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Processo nº 146/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por apenso aos Autos de Execução Ordinária – no Tribunal Judicial de Base registados com a referência CV1-18-0056-CEO e – em que é exequente A (甲), deduziu a executada B (乙), oposição por embargos que foram julgados parcialmente procedentes por sentença do Mmo Juiz Presidente do Coletivo de 20.07.2020.

Tem esta o teor seguinte:

“I – RELATÓRIO
A, do sexo feminino, casada, identificada devidamente nos autos, intentou a execução apensa para pagamento de quantia certa na forma ordinária contra B, também do sexo feminino e também com outros elementos de identificação nos autos.
Pretende a exequente a cobrança coerciva da obrigação de restituir determinada quantia monetária resultante de seis contratos de mútuo que alegadamente celebrou com a executada em 31/10/2016 e que esta, como mutiária, não cumpriu. Como título executivo juntou os referidos contratos de mútuo que constam dos documentos de fls. 6 a 12 dos autos de execução apensos.
A executada intentou os presentes embargos de executado pretendendo que seja extinta a execução que a embargada lhe move e que contra si corre nos autos apensos para pagamento de quantia certa. Alegou que não recebeu da exequente as quantias referidas nos contratos de mútuo por esta invocados na execução e que os assinou por medo após ameaças que a exequente e o seu marido lhe fizeram. Disse ainda que celebrou outros contratos de mútuo com a exequente diferentes dos invocados na execução, mas que restituiu as quantias que recebeu como mutuária. Concluiu que não tem obrigação de restituir, contrariamente ao pretendido na execução.
Respondeu a embargada/exequente aceitando ter celebrado outros contratos de mútuo com a embargante/executada, afirmando que também celebrou os contratos que fundamentam a execução e que entregou as quantias neles referidas à embargante e negando que a embargante tivesse assinado sob ameaça os contratos exequendos.
A embargante e a embargada ainda apresentaram mais um articulado cada uma, os quais foram julgados inadmissíveis pelo despacho de fls. 455. No articulado rejeitado da embargada foi a embargante apelidada de litigante de má-fé, dizendo a embargada que a embargante alegou no seu articulado também rejeitado ter feito pagamentos por conta dos empréstimos exequendos bem sabendo que tais pagamentos foram feitos por conta de outros empréstimos. Disse ainda a embargada que a embargante deveria ter alegado tais factos no seu articulado de dedução de embargos e não em resposta à contestação dos embargos e que o fez tardiamente com o objectivo de retardar o processo e causar confusão. Por isso, o articulado excedente da embargada foi admitido apenas relativamente à questão da litigância de má-fé pelo referido despacho de fls. 455.

Foi proferido despacho saneador e de selecção da matéria de facto, o qual foi objecto de reclamação parcialmente atendida.

Depois de proferidos o despacho de rejeição dos articulados excessivos e o despacho saneador veio a embargante dizer que não foi notificada do articulado da embargada que pediu a condenação como litigante de má-fé, pelo que foi determinada a notificação em falta e dada oportunidade à embargante de se pronunciar, tendo a mesma negado a sua intenção de atrasar o processo e tendo sido alterado o despacho de fls. 455 no sentido de o articulado da embargante ser parcialmente admitido na parte em que configura resposta aos documentos juntos pela parte contrária.

