Processo nº 73/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 02 de Maio de 2024
ASSUNTO:
- Marcas
- Marca notória
- Prioridade do Registo
____________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 73/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 02 de Maio de 2024
Recorrente: A有限公司
Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico e
B (contra-interessado)
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A有限公司, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso judicial da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que deferiu o registo das marcas N/1XXX65 a N/1XXX67 e N/1XXX74 a N/1XXX76 à parte contrária, pedindo que seja revogado o despacho e recusar o pedido de registo das marcas em crise.
Cumprido o disposto no artº 278º do RJPI veio a DSEDT a remeter ao tribunal os processos administrativos referentes aos pedidos de registo de marca a que se reportam os autos.
Pelo Tribunal recorrido foi proferida sentença negando provimento ao recurso judicial interposto.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Recorrente interpor recurso daquela decisão apresentando as seguintes conclusões:
1) A análise efectuada pela Douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, que é muito, radica em erro na apreciação da marca apresentada a registo e erro na apreciação da prova aduzida constante dos autos, pelo que se impõe a sua revogação por este Tribunal superior e consequente substituição por outra decisão que recuse o registo das marcas em crise.
2) A conclusão de que “Resulta também assente que B é o fundador da C (que no comércio usa D) e que é titular na China continental das marcas que se id. a fls. 67 e 68.” está errada
3) Uma simples pesquisa no sítio web da Administração da Propriedade Intelectual da China em https://XXX revela que o registo 1XXX202 é “E” mas sim XX que significa “trabalho em madeira” e que a marca em causa não foi registada pela parte contrária mas sim pela sociedade “F公司”!
4) Nenhuma das marcas em crise concedidas foram registadas pela parte contrária na China Continental, mas sim pela ora recorrente, facto alegado e provado mas não levado à matéria de facto assente.
5) Sendo assim, e com a devida vénia, julga a Recorrente existir um manifesto erro do Douto Tribunal que carece de repreaciação.
6) Com a devida vénia, é evidente que o Douto Tribunal cometeu em erro manifesto na apreciação da prova e do alegado no artigo 12º da Douta resposta pela parte contrária, o qual deve ser dado como não provado e, por conseguinte, anulada a sentença proferida.
7) Acresce ainda que a parte contrária alega que as marcas da recorrente foram invalidadas pelos tribunais da China Continental. Sucede, porém, que,
8) Tais decisões não são finais estando ainda em fase de recurso. Consequentemente,
9) As marcas na China Continental são válidas e propriedade da recorrente.
10) Do requerimento de recurso da decisão da DSEDT apresentado pela Recorrente constam inúmeros factos que demonstram que as marcas em crise derivam da marca da Recorrente, registada, entre outras jurisdições, na China Continental desde 2010, e com um uso continuado por parte da Recorrente em Macau e bem assim na China Continental, tendo assim adquirido notoriedade.
11) Relativamente a toda a matéria de facto que é invocada no requerimento inicial de recurso relacionada com a propriedade e notoriedade da marca da Recorrente nada se diz, sendo a decisão totalmente omissa.
12) “Sendo a decisão do tribunal “a quo” omissa quanto a toda a factualidade que se invocava no requerimento inicial de recurso, bem como, aludindo na sua argumentação de direito a factos que não constam do elenco da factualidade apurada, entende este tribunal que se impõe a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que, - pese embora não tenha sido impugnada a decisão da matéria de facto (impugnando-se apenas as conclusões que se retiraram com base nessa alegada factualidade que não consta) - de acordo com a segunda parte do nº 4 do artº 629º do CPC anula-se oficiosamente a decisão proferida ordenando-se a remessa dos autos à primeira instância para ampliação da decisão sobre a matéria de facto, decidindo-se em face da prova apresentada sobre toda a factualidade invocada no requerimento inicial da Recorrente, proferindo-se posteriormente sentença em função do que se vier a apurar.” (cfr. Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 48/202
13) As marcas concedidas foram requeridas pela parte contrária e não pela empresa “D” (n.º 22 da Douto parecer) para comercializar os produtos e suplementos por si criados.
14) Segundo a Doutrina que “O título de registo de marca obtém-se após um procedimento administrativo formalizado regulado pelas normas especiais dos arts. 233.º e ss e as normas gerais dos arts. 9.º a 30.º, envolvendo a participação de interessados e da administração pública num encadeamento de actos funcionalmente ligados que culminam no acto administrativo da entidade competente do INPI em conceder ou denegar o registo.
