Proc. n.° 084853 e de 03.12.98, Proc. n.° 98B788; da Rel. de Lisboa de 28.09.95, Proc. n.° 0000592 e de 26.03.2003, Proc. n.° 0001184; e da Rel. do Porto de 17.05.94, Proc. n.° 9430085 e de 19.10.2000, Proc. n.° 0031111, in “www.dgsi.pt”, podendo-se também ver o Ac. do T.S.I. de 03.02.2005, Proc. n.° 10/2005, do ora relator).
In casu, atenta a “matéria” pelas partes alegada (e que se julga que importa previamente apurar), e não se perdendo de vista as “questões” que, pelo A., ora recorrido, foram colocadas ao Tribunal Judicial de Base, adequada não nos parece a decisão de indeferimento liminar aí proferida.
Desde já, importa atentar que, (como os presentes autos demonstram), foi interposto “recurso extraordinário de revisão” da sentença que decretou a execução específica do contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma em questão aos 1os RR., encontrando-se, o mesmo, pendente, sendo igualmente de se ter presente que a nos autos referenciada “acção judicial” com vista à rectificação do registo de cancelamento da hipoteca pelo Tribunal de Segunda Instância no seu Acórdão ora recorrido (então) considerada “em curso”, encontra-se, agora, finda, com decisão favorável ao A., ora recorrido; (cfr., fls. 375 a 400-v).
E, em face de tal “circunstancialismo”, claro se nos apresenta – ainda que outros motivos não houvessem – que adequado não é, (pelo menos, por ora), considerar-se a “acção” pelo A. proposta como “totalmente infundada”, pois que em face do que, eventualmente, (ainda) pode vir a suceder (em termos fácticos), várias soluções plausíveis de direito se afiguram aplicáveis.
Não se olvida também o que alegam os 2os RR., ora recorrentes, em defesa da manutenção da decisão de indeferimento liminar pelo Tribunal Judicial de Base proferida e agora revogada com o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
Porém, (e como nos parece que sem esforço se alcança), a resolução das “questões” pelos mesmos suscitadas não deve prescindir uma prévia ponderação sobre a solução que se venha a adoptar no aludido “recurso de revisão”, afigurando-se-nos também que, para uma decisão rigorosa e conscienciosa de direito se deve igualmente reflectir sobre a matéria de facto “assente” e para a mesma relevante, o que, não sendo o caso, (e não se mostrando assim tão “evidente” a total falta de razão do A.), impõe a decisão que segue.
Decisão
3. Em face de tudo o que se deixou exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.
Registe e notifique.
Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 08 de Fevereiro de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
1 Sem prejuízo das situações previstas para os recursos extraordinários.
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Proc. 163/2021 Pág. 25