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Processo n.º 642/2023
(Autos de recurso contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data : 09 de Maio de 2024

Assuntos:

- Alargamento do conceito de residência habitual feito pela Lei n.º 16/2021, para efeitos de renovação da autorização da fixação de residência em Macau

SUMÁRIO:

I – Vem alargar-se o conceito de residência habitual com a Lei n.º 16/2021, deixando de se exigir, enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, de acordo com a norma do n.º 5 do artigo 43.º dessa Lei, que Macau constitua o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, o qual nem sequer precisa de aqui ter a sua habitação para pernoitar, pois dispõe tal norma que “não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial.”
II - São casos da vida concreta em que se pode dizer que não deixa de residir habitualmente em Macau alguém que vai trabalhar para o exterior de Macau, ainda que por longos períodos, mas aqui deixa a sua casa de morada da família, na qual continuem a residir, eventualmente, o seu cônjuge e os seus filhos e onde regressa durante o período de férias. Do mesmo modo, também não deixa de residir habitualmente em Macau, por exemplo, o estudante que conclui o ensino secundário e se ausenta da Região para prosseguir os estudos numa universidade localizada no exterior de Macau, aí permanecendo durante todo o ano lectivo, mas regressando à casa de morada da família situada em Macau durante as férias escolares.
III - O ponto essencial é, apesar da ausência de Macau, a situação concreta permita, ainda assim, descortinar vínculos pessoais legalmente relevantes entre o ausente e a Região, nomeadamente, aqueles a que se referem as alíneas 2), 3) e 4) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999 (mas não só esses, dado que a enumeração legal é meramente exemplificativa), que permitam reconhecer que Macau não deixou, num certo sentido, de ser o centro da vida pessoal do residente que se ausentou da Região.
IV - Resulta dos autos que o Recorrente é casado com uma residente permanente da RAEM e ambos mantêm uma efectiva comunhão de vida e é em Macau que se encontra a respectiva casa de morada da família. A prova produzida nos autos permite ainda concluir que o Recorrente, cuja profissão é a de ..., se viu obrigado a procurar trabalho no estrangeiro, em virtude de a empresa de Macau na qual trabalhava ter dispensado diversos trabalhadores durante o período em que vigoraram as medidas de combate à pandemia de covid-19.
V – Igualmente fica demonstrado que o Recorrente tem em Macau, não só a sua residência, mas, também, os seus laços familiares mais importantes, pois que é aqui que vive o seu cônjuge e é aqui que se situa a casa de morada de família de ambos. Por isso, não se demonstra que a ausência daquele tenha correspondido a um corte da sua ligação existencial a Macau. Pelo contrário, a situação do Recorrente apresenta especificidades em relação a outras aparentemente similares que permitem o seu enquadramento na previsão da norma do n.º 3 do artigo 4.º da Lei 8/1999.
VI - Atendendo às concretas circunstâncias do caso, nomeadamente, que a ausência do Recorrente da Região se ficou a dever a razões profissionais, devido a falta conjuntural de oportunidades de trabalho numa profissão que exige prática constante (cfr. alínea 1) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999), que ele manteve em Macau a sua residência e a casa de morada da família (cfr. alínea 2) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999), e que o seu núcleo familiar, nomeadamente, o seu cônjuge, se encontra em Macau (cfr. alínea 4) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999), é de concluir-se que a dita ausência temporária do Recorrente não determinou que o mesmo tenha deixado de residir de modo habitual em Macau, pelo contrário, o mesmo tem mantido os tais vínculos pessoais relevantes face à lei acima citada, o que constitui razão bastante para anular o acto recorrido por padecer do vício da violação da lei.

O Relator,

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Fong Man Chong






Processo n.º 642/2023
(Autos de recurso contencioso)

Data : 09 de Maio de 2024

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 26/06/2023, veio, em 01/09/2023, interpor o recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 56, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O recorrente mora em Macau há já mais de 8 anos, tendo uma firme e sólida ligação pessoal ao Território, que se não esgota no factor económico e laboral, tendo a partir sensivelmente de 2017 começado a namorar e a viver em união de facto com B, com quem se casou em Macau em 11 SET 2020.
2. A esposa do recorrente nasceu em Macau em 27 AGO 1980 e, tendo nacionalidade portuguesa, é uma "originária" residente permanente da R.A.E.M. por ter aqui nascido, sempre tendo também residido na R.A.E.M.
3. O recorrente fez toda a sua formação académica e profissional como ..., tem 33 anos de experiência profissional mi área, alguns dos quais trabalhando já nessas funções de ... em Macau.
4. Devido à crise económica causada pela pandemia Covid-19, em Julho de 2020 a empresa para a qual trabalhava - a C CO., LTD - teve de dispensar vários trabalhadores, pelo que o recorrente perdeu essa oportunidade de trabalho em Macau.
5. Existindo, contudo, uma expectativa generalizada de que a pandemia Covid-19 não se iria alongar para além de alguns meses, o recorrente e a sua esposa de início decidiram que ele não iria de imediato procurar um outro emprego como ... e que, assim, iria subsistir e aguentar-se usando apenas as suas poupanças bancárias, sendo que a triste realidade foi que, ao fim de algum tempo, a pandemia Covid 19 não só se continuava a manifestar gravemente como até tinham piorado os seus efeitos ao nível da economia e da confiança nos mercados regionais e globais.
6. Assim sendo, no final de Setembro de 2020 o recorrente deslocou-se à Itália a fim de requerer a renovação anual da sua licença de ..., sem a qual não poderia exercer a sua profissão onde quer que fosse, a qual obteve no final de Outubro de 2020.
7. Entre o final de 2020 e o início de 2021 o recorrente permaneceu em Portugal a fim de procurar comprador e tentar vender a fracção autónoma de que ele e a esposa eram proprietários e, após ter acertado a venda da casa em Portugal, o recorrente regressou a Macau em Março de 2021, submetendo-se à entrada na R.A.E.M. a uma quarentena de 21 dias em hotel e de 7 dias em casa.
8. Entre Março e Julho de 2021, enquanto estava em Macau com a sua esposa, o recorrente perdeu 2 excelentes oportunidades de emprego como ... fora de Macau, situação que se ficou a dever ao cancelamento arbitrário de voos de Macau e, assim, em Julho de 2021 o recorrente e a esposa decidiram conjuntamente que ele iria para Itália a fim de obter formação complementar como ..., renovar a respectiva licença e, entretanto, tentar obter uma oportunidade de trabalho como ....
9. Em Outubro de 2021 o recorrente conseguiu obter na Itália a renovação da sua licença de ... e em Março de 2022, o recorrente obteve finalmente uma primeira oportunidade de trabalho em Curaçao, no mar das Caraíbas, através da empresa D.
10. Em Julho de 2022, o recorrente foi contratado pela empresa E para prestar funções de … e, depois, ... em operações offshore de petróleo e gás em África, concretamente para pilotar o modelo AW139 no Senegal e no Gana, cabendo destacar que as funções de ... em operações offshore de petróleo e gás em alto mar são consideradas a elite da profissão de ..., exigindo uma formação permanente, designadamente em treino de fuga subaquática, primeiros socorros e combate a incêndios, o que o recorrente obteve com sucesso.
11. Em 2022, o recorrente não conseguiu viajar para Macau devido à necessidade de manter o seu emprego na empresa E como ... em operações offshore de petróleo e gás, o qual não se compadecia coma extrema incerteza das deslocações de e para Macau, designadamente com a questão do errático e arbitrário cancelamento de voos e com a prorrogação crescente dos períodos imperativos de quarentena.
12. Logo que a pandemia Covid-19 e as inerentes quarentenas cessaram - no início de 2023 - o recorrente e a esposa encontraram-se em Macau em Janeiro de 2023, em Março e 2023, em Maio de 2023 e, tendo o recorrente chegado a Macau em 31 AGO 2023, estará com a sua esposa em Macau o mês de Setembro de 2023, tendo-se, por outro lado, o recorrente e esposa encontrado em Julho de 2023 na Holanda e em Portugal.