Neste âmbito, a legitimidade da requerente constitui um pressuposto subjectivo, exigido por lei, para a abertura do procedimento administrativo conducente ao registo da marca. (Cfr. Luís M. Couto Gonçalves, in Manual de Direito Industrial, 2005, pág. 211 e ss)
15) Na RAEM, as exigências para a legitimidade do requerente seguem as normas especiais dos artigos 206.º e seguintes do RJPI, paralelas às normas gerais mencionadas supra.
16) A legitimidade do requerente é traduzida pela necessidade de possuir uma posição jurídica material em relação à decisão resultante do procedimento. O legítimo interesse do requerente é demonstrado quando este desempenha, em moldes empresariais, uma das categorias da atividade económica relacionada com os produtos ou serviços a assinalar. A lei confere essa legitimidade com base na atividade económica do interessado, independente da natureza jurídica do mesmo, conforme explica Luís M. Couto Gonçalves em “Função Distintiva da Marca” (1999) e “Manual de Direito Industrial” (2005).
17) A parte contrária afirma e a entidade recorrida dá como assente que não é B quem fabrica, distribui ou comercializa, mas sim outra entidade, C. Ora,
18) A parte contrária não exerce a referida actividade nem directamente nem indirectamente pois nada foi junto que permita confirmar o que alega.
19) Se a parte contrária alega, sem o demonstrar, que fundou a C em 1997 e vem requerer em seu nome o registo das marcas em crise que são fabricadas e distribuídas por outro, há fundamento para invalidade do registo de marca feita de má fé por violação do princípio geral da boa fé procedimental, consagrado no artigo 8.º do Código de Procedimento Administrativo segundo o qual “No exercício da actividade administrativa, e em todos as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.”. Acresce ainda que,
20) “O conteúdo do legítimo interesse, por referência imediata ou mediata da marca a uma actividade do titular, implica, a nosso ver - independentemente da resposta a dar à questão da legitimidade para uso indirecto da marca - que não tem legítimo interesse todo aquele que não exerça, nem demonstre exercer, qualquer actividade económica e apenas tenha a intenção de se servir do registo com finalidade exclusivamente especulativo” (cfr. Luís M. COUTO GONÇALVES, in Função distintiva da Marca, 1999, p. 161). (negritos nossos).
21) O Tribunal do Comércio de Lisboa entendeu, em 02/06/2003 que “a marca deve ser recusada quando for pedida por quem nisso não tenha legítimo interesse, inexistindo este interesse quando a marca é pedida para assinalar produtos que não se inserem no âmbito da actividade do requerente.” (in Boletim de Propriedade Industrial -10/03, pág. 3555). Mais ainda,
22) No artigo 231.º (Caducidade do registo de marca) n.º 2 está plasmado o princípio geral do direito de marcas “a proibição do uso enganoso da marca seja esse uso efectuado pelo titular ou por terceiro com o seu consentimento”.
23) Tem-se por facto óbvio e notório que inexiste um real e legítimo interesse da parte contrária nas marcas concedidas, pois que as mesmas não assinalam produtos efectivamente do fabrico ou do comércio da requerente, e nessa medida não cumpre a função primordial da marca que é a de distinguir os produtos e serviços de uma empresa de outra, garantindo a lealdade da concorrência, nem sequer cumpre a função complementar de garantia de qualidade dos produtos e serviços ou a função de publicidade.
24) A falta de legitimidade do requerente constitui motivo de recusa do registo ao abrigo dos artigos 214.º, n.º 1, al. a), 9.º, n.º 1, al. d) e 201.º, al. b) e e) do RJPI por a parte contrária não ser nem a pessoa singular/colectiva interessada ou titular do direito de propriedade industrial, conforme exigido nos artigos 19.º e 20.º, n.º 1, al. a) e b) do RJPI, devem ser recusados os registos em crise.