Procedeu-se a julgamento.
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II – SANEAMENTO
A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador.
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III- QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta o relatório que antecede, e por não ter sido admitido o articulado onde a embargante alegou ter feito pagamentos à exequente de valor suficiente para pagamento da quantia exequenda, as questões a decidir consistem em saber se:
   1- A embargada/exequente entregou à embargante/executada a título de mútuo a quantia exequenda referida nos documentos que servem de título executivo;
   2- Os documentos que servem de título executivo foram assinados pela executada sob coacção;
   3- Se ocorre litigância de má-fé da parte da embargante.
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IV- FUMDAMENTAÇÃO
A) - Motivação de facto
   a) A Embargada moveu a presente execução contra a Embargante, servindo de título executivo os contratos constantes de fls. 7 a 12 dos autos da acção principal, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
   b) Do valor de HKD1.580.000,00 constante do contrato a fls. 7 dos autos de acção principal a Embargada nunca entregou, seja qual fosse a forma, à Embargante o valor de HKD80.000,00;
   c) Do valor de HKD1.580.000,00 constante do contrato a fls. 8 dos autos de acção principal a Embargada nunca entregou, seja qual fosse a forma, à Embargante o valor de HKD80.000,00;
   d) Do valor de HKD1.580.000,00 constante do contrato a fls. 9 dos autos de acção principal a Embargada nunca entregou, seja qual fosse a forma, à Embargante o valor de HKD80.000,00;
   e) Do valor de HKD1.580.000,00 constante do contrato a fls. 10 dos autos de acção principal a Embargada nunca entregou, seja qual fosse a forma, à Embargante o valor de HKD80.000,00;
   f) Do valor de HKD1.580.000,00 constante do contrato a fls. 11 dos autos de acção principal a Embargada nunca entregou, seja qual fosse a forma, à Embargante o valor de HKD80.000,00;
   g) Do valor de HKD1.580.000,00 constante do contrato a fls. 12 dos autos de acção principal a Embargada nunca entregou, seja qual fosse a forma, à Embargante o valor de HKD80.000,00;
   h) A Embargante sabia perfeitamente que os pagamentos mencionados na “resposta” de fls. 162 a 173 dos autos se destinavam ao cumprimento de alguns dos contratos de investimento ou contratos gratuitos de mútuo, anteriormente celebrados com a Embargada.

B) - Motivação de direito
Nos presentes embargos de executado pretende a embargante a extinção da execução com os seguintes fundamentos:
   1– A dívida exequenda não existe porquanto a exequente não entregou à executada a quantia referida nos títulos executivos como tendo sido emprestada pela exequente;
   2– Os títulos executivos foram emitidos sob coacção;

Sintetizando o objecto dos embargos temos que a embargante invoca a não verificação de um facto constitutivo do crédito exequendo e a verificação de um vício dos documentos apresentados como título executivo que lhes retira exequibilidade. E temos que a exequente afirma a verificação do facto constitutivo do direito exequendo que a embargante negou: a entrega da quantia exequenda.
A embargante atacou a obrigação exequenda dizendo que não se constituiu por falta de entrega do dinheiro e atacou o título executivo dizendo que foi emitido sob coacção e que, portanto, não é válido e, em consequência, não é exequível.
Vejamos.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 342º do Código Civil, “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. E nos termos do nº 2 do mesmo artigo, “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.
Assim, à exequente cabe provar os factos constitutivos da obrigação exequenda e à executada caberá provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda.
A consequência do incumprimento do ónus de prova é a decisão desfavorável à parte onerada1.
Vejamos em que medida as partes deram cumprimento ao ónus de prova que sobre cada uma delas impende.

Comecemos pelo vício apontado ao título executivo.
A embargante diz que foi emitido sob ameaça. Não logrou provar tal factualidade, a qual constava quesitada nos quesitos 7º a 9º que mereceram resposta negativa do tribunal colectivo que procedeu ao julgamento da matéria de facto.
Improcede, pois, por falta de prova este fundamento dos embargos.

