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Processo nº 81/2023
(Reclamação para a conferência)

Data: 25 de Abril de 2024
Recorrente: A
Recorrido: Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura e
Secretário para a Administração e Justiça
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
  
  I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso dos seguintes:
  - Despacho proferido pelo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de 06.12.2022 que nos termos da al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 262º do ETAPM remeteu o processo relativo à Recorrente ao Fundo de Pensões;
  - Despacho do Secretário para a Administração e Justiça de 15.12.2022 que autorizou que a Recorrente fosse desligada do Serviço;
  Por despacho de fls. 606 a 609 foi rejeitado o recurso do despacho proferido pela Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura de 06.12.2022 que nos termos da al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 262º do ETAPM remeteu o processo relativo à Recorrente ao Fundo de Pensões.
  Não se conformando com o despacho de não admissão do recurso veio a Recorrente reclamar para a conferência sustentando em síntese que o aludido despacho é uma decisão administrativa com eficácia externa.
  Pela Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura foi apresentada resposta sustentando que o acto de remessa do processo de aposentação ao Fundo de Pensões não é um acto administrativo.
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido Parecer no sentido em que já antes se havia pronunciado, e de acordo com o qual se decidiu, pugnando pelo indeferimento da reclamação.
  
  Foram colhidos os vistos legais.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
  II. FUNDAMENTAÇÃO
  