25) As marcas em crise derivam da marca criada pela recorrente para capturar a essência da produtos de saúde para crianças. É que,
26) A marca criada pela Recorrente sempre foi um dos nomes de comércio e uma das marcas da recorrente nas suas operações comerciais em geral, com a parte contrária e já antes com outros operadores comerciais. É que,
27) Já em 2011, antes do contrato assinado com C, a recorrente contratara com os G of the United States, e importava os produtos destes neles apondo a marca em língua chinesa “A”, conforme se retira do canto superior esquerdo do rótulo do produto importado.
28) O uso da marca em língua chinesa, é feito de forma consistente, abrangente e massiva nos mercados em língua chinesa desde 2011. Consequentemente,
29) Em primeiro lugar, a marca notoriamente conhecida deve ser notória no país/jurisdicção onde se solicita a especial protecção - pois é nele que, obviamente, se haverá de dirimir o conflito entre a marca a registar e a marca notoriamente conhecida. Mais ainda,
30) “Acresce que o conhecimento da celebridade e qualidade de um produto oriundo de um outro território e que aqui se procura imitar não se deve circunscrever aos residentes de Macau, mas a todo um público que aqui se desloca, não esquecendo os milhões de visitantes de Macau.
31) Ficou demonstrado o uso consistente das marcas em crise pela Recorrente nos mercados de língua chinesa.
32) Preceitua o artigo 214.º, n.º 1, alínea b), do RJPI., que o registo de marca é recusado quando “A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;”, o que sucede pelo que deve assim ser recusado o registo das marcas em crise. Finalmente,
33) A parte contrária reconheceu, através de declaração ajuramentada, que tais marcas pertencem à recorrente, e não é por certo uma mera coincidência ou casualidade o facto de as marcas em causa terem sido pedidas a registo.
34) A actuação da Parte contrária é claramente intencional, visando aproveitar-se e beneficiar do reconhecimento e reputação das marcas da Recorrente, o que também constitui acto de concorrência desleal.
35) A Recorrente e a parte contrária desenvolvem actividades concorrentes, pois há uma identidade e afinidade entre serviços da marca concedida e as actividades, produtos e serviços oferecidos pela Recorrente cuja firma é utilizada;
36) Existe assim disputa de clientela, efectiva e potencial e consequentemente uma concorrência;
37) A Recorrente dedica-se à actividade de fornecimento dos produtos/serviços referidos;
38) A marca da Recorrente, é facilmente identificável por qualquer consumidor médio dada a sua notoriedade e tradição adquirida pela inquestionável qualidade dos seus produtos e serviços;
39) Tendo presente as marcas de grande notoriedade da Recorrente, resulta a aplicação do artigo 214.º, n.º 1, alínea b) do RJPI), pelo que devem ser recusados os registos em crise;
40) O despacho da DSEDT viola os artigos 9.º, n.º 1, al. d) e 201.º, al. b) e e), 214.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJPI, pelo que deve ser revogado;
41) Em suma, por todo o exposto, entende a Recorrente que a Douta Sentença recorrida, ao ter mantido o despacho que concedeu o registo do sinal pedido, interpretou e aplicou mal as normas previstas nos artigos 237.º n.º 1 alínea b), 215º, 252.º, nº 2, 214.º n.º 1, alínea c), e 9.º, n.º 1 alínea b), todos do RJPI, pelo que se impõe a revogação da sentença e a sua substituição por outra decisão que recuse o registo das marcas N/1XXX65, N/1XXX66, N/1XXX67, N/1XXX74, N/1XXX75 e N/1XXX76
Notificada a DSEDT das alegações de recurso veio esta oferecer o merecimento dos autos.
Pelo contra-interessado foi apresentado contra-alegações com as seguintes conclusões:
A. Alega a Recorrente que "uma simples pesquisa no sítio web da Administração da Propriedade Intelectual da China em http://XXX revela que no registo n. º 1XXX202: - a que significa "trabalho em madeira"! - a marca não é "E" mas sim XX que significa “trabalho em madeira”! – a marca em causa não foi registada pela parte contrária mas sim pela sociedade “F (F公司)” e consequentemente existe um manifesto erro do Douto Tribunal que carece de reapreciação.
B. Ora, é comum na China continental que marca estendida à China por via do Protocolo de Madrid, venham a adoptar um número igual ao de uma outra marca nacional sem relação com a primeira. A destrinca entre as duas marcas faz-se pelo acrescento da letra "G" ao início do número.