Quanto à falta de constituição da obrigação exequenda.
As obrigações são vínculos jurídicos que adstringem uma pessoa a uma prestação. Surgem das fontes das obrigações, que são os factos constitutivos dos correspectivos direitos de crédito. Uma das fontes das obrigações são os contratos que são acordos de vontade feitos num espaço de autonomia provada a que o Direito oferece protecção coactiva. A alegada fonte da obrigação exequenda são contratos de mútuo2. É unânime a jurisprudência e a doutrina a afirmar que o contrato de mútuo é um contrato real, no sentido de que só se completa quando a coisa emprestada é entregue ao mutuário3. Assim, a entrega da coisa é facto constitutivo da obrigação e do correspectivo direito de crédito que pertence ao ónus da prova do exequente. Não basta o acordo para que surja a obrigação de restituir, como se se tratasse de um contrato meramente consensual. É necessária a entrega. A embargada tem que provar que entregou, assim como a embargante teria que pagar que restituiu.
Como título executivo, a exequente juntou nos autos de execução (fls. 7 a 12) os documentos assinados pela executada dados como reproduzidos na alínea a) da factualidade provada. Consta em tais documentos que “no acto da celebração” a embargada “entrega” à embargante “o montante estipulado, sem precisar de elaborar recibo”. E consta das alíneas b) a g) da mesma factualidade que, dos valores de HKD1.580.000,00 constantes dos referidos documentos, a Embargada nunca entregou, seja qual fosse a forma, à Embargante o valor de HKD80.000,00.
A interpretação daquela declaração negocial não pode ser outra que a declaração de que as quantias de HKD1.580.000,00 foram entregues pela exequente à executada na data da assinatura dos contratos. Os documentos em causa foram assinados pela exequente, tendo ela aceitado esse facto, embora alegando e não provando que assinou sob coacção. Assim, tratando-se de documentos particulares, está provada, nos termos do art. 370º do CC4, a entrega declarada nos contratos, com excepção da quantia de HKD80.000,00, pois que nessa parte a embargante logrou provar a falsidade da declaração. Com efeito, está provada a assinatura da executada e, logo, está provado que ocorreu a entrega declarada, excepto na parte em que a executada demonstrou que a declaração era falsa – em HKD80.000,00.
Portanto, só parcialmente se provou o facto constitutivo do crédito exequendo (a entrega de HKD1.500.000,00 em cada um dos seis contratos), pelo que procede parcialmente esta parte dos embargos de executado.

Quanto à litigância de má-fé.
A embargada acusa a embargante de litigar de forma censurável por duas razões:
- Alegou ter feito pagamentos por conta dos empréstimos exequendos sabendo que tais pagamentos foram feitos por conta de outros empréstimos;
-Alegou tais pagamentos em articulado espúrio posterior ao requerimento de interposição dos embargos com o objectivo de confundir e retardar o processo.
Nenhum destes factos se provou, nem a consciência da falsidade da afirmação da pertença dos pagamentos à obrigação exequenda, nem a intenção de confundir e retardar através do não cumprimento do formalismo processual estabelecido. Com efeito, assim resulta das respostas dadas pelo tribunal colectivo aos quesitos 10º a 12º.
Não ocorre, pois, litigância de má-fé por parte da embargante.
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V – DECISÃO
Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes os embargos e, em consequência, determina-se a redução da quantia exequenda de forma que a obrigação exequenda titulada em cada um dos seis títulos executivos passe a ser considerada pelo valor de HKD1.500.000,00 em vez de ser considerada pelo valor de HKD1.580.000,00 que deles consta.
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Custas por embargante e embargada na proporção de 9/10 para a primeira e 1/10 para a segunda.
Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 1164 a 1168 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a embargante (e executada) recorreu para o Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 1176 a 1183-v).

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Após resposta da exequente (embargada), proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 10.06.2021, (Proc. n.° 34/2021), negando provimento ao recurso; (cfr., fls. 1235 a 1242-v).

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Ainda inconformada, traz a dita embargante (executada) o presente recurso, batendo-se pela revogação do decidido; (cfr., fls. 1250 a 1257).

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Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 21.12.2023 foram estes autos redistribuídos ao ora relator.