13. De acordo com o contrato entre o recorrente e empresa E, o recorrente tem um regime de 28 dias de trabalho seguidos de 28 dias de folga e, assim sendo - agora que as medidas em vigor durante a pandemia Covid-19 foram finalmente levantadas - sempre que o recorrente está de folga vem invariavelmente a Macau ou a esposa encontra-se com o marido fora de Macau.
14. Pelos motivos e vicissitudes conjunturais derivadas da pandemia Covid-19, e também por o recorrente não poder continuar a sustentar-se apenas com base nas suas poupanças, no final de Agosto de 2020 o recorrente e a sua esposa decidiram - conjunta, articulada e conjugalmente - que ele iria tentar obter, com a expectativa de que pudesse ser apenas a título transitório e temporário, um emprego fora de Macau.
15. E, simultaneamente, o recorrente e sua esposa decidiram que tendo esta um emprego estável na UNIVERSIDADE DE MACAU e que não foi afectado pela pandemia Covid-19, a esposa ficaria em Macau mesmo que o seu marido – o aqui recorrente - se ausentasse transitoriamente por motivos laborais.
16. O recorrente e a sua esposa sempre habitaram conjugalmente em Macau numa casa por eles adquirida, estando nessa fracção todos os pertences pessoais do casal adquiridos ao longo dos anos, verbi gratia roupa, mobília, esculturas, equipamentos electrónicos e outros bens com elevado valor estimativo e financeiro do casal.
17. Aquando da celebração do casamento, ambos acordaram que a base e o pressuposto da sua vida conjugal futura deveria ser sempre a sua estadia e permanência em Macau, em termos de decorrer sempre na R.A.E.M. o centro habitual e referencial das suas vidas.
18. As opções adoptadas pelo recorrente e a sua esposa quanto às suas vidas pessoais e familiares documentam de forma nítida que pretendem que a sua ligação a Macau possa continuar a ser perene e aqui estabelecida por um prazo indeterminado, vinculando-se a um estatuto de particular e séria pertinência à R.A.E.M., não se encontrando no Território com fins meramente transitórios ou temporários, sendo exemplo paradigmático da sua firme e irreversível ligação a Macau, a decisão conjugalmente adoptada no final de 2020 pelo recorrente e pela esposa de venderem a única fracção autónoma que tinham em Portugal, nada mais tendo de seu nesse país desde então.
19. Tendo o recorrente em Julho de 2021 sido dispensado das suas funções profissionais pela sua empregadora, finalmente em Julho de 2022 - após ter perdido em 2021 duas oportunidades de trabalho fora de Macau devido às dificuldades extremas de voar de e para Macau - o recorrente obteve uma excelente oferta de emprego fora de Macau, tendo ele e a esposa combinado que, respectivamente, ele e ela se iriam mutuamente visitar, tanto mais quanto lhes fosse possível, durante o tempo em que o recorrente tivesse de estar fora de Macau no desempenho dessas suas novas funções laborais.
20. A intenção do casal foi a de, por um lado, no respeitante ao recorrente, procurar, onde quer que fosse possível e viável, uma outra fonte de rendimento laboral uma vez que, à data, enquanto piloto profissional de helicópteros e fruto da paralisia causada pela Covid-19, o mercado local de Macau estava para si totalmente inviabilizado, tendo mesmo sido dispensado pela sua anterior empregadora, a isto acrescendo, por outro lado, que o casal queria também assegurar que o emprego da esposa em Macau permanecesse salvaguardado, razão essa pela qual o casal decidiu que esta permaneceria em Macau e juntar-se-ia, sempre que possível, ao recorrente e este, de igual modo, tanto mais quanto possível, viria a Macau a fim de estar com a sua mulher.
21. Com as restrições e proibições de voo crescentes e, bem assim, com as quarentenas de duração variável, foi ficando cada vez mais difícil e sobretudo imprevisível que qualquer viagem de avião de e para Macau pudesse ser cumprida sem alterações súbitas e inesperadas ao plano inicial, sendo que, como consequência, o agendamento e o planeamento necessários para que o recorrente e a esposa se pudessem visitar entre Macau e o exterior com a frequência e duração temporal por ambos sempre desejada foi-se tornando progressivamente mais dificultado e frustrante até ao ponto da sua inviabilidade.
22. Tal dificuldade atingiu um ponto em que se tornou na prática impossível prever e controlar se uma viagem de ou para Macau de, por exemplo, 1 mês, se não viria a tornar - fruto das alterações não anunciadas quer de voos quer do período das quarentenas - de duração bastante superior, situação esta que - fácil é de se entender - iria levar a atrasos no regresso às funções profissionais que do recorrente quer da sua esposa, atrasos e impossibilidades de cumprimento contratual que levariam necessariamente a sérios problemas quanto à manutenção do emprego junto dos respectivos empregadores que do recorrente quer da esposa.
23. O recorrente esteve com a esposa em Macau 9 meses em 2020,4 meses em 2021 e, após o cancelamento no início de 2023 das restrições inerentes à pandemia Covid-19, tem estado com a sua esposa em Macau de 2 em 2 meses (Janeiro, Março, Maio, Setembro de 2023) e, em Julho de 2023, na Europa (Holanda e Portugal), sendo que, em simultâneo, ininterruptamente e desde sempre, o recorrente e a sua esposa permanecem em contacto no seu dia a dia, designadamente através de telefonemas ou mensagens por aplicativos electrónicos.
24. É facto público e notório que a pandemia do COVID-19 teve início em finais de Janeiro de 2020, fustigando todo o mundo, incluindo a Ásia e Macau, apenas tendo evoluído para um patamar de controlo e estabilização mínimos no início de 2023, situação pandémica que durou cerca de 3 anos gerou a restrição dos movimentos das pessoas e, em especial, afectou seriamente todos os voos regulares de e para Macau, tendo o Governo de Macau - como medida contra a pandemia do COVID-19 - aconselhado os residentes de Macau a somente se deslocarem de e para Macau como ultimissima ratio, se não houvesse quaisquer alternativas.
25. Ambos o recorrente e a sua esposa, como sempre fizeram desde que começaram a namorar e se casaram, têm vivido juntos e coabitado como casal na casa que compraram em Macau, sendo em Macau que o recorrente e a sua esposa têm as suas contas bancárias conjuntas e fazem as respectivas poupanças, salientando-se que, mesmo apesar de estar transitoriamente a trabalhar a partir do exterior de Macau, o salário que o recorrente recebe é-lhe pago em Malta (na Europa) e, de imediato, é por ele transferido para um banco português (a Caixa Geral de Depósitos) e, por fim, é integralmente transferido para a conta do casal em Macau, no Banco Nacional Ultramarino.
26. A ausência temporária e intercalada de Macau por parte do recorrente a partir de 2021 em nada colidiu com o estabelecimento em Macau do centro de vida do casal, sendo aqui a sua residência habitual, existindo uma hipótese de o recorrente poder, a breve prazo, prestar as suas funções de piloto profissional de helicópteros na Ásia (em Taiwan) e, a confirmar-se essa oportunidade laboral, o recorrente irá, ainda mais vezes e por períodos mais longos, vir e permanecer em Macau semanalmente com a sua esposa, acrescendo que com a presente recuperação da actividade económica vivida após o término da pandemia Covid-19, o recorrente acredita que, a médio prazo, possa retomar as suas funções de piloto profissional de helicópteros a partir directamente de Macau.
27. Agora como dantes, toda a vida da esposa do recorrente e, conjugada e articuladamente, toda a vida do recorrente se alinham e orientam em torno do propósito firme e resoluto de, como casal e célula conjugal e familiar, ser e continuar futuramente a ser Macau o centro e palco central das suas vidas e, pois, a residência habitual do casal, sendo que o motivo relevante e atendível para a sua ausência temporária foi - fruto das condições económicas adversas trazidas pelo Covid-19 - ter sido dispensado das suas funções laborais em Macau e de, concomitantemente, ter tido a necessidade indeclinável de obter uma outra fonte de rendimento, mesmo com isso implicando a sua deslocação temporária para fora de Macau.
