打印全文
Processo nº 9/2024(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

I. Aos 08.02.2024, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Penal a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. A, (2°) arguido, natural de Vietnam, onde nasceu a 10.07.2000, e com os restantes sinais dos autos, veio recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância datado de 16.11.2023, (Proc. n.° 742/2023), que confirmou o Acórdão do Tribunal Judicial de Base que o condenou como co-autor material da prática em concurso real de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 e 14°, n°s 2 e 3 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, e 1 crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 4 meses de prisão, fixando-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 5 anos e 8 meses de prisão, imputando à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “errada aplicação de direito”, pugnando pela alteração da qualificação jurídico-penal efectuada e pela sua condenação como autor de 1 crime de “produção e tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11° da dita Lei; (cfr., fls. 391 a 401 e 411 a 420-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Em Resposta, foi o Ministério Público de opinião que se devia negar provimento ao recurso; (cfr., fls. 423 a 426-v).

*

Oportunamente, nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer considerando também que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 434).

*

Conclusos os autos ao ora relator para exame preliminar, e atento o teor da decisão recorrida assim como as “questões” pelo recorrente colocadas, entendeu-se que “manifestamente improcedente” era o recurso, devendo, assim, ser objecto de rejeição por “decisão sumária”; (cfr., art. 410°, n.° 1, e art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.).

Na verdade, e como em Acórdão deste Tribunal de Última Instância já se teve oportunidade de considerar:

“A possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência”, destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso”; (cfr., v.g., entre outros, e mais recentemente, o Ac. de 26.01.2024, Proc. n.° 98/2023-I).

*

Nesta conformidade, e nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como “provados” os factos como tal elencados no seu Acórdão e que foram integralmente confirmados pelo Acórdão ora recorrido do Tribunal de Segunda Instância, e que, mais adiante, se fará adequada referência; (cfr., fls. 296 a 298-v e 395-v a 397-v).

Do direito

3. Insurge-se o (2°) arguido A contra o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância que, como se deixou relatado, negando provimento ao recurso que tinha interposto do Acórdão do Tribunal Judicial de Base, confirmou – na parte que agora interessa – a sua condenação como co-autor material da prática em concurso real de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 e 14°, n°s 2 e 3 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; (e de 1 outro crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, na pena de 4 meses de prisão, segmento decisório que agora não constitui objecto do presente recurso, fixando-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 5 anos e 8 meses de prisão).

Afirma que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “errada aplicação de direito”, pugnando pela alteração da qualificação jurídico-penal efectuada e pela sua condenação como autor de 1 crime de “produção e tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11° da dita Lei.

Ora, como se deixou adiantado, manifesta é a improcedência do presente recurso, cabendo notar que as “questões” pelo ora recorrente trazidas à apreciação deste Tribunal de Última Instância já tinham sido colocadas perante o Tribunal de Segunda Instância, onde foram, no Acórdão agora recorrido, adequada e correctamente solucionadas, nenhuma censura nos merecendo, apresentando-se-nos, aliás, de aqui adoptar e dar como reproduzido o que aí se expôs para efeitos da decisão que adiante se irá proferir sobre o presente recurso.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

–– Quanto ao alegado “erro notório”.

Pois bem, repetidamente tem este Tribunal entendido que “O vício de “erro notório na apreciação da prova” constitui um vício típico – próprio – da “decisão sobre a matéria de facto”, e apenas existe quando se violam as “regras sobre o valor da prova vinculada”, as “regras de experiência” ou as “legis artis”, devendo ser um “erro ostensivo” e de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
Assim, visto estando que o “erro notório na apreciação da prova” nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que o Tribunal devia ter dado relevância a determinado meio de prova – sem “especial valor probatório” – para formar a sua convicção (e assim dar como assente determinados factos), visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da “livre apreciação da prova” e de “livre convicção” do Tribunal”; (cfr., v.g., e para citar os mais recentes, os Ac. deste T.U.I. de 11.03.2022, Procs. n°s 8/2022 e 12/2022, de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022, de 21.09.2022, Proc. n.° 78/2022, de 13.01.2023, Proc. n.° 108/2022, de 03.03.2023, Proc. n.° 97/2022, de 29.09.2023, Procs. n°s 71/2023 e 81/2023, de 01.11.2023, Proc. n.° 82/2023).

No caso dos autos, ponderada a “fundamentação” pelo Tribunal Judicial de Base exposta quanto à sua “convicção” sobre a matéria de facto que declarou provada, (cfr., fls. 298-v a 299-v), constata-se que a mesma se apresenta clara, lógica e em perfeita harmonia com os elementos probatórios existentes e produzidos, assim como com as normais “regras de experiência”, e, assim, evidente é que, como já o afirmou o Tribunal de Segunda Instância, nenhum motivo existe para se considerar verificado o imputado “vício”, que, nos termos em que vem alegado, tão só constitui uma afronta ao “princípio da livre apreciação da prova” consagrado no art. 114° do C.P.P.M..

Com efeito, bate-se o arguido ora recorrente pela alteração de determinados pontos da decisão da matéria de facto, afirmando, nomeadamente, que “não consumia «Ecstasy»”, que “não sabia da sua existência”, e que “tudo o resto aconteceu sem saber como”, (…).