C. Contudo, como demonstrado novamente neste processo, ficou provado que o Respondente tem as marcas registadas na China, tendo a questão levantada pela Recorrente surgido apenas pela precipitação e falta de diligência investigativa daquela.
D. Como conclui o Tribunal a quo, o Respondente "tem em marcha um projecto de actividade" e "não é (...) pessoa extraneus na actividade ligada à comercialização dos produtos que com os sinais em crise se pretende sinalizar, pelo contrário, é um agente importante dessa actividade".
E. A simples junção dos documentos apresentados pela Recorrente não prova o que a Recorrente pretende demostrar - que "As marcas na China Continental são válidas e propriedade da recorrente", uma vez que não é possível apurar nos documentos apresentados quais são os processos, as marcas em causa ou o tipo de processos em causa.
F. Por outro lado, independentemente da questão dos recursos que em nada relevam para o presente caso, as decisões emitidas pelos tribunais chineses servem para enfatizar a prática de actos de concorrência desleal e a má-fé da Recorrente.
G. Além de mais, a Recorrente, depois da emissão das decisões judiciais que lhe foram desfavoráveis na China Continental, alterou o design das embalagens por forma a serem confundíveis com as do Respondente.
H. Má-fé esta também confirmada (mais uma vez) pela decisão favorável ao Respondente do Tribunal da Segunda Instância de Hangzhou emitida em 10 de Novembro de 2023, por violação de direito de marcas e concorrência desleal contra a A (a Recorrente).
I. Foi alegado ainda pela Recorrente, numa tentativa de tentar demostrar a regular titularidade das marcas registandas na China e que as mesmas são marcas notórias que, "por forma a proteger a sua criação intelectual que abarca a referida marca em língua chinesa, bem como outras, a recorrente procedeu ao registo das referidas marcas em língua chinesa (...)".
J. Alegado pela Recorrente neste contexto também que "a recorrente tem promovido, em língua chinesa, as marcas em crise que lhe pertencem desde 2010 nos mercados de língua chinesa, através das redes sociais chinesas e de plataformas e meios publicitários chineses (...)" e "actua assim a parte contrária com evidente má-fé ao procurar registar marcas que nunca criou e sabe pertencerem à recorrente desde 2010.".
K. Contudo, dúvida não existem de que a Recorrente:
1. não tem prioridade registaI em face às marcas registandas; e
2. não consegue provar a alegação de que as marcas registandas são suas.
L. Em 1997, o Respondente fundou a C (que no comércio usa D) com o objectivo de levar os benefícios dos seus suplementos D para crianças nos Estados Unidos e no resto do mundo. A empresa D foca-se no negócio de supervisionar o fabrico e distribuição dos suplementos nutricionais e dietéticos especialmente criados e formulados pelo Respondente, o qual é fundador e presidente daquela.
M. Além disso, como demostrado em peças anteriores, os acordos de distribuição de 2013 e 2018 celebrados entre C e a Recorrente foram assinados pelo Respondente, em representação da C e na qualidade de Presidente da mesma.
N. Neste sentido, é patente que o Respondente tem plena legitimidade e legítimo interesse nos registos das marcas registandas, nos termos do artigo 201.º do RJPI.
O. A Recorrente alega na sua alegações do recurso que "uma vez que a recorrente comercializa os seus produtos sob marca criada algo que a parte contrária reconheceu pertencer à reclamante, não é por certo uma mera coincidência ou casualidade o facto de as marcas em causa terem sido pedidas a registo sendo a actuação do Parte contrária claramente intencional, visando aproveitar-se e beneficiar do reconhecimento e reputação das marcas da Recorrente, o que também constitui acto de concorrência desleal".
P. Ora, não há maior deslealdade empresarial do que ser distribuidor contratualizado de determinados produtos de terceiro e depois desviar a clientela para produtos próprios, usando as mesmas marcas com que, sob autorização contratual, colocava os produtos alheios no mercado.
Q. As marcas registandas pertencem, ab initio, ao Respondente e não à Recorrente, pelo que o seu registo e uso não são susceptíveis de potenciar quaisquer actos de concorrência desleal.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
«Da p.i.
O aviso do pedido de registo para as marcas em crise foi publicado no BORAEM, II Série, Suplemento, n.º 24, de 16/01/2021.