28. A necessidade de obter uma fonte de rendimento laboral por parte do recorrente não se tratou de um simples e mero acto de vontade do recorrente e da sua esposa, não é nem foi um acto arbitrário e livre de ambos, nem também não foi arbitrária nem meramente caprichosa a decisão, conjugalmente adoptada por ambos, de que, tendo o recorrente de sair temporariamente de Macau, a sua esposa iria permanecer na R.A.E.M. a fim de aqui assegurar a continuidade da sua relação de trabalho na UNIVERSIDADE DE MACAU.
29. Para a ponderação quanto ao que o casal deveria fazer, o recorrente e a esposa tiveram em conta, além da necessidade de obtenção de rendimentos laborais por parte do recorrente, que a actividade profissional da esposa em Macau não tinha sido afectada pela pandemia do Covid e que, pois, o emprego da esposa não só podia como também deveria ser prestado presencialmente em Macau, situação que, contudo, não aconteceu em relação ao recorrente que, tendo perdido o seu emprego como ... em Macau, só teve a oportunidade de retomar essa mesma função altamente especializada fora da R.A.E.M. a partir de Março de 2022.
30. O recorrente a sua esposa, ponderando todos os factores e considerandos, tomaram conjuntamente, como casal e família que são, uma decisão sobre qual a solução transitória que assegurasse o melhor interesse de toda a família e, por outro lado, que melhor se coadunasse com a situação de pandemia global já então em pleno vigor à escala mundial.
31. Uma ausência temporária de Macau, concretamente para obter rendimentos profissionais deixados transitoriamente de poder angariar em Macau, não implica a perda de Macau como o centro da respectiva vida pessoal e profissional mas apenas uma situação cuja expectativa legítima foi a de que seria apenas provisória.
32. Tal ausência temporária do recorrente da R.A.E.M. também não significou qualquer ruptura do pacto e vínculo conjugal entre o recorrente e a sua esposa - muito pelo contrário! - pois que foi também e sobretudo por amor entre a esposa e o recorrente, que a esposa do recorrente combinou com o recorrente que - uma que que ela tinha essa possibilidade profissional de manter o seu posto de trabalho presencial em Macau e que, porém, ele a não tinha - ela ficaria em Macau e o marido regressaria a Macau sempre que viável e possível.
34. Para o casal - recorrente e esposa - tratou-se de um período de ordália e privações extremamente penosas e com sacrifícios mútuos que foram efectuados e vencidos em homenagem ao amor forte que os unia e continua a unir, sendo que essa decisão conjugal também nunca implicou qualquer desligamento ou abrandamento quer do recorrente quer da sua esposa em relação a Macau como o centro referencial das suas vidas enquanto casal, para efeitos do que se designa legalmente como residência habitual.
35. A Administração não efectuou qualquer investigação ou acto de instrução procedimental a fim de verificar concretamente se entre o recorrente e a esposa existia comunhão de vida e, sobretudo, propósito de comunhão de vida, enquanto casal com intuito sério de radicação em Macau, sendo que, apesar de ter sido sugerido e solicitado, nunca a Administração se deslocou à casa do recorrente e da esposa nem nunca esta foi ouvida e auscultada.
36. Incorrendo num patente deficit de instrução procedimental, a Administração limitou-se, conclusiva e fictamente, a computar, sem mais, qual o número dos dias em que o recorrente não esteve em Macau com a sua esposa.
37. Segundo o art. 30.°, n.º 2, do Código Civil residência habitual é o «(...) lugar onde o indivíduo tem o centro efectivo e estável da sua vida pessoal (...)», sendo que na doutrina portuguesa, o Professor JOSÉ ALBERTO DOS REIS ensinava que residência habitual e estável e residência permanente seriam sinónimos, onsiderando todavia não ser exigível que uma pessoa vivesse sempre numa casa, podendo ter outra onde passe algum período transitório.
38. Face ao Direito de Macau, o Professor Luo WEIJIAN tem o endendimento de que o «(...) domicílio permanente é o local onde uma pessoa reside a com a intenção de ali permanecer por longo período de tempo. Em princípio, uma pessoa pode ter várias residências, entendidas estas como o local onde ele reside não para permanecer por longo período, antes por períodos transitórios, mas só pode ter um único domicílio, isto é, o local onde se estabelece permanentemente. A determinação do domicílio permanente é feita através da presunção de factos, por um lado, e através da declaração expressa da própria pessoa, por outro. De acordo com as disposições da Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência, o requerente declara primeiro que tem o seu domicílio permanente em Macau, e depois, tem que fornecer os respectivos elementos para provar, nomeadamente: ser Macau o local da sua residência habitual; ser Macau o local de residência habitual de familiares próximos, nomeadamente o cônjuge e os filhos menores; a existência de meios de subsistência estáveis ou o exercício de profissão em Macau; e o pagamento de impostos nos termos da lei (...)»,
39. Na jurisprudência portuguesa, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 2 DEZ 2009, tirado no proc. n.º 09A144, entendeu que, para que se fale em residência habitual, «(...) é essencial, que o centro de permanência estável e duradoura se situe num determinado local, que aí esteja instalado o seu lar, organizada a sua logística, onde convive, e da qual, sempre que se ausenta, o faz a título transitório, ou temporário, e com o propósito de regressar com estabilidade, por lá permanecer a sua economia doméstica e o seu agregado familiar (...)», tendo o mesmo S.T.J., no seu acórdão de 10 OUT 2002, DEZ 2009, tirado no proc. n.º 2062/06, entendido que a residência permanente num determinado local exige que o centro da vida familiar esteja estabelecido em determinado local de forma estável, habitual, contínua e efectiva.
40. Em sede da jurisprudência da R.A.E.M. o T.S.I., no seu acórdão de 17 FEV 2014 tirado no proc. n.º 42/2014, julgou que «(...) o conceito de residência habitual coincide com o conceito de domicílio voluntário, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive, tem o centro estável da sua vida pessoal e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (...)», tendo mais recentemente o T.U.I., no seu acórdão de 27 JAN 2021, tirado no proc. n.º 182/2020 e relatado pelo Juiz Conselheiro JOSÉ MARIA DIAS AZEDO, a páginas 16, expendeu o seguinte: «(...) Na verdade, a "residência habitual", (e como cremos que a própria expressão o diz), não pode deixar de implicar um "local" que, com a necessária e imprescindível estabilidade, constitua o "centro – habitual - de interesses" de uma pessoa (e da sua família), não nos parecendo que possa ser um "local de passagem", de permanência ocasional ou esporádica, sob pena de se converter em "residência temporária e/ou acidental". Isto, como é óbvio, não se traduz numa (absoluta)impossibilidade de "ausência" - como pode suceder, por determinados períodos, como por exemplo, em resultado de compromissos profissionais, para férias ou visita de familiares e amigos (...)».
41. Idem, a páginas 19: «(...) apresenta-se imprescindível que a qualidade - ou estatuto - de "residente habitual", implica, necessariamente, uma "situação de facto", com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também a natureza de um "elemento de conexão", expressando uma "íntima e efectiva ligação a um local" (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência. Daí que, muitas vezes - e em nossa opinião, adequadamente - se mostre de exigir não só uma "presença física" como a (mera) "permanência" num determinado território, (a que se chama o "corpus"), mas que seja esta acompanhada de uma (verdadeira) "intenção de se tornar residente" deste mesmo território, ("animus"), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do seu quotidiano pessoal, familiar, social e económico, e que indiquem, uma "efectiva participação e partilha" da sua vida social (...)».
42. A mera "ausência temporária" de uma pessoa a quem tenha sido concedida autorização para residir em Macau com o seu cônjuge enquanto casal não implica como necessária a conclusão de descaracterização do corpus e animus conjugalis em Macau do casal e que, pois, tenham ambos, ou um só deles, deixado de "residir habitualmente" em Macau.