  É do seguinte teor a decisão proferida:
  «É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «A Recorrente, invocando expressamente a norma do artigo 44.º do CPAC, cumula no presente processo duas impugnações: (α) a impugnação do que considera ser um acto administrativo praticado pela Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, no dia 6 de Dezembro de 2022, de concordância com a aposentação obrigatória da Recorrente e (β) a impugnação do acto administrativo praticado pelo Secretário para a Administração e Justiça, datado de 15 de Dezembro de 2022, de fixação da respectiva pensão de aposentação.
  Estamos em crer, no entanto, que, relativamente à impugnação dirigida contra a actuação da Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, ocorre um inultrapassável obstáculo ao seu conhecimento.
  Em síntese, pelo seguinte.
  (ii)
  (ii.1)
  O que é típico do acto administrativo e, especialmente, do acto administrativo impugnável, isto é, daquele que, além de verticalmente definitivo, produz efeitos externos (artigo 28.º, n.º 1 do CPAC), é o facto de ele traduzir o exercício de um poder de definição jurídica unilateral normativamente conferido à Administração (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 223).
  Na verdade, como salienta a melhor doutrina, «a imposição do ónus de impugnação só se afigura aceitável quando um órgão administrativo emita uma pronúncia que corresponda ao exercício de um poder de definição jurídica, isto é, quando desse modo esteja a desempenhar uma função que lhe tenha sido normativamente atribuída, ou por previsão normativa específica, ou, pelo menos, porque a emissão de um tal acto configura a expressão normal de um poder inscrito no âmbito das competências de definição jurídica do órgão e das atribuições do ente ao qual o órgão pertence» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…, p. 225, com destacados nossos).
  Ora, na situação em apreço, salvo o devido respeito, parece-nos evidente, que a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura não praticou qualquer acto que tenha procedido à definição unilateral e vinculativa do direito aplicável relativamente à questão de saber se e em que que concretos termos se verificam os pressupostos do direito à aposentação obrigatória da Recorrente.
  Contrariamente ao alegado pela Recorrente, parece-nos que a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura se limitou a ordenar a remessa do processo de aposentação para o Fundo de Pensões, nos termos previstos nas normas do n.º 2 do artigo 262.º e do n.º 1 do artigo 267.º do ETAPM, sem que se possa dizer que esse acto de trâmite constitua, pois, um verdadeiro acto administrativo, no sentido do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ou seja, no sentido de constituir uma decisão unilateral produtora de efeitos jurídicos que se impõem autoritariamente.
  (ii.2)
  Mas ainda que, sem conceder, se pudesse entender, por qualquer motivo que se não vislumbra, que o recurso contencioso interposto do acto da Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura constitui verdadeiro acto administrativo, nem por isso se poderia concluir que tal acto é recorrível.
  Como se sabe, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 28.º do CPAC, apenas são recorríveis os actos que, para além de verticalmente definitivos, sejam produtores de efeitos externos. Ora, o alegado acto recorrido, caracteriza-se, precisamente, por ser um acto meramente preparatório inserido no procedimento de aposentação, destituído, por isso, de efeitos externos e, como tal, irrecorrível, à semelhança do que sucede, por exemplo, com o acto do serviço do trabalhador que procede à contagem do tempo de serviço antes da remessa do processo para o Fundo de Pensões.
  Na verdade, a competência para a verificação das condições necessárias para a aposentação, é deferido por lei ao Fundo de Pensões. É o que se extrai, literalmente, do disposto no n.º 3 do artigo 267.º do ETAPM por ser esse, estamos em crer, o sentido normativo da «verificação» que ali se refere.
  Por isso se pode dizer que o acto que se limita a remeter o processo de aposentação para o Fundo de Pensões se mostra, como acima afirmámos, destituído de quaisquer efeitos externos, os quais só se produzem com aquela decisão final do procedimento através do qual é fixada a pensão. É essa decisão final e só ela que, de acordo com o princípio da impugnação unitária, é susceptível de recurso contencioso (neste sentido decidiu recentemente o Tribunal de Última Instância, no recurso jurisdicional interposto nos autos de recurso contencioso n.º 282/2020 do Tribunal de Segunda Instância, dando provimento a recurso interposto pelo Ministério Público).
  Assim, não tendo o acto da Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura contenciosamente impugnado produzido efeitos externos, os quais só se produziram com o acto final do procedimento que fixou a sua pensão de aposentação, cremos ser seguro concluir não ser o mesmo contenciosamente recorrível face ao disposto no n.º 1 do artigo 28.º do CPAC, o que implica, se bem vemos, a absolvição da Entidade Recorrida da Instância nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
  Uma última palavra para dizermos que diferente seria se, abstraindo da questão da competência do tribunal, o que estivesse em causa fosse a impugnação do acto do Director dos Serviços de Saúde que homologou o parecer da Junta de Saúde com base no qual a Recorrente foi obrigatoriamente aposentada. Não é essa, porém, a situação em apreço.
  (iii)
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece-nos que:
  a) deve a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura ser absolvida da instância em razão da verificada excepção dilatória da irrecorribilidade do acto;
  (…)».
  Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, supra reproduzido, à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não é um acto administrativo recorrível uma vez que não produz efeitos externos – artº 28º nº 1 do CPAC “a contrário” – pelo que, carecendo o recurso de objecto, excepção dilatória que é de conhecimento oficioso e determina a absolvição da instância da Entidade Recorrida, tudo nos termos dos artº 46º nº 2 al. c) do CPAC e artº 412º nº 1 e 2 e 414º ambos do CPC aplicável “ex vi” 1º do CPAC, se impõe decidir em conformidade.
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.».
  
  Realçámos a negrito e sublinhámos a parte da decisão onde especificamente se refuta a posição sustentada pela Recorrente de que o despacho da Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura que remete o processo de aposentação ao Fundo de Pensões é um acto administrativo com efeitos externos como tem vindo a ser sustentado por este Tribunal.
  
  Pelo que, nada mais havendo a acrescentar mantemos a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando-se improcedente a reclamação apresentada, mantém-se o despacho reclamado.
  
  Custas a cargo da Reclamante fixando-se a taxa de justiça em 2UC´s.
  
  Notifique.
  
  RAEM, 25 de Abril de 2024
  Rui Pereira Ribeiro
  (Relator)
  Fong Man Chong
  (Primeiro Juiz Adjunto)
  Ho Wai Neng
  (Segundo Juiz Adjunto)
  
  Álvaro António Mangas Abreu Dantas
  (Delegado Coordenador do Ministério Público)

81/2023 RECL P/CONF 6