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Processo n.º 1288/2019
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 25 de Abril de 2024

ASSUNTOS:

- Ónus especificado para impugnar a matéria de facto

SUMÁRIO:

I - Ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos nos precisos termos do disposto no artigo 599º do CPC.
II - Os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova, sendo ilícito invocá-la em sede de recurso, uma vez que tal não foi objecto das decisões recorridas.
III – Ao Tribunal ad quem só cumpre apreciar as decisões tomadas pelo Tribunal a quo, salvo se a decisão recorrida enfermar de qualquer das nulidades que seja do conhecimento oficioso.
IV – Numa acção de revindicação, à Autora compete provar a titularidade do direito real alegado, nomeadamente a propriedade, e às partes contrárias provar a sua ocupação ou detenção legítima. Ou seja, compete aos Réus provar que são titulares de um direito obrigacional ou real que legitima a ocupação, por exemplo, que é arrendatário. Não assim fazendo, a possuidora ou detentora é condenada a restituir o imóvel à reivindicante,

O Relator,

________________
Fong Man Chong














Processo nº 1288/2019
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 25 de Abril de 2024

Recorrentes : Recurso Final
- A (1ª Ré)
- B (2º Réu)

Recurso Interlocutório
- C (Autora)

Recorridos : - Os Mesmos
- Interessados Incertos (3º Réu)

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    Nota prévia:

1 – Em 21/05/2020 por este TSI foi proferida no âmbito destes autos a seguinte decisão:
    “Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos presentes recursos, mantendo-se a sentença recorrida.
    *
    Custas pelos Recorrentes.
    *
    Registe e Notifique.”
    
2 – Contra a referida decisão foi interposto recurso para o TUI, tendo este proferido o acórdão em 29/09/2023, que, revogando o acórdão recorrido por omissão de pronúncia (sobre parte da matéria de facto impugnada), mandou proferir nova decisão nos termos ali consignados.
3 – Cabe agora cumprir a decisão do venerando TUI.
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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
   
I - RELATÓRIO
    C (Autora), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 22/01/2019, dela veio, em 01/03/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 884 a 890, tendo formulado as seguintes conclusões :
     A. Os factos novos invocados pela Autora são factos constitutivos do seu direito e podem ser apresentados ao tribunal, através de articulado superveniente, no momento em que o foi, tal como se prevê no art. 426° do CPC.
     B. Sendo supervenientes, os factos podem ser apresentados nos 15 dias posteriores à data em que a parte teve conhecimento deles (art. 425°, n° 3).
     C. O Meritíssimo Juiz a quo não questionou a utilidade dos factos à boa decisão da causa.
     D. Em contrapartida, o Meritíssimo Juiz a quo indeferiu liminarmente o articulado superveniente da Autora por entender que ele foi "apresentado fora do tempo", assumindo taxativamente que a Autora tinha de ter conhecimento desses factos por lhe dizerem respeito. Ora,
     E. A Autora alegou que os factos invocados e trazidos aos autos com o novo articulado ocorreram antes de os anteriores sócios terem feito a transmissão da totalidade das suas quotas a outras pessoas (os actuais sócios).
     F. E que à data em que tal aconteceu os novos sócios não foram informados dos factos relatados no articulado superveniente, nem receberam documentos que os atestassem.
     G. A verdade é que a Autora só passou a saber da existência dos factos reportados e dos documentos juntos, tal como se alega no art. 12° do articulado superveniente, quando "na iminência da data do julgamento a Srª D contactou uma das administradoras da Autora, a Srª E, a quem comunicou que, tendo consultado os arquivos antigos da sociedade, tinha descoberto documentos originais que poderiam ser úteis e que gostaria de entregar".
     H. O Meritíssimo Juiz a quo só poderia ter recusado a admissão do articulado superveniente, por intempestividade, se fosse inequívoco que nenhum dos dois requisitos previstos no art. 425°, nº 4 estavam cumpridos.
     I. O Meritíssimo Juiz a quo tomou a sua decisão com base em assunções subjectivas e pessoais, desconsiderando os factos e as razões apresentados pela Autoras, violando dessa forma o disposto no art. 425° do CPC.
     J. Impunha-se que, perante o alegado pela Autora, o Meritíssimo Juiz a quo tivesse ordenado a produção de prova da superveniência, para, então, o tribunal tomar a decisão final sobre a admissibilidade do articulado superveniente.
     K. Ao rejeitar o articulado superveniente, o qual foi apresentado nos termos e nos prazos previstos nos arts. 425° e 426°, o Meritíssimo Juiz a quo prejudicou a boa decisão da causa em litígio por impedir a inclusão na Base Instrutória dos factos referidos no articulado superveniente.
     