43. Para efeitos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, al. 9), da Lei 8/1999, tem domicílio permanente ou definitivo em Macau quem, além de residir habitualmente em Macau, tem aqui centrada a sua economia doméstica, quem tem em Macau o centro da sua vida profissional e familiar, quem paga os seus impostos em Macau, com intenção de aqui permanecer definitivamente, evocando tal entendimento o ensinamento do Professor CARLOS MOTA PINTO, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, fls. 258, que referia que residência habitual é o local onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas, sem prejuízo de ausência prolongada por motivos ponderosos e atendíveis.
44. Estando em causa um conceito indeterminado, na sua densificação dever-se-ão abarcar e acolher situações variadas em que o interessado - ou, in casu, ambos os cônjuges - se ausentem, simultânea ou sucessivamente, conjunta ou separadamente, do local por motivos variados, designadamente por motivos - profissionais para obtenção de rendimentos de trabalho e, logo, a simples ausência física transitória do recorrente de Macau não é, face às circunstâncias supra elencadas, fundamento nem motivo juridicamente válido para se ter determinado que este não teria residência habitual em Macau e que, reflexamente, o recorrente teria por isso deixado de satisfazer os pressupostos aquando da autorização de residência com a sua esposa em Macau.
45. A residência permanente é o local de residência habitual, estável e duradouro de qualquer pessoa, ou seja a casa em que a mesma vive com estabilidade e em que tem instalada e organizada a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da respectiva organização doméstica referida - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 JAN 1978.
46. São diversas as sedes normativas no Direito de Macau em que se pontuam topicamente alguns dos caracteres de que se pode colorir e nuançar o conceito normativo de "residência habitual", ou mesmo de "permanência na R.A.E.M.", sem a respectiva descaracterização qua tale, designadamente: i) na Lei 8/1999 de 20 DEZ, o seu art. 4.°, n.º 3 e n.º 4, als. 1) a 4), em sede dos quais se apreende que não basta a ausência temporária de Macau para que se descaracterize a residência habitual em Macau; ii) na Lei 16/2021 de 16 AGO, o seu art. 43.°, n.º 5, em sede do qual se apreende que poderá ainda ser residência habitual aquela em que se não pernoite em Macau; e iii) na Lei 17/2023 de 21 AGO, o seu art. 7.°, n.º 7, als. 1) a 4), em sede do qual se apreende que poderá ainda ser relevado como tempo de permanência na R.A.E.M. a ausência temporária baseada em variados factores atendíveis.
47. Residência habitual não é, pois, um conceito dogmaticamente fechado, por si só auto-explicativo e rigidificado, sendo que, conforme foi decidido no acórdão n.º 395/2021 tirado em 28 ABR 2022 pelo T.S.I. e relatado pelo Exm.º Juiz Dr. FONG MAN CHONG: «(...) I - A Administração, para justificar a sua actuação, bastou-se com a verificação o Recorrente e o seu cônjuge estiveram fisicamente separados por mais de 9 meses para concluir que entre eles não houve coabitação por esse mesmo período e que, por isso, o pressuposto da autorização de residência havia deixado de se verificar. A coabitação entre os cônjuges não é um conceito susceptível de apreensão puramente fáctica ou naturalística. Pelo contrário, é um conceito jurídico que reveste uma «grande plasticidade» e que, por isso, não dispensa uma análise casuística das concretas circunstâncias que em cada situação ocorram, de forma a procurar desvelar, não só a objectividade da falta de vida em comum, em regra em lugares separados, mas, também, o indispensável elemento subjectivo, qual seja, o propósito de ambos ou, ao menos de um dos cônjuges, de não restabelecer a vida em comum. Sem este elemento subjectivo não pode falar-se de quebra do dever de coabitação (cfr. n.º 1 do artigo 1638.º do Código Civil). II - Se um dos cônjuges emigra para um outro país e está fisicamente ausente da casa de morada da família, e separado do outro cônjuge por largos períodos de tempo, como tantas vezes acontece, daí não resulta a quebra da comunhão de vida, nem do dever de coabitação, tanto mais que da norma do artigo 1534.º do Código Civil decorre, inequivocamente, que os cônjuges podem ter residências separadas. III - Quando a Administração se limitou a verificar que, objectivamente, durante um período de aproximadamente 9 meses, o Recorrente viveu em Macau e o seu cônjuge permaneceu fora de Macau, concretamente no Canadá, mas não demonstra que a essa separação física correspondeu, juridicamente, a uma verdadeira separação de facto e, portanto, que tal período tenha correspondido a uma ausência de comunhão de vida, ou de uma coabitação em sentido juridicamente relevante, uma vez que, dos elementos colhidos no decurso do procedimento administrativo nada indicia que de um ou de ambos os cônjuges não houvesse o propósito de, assim que possível, voltarem a viver no mesmo lugar. Verificando-se um erro nos pressupostos de facto, o que é razão bastante para anular a decisão recorrida. (...)»
48. Igualmente conforme foi decidido no acórdão n.º 326/2022 tirado em 2 MAR 2023 pelo T.S.I. e relatado pelo Exm.º Juiz Dr. FONG MAN CHONG: «(...) SUMARIO: Quando a Administração limitou-se a verificar que, objectivamente, durante um período de aproximadamente 16 meses, a Recorrente viveu em Macau e o seu cônjuge permaneceu fora de Macau (em Hong Kong), mas a verdade é que se não demonstra que essa separação física correspondeu, juridicamente, a uma verdadeira separação de facto e, portanto, que tal período tenha representado uma ausência de comunhão de vida, ou de uma coabitação em sentido juridicamente relevante. Com efeito, dos elementos colhidos no decurso do procedimento administrativo nada indicia que de um ou de ambos os cônjuges não houvesse o propósito de, assim que possível, voltarem a viver no mesmo lugar, em especial se ponderarmos que, no período em causa, eram muito significativos os constrangimentos à entrada e à saída da Região mercê das medidas de combate à pandemia de SARS-Cov2 decretadas pelo Governo, destacando-se, em particular, as medidas de observação médica por períodos de 14 dias em hotéis designados para quem viesse da Região Administrativa Especial de Hong Kong. Pode assim dizer-se que na aplicação da «norma» que construiu no exercício dos seus poderes discricionários, segundo a qual a falta de coabitação em Macau por um período superior a meio ano pode levar à não renovação da autorização de residência, a Administração incorreu em manifesto erro quando partiu da consideração de que o Recorrente deixou de coabitar com o seu cônjuge, pelo que ocorre o fundamento para a anulação do acto recorrido. (...)»
49. Ora, tanto o recorrente como a sua esposa têm vivido em Macau, aqui trabalhando e desenvolvendo as suas actividades profissionais, aqui passando os seus momentos de lazer e se radicando em todos os planos e dimensões das suas vidas, apenas tendo o recorrente, a título de estrita e excepcional necessidade, e após deliberação conjugal conjunta, se visto na posição de ter de sair com uma legítima expectativa de mera transitoriedade temporal de Macau pelas razões laborais e de obtenção de rendimentos acima explanadas, sem com isso ter cessado a relação de conjugalidade entre ele e a sua esposa nem o seu comum animus de viverem como o casal que são e de residirem habitualmente em Macau.
50. O recorrente e a sua esposa estão integrados na comunidade de Macau, estando assim preenchidos os elementos subjectivos e objectivos do conceito de residência habitual, sempre qualquer modificação a tal status quo podendo de futuro, caso ocorra, ser passível de apreciação pela Administração nos termos gerais ao abrigo do princípio rebus sic stantibus.
51. O não acolhimento dos motivos relevantes invocados pelo recorrente configurou um quadro de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários por parte da Administração, tal qual decorre da al. d), in fine, do n.º 1 do art. 21.° do C.P.A.C.
52. A não realização de actos de investigação procedimental configurou um quadro de deficit de instrução por parte da Administração apud artigos 59.° e 86.° do C.P.A., tal qual decorre do corpo do n.º 1 do art. 21.° do C.P.A.C.