O pedido de registo das marcas em crise foi solicitado por B, com domicílio em XX S. XX, XX XX, CA 9XXX5, United States of America, e consiste nas seguintes marcas nominativas:
N/1XXX65 a N/1XXX67
N/1XXX74 a N/1XXX76
para os seguintes produtos:
Marcas N/1XXX65 e N/1XXX74 – classe 5
Marcas N/1XXX66 e N/1XXX75 – classe 30
Marcas N/1XXX67 e N/1XXX76 – classe 35
O pedido em questão foi concedido pelo despacho da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, II Série, Suplemento, n.º 36, de 7/09/2022.
Da resposta da parte contrária (além do que mais se possa retirar dos autos em face da documentação junta no CD anexo)
"E", foi registada nos Estados Unidos sob o número 2,299,035. O pedido foi apresentado a 30 de Janeiro de 1996 e a marca foi registada a 7 de Dezembro de 1999 (cfr. cópia do certificado de registo junto como Doc. 1).
O Respondente registou a marca "D" nos Estados Unidos sob número 4.292.453. O pedido de registo foi feito a 24 de Agosto de 2012 e registada em 19 de Fevereiro de 2013.
B é o fundador da C (que no comércio usa D).
B é titular na China continental das marcas que se id. a fls. 67 e 68.».
b) Do Direito
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Invoca a recorrente à cabeça a falta de legitimidade substantiva da parte contrária para proceder ao registo das marcas postas em crise.
Refere a propósito a recorrente: «Se a parte contrária afirma que decidiu criar a empresa “D” (conforme se dá como assente no n.o 22 da Douto parecer que sustenta o despacho recorrido) para comercializar os produtos e suplementos por si criados, então demonstrado está que a parte contrária B não tem interesse legítimo no registo da marca por não ser nem o comerciante nem o prestador de serviços dos referidos produtos/serviços assinalados.».
Com a recorrente diremos, porque o faz com rigor, que «Nos termos do artigo 201.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial de Macau (“RJPI”), “o direito ao registo da marca cabe a quem nisso tenha legítimo interesse”, nomeadamente, diz-nos a alínea e) deste preceito “aos que prestam serviços, para assinalar a respectiva actividade”.
Segundo Luís Couto Gonçalves1, pelo critério do artigo 225.º [do Código de Propriedade Industrial de Portugal, equivalente ao artigo 201.º do RJPI] é explícito que é necessário haver legítimo interesse para se registar uma marca “e que, pelo menos (…) os prestadores de serviços preencham esse requisito quando requeiram o registo em vista dos interesses das respectivas actividades económicas”, ou seja “o requerente tem legitimidade quando, independentemente da sua natureza jurídica, exerça ou demonstre poder vir a exercer (…) qualquer das actividades citadas nas várias alíneas do art. 225.º, e destine a marca, imediata ou diferidamente, a produtos e serviços relacionados com essas actividades (…)”2.
Ora, resulta assente que «O Respondente registou a marca "D" nos Estados Unidos sob número 4.292.453. O pedido de registo foi feito a 24 de Agosto de 2012 e registada em 19 de Fevereiro de 2013.
Resulta também assente que B é o fundador da C (que no comércio usa D) e que é titular na China continental das marcas que se id. a fls 67 e 68.
Em face disto e do mais documentado está garantida a legitimidade posta em crise e uma vez que daqueles anteriores registos resulta que a parte contrária tem em marcha um projecto de actividade, de resto em conformidade com o que se retira dos factos por si invocados.
Resulta, pois, que não é a parte contrária pessoa extraneus na actividade ligada à comercialização dos produtos que com os sinais em crise se pretende sinalizar, pelo contrário, é um agente importante dessa actividade.
É pois patente que a parte contrária tem legitimidade para fazer os pedidos que fez.
**
Convoca a recorrente a alegada notoriedade da marca A, que diz ser «sua»3, para sustentar a sua pretensão de revogação da decidão da DSE por violação do disposto no artigo 214.º, n.º 1, alínea b), do RJPI: «o registo de marca é recusado quando (..) a) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória.»
Invoca igualmente a concorrência desleal.
Diremos que aquele fundamento, como a concorrência desleal, ficam prejudicados com a falta da prova pela recorrente de que a marca que invoca é sua4.
