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Processo nº 17/2021
(Autos de recurso civil e laboral)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Notificada da distribuição neste Tribunal de Última Instância efectuada dos presentes “Autos de Recurso Civil e Laboral”, e, assim, da composição do Colectivo de Juízes que o iria julgar, veio a A., “A”, (“甲”), agora recorrida, requerer a “declaração de impedimento” de um dos Exmos. Juízes-Adjuntos, invocando, para tal, o estatuído no art. 311°, n.° 1, al. c), in fine, do C.P.C.M.; (cfr., fls. 3494 a 3499 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por despacho exarado nos autos entendeu o Exmo. Juiz-Adjunto visado que motivos não existiam para se considerar “impedido”, e, como tal, para não intervir no julgamento dos recursos nestes autos a esta Instância trazidos; (cfr., fls. 3541-v a 3542).

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Inconformada com a aludida decisão, da mesma veio a dita A. reclamar para a conferência; (cfr., fls. 3548 a 3556).

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Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 21.12.2023, e nos termos do estatuído no art. 14°-C da “Lei de Bases da Organização Judiciária”, (Lei n.° 9/1999), foram estes autos redistribuídos ao ora relator.

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Cumpre decidir, (com a intervenção do Exmo. Juiz Substituto legal do autor do despacho reclamado; cfr., fls. 3588, 3590 e 3593).

Fundamentação

2. Adequadamente identificada que se nos apresenta estar a “questão” a apreciar e decidir, passa-se a expor as razões da solução que se mostra de adoptar.

Pois bem, nos termos do invocado comando legal do art. 311° do C.P.C.M.:

“1. O juiz está impedido de exercer as suas funções quando:
(…)
c) Tenha intervindo na causa como mandatário judicial ou perito ou tenha que decidir questão sobre que tenha dado parecer ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente;
(…)
2. O impedimento referido na alínea d) do número anterior só se verifica quando o mandatário judicial já tenha requerido ou alegado no processo na altura em que o juiz devesse ter nele a sua primeira intervenção; na hipótese inversa, é o mandatário judicial que está inibido de exercer o patrocínio”.

In casu, o “motivo” pela A., ora reclamante, invocado para o requerido “impedimento”, prende-se com facto de, por ocasião da “Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário de 2020/2021”, ter o Exmo. Juiz-Adjunto, na qualidade de Presidente deste Tribunal de Última Instância, incluído no discurso que proferiu o seguinte excerto:

“(…)
Cabe aqui uma referência ao Processo do Tribunal de Segunda Instância que há pouco tempo foi tornado público, em que, por causa duma expropriação não registada de terreno, realizada pelo Governo há cem anos, a RAEM e o IAM foram condenados pelo tribunal colectivo do Tribunal de Segunda Instância à restituição do terreno expropriado e ao ressarcimento dos danos causados. Note-se que, neste processo foram precisamente as alterações recém-introduzidas à Lei de Bases da Organização Judiciária e ao Código de Processo Civil que possibilitaram ao Governo da Região recorrer desse acórdão para o Tribunal de Última Instância.
(…)”.

Considerando a ora reclamante que as “declarações em apreço consubstanciam, objectivamente, uma pronúncia pública expressa e específica sobre o presente processo judicial, e consequentemente, no entender da Recorrida, uma violação do dever de reserva imposto a todos os magistrados pelo artigo 25° do Estatuto dos Magistrados, enquanto mecanismo de garantia da sua imparcialidade e da protecção da confiança pública no sistema judicial”, eis as razões do presente “incidente”.

Ora, mostra-se de recordar desde já que a matéria dos “impedimentos” – assim como das “suspeições”, (cfr., art°s 311° a 325° do C.P.C.M.), directamente relacionada com a da “imparcialidade (e transparência) dos Tribunais e das suas decisões” – impõe, como é óbvio, especial rigor e cautela na identificação das suas (verdadeiras) “causas”, assim como na aferição dos seus (respectivos) “pressupostos legais”.

Com efeito, sob pena de se comprometer, (irremediavelmente), o princípio fundamental do “juiz natural”, importa, pois, e antes de mais, ter presente que tão só “motivos – clara e objectivamente – sérios (e graves)”, devem justificar o afastamento de um Julgador de um processo para o qual foi designado pelas regras processuais aplicáveis relativas à sua distribuição.

E, assim, em face do alegado, (e em causa não estando qualquer “intervenção” do Exmo. Juiz-Adjunto como “mandatário” ou “perito”), pouco se mostra de dizer para justificar a solução que para a questão colocada se nos apresenta como a adequada.

Basta pois, (e para abreviar), ter presente que, (como no despacho agora reclamado se não deixou de consignar), a “matéria” já tinha sido noticiada, e há “mais de uma/duas semanas antes” das afirmações – em 14.10.2020 – proferidas e pela ora reclamante consideradas “problemáticas” – em 23 e 28.09.2020 – interpostos já tinham sido os (2) recursos a esta Instância trazidos, (totalmente) evidenciado ficando assim que, aquelas, (tanto pela sua “forma” como “substância”), se limitaram a constituir a mera “constatação de um facto” já existente e “público” pois que, no momento, já amplamente divulgado e comentado pelos órgãos de comunicação social locais; (cfr., v.g., a notícia publicada no jornal “Hoje Macau”, de 27.09.2020, com o título “RAEM e IAM condenados a devolver um terreno e pagar indemnizações”, e a página electrónica dos Tribunais da R.A.E.M. da mesma data, in “www.court.gov.mo”, onde, no espaço dedicado às “notícias”, se fez constar síntese do pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância decidido relativamente ao litígio sobre o aludido “terreno”, fazendo-se expressa referência ao recurso que, já naquele momento, o Ministério Público, em representação da R.A.E.M., tinha interposto do decidido pelo Tribunal de Segunda Instância).

Dest’arte, manifesto se apresentando que com as “afirmações” em causa não ocorreu qualquer espécie de “pronúncia” – ou mera e implícita “observação” – sobre o “mérito” (ou bondade) da decisão do Tribunal de Segunda Instância, (ou relativa a qualquer “questão a apreciar e decidir” em sede dos recursos para este Tribunal de Última Instância interpostos, não se devendo deixar de enquadrar, devida e temporalmente, a nota aí efectuada quanto às “alterações recém-introduzidas à Lei de Bases da Organização Judiciária e ao Código de Processo Civil … que possibilitaram o recurso …”), à vista está a solução que se impõe adoptar para a presente reclamação que, (sem necessidade de mais considerações), se apresenta pois de julgar improcedente.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.

Custas pela reclamante com taxa de justiça de 8 UCs.

Notifique.

Macau, aos 28 de Fevereiro de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan

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