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Nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Como se deixou relatado, vem interposto recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 10.06.2021, (Proc. n.° 34/2021), que em sede do anterior recurso da embargante, (executada), ora também recorrente, confirmou integralmente a decisão pelo Tribunal Judicial de Base proferida que julgou parcialmente procedentes os embargos pela mesma deduzidos em oposição à execução que lhe foi movida pela ora recorrida.

Ora, da reflexão que sobre o decidido e agora alegado nos foi possível efetuar, cremos que evidente é que não se pode reconhecer razão à ora recorrente.

Vejamos.

Para boa, (cabal), compreensão do que decidido foi e em causa está, pertinente se apresenta também de, aqui, se começar por transcrever a decisão agora recorrida do Tribunal de Segunda Instância.

Tem pois, (na parte relevante), o teor seguinte:

“(…)
Da alegada violação do princípio do dispositivo
Começa a recorrente por alegar que o Tribunal recorrido violou o princípio do dispositivo, infringindo deste modo o disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por ter julgado os embargos com base em fundamento não alegado pela embargada, uma vez que esta alterou a causa de pedir.
Ora bem, por um lado, tendo a exequente intentado execução com base em escritos particulares, e por outro, tendo a executada aceite ter subscrito aqueles documentos, presume-se assim a existência da respectiva relação fundamental, daí que cabe à executada provar a inexistência daquela relação ou demonstrar que a relação fundamental seria outra e não a subjacente à emissão dos títulos executivos.
No caso vertente, provada está a subscrição de certos documentos com base nos quais foi intentada execução contra a executada/embargante, daí que pretendendo impugnar a existência da relação subjacente, impedindo que a execução prossiga, compete àquela alegar e provar o contrário, melhor dizendo, a embargante teria que provar que não solicitou empréstimos junto do exequente/embargado, mas não logrou a embargante a prova dessa factualidade.
Conforme decidido pelo Acórdão do TUI, no âmbito do Processo n.º 110/2019:
“Como se disse, o executado/embargante aceitou ter subscrito o título, mas alegou que a quantia não foi mutuada a ele, mas a um terceiro. Ou seja, impugnou a relação fundamental alegada pela exequente.
É pacífico que nos embargos de executado o ónus da prova é o que respeita à relação substantiva, sendo, portanto, irrelevante a posição das partes (activa e passiva) na demanda em causa, os embargos. Neste ponto a sentença de 1.ª Instância estava correcta. Onde já não está correcta foi em ter omitido uma norma substantiva fundamental, que é o artigo 452.º do Código Civil, onde se dispõe:
Artigo 452.º
(Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida)
1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.
Face ao n.º 1 deste preceito presumia-se a existência da relação fundamental até prova em contrário, pelo que cabia ao devedor a prova de que o empréstimo nunca existiu.”
E ao contrário do defendido pela recorrente, não é verdade que o Tribunal tenha conhecido de questões não alegadas pelas partes, antes pelo contrário, tratam-se de questões devidamente abordadas nos embargos, improcedendo, assim, as razões da recorrente nesta parte.
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Da alegada nulidade do contrato de empréstimo
Alega ainda a recorrente que os títulos executivos são inválidos por estar demonstrado que, conforme a matéria dada como provada na resposta aos quesitos, algumas quantias não foram entregues à recorrente.
Sem necessidade de delongas considerações, julgamos não assistir razão à recorrente.
Conforme dito acima, prevê o n.º 1 do artigo 452.º do Código Civil: “Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.”
No caso vertente, os documentos que servem de base à execução foram subscritos pela recorrente.
Sendo assim, presume-se a existência da relação fundamental. E não obstante ter ficado provado que não foram entregues à recorrente determinadas quantias, nada impede que aqueles documentos possam servir como títulos executivos, antes será necessário apenas reduzir o montante da quantia exequenda.
Improcede, pois, o recurso quanto a esta parte.
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Da suposta inexigibilidade da obrigação exequenda
Defende ainda a recorrente que a obrigação é inexigível, com fundamento de que a exequente/embargada não procedeu à entrega de parte de dinheiro emprestado à recorrente.
A nosso ver, igualmente sem razão a recorrente.
Preceitua o artigo 686.º do CPC que “A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, quando esta o não seja em face do título executivo.”
Em boa verdade, a obrigação é exigível desde que se torne vencida.
Conformem resulta dos documentos que servem de base à execução, a obrigação de restituição das quantias emprestadas já estava vencida, pelo que a obrigação resultante daqueles empréstimos já se tornou exigível.
A nosso ver, a recorrente está a misturar os dois aspectos, uma coisa é saber se a obrigação é exigível (que o é desde que esteja vencida), outra é saber qual é o montante devido pela recorrente.
Assim sendo, há-de julgar improcedente esta parte do recurso.
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Da alegada litigância de má fé e uso anormal do processo
Finalmente, invocou a recorrente que a recorrida alegou factos inverídicos, tendo com a sua conduta infringido o disposto nos artigos 9.º, nº 2 e 385.º, n.º 2, alínea b), pedindo ao Tribunal para que tome medidas no sentido de obstar ao objectivo anormal prosseguido pela recorrida, nos termos do artigo 568.º, todos do CPC.
Estatui a alínea b) do n.º 2 do artigo 385.º do CPC o seguinte:
“Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitidos factos relevantes para a decisão da causa.”
Alega a recorrente que, tendo a exequente invocado no requerimento inicial que entre ela e a executada existe uma relação de empréstimo, aquela exequente veio alterar posteriormente a sua versão, dizendo que o dinheiro foi entregue à recorrente para investimento.
Em boa verdade, o que aqui releva é saber se os documentos que servem de base à execução podem constituir como títulos executivos e se a recorrente tem a obrigação de pagar à recorrida/exequente.
Conforme acima explicitado, ao abrigo do disposto no artigo 452.º do Código Civil, compete à recorrente invocar e provar que entre exequente e executada não existe qualquer relação fundamental subjacente à emissão dos documentos, sendo assim, não obstante se verificar alguma discrepância em relação aos factos alegados pela exequente/recorrida, a verdade é que esses factos não são relevantes para a apreciação do caso dos autos.
Dito isto, somos a entender que preenchidos não estão os pressupostos da litigância de má fé, improcede o recurso nesta parte.
Aliás, mesmo que se verifique que a recorrida tenha litigado de má fé, também não se vê que o artigo 568.º do CPC seja aplicável, por não estar em causa qualquer acto simulado ou acto visando fim proibido por lei.
Tudo ponderado, há-de negar provimento ao recurso.
(…)”; (cfr., fls. 1239-v a 1242).