53. A decisão ora recorrida fez errada interpretação e aplicação da al. 3) do n.º 2 do art. 43.° da Lei 16/2021, do art. 30.°, n.º 2, do Código Civil e dos artigos 59.° e 86.° do C.P.A. e, consequentemente, atentos esses vícios, a decisão a quo configura-se como um acto anulável, ex vi do art. 124.° do C.P.A., invalidades que aqui se invocam como fundamentos específicos para a sua anulação por V. Ex.as, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.° e a al. d), in fine, do n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
NESTES TERMOS, deverá ser dado provimento ao presente recurso, determinando-se a anulação do acto recorrido, atento os vícios de violação de lei acima invocados e geradores da sua anulabilidade.
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 148 a 156, tendo alegado o seguinte:
      1. 一如起訴狀所述,本卷宗之目的為對被訴實體於2023年6月26日作出之決定提出上訴,該決定為根據第16/2021號法律第43條第2款(三)項的規定,作出的不批准其在澳門的居留許可續期申請。(見行政卷宗第348頁)
      2. 關於被訴實體之決定,值得指出有關決定乃以下述事實為基礎而作出。
      3. 上訴人於2015年11月20日首次以在X(澳門)股份有限公司任職...為據向治安警察局申請居留許可。(見行政卷宗第1至54頁)
      4. 透過行政長官授權保安司司長於2016年3月9日作出批示,上訴人獲批給居留許可,為期一年。(見行政卷宗第56至57頁)
      5. 於2017年1月16日,上訴人向治安警察局申請居留許可續期,當中在申請書上申報以便繼續在X(澳門)股份有限公司任職...。(見行政卷宗第75頁至第103頁)
      6. 透過保安司司長的授權,治安警察局出入境事務廳廳長於2017年1月26日作出批示,上訴人獲批給居留許可,有效期至2019年3月8日。(見行政卷宗第106頁及第110頁)
      7. 於2019年1月4日,上訴人透過代理人再向治安警察局申請居留許可續期,當中在申請書上申報以便繼續在X(澳門)股份有限公司任職...。(見行政卷宗第127頁至第160頁)
      8. 透過保安司司長的授權,治安警察局居留及逗留事務廳代廳長於2019年2月25日作出批示,上訴人獲批給居留許可,有效期至2021年3月8日。(見行政卷宗第163頁及第167頁)
      9. 於2020年7月31日,上訴人與X(澳門)股份有限公司解除勞動合同;其後上訴人於2020年9月11日與澳門永久性居民B登記結婚。(見行政卷宗第187頁及第198頁)
      10. 基於上訴人在其獲批居留許可具重要性狀況出現消滅或變更,上訴人透過代理人於2020年8月26日向治安警察局申請以與其配偶(B)在澳共同生活為由,維持其居留許可。(見行政卷宗第170頁至第201頁)
      11. 透過行政長官授權保安司司長於2021年3月1日作出批示,上訴人以家庭團聚為由獲批在澳門的居留許可,並被告知居留許可要獲續期必須符合第4/2003號法律及第5/2003號行政法規所規定的要件,且每年在澳門逗留時間不少於183天。(見行政卷宗第204頁至第207頁)
      12. 於2021年2月8日,B透過授權書的委託,代上訴人向治安警察局申請居留許可續期。(見行政卷宗第212頁至第227頁)
      13. 透過保安司司長的授權,治安警察局居留及逗留事務廳代廳長於2021年3月10日作出批示,上訴人獲批給居留許可,有效期至2023年3月9日。(見行政卷宗第231頁及第237頁)
      14. 於2022年11月28日,XXX實習律師透過上訴人授權書的委託,代上訴人向治安警察局申請居留許可續期。(見行政卷宗第242頁至第253頁)
      15. 基於經調查發現上訴人於2020年9月14日至2021年3月7日,以及2021年7月14日至2023年1月15日的期間沒有回到澳門與妻子生活(見行政卷宗第318頁)。治安警察局已透過公函通知上訴人行使聽證權(見2022年2月9日之第200151/SRDARPNT/2023P號公函(見行政卷宗第260頁)),期間為15日,後來引致作成2023年4月24日之第200002/SRDARPD/2023P號報告書,其中建議根據第16/2021號法律第43條第2款(三)項的規定,拒絕上訴人居留許可的續期,該報告書獲治安警察局局長於2023年6月1日作出同意之批示。(見行政卷宗第348頁)
      16. 被訴實體的決定透過2023年7月11日之第201134/SRDARPNT/2023P號公函通知上訴人所委託的律師。(見行政卷宗第362頁至第364頁)
      17. 全部事實皆為行政卷宗之組成部分,被訴實體之行為僅為執行合法性原則。
      18. 上訴人在起訴狀結論部分第51條、第52條及第53條指,由於上訴人一直以澳門作為常居地,被訴實體錯誤理解第16/2021號法律第43條第2款(三)項,《民法典》第30條第2款的規定以及按照《行政程序法典》第59條、第86條違反調查義務,同時亦違反了舉證責任的分擔規則,被上訴行為並存有因沾有對事實前提錯誤而引致行政行為不法之瑕疵,按《行政程序法典》第124條之規定,被上訴行為應予撤銷。
      19. 要強調的是,經分析相關法律和上訴人的具體情況,我們認為被上訴批示並未沾有上訴人所指的違反法律瑕疵。
      20. 就是否取得永久性居民身份而言,上訴人提出的上述理由(包括其作出的行為,甚至自由出入澳門)皆無關緊要,關鍵僅在於上訴人是否在澳門通常居住超過七年。
      21. 根據《澳門特別行政區基本法》、第8/1999號法律的規定並結合本案的具體情況可以看到,上訴人是否取得澳門特別行政區永久性居民的身份並獲發永久性居民身份證取決於他是否符合《澳門特別行政區基本法》第24條(二)項及第8/1999號法律第1款(九)項所規定的要件,即“在澳門特別行政區成立以前或以後在澳門通常居住連續七年以上”。
      22. 根據第8/1999號法律第4條的規定,通常居住是指合法在澳門居住,並以澳門為常居地,但同條第2款規定的情況除外。該第2款則規定了即使利害關係人身在澳門但並不屬在澳門居住的幾種情況,包括非法入境、非法在澳門逗留、僅獲准在澳門逗留、以難民身份在澳門逗留或以非本地勞工身份在澳門逗留等等。由此可知,為取得永久性居民身份,在澳門的居住必須具有通常性、連續性及合法性。
      23. 在本案中爭議的焦點是,上訴人自於2020年9月14日至2023年1月15日的期間在澳逗留的時間極少以及上訴人長期在外地工作而不回到澳門與妻子生活,是否認定上訴人是以澳門為通常居住地。
      24. 終審法院2022年10月12日第143/2021號案的合議庭裁判曾指出過,“通常居住”的概念是一個可以被法院審查的“不確定概念”,它必然意味著「一個具有一定時間跨度及質量程度的“事實狀況”,因為該身份還要求具備某種“連結因素”的性質,顯示出“與某地”(或地區)“具有緊密且實際的聯繫”,有在此地居住以及擁有和維持居所的真正意圖。」,同時亦要知道的是「不僅僅要求“親身出現”在某一地區作(單純的)“逗留”(即所謂的“體素”),而且還要求在逗留時具有(真正的)“成為該地區居民的意圖”(“心素”),這個意圖可以通過其個人、家庭、社會及經濟日常事務等多個能夠顯示“切實參與及分享”其社會生活的方面予以評估。」(見2021年1月27日第182/2020號案的合議庭裁判,亦見於2020年12月18日第190/2020號案的合議庭裁判)。
      25. 換言之,我們認為,通常居住的概念無疑是一個不確定概念,它沒有給行政當局任何自由評估的餘地,或者換言之,它沒有給予行政當局任何自由裁量權,因此它並不要求行政當局作出自身的評估或評價。因此,是否滿足上述概念完全受司法的監督。
      26. 雖然第16/2021號法律《澳門特別行政區出入境管控、逗留及居留許可的法律制度》第43條規定了一種約束公共當局的情況,但同樣可以肯定的是,就通常居住這一概念的具體化而言,立法者給予了公共當局相對寬泛的操作空間,並接受某些例外情況。