Não obstante, pressupondo essa titularidade, antecipadamente se dirá que não se perscruta o preenchimento total dos requisitos a que alude o predito preceito artº214 nº1 al.b).
«Damos de barato» que haja similitude nos termos e para os efeitos do normativo referido entre as marcas XX/XX (sinais das registandas) e A (alegadamente da recorrente).
Todavia impõe-se mais para que tenha sucesso a pretensão da recorrente.
Vejamos.
Releva na conformação das marcas o princípio da novidade ou da exclusividade, traduzido, numa formulação positiva, que ela seja nova, e numa formulação negativa nos seguintes termos: será recusado o registo das marcas que sejam, diz a al.b do nº2 do artº214º do RJPI, “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou compreenda o risco de associação com a marca registada”.
No caso em apreço, a marca que a recorrente invoca como fundamento obstáculo do registo da marcas em crise, não tem registo anterior em Macau, logo não gozando da protecção directa no quadro da al.b do nº2 do artº214º do RJPI deste último.
Exactamente perante a impossibilidade de se invocar a prioridade de registo, invoca a recorrente que a sua alegada marca, não obstante com pedido de registo posterior em Macau, é notoriamente conhecida nos termos e para os efeitos do artº214ºnº1 al.b) do RJPI
“(…), quanto ao regime de protecção das marcas, há que distinguir as marcas registadas das não registadas, de facto ou livres, sendo que devendo ainda acrescentar-se que as marcas notórias e as de prestígio, mesmo não registadas, gozam de protecção especial”5.
Refere mais adiante o autor id. na nota 6 que “as marcas de facto, além de poderem gozar do (…) direito de prioridade para o registo, nos termos do artº227 do CPI (artº202 do RJPI), podem ser também protegidas por efeito do disposto no artº24º nº1 al. d) do CPI (artº9, al.c) do RJPI): deve ser recusado o registo de marca idêntica ou confundível com marca de facto quando se reconheça que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
De igual protecção especial gozam as marcas de facto notoriamente conhecidas, nos termos deste preceito com base no que se dirá.
Diz o artº214º nº1 al.b) do RJPI que “O registo de marca é recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória” Em duas palavras: a entidade responsável (em Macau a DSE e ou o Tribunal) deve recusar o registo de marca que reproduza, imita ou traduza marca notoriamente conhecida nos termos do nº1 artº214 citado.
Pode-se dizer que subjaz deste preceito, referente à marca notória, uma excepção ao princípio do registo constitutivo do direito à marca, cremos que previsto no nosso ordenamento jurídico (no CPI Português está previsto expressamente no artº224º) através da conjugação do artº5º e 15ºdo RJPI (este consagrando expressamente o princípio da prioridade do registo), uma vez que é protegida independentemente de registo e porque a recusa de marca conflituante é obrigatória e vinculada para a DSE. De igual modo, tal circunstância é também uma excepção ao princípio da prioridade do registo, este, de certa forma, absorvido pelo princípio anteriormente referido.
Esta classe de marca, notória, e as de prestígio, conferem ao respectivo titular a atribuição de direitos exclusivos de uso, arguíveis, defensáveis e reconhecidos pela OJ independentemente da prévia concessão definitiva de registo.
Pressupondo a imitação, no todo ou em parte da alegada marca da recorrente questiona-se de seguida se a marca imitada corresponde efectivamente a uma marca notória nos termos e para efeitos da sua protecção no quadro dos normativos citados.
Na base da classificação de uma marca como notória está um critério quantitativo.
Entende-se, generalizadamente, que a marca notória tem de ser conhecida de uma parte significativa do público relevante.
No entanto, enquanto parte da doutrina entende como público relevante para o efeito o público em geral, outros entendem que basta apenas o público do circuito mercantil (fornecedores, produtores, distribuidores e consumidores) do produto ou serviço comercializado sob determinado sinal distintivo.6
Não obstante estas doutas posições doutrinárias, como em regra em tudo, cremos que a melhor posição será aquela que se encontra no “caminho” entre as duas, ou seja, uma posição eclética ou mitigada.