E, como se referiu, ainda inconformada, vem a embargante, (executada), recorrer para esta Instância, voltando a insistir nas – exactamente – “mesmas questões” que foram, oportunamente – e bem – decididas pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, e, posteriormente – correctamente – (re)apreciadas pelo Colectivo do Tribunal de Segunda Instância no anterior recurso que aí interpôs, e, dando-lhe uma nova aparência, vem invocar o que a (agora) recorrida, (embargada e exequente), “alegou” e “considerou” nas suas peças processuais, questionando também, se bem ajuizamos, a “origem”, a “natureza” e o “vencimento” da dívida exequenda.

Ora, é caso para dizer que se está a (tentar) complicar o que é – ou, devia ser – simples.

Na verdade, se em sede de recurso não se podem colocar “questões novas”, antes não apreciadas na decisão recorrida, (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 24.02.2021, Proc. n.° 206/2020, de 18.06.2021, Proc. n.° 62/2021, de 18.05.2022, Proc. n.° 38/2022, de 01.06.2022, Proc. n.° 13/2022 e de 17.11.2022, Proc. n.° 57/2022), igualmente de nada vale insistir em “questões” já (por duas vezes) apreciadas sem se apresentar nenhum argumento válido (e novo) que demonstre a existência de qualquer “vício”, (ou “desacerto”), das decisões recorridas, e que, assim, imponha, (ou justifique), a sua revogação (ou alteração).