      27. 在行正文法上,通常居住是一個不確定的界定性概念,要通過對具有經驗描述性的數據資料作出分析來對其進行填補,並且通過解釋消除其不確定性。
      28. 上訴人在澳門特區的出入境記錄顯示,在2020年1月1日至2023年1月15日為止,總共1110多天的時間裡,上訴人一共只在澳門零散逗留了388天,這不超過行政當局考慮的總時間的三分之一,因為在2021年,他在澳門只待了130天,在2022年全年更在澳門待了0天。(見行政卷宗第257頁)
      29. 為著第8/1999號法律第1條第1款(九)項的效力(“澳門特別行政區永久性居民包括.........在澳門特區成立以前或以後在澳門通常居住連續七年以上,並以澳門為永久居住地的其他人”),暫時不在澳門並不表示該人已不再通常居於澳門,正如該法第4條第3款所規定的那樣[“為著第一條第一款(二)項、(五)項、(八)項或(九)項所指的人士永久性居民的身份.........如有任何人暫時不在澳門,並不表示該人已不再通常居於澳門”]。該第4條第4款還規定,“在斷定上述人士是否已不再通常居於澳門時,須考慮該人的個人情況及他不在澳門的情況,包括:(一)不在澳門的原因、期間及次數;(二)是否在澳門有慣常住所;(三)是否受僱於澳門的機構;(四)其主要家庭成員,尤其是配偶及未成年子女的所在”。
      30. 不應接納上訴人於起訴狀結論部分26條的理據,按照一般經驗法則,如果上訴人短期內因自身職務而轉到台灣地區工作,理應有條件提交充分的證明文件來證明有關情況,但上訴人不論在行政程序或司法上訴程序內,都沒有提供這方面的資料;同時必須強調,上訴人不在澳門的原因實際上非為澳門的僱主工作。
      31. 上訴人於起訴狀結論部分第16條指出,其與妻子B在澳門有共同的居所,但事實上根據上訴人所提供物業登記證明資料,相關的居所的業權人為B一人。
      32. 不同意起訴狀結論部分第6條至第14條、及第19條至第25條指出上訴人於2020年至2023年1月15日期間必須在外地生活的理由,上訴人辯稱上述期間其在澳門僅逗留388天是由於疫情之緣故,對此,必須承認有關出入境的措施的確會帶來一些不便,然而,在疫情之任何時間特區政府均沒有禁止過澳門特區居民入境澳門;上訴人稱因澳門的隔離醫學觀察政策及“工作上的原因”作為不回澳與妻子共同生活的理由實在欠缺說服力。這樣,考慮到上述對通常居住的不確定概念所作的定性,很容易理解上訴人在澳門的這種短暫的逗留遠不足以支持上訴人在有關期間內在澳門通常居住的結論。
      33. 有別於起訴狀結論部分第35條及第36條所述,治安警察局並不存在任何欠缺調查和採取措施從而使被訴行為存有瑕疵的情況。正如權威學說所強調的那樣,負責調查之機關有權就調查措施對於行政程序之調查的必要性和其對重要的事實和法律問題已作之認定的可靠性作出判斷(此觀點,見於MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA、PEDRO COSTA GONÇALVES與J.PACHECO DE AMORIM合著的《Código do Procedimento Administrativo Comentado》,第二版,科英布拉,1998年,第459頁)。
      34. 事實上治安警察局已經給予上訴人機會去證明其所主張的能夠為其在2020年至2023年的大部分時間,亦即治安警察局認為上訴人沒有在澳門通常居住的這段時間內不在澳門的情節提供辯解的事實,說明他這段時間在哪工作和在哪過夜。在本案中,顯然治安警察局采取的調查措施是充分的,且其認為這些調查足以支持被訴行為的事實前提,特別是在所考慮的時段內上訴人在澳門逗留的期間以及上訴人未能在澳門維持通常居住這些方面。從所調查到的證據中可以看到,上訴人是在外地通常居住,有時會來澳門 ‒ 而非在澳門通常居住,有時前往外地工作。
      35. 在起訴狀結論部分第37條之內容,《民法典》第30條對判斷什麼是通常居所作出了重要貢獻:‘通常居所被認為是個人實際且固定之生活中心之所在地’。從這一規範標準出發,可以有把握地說,通常居住是某人所擁有的各種生存聯繫的中心。通常居住不是一個單純的途徑地,也不是一個短期停留的地方,因為這種停留不具備建立一個生活中心、支撐個人逐步成長所不可或缺的穩定性。通常居住是與組成特區人口基礎的社群的一種歸屬聯繫,並最終使居住者取得永久性居民的身份,因為根據《基本法》第24條的規定,取得該身份的前提正是在澳門通常居住。
      36. 在闡明了以上見解之後,我們認為,根據卷宗內所載的構成被上訴行為的事實前提的事實要素可知,上訴人並不在澳門通常居住。事實上,在上述時間段內,無論從何種角度都不能說上述期間上訴人的生活中心是在澳門,上訴人在澳門以外地方的時間遠遠多於在澳門的時間,甚至可以說,他只是偶爾才會來澳門。
      37. 不應接納在起訴狀結論部分第18條之內容,事實上上訴人根本沒有提供任何在葡萄牙買賣其唯一的獨立單位的證明文件,從而證明其以澳門作為常居地的原因。
      38. 上訴人在起訴狀結論部分第46條指出澳門不同法規,當中必須強調的是,從第16/2021號法律第43條第5款的內容得知,如果“居留許可持有人頻繁及有規律來澳門特別行政區就學、從事有償職業活動或從事企業活動但沒有留宿”,則不視為不再在澳門特別行政區通常居住。雖然立法者明確了在澳門留宿並非在澳門通常居住的必要條件,但仍將“頻繁及有規律來澳門特別行政區”作為通常居住的要件。換言之,如果利害關係人既不在澳門留宿,也沒有頻繁及有規律地來澳門就學、從事有償職業活動或從事企業活動,則不符合第43條第5款所規定的情況,不應被視為在澳門通常居住。
      39. 上訴人於起訴狀結論部分第18條、第27條至第31條以及第49條至第50條所提出論點是沒有道理,上訴人在2020年至2023年的一段較長的時間內沒有與其配偶在澳門共同居住和生活,其長時間的離開必然影響其居住的通常性,因此並不具有一定的連續性和規律性,所以上訴人在上述的期間並非屬通常居住澳門。在這樣的事實前提下,完全不可能就通常居住的問題作出有利於上訴人的判斷。
      40. 由於治安警察局所得出的上訴人未履行其在澳門維持通常居住的法定義務,上訴人沒有以澳門作為生活的實際中心,而未履行該義務又構成拒絕居留許可續期或延期的其中一項理由的結論是站得住腳的,因此顯然被訴實體只能作出現被質疑的行政決定,除此之外不可能有其他。
      41. 由於上訴人上訴理據不足,應駁回其請求,維持被訴行為,即拒絕上訴人居留許可續期或延期的申請。
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 249 a 252, pugnando pelo provimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

NOTIFICAÇÃO N°:201134/SRDARPNT/2023P
Nesta data notifico o Sr.º A (titular do B.I.R. n.°…), de que por Despacho do Exmº. Senhor Secretário para a Segurança de 26 de Junho de 2023 foi determinado, nos termos e com os fundamentos do parecer constante da informação n.º 200002/SRDARPD/2023P, o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência, implicando a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente, conforme a seguir se transcreve na íntegra:
"1. O requerente, A, através de procuradora, requereu em 28/NOV/2022 a renovação da Autorização de Residência na R.A.E.M., para continuar juntar à sua esposa na RAEM.
2. A autorização inicial foi concedida por Despacho do Exm.° Sec. para Seg. de 09/MAR/2016, para exercer a sua actividade profissional na firma X (Macau) S.A, como ... e por Despacho do mesmo de 01/MAR/2021 foi-lhe autorizado a alteração do fundamento para juntar à esposa e tem residência válida até 09/MAR/2023.