Reza esta posição que deve considerar-se que o público relevante varia consoante o tipo de produto ou serviço em causa. Se estivermos perante um tipo de produto ou serviço de grande consumo, devemos apurar se a marca é conhecida de parte significativa do grande público. Se o produto ou serviço atinge, pela sua funcionalidade, apenas uma parte do sector da sociedade, então teremos de perscrutar o grau de conhecimento junto do público com acesso expectável àqueles produtos e ou serviços.7
Isto posto, definido o quadro legal e doutrinário, cremos nós de forma suficiente para balizar a decisão que se impõe, nada temos de relevante assente que permita concluir que a marca invocada pela recorrente, repita-se, que não se prova ser «sua», é uma marca notória.
De resto o que foi alegado é já de si manifestamente pouco para que, provado, se concluísse pela notoriedade da marca.
Conclui-se, pois, nos seguintes termos: não vislumbramos qualquer marca notória nos termos e para os efeitos do artº214º nº1 alb) do RJPI.
Concluindo-se que não existe reprodução de marca notória, dificultado fica concluir-se que as marcas registandas são susceptíveis de gerar actos de concorrência desleal nos termos e para os efeitos do artº9 nº1 al.c) do RJPI.
Em primeiro porque, como se referiu, não se provou que a marca oposição seja da recorrente.
Depois, mesmo pressupondo essa titularidade, porque, na economia da abordagem da concorrência desleal, apenas releva, à míngua de mais factualidade, a similitude entre as marcas concorrentes.
Pouco, muito pouco para se concluir pela concorrência desleal, de resto como é reconhecido pela recorrente por invocar a concorrência desleal apenas na sua modalidade intencional.
Para ser recusado o registo com este fundamento é necessário que se reconheça que a requerente do registo pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção (art. 9º, nº 1, al. c) do RJPI).
Esta norma abrange duas situações: a contrariedade objectiva intencional e a contrariedade objectiva não intencional às normas de concorrência desleal.
Temos para nós que o que de diferente existe entre as marcas concorrentes, e é alguma, pois, referindo-se à mesma realidade usam terminologia diferente (o mercado está cheio de situações similares e a actividade dos concorrentes convivem sadiamente), mesmo pressupondo a citada titularidade da recorrente, sempre prejudicaria a conclusão pela qual se pugna: concorrência desleal.
Acresce ainda para abalar qualquer pretensão de concorrência desleal, a parte contrária há muito que se dedica à actividade de comercialização dos produtos que com os sinais se pretende marcar conforme decorrer da factualidade assente e de outra alegada e sustentada em documentos constantes do CD anexo.
Naufraga, pois, o recurso.».
Nas suas conclusões de recurso vem a Recorrente invocar erro na decisão da matéria de facto em que assenta a decisão recorrida porquanto o registo de marca 13XXX02 não pertence ao Requerente do Registo das Marcas em causa nestes autos indicando para o efeito o sítio da web da Administração da Propriedade Intelectual da China onde feita a busca assim concluiu.
Com base no esclarecimento prestado nas contra-alegações do requerente da marca conclui-se que a marca referida a fls. 67 não está registada sob o número indicado mas sob o nº G13XXX02 verificando-se através de busca feita no indicado sítio da web que pertence ao Requerente das Marcas.
Pelo que improcedem as alegações de recurso 2 a 6.
Consultado o mesmo sítio da web verificamos que as marcas indicadas a fls. 21 a 25 estando registadas em nome da Recorrente relativamente a elas consta que o estado das Marcas que a Recorrente alega serem suas é indicado como “congeladas” o que feita a devida adaptação corresponde a suspensas e pendente a invalidação das mesmas.
Mas se tal não fosse bastante para suscitar a dúvida sobre a titularidade da marca o documento de fls. 32 a 40 e que a Recorrente no artigo 15º da sua p.i. conclui ser uma confissão ajuramentada de que as marcas lhe pertencem, mais não é do que uma declaração assinada pelo Requerente das Marcas cujo registo é requerido nestes autos, em que em síntese, reconhecendo a cooperação entre D e A e afirmando que no âmbito dessa cooperação os produtos da D são comercializados na China sob as marcas objecto destes autos, baseado no registo dessas marcas feito na China – as marcas de fls. 67 e 68 – autoriza a A a promover essas marcas e a defendê-las contra usos abusivos das mesmas.
Contudo, na decisão recorrida apesar de se invocar que a Recorrente não demonstra ser titular da marca o que é evidente porque o registo das marcas está pendente de invalidação e suspenso, mesmo assim, pressupondo-se que a Requerente fosse titular daquelas marcas, o que ali se conclui é que a Recorrente não demonstra que as suas marcas são notórias.