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    A (1ª Ré), com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 943 a 946, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I - DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE
     Entende a Autora que mal andou o Tribunal a quo em rejeitar a junção autos, um dia antes do julgamento, de um alegado articulado superveniente, no qual se requeria, nomeadamente, o aditamento de vários quesitos à Base Instrutória.
     Na sua alegação de recurso, defende a Autora que o despacho recorrido violou os artigos 425.° e 426.° do Código de Processo Civil, considerando-se que o Meritíssimo Juiz a quo "prejudicou a boa decisão da causa em litígio"
     No entanto, e salvo o devido respeito por opinião em sentido diverso, é manifesto que não assiste razão à Recorrente.
     Vejamos,
     O Tribunal a quo rejeitou a admissão do articulado superveniente porquanto não estavam reunidas as condições legais para que fosse admitido. A junção não foi rejeitada por irrelevância da matéria trazida aos autos, essa nem sequer chegou a ser ajuizada, porquanto para que um articulado superveniente seja admitido os factos narrados têm necessariamente que ou (i) terem ocorrido posteriormente ao termo dos prazos dos articulados ou (ii) a parte só tenha tido conhecimento desses factos depois de findarem esses prazos.
     A primeira hipótese nem sequer se coloca, porquanto como a própria Autora indica, tais factos são anteriores aos articulados.
     É relativamente à segunda hipótese que a Autora crê ter razão, dizendo que só teve conhecimento desses factos "na iminência do julgamento".
     No entanto, naturalmente, não é qualquer conhecimento posterior que concede à parte o direito de apresentar articulados supervenientes, sob pena de se banalizar completamente o ónus que compete às partes de, na fase dos articulados, alegarem os factos essenciais à sua pretensão.
     A parte que quer apresentar um articulado superveniente tem de demonstrar inequivocamente que estava impossibilitada de os conhecer previamente.
     Aproveitando os exímios e sensatos termos empregues por esse Venerando Tribunal, constantes do Acórdão de 17/3/2016, no processo n.° 873/2015:
     Não se deixa de integrar o sentido colhido no artigo 425.°, como o de se dever rejeitar o articulado superveniente quando a parte, por negligência, não tenha tomado conhecimento do facto no momento devido e o pretenda alegar em juízo. Por estas razões, há que concluir que a prova da superveniência não deverá deixar de incluir uma comprovação excludente da culpa que decorre dos deveres das partes, mais especificamente daqueles que possam conduzir a um justo impedimento.
     Com efeito, alega a Autora que a razão pela qual não teve conhecimento dos factos anteriormente é porque houve uma transição societária através da qual os actuais sócios da Autora ingressaram na estrutura social, sendo que isso levou a que muitos documentos e informação se perdessem nessa altura.
     Esse argumento, a nossa ver, não pode ser acolhido.
     Os sócios em Macau gozam de um amplo leque de direito à informação sobre a vida da sociedade. Mas com direitos advêm também responsabilidades, e quem compra determinadas quotas sociais tem tanto o direito como o dever de se inteirar sobre todos os assuntos que dizem respeito à sociedade onde vão ingressar.
     Por outro lado, é aos sócios a quem compete designar administradores, e estes por sua vez têm a obrigação de "agir sempre no interesse da mesma e empregar nessa actuação a diligência de um gestor criterioso e ordenado" (art.º 235.°, n.º 2, do Código Comercial).
     Conforme afirma a própria Autora, no art.º 33.º da sua alegação de recurso, os documentos originais que motivaram o articulado superveniente surgiram de uma consulta aos "arquivos antigos da sociedade".
     Ora, se tais documentos constavam de arquivos da sociedade, inegável é que a Autora estava em perfeito poder de os conhecer. E se não o fez, foi por negligência, seja por parte dos novos sócios seja por parte da administração por eles designada.
     E como muito bem considerou o Meritíssimo Juiz a quo, o articulado superveniente deve ser recusado se a Parte estaria em condições de conhecer os factos antes da propositura da acção, o que manifestamente sucede no caso sub judice.
     Razão pela qual nenhum reparo deve merecer o Douto Despacho recorrido.
     TERMOS EM QUE, pelos fundamentos expostos e nos demais de Direito que Vossas Excelências douta mente suprirão, deve o recurso interlocutório apresentado pela Autora ser julgado improcedente, assim se fazendo a tão costumada,
     JUSTIÇA.