3. Da análise aos movimentos fronteiriços do interessado, constatou-se que no período de 09/MAR/2021 a 31/DEZ/2022, durante a vigência da autorização que lhe foi concedida, apenas permaneceu 128 dias e saíu da RAEM desde 14/JUL/2021 e regressou em 15/JAN/2023, ausentando-se consecutivamente por mais de meio ano, assim, verifica-se que deixou de ser este o local de residência habitual e obviamente deixou de haver enquadramento com a finalidade do pedido (juntar à sua esposa na RAEM).
4. A alínea 3) do nº2 do Art.° 43° da Lei n° 16/2021, estipula que pode ser recusada a renovação de residência, quando o titular deixar de ter residência habitual na RAEM ou deixar de verificar-se algum dos requisitos, pressupostos ou condições subjacentes à concessão da autorização de residência.
5. Por entender não haver fundamento bastante para a renovação de residência, foi a procuradora do interessado notificado em audiência escrita nos termos do artºs 93° e 94° do CPA tendo-lhe sido concedido 15 dias para dizer o que se lhe oferecer.
6. Dentro do prazo concedido, a procuradora do interessado apresenta documento que justifica que a ausência se deve a questão da pandemia do COVID-19 e a política totalmente fechada de Macau fez não ser possível vir mais vezes a Macau, o requerente é ... e face ao COVID-19 perdeu o seu emprego em Macau e teve que recorrer a fora de Macau para arranjar um emprego temporário, factos que realçam no ponto 6 da presente informação.
7. Atentos aos factos e ao descrito nos pontos 6 a 9 da presente informação, considero que as razões invocadas pelo interessado não são justificáveis sobre a sua ausência na RAEM, assim julgo ser de indeferir o presente pedido nos termos do n° 2, da alínea 3) do Art.° 43° da Lei n° 16/2021."
Ponto 9 da informação:
“Análise:
a) Último fundamento de autorização de residência é para juntar à esposa e tem residência válida até 09/MAR/2023;
b) A finalidade da autorização de residência é para viver juntamente com a esposa na RAEM, contudo durante o período da autorização de residência, apenas permaneceu por 128 dias em Macau, saíu em 14/JUL/2021 e só regressou em 15/JAN/2023 à RAEM, ausentando-se consecutivamente por mais de meio ano, assim verifica que não tem centro de vida efectiva na RAEM, por isso obviamente deixou de haver enquadramento com a finalidade do pedido (juntar à sua esposa na RAEM);
c) Justifica-se que a sua ausência se deve ao questão da pandemia do COVID-19 e a política totalmente fechada de Macau fez não ser possível vir mais vezes a Macau e arranjou emprego fora de Macau (por ter perdido emprego em Macau);
d) Após ter encontrado emprego fora da RAEM, desde JUL/2022, apenas voltou para Macau uma vez e não como ter dito que voltava 4 a 4 meses;
e) Das provas documentais, apresentado pela procuradora do requerente demonstra que tem contas bancárias com montante para subsistência;
f) O interessado não tem processo organizado no Departamento de Informações e nada consta no Registo Criminal de Macau (Não tem antecedentes criminais);
g) O interessado tem laço familiar com residente da RAEM (esposa) (tem laços familiares na RAEM)."
Mais notifico que poderá apresentar recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M., nos termos do Art.º 25° do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Macau, aos 05 de Julho de 2023

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificado nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso, pedindo a anulação do acto do Secretário para a Segurança que, no uso de poderes delegados pelo Chefe do Executivo, indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i)
(i.1)
Salvo o devido respeito, parece-nos que o Recorrente tem razão. Procuraremos, de modo breve, justificar.
Fundou-se o acto recorrido no facto de a Administração ter constatado, a partir da análise aos movimentos fronteiriços do Recorrente, que, no período de 9 de Março de 2021 a 31 de Dezembro de 2022, durante a vigência da autorização que lhe foi concedida, apenas permaneceu na Região durante 128 dias. Além disso, esteve ausente mais de meio ano consecutivo, entre 14 de Julho de 2021 e 15 de Janeiro de 2023.
A partir desta constatação, concluiu a Administração que o Recorrente deixou de ter na RAEM a sua residência habitual e deixou de haver enquadramento com a finalidade do pedido (juntar à esposa na RAEM) e que, por isso, a situação se enquadrava na norma da alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, justificando-se a recusa da renovação da autorização de residência.
A questão é, portanto, a de saber se o Recorrente deixou ou não de ter residência habitual na RAEM durante o período de tempo considerado pela Administração.
Vejamos.
(i.2)
A residência habitual na RAEM é um pressuposto da manutenção e da renovação da autorização temporária de residência. É isso o que resulta da norma da alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, invocada pela Entidade Recorrida para fundamentar o acto recorrido.
Trata-se, como sabemos, de um conceito, o de residência habitual, que apenas na aparência é indeterminado, já que ele não concede qualquer margem de livre apreciação à Administração ou, se quisermos, não lhe confere discricionariedade. Por isso, o seu preenchimento por parte do órgão administrativo é plenamente sindicável pelos tribunais em sede de recurso contencioso (assim tem vindo a decidir o Tribunal de Última Instância: entre outros, acórdãos de 13.11.2019, processo n.º 106/2019; de 18.12.2020, processo n.º 190/2020; de 27.1.2021, processo n.º 182/2020. Sobre a questão da diferença entre indeterminação estrutural e mera dificuldade de interpretação e entre conceito jurídico indeterminado em sentido próprio e um mero conceito classificatório de imprecisão hermenêuticamente resolúvel, veja-se JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 70, pp. 38 a 57).
Sobre o que de a entender-se residência habitual, parece-nos seguro dizer, a partir da densificação que tem sido feita pelos nossos Tribunais, que ela coincidirá com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o seu centro de interesses vitais, o centro efectivo da sua vida, constituindo, portanto, o local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais (não podemos deixar de atentar no alargamento do conceito de residência habitual que foi operado pela Lei n.º 16/2021, para os efeitos aí previstos. Com efeito, de acordo com a norma do n.º 5 do artigo 43.º dessa Lei, o conceito de residência habitual relevante enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária não exige que Macau constitua o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, o qual nem sequer precisa de aqui ter a sua habitação para pernoitar, porquanto, como resulta expressamente daquela norma, «não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial». Assim, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso, residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades).
Em todo o caso, importa ter em conta que, da norma do n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999 [com o seguinte teor: «para os efeitos do estatuto de residente permanente referido nas alíneas 2), 5), 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º e da perda do direito de residência referida no n.º 2 do artigo 2.º, a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau»] resulta que a residência habitual em Macau é compatível com a ausência temporária da Região (veja-se, neste mesmo sentido de que a ausência temporária não implica a quebra da residência habitual, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 13.11.2019, processo n.º 106/2019 e o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 2.7.2020, processo n.º 473/2019) e que, da norma do n.º 4 do artigo 4.º da mesma Lei decorre que, em caso de ausência temporária do residente, na determinação da residência habitual, relevam as circunstâncias pessoais e os motivos da ausência, nomeadamente: 1) o motivo, período e frequência das ausências; 2) se o ausente tem residência habitual em Macau; 3) se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) o paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.
Parece-nos, assim, que, por aproximação exemplificativa, se pode dizer que não deixa de residir habitualmente em Macau alguém que vai trabalhar para o exterior de Macau, ainda que por longos períodos, mas aqui deixa a sua casa de morada da família, na qual continuem a residir, eventualmente, o seu cônjuge e os seus filhos e onde regressa durante o período de férias. Do mesmo modo, também não deixa de residir habitualmente em Macau, por exemplo, o estudante que conclui o ensino secundário e se ausenta da Região para prosseguir os estudos numa universidade localizada no exterior de Macau, aí permanecendo durante todo o ano lectivo, mas regressando à casa de morada da família situada em Macau durante as férias escolares.