Nas suas conclusões de Recurso invoca a Recorrente que a decisão recorrida é omissa quanto a toda a matéria de facto que demonstra que a suas marcas são notórias.
Ora, na sua petição a Recorrente discorre nos artigos 23º a 29º sobre o que entende serem marcas notórias, e conclui que as suas marcas são notórias, contudo, não indica um único facto que permita extrair tal conclusão.
Pelo que, não só a decisão recorrida não é omissa quanto à apreciação deste argumento, como também não houve qualquer erro de julgamento.
De igual modo se acompanha a fundamentação constante da decisão recorrida no que concerne a eventual concorrência desleal, também invocado.
Destarte, improcedem também as conclusões de recurso 7 a 12 e 25 a 40.
Mais invoca a Recorrente a falta de legitimidade do Requerente das marcas por não ter nisso interesse.
Sobre esta matéria é suficientemente esclarecedora a decisão recorrida assente nos factos dados como provados para o efeito, pelo que nada mais há a acrescentar, não sendo a argumentação da Recorrente mais do que a reprodução daquilo que já antes havia invocado e foi refutado.
Pelo que, aderindo à fundamentação constante da decisão recorrida, improcedem também as conclusões de recurso 13 a 24.
Termos em que, pelos fundamentos expostos não procedendo nenhuma das conclusões de recurso, impõe-se aderir aos fundamentos da decisão recorrida nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, confirmando-a.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, confirma-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 02 de Maio de 2024
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)
1 Manual de Direito Industrial, 5.ª ed., 2014, páginas 222 e 224.
2 Acórdão do Tribunal de Última Instância no Processo n.º 102/2021.
3 Diz a recorrente que a parte contrária, no quadro de outras jurisdições, reconheceu que a citada marca lhe pertence (artº4 e ss da p.i.), facto de todo controvertido por, como resulta dos autos, existir disputa a propósito noutras jurisdições. Está por assentar a titularidade da marca que a recorrente diz ser sua o que, no caso, apenas em situação de absoluta ausência de dúvida face a documentos juntos seria possível, coisa que não ocorre.
4 Vide nota 3.
5 Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, I, 4º ed. Almedina, pag.354.
6 Cfr. Neste último sentido, Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra, 2004, p. 356. No primeiro sentido, Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, Coimbra, 2003, p. 146. (Veja-se, ainda, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06 de Maio de 2003, no qual se reconhece a marca TOYS’R’US como notória, podendo, para tanto, ser conhecida apenas junto dos seus consumidores, entendendo-se que só a marca de prestígio precisa de ser conhecida do público em geral.)
7 Apesar da natureza de “mera” recomendação, pela importância da sua origem institucional, outrossim relevando que os critérios que dela emergem, não sendo decisivos e dogmáticos, servirão, no entanto, como indicadores do que se deve ter em conta para se aferir da qualidade de marca notória, parece-nos interessante chamar à colação o que dispõe a Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI – Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well-Known Marks, Geneva, 2000, a saber:
a) - O grau de conhecimento da marca no sector do público relevante:
b) - A duração, extensão e área geográfica de uso da marca;
c) - A duração, extensão e área geográfica de promoção da marca, incluindo publicidade e apresentação em feiras e exposições dos produtos e ou serviços a que a marca se aplica;
d) - A duração e área geográfica de quaisquer registos, e ou pedidos de registo da marca, na medida em que reflectem o uso ou o conhecimento da marca – Cfr. in http://www.wipo.int/about-ip/en/development_iplaw/pub833-toc.htm#TopOfPage
Importa ainda referir que, através do article 2 (2) da Recomendação aqui referida, se opera com um conceito de sector relevante do público, indicando, como tal: i) os actuais ou potenciais consumidores do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; ii) pessoas envolvidas em canais de distribuição do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; iii) círculos de negócio ou comerciais que lidam com o tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica.
Acrescenta a mesma Recomendação, neste mesmo preceito e na sua subalínea (2) (b), que a marca que seja bem conhecida de pelo menos um dos sectores relevantes do público antes referidos, num determinado território nacional, deve ser considerada notória nesse Estado Membro.
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73/2024 CÍVEL 1