In casu, e como sem esforço se colhe do que se deixou relatado, (especialmente, da sentença do Tribunal Judicial de Base que se deixou transcrita), opondo-se à execução que lhe moveu a ora recorrida, invocou, (apenas), a ora recorrente (nos deduzidos embargos), que assinou os “contratos de mútuo” – dados como “título executivo” à execução – “sob ameaça” e que “não recebeu o dinheiro” a que os mesmos se referiam.

Apreciando tais questões, resultou, (com toda a clareza) “provado”, que – da “quantia exequenda” de HKD$1.580.000,00 – a ora recorrente apenas não recebeu HKD$80.000,00, e, nesta conformidade, não se provando também a pela mesma (recorrente) alegada “ameaça”, outra “solução” não existe – nem podia existir – que não a efectivamente proferida, com a parcial procedência dos embargos – na parte referente ao montante de HKD$80.000,00 – com a normal prossecução da pela ora recorrida instaurada execução relativamente à restante quantia exequenda, no valor de HKD$1.500.000,00.

E, em face do que se consignou, é caso para se dizer que tudo o resto que a embargante, (executada e) ora recorrente discute, (e pretende insistir em continuar a discutir), é, com todo o respeito, manifesta e absolutamente irrelevante.

Invocar o que a exequente “alegou”, quando se está em sede de um recurso de um Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que até já confirmou a “matéria de facto” alegada em sede de embargos e que é clara quanto à “existência da dívida” e da “falta do seu pagamento” – e, desta forma, pretender (tentar) voltar a discutir o que daquela mesma matéria de facto provada já resulta quanto aos “pressupostos da execução” (embargada) – apenas pode levar a uma coisa: ao (indevido e injustificado) “atraso” e “demora” no cumprimento da “obrigação” à qual está a ora recorrente (legalmente) vinculada por contrato celebrado (e dado como provado), o que, como é óbvio, (e não obstante ter vindo a conseguir fazer por vários anos, com os deduzidos embargos e sucessivos recursos), importa por fim.

Não se olvida que à recorrente assiste o (totalmente) legítimo direito de embargar e recorrer, pois que nos termos do n.° 2 do art. 1 do C.P.C.M.:

“A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele (…)”.

Porém, não se pode – igualmente – perder de vista que no n.° 1 deste mesmo preceito legal, (onde se consagra um “princípio fundamental de processo civil”), se prescreve que:

“A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.

No caso dos autos, em face da execução que lhe foi movida, exerceu a ora recorrente o direito que legitimidade lhe assistia de se opor à dita pretensão executiva, deduzindo os competentes embargos que, após decisão, recurso e nova decisão a confirmar a anterior, deram origem ao presente recurso.

E, (como se viu), não tendo a ora recorrente “provado”, (aí, em sede própria), como lhe competia, o que alegou em sede da dita “oposição”, (a alegada “ameaça” e o “não recebimento do dinheiro”), visto está que não pode pretender “eternizar o litígio”, (com “desculpas de mau pagador”), imperativa sendo a solução que segue.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 13 de Março de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
1 Cfr. Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ., nº 110, pág. 113. Ac. R. Coimbra, de 87/11/17 (CJ, ano XII, Tom 5, p. 80) “o ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta”. Art. 346º C.C. e 516º do C.P.C.
2 “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade” – art. 1070º do CC. “as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega” – art. 1071º do CC.
3 Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 4ª edição, págs. 761, 762 e 766.
4 “A … assinatura … de um documento particular considera-se verdadeira quando reconhecida ou não impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado…” – art. 368º, nº 1 do CC. “O documento particular cuja autoria seja reconhecida … faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento” – Art. 370º, nº 1 do CC.
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Proc. 146/2021 Pág. 13