O ponto essencial é, pois, a nosso modesto ver, o de que, apesar da ausência de Macau, a situação concreta permita, ainda assim, descortinar vínculos pessoais legalmente relevantes entre o ausente e a Região, nomeadamente, aqueles a que se referem as alíneas 2), 3) e 4) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999 (mas não só esses, dado que a enumeração legal é meramente exemplificativa), que permitam reconhecer que Macau não deixou, num certo sentido, de ser o centro da vida pessoal do residente que se ausentou da Região. Noutra formulação, diremos que Macau não deixa de ser o lugar da residência habitual se, e enquanto, for o lugar ao qual o ausente regressa por ter aqui a sua casa (apontando igualmente para este elemento da residência habitual como sendo o lugar de regresso após ausências mais curtas ou mais longas, veja-se CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª edição, Coimbra 2020, p. 262. Note-se, aliás, que a doutrina também assinala que a residência habitual não tem de ser permanente, assim, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS/PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª edição, Coimbra, 2019, p. 106. Do mesmo modo, tem-se entendido, maioritariamente, que as residências alternativas a que se refere o n.º 1 do artigo 83.º devem ser consideradas, ainda, residências habituais: cfr. CLARA MARTINS PEREIRA, in Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica, Lisboa, 2014, p. 206).
(ii.)
Na situação em apreço, o quadro factual que, em síntese se nos oferece, é, essencialmente, o seguinte.
O Recorrente, no período temporal situado entre 9 de Março de 2021 a 31 de Dezembro de 2022, permaneceu na Região durante 128 dias e que, além disso, esteve ausente entre 14 de Julho de 2021 e 15 de Janeiro de 2023.
O Recorrente é casado com uma residente permanente da RAEM e ambos mantêm uma efectiva comunhão de vida e é em Macau que se encontra a respectiva casa de morada da família.
A prova produzida nos autos permite ainda concluir, em nosso modesto entender, que o Recorrente, cuja profissão é a de ..., se viu obrigado a procurar trabalho no estrangeiro, em virtude de a empresa de Macau na qual trabalhava ter dispensado diversos trabalhadores durante o período em que vigoraram as medidas de combate à pandemia de covid-19.
Em face deste concreto circunstancialismo fáctico, propendemos no sentido de considerar que a Administração, salvo o devido respeito, andou mal ao considerar que o Recorrente, no período temporal acima referido, não residiu habitualmente em Macau, e ao indeferir, com esse fundamento, o seu pedido de renovação da autorização de residência.
Pelo seguinte.
O Recorrente tem em Macau, não só a sua residência, mas, também, os seus laços familiares mais importantes, pois que é aqui que vive o seu cônjuge e é aqui que se situa a casa de morada de família de ambos. Por isso, parece-nos que se não demonstra que a ausência daquele tenha correspondido a um corte da sua ligação existencial a Macau. Pelo contrário, aliás. Se bem vemos, a situação do Recorrente apresenta especificidades em relação a outras aparentemente similares que, a nosso ver, permitem o seu enquadramento na previsão da norma do n.º 3 do artigo 4.º da Lei 8/1999, antes citada.
Na verdade, atendendo às concretas circunstâncias do caso a que já aludimos, nomeadamente, que a ausência do Recorrente da Região se ficou a dever a razões profissionais, devido a falta conjuntural de oportunidades de trabalho numa profissão que exige prática constante [alínea 1) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999], que ele manteve em Macau a sua residência, mais concretamente a casa de morada da família [alínea 2) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999], e que o seu núcleo familiar, nomeadamente, o seu cônjuge, se encontra em Macau [alínea 4) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999], estamos em crer que a dita ausência temporária do Recorrente não determinou que o mesmo tenha deixado de residir de modo habitual em Macau, pois que, o mesmo aqui manteve os tais vínculos pessoais relevantes face à lei que antes referimos e que permitem a conclusão de que Macau nunca deixou de ser o centro efectivo da sua vida pessoal.
Deste modo, a Administração, ao considerar que o Recorrente, no período temporal situado entre 9 de Março de 2021 a 31 de Dezembro de 2022, não residiu habitualmente na RAEM e, com esse fundamento, ao indeferir o pedido de renovação de residência temporária da Recorrente, incorreu em violação de lei implicante, de acordo com o disposto no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, da anulabilidade do acto recorrido (segundo a melhor doutrina, a violação de lei, «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis», abrangendo, portanto, entre outras situações, «o erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas»: assim, por todos, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3.ª edição, Coimbra, 2017, pp. 345-347).
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado procedente.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida padece do vício de violação da lei, tal como configurada pelo Recorrente, razão pela qual é de julgar procedente o recurso e anular o acto recorrido.
*
Síntese conclusiva:
I – Vem alargar-se o conceito de residência habitual com a Lei n.º 16/2021, deixando de se exigir, enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, de acordo com a norma do n.º 5 do artigo 43.º dessa Lei, que Macau constitua o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, o qual nem sequer precisa de aqui ter a sua habitação para pernoitar, pois dispõe tal norma que “não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial.”
II - São casos da vida concreta em que se pode dizer que não deixa de residir habitualmente em Macau alguém que vai trabalhar para o exterior de Macau, ainda que por longos períodos, mas aqui deixa a sua casa de morada da família, na qual continuem a residir, eventualmente, o seu cônjuge e os seus filhos e onde regressa durante o período de férias. Do mesmo modo, também não deixa de residir habitualmente em Macau, por exemplo, o estudante que conclui o ensino secundário e se ausenta da Região para prosseguir os estudos numa universidade localizada no exterior de Macau, aí permanecendo durante todo o ano lectivo, mas regressando à casa de morada da família situada em Macau durante as férias escolares.
III - O ponto essencial é, apesar da ausência de Macau, a situação concreta permita, ainda assim, descortinar vínculos pessoais legalmente relevantes entre o ausente e a Região, nomeadamente, aqueles a que se referem as alíneas 2), 3) e 4) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999 (mas não só esses, dado que a enumeração legal é meramente exemplificativa), que permitam reconhecer que Macau não deixou, num certo sentido, de ser o centro da vida pessoal do residente que se ausentou da Região.
IV - Resulta dos autos que o Recorrente é casado com uma residente permanente da RAEM e ambos mantêm uma efectiva comunhão de vida e é em Macau que se encontra a respectiva casa de morada da família. A prova produzida nos autos permite ainda concluir que o Recorrente, cuja profissão é a de ..., se viu obrigado a procurar trabalho no estrangeiro, em virtude de a empresa de Macau na qual trabalhava ter dispensado diversos trabalhadores durante o período em que vigoraram as medidas de combate à pandemia de covid-19.
V – Igualmente fica demonstrado que o Recorrente tem em Macau, não só a sua residência, mas, também, os seus laços familiares mais importantes, pois que é aqui que vive o seu cônjuge e é aqui que se situa a casa de morada de família de ambos. Por isso, não se demonstra que a ausência daquele tenha correspondido a um corte da sua ligação existencial a Macau. Pelo contrário, a situação do Recorrente apresenta especificidades em relação a outras aparentemente similares que permitem o seu enquadramento na previsão da norma do n.º 3 do artigo 4.º da Lei 8/1999.
VI - Atendendo às concretas circunstâncias do caso, nomeadamente, que a ausência do Recorrente da Região se ficou a dever a razões profissionais, devido a falta conjuntural de oportunidades de trabalho numa profissão que exige prática constante (cfr. alínea 1) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999), que ele manteve em Macau a sua residência e a casa de morada da família (cfr. alínea 2) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999), e que o seu núcleo familiar, nomeadamente, o seu cônjuge, se encontra em Macau (cfr. alínea 4) do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999), é de concluir-se que a dita ausência temporária do Recorrente não determinou que o mesmo tenha deixado de residir de modo habitual em Macau, pelo contrário, o mesmo tem mantido os tais vínculos pessoais relevantes face à lei acima citada, o que constitui razão bastante para anular o acto recorrido por padecer do vício da violação da lei.
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Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
*
RAEM, 09 de Maio de 2024.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador Adjunto do Ministério Público)
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