Ora, como é evidente, não se lhe pode reconhecer qualquer razão.

Os presentes autos contêm, “registos” da actividade de “tráfico de estupefacientes” levada a cabo pelo ora recorrente – em co-autoria com o 1° arguido – sendo de notar que o próprio “auto de notícia” refere que o ora recorrente foi surpreendido, em flagrante, a consumir “ICE”, não se podendo também olvidar, para além do demais, que os “exames laboratoriais” feitos ao apreendido e à urina do ora recorrente, (assim como ao outro arguido), são (claramente) explícitos quanto à “natureza” dos produtos estupefacientes apreendidos e consumidos, e, desta forma, totalmente confirmativos das “razões” que levaram o Tribunal Judicial de Base a decidir no sentido em que decidiu em sede da “matéria de facto” que considerou “provada”.

–– Nesta conformidade, e nenhum vício existindo na “decisão da matéria de facto”, passemos, então, para a “qualificação jurídico-penal”.

Ora, como se viu, em causa está a prática pelo ora recorrente, como co-autor material, do crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na redacção resultante da Lei n.° 10/2016.

No caso dos autos, para além do “estupefaciente” que foi apreendido – 0,627 gramas de “Metanfetamina” e 0,821 gramas de “MDMA”; cfr., pontos 10° e 11° da “matéria de facto” – igualmente provado está que ambos os arguidos consumiram, e traficaram, por diversas vezes, diversas quantidades de estupefaciente; (cfr., “matéria de facto” referenciada com o n.° 2 a 5).

Em sede de apreciação de idênticos recursos e questões, teve já esta Instância oportunidade de considerar que no crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” deve ser contabilizada toda a droga pelo(s) arguido(s) traficada em determinado período de tempo, adequado não se mostrando uma “visão das coisas” que apenas pondere a quantidade (efectivamente) apreendida; (cfr., v.g., cfr., v.g., Helena Moniz in, “Crime de Trato Sucessivo”, Revista Julgar, 2018, podendo-se, também ver os Acs. deste T.U.I. de 23.07.2021, Proc. n.° 67/2021, de 24.09.2021, Proc. n.° 66/2021, de 21.09.2022, Proc. n.° 78/2022 e, mais recentemente, a Decisão Sumária de 21.06.2023, Proc. n.° 60/2023).

E, nesta conformidade, em face da quantidade e natureza do “estupefaciente” que foi apreendido, e do número de “actos de tráfico” – num total de 5 – pelo ora recorrente e restante arguido em co-autoria praticados nos presentes autos, cremos nós que nenhuma censura merece o “enquadramento jurídico-penal” efectuado pelo (Tribunal Judicial de Base e confirmado pelo) Tribunal de Segunda Instância, vista estando também assim a atrás referida necessidade de rejeição do presente recurso, dado que a pena aplicada ao crime em questão situa-se, (tão só), a 6 meses do seu mínimo legal, evidente sendo que nenhuma margem para qualquer redução existe, (o mesmo sucedendo com a pena única decretada).

Dest’arte, imperativa é a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$3.500,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 436 a 441 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, veio o recorrente reclamar do decidido, insistindo no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 448 a 450-v).

*

Em sede de vista é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que a reclamação apresentada carece de fundamento, devendo por isso improceder; (cfr., fls. 452 a 453).

*

Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, nada vindo de novo, inscritos em tabela para decisão em conferência.

*

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

II. Em conformidade com o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b), do C.P.P.M., após exame preliminar, o relator profere “decisão sumária” sempre que o recurso deva ser rejeitado, o que pode suceder quando for “manifesta” a sua improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do dito Código).

Assim, apresentando-se ser a situação dos presentes autos, e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, proferiu-se a decisão sumária que se deixou integralmente transcrita.

Invocando a faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o recorrente reclamar da aludida decisão sumária.

Porém, e sem prejuízo do muito respeito devido a outro entendimento, evidente é que não se pode reconhecer (qualquer) mérito à pretensão do ora reclamante – que apenas pode ter como justificação uma deficiente compreensão do que decidido foi – muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, o recorrente limita-se a repetir as questões que já foram apreciadas pelo Tribunal de Segunda Instância e pela decisão sumária agora reclamada, em nossa opinião, que apresenta-se clara e adequada na sua fundamentação, nela se tendo efectuado uma correcta identificação e tratamento das “questões” pelo recorrente colocadas em sede do seu recurso, justa e acertada sendo, igualmente, a solução a que se chegou.

Na verdade, pelos motivos – de “facto” e de “direito” – que na referida decisão sumária (atrás transcrita) se deixaram expostos, patente se nos mostra que adequado foi o deliberado no Acórdão do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este Tribunal, o que, por sua vez, implica, a necessária (e natural) conclusão da sua total confirmação, com a “rejeição do recurso” dada a sua manifesta improcedência (em sede de decisão sumária), como, no caso, sucedeu.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que o ora reclamante também nada mais diz (ou acrescenta), inevitável é a improcedência da pretensão apresentada.

Decisão

III. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.

Pagará o reclamante a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.000,00.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo de novo, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 08 de Março de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 9/2024-I Pág. 4

Proc. 9/2024-I Pág. 5