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    A (1ª Ré), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 18/06/2019, dela veio, em 24/09/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1014 a 1081, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. Veio a Autora pedir para ser reconhecida como proprietária do domínio útil dos prédios 67 a 75 sitos na Rua XXX, mais pedindo a restituição dos mesmos livres e desocupados de pessoas e bens.
     2. Pediu ademais que fossem os réus condenados a pagar uma indemnização por alegadamente terem obstruído a demolição de dois dos prédios reivindicados e com isso impedido que efectivasse um contrato de arrendamento que havia celebrado para rentabilizar o espaço.
     3. Pediu ainda a Autora a condenação da 1.ª Ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória pelo atraso na restituição e a uma multa por litigância de má-fé.
     4. A 1.ª Ré defendeu-se tanto por impugnação como por excepção, alegando deter a posse do domínio útil dos prédios reivindicados por período suficiente para os adquirir por usucapião, excecionando ainda a existência de um arrendamento do prédio n.º 71 celebrado com os anteriores proprietários.
     5. Em sede de reconvenção pediu para ser declarada como proprietária do domínio útil por usucapião e, subsidiariamente, que fosse declarado válido e vigente o alegado contrato de arrendamento e ainda que fosse a Autora condenada a pagar-lhe MOP$1,060,500.00 a título de benfeitorias úteis efectuadas nos prédios.
     6. Na seleção da matéria de facto foram dados como provados os factos A a N e foram levados à BI 29 quesitos, havendo sido decidida a matéria de facto por douto Acórdão de 26 de Abril de 2019.
     7. Foi posteriormente proferida douta Sentença na qual o Tribunal a quo deu provimento a todos os pedidos feitos pela Autora e declarou improcedentes todas as excepções e pedidos reconvencionais formulados pela 1.ª Ré.
     8. A 1.ª Ré imputa às doutas Decisões o erro parcial de julgamento da matéria de facto e a violação de lei substantiva na Decisão jurídica, requerendo ainda a ampliação da BI nos termos do art.º 629.º do CPCM.
     9. Afigura-se ter incorrido o Tribunal a quo em erro de julgamento quanto ao quesito 3.º, cuja prova testemunhal e documental constante dos autos impunha uma resposta negativa, por falta de qualquer elemento de prova que imputasse à 1.ª Ré, enquanto pessoa colectiva, a acção de quem impediu a demolição.
     10. Facto esse essencial, porquanto levou à condenação da 1.ª Ré ao pagamento de uma indemnização no valor de MOP$1,068,000.00.
     11. Afigura-se ter incorrido o Tribunal a quo em erro de julgamento quanto aos quesitos 13.º a 15.º da BI, cuja prova testemunhal e documental constante dos autos impunha respostas explicativas, no sentido de que, pelo menos desde os anos 50, a 1.ª Ré era arrendatária desse prédio, e que a renda era paga na sua sede.
     13. Também o quesito 16.º se afigura ter sido incorrectamente julgado, uma vez que a prova testemunhal produzida nos autos impunha que o Tribunal o desse como provado.
     14. Sendo que a admissão de tal tipo de resposta explicativa a quesitos é plenamente aceite jurisprudencialmente, desde que a mesma se mantenha dentro do âmbito do quesito e não extravase o que foi alegado pelas partes, o que, in casu, sucede.
     15. Mais se afigura ter sido incorrectamente julgado o quesito 22.º, porquanto a prova documental e testemunhal constante dos autos impunha que tivesse sido dada uma resposta positiva.
     16. Imputando-se também erro de julgamento na resposta dada ao quesito 25.º, cuja prova testemunhal produzida nos autos impunha uma resposta positiva.
     17. Quanto à resposta ao quesito 26.º afigura-se estar incompleta, uma vez que se impunha uma resposta explicativa no sentido de que também F, G e H viveram naqueles prédios sob autorização da 1.ª Ré, havendo também incorrido o douto Tribunal recorrido em erro de julgamento quanto a este quesito.
     18. Sendo que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 599.º e 629.º do CPCM o Venerando Tribunal de Segunda Instância pode modificar a decisão de facto, constando dos autos, como consta, toda a prova que impunha decisão diferente.
     19. Nos artigos 53 e 62 da sua contestação a 1.ª Ré alegou a posse tomada publicamente dos prédios a que se reportam os autos, havendo o Tribunal quanto a esta parte levado à BI o quesito 27.º
     20. Não se negando a relevância de tal questão, a verdade é que a posse pública não é - necessariamente - aquela que é conhecida pela generalidade das pessoas, mas sim a que é conhecida ou cognoscível para “os interessados”, que in casu, se trata da Autora.
     21. Independentemente do acerto da questão ínsita no quesito 27.º, impunha-se, ademais, que se soubesse se a Autora tinha ou podia ter tido conhecimento da posse alegada pela 1.ª Ré, sendo que dos autos resultou provado que a Autora tinha esse conhecimento.
     22. Ao omitir essa questão na BI violou o douto Tribunal a quo o disposto no art.º 430.º do CPCM, sendo que nos termos do art.º 629.º, n.º 4, do CPCM, o Venerando TSI tem poderes para ampliar a Base Instrutória.
     23. Pedindo a Autora o reconhecimento da qualidade de proprietária (do domínio útil) dos prédios aqui sob discussão, e a sua consequente restituição, impunha-se identificar ao abrigo de que qualidade se encontrava a 1.ª Ré a ocupá-los, desde 1957.
     24. Na tese da Autora era por mera tolerância, enquanto que na tese da 1.ª Ré era enquanto possuidora de boa-fé ou, subsidiariamente, enquanto locatária do prédio n.º 71.
     25. Resultou provado testemunhalmente e documentalmente que a 1.ª Ré se sentia proprietária dos prédios com o n.º 73 e 75, inclusivamente pelas declarações nesse sentido feitas pelo líder da Associação 1.ª Ré à testemunha da Autora I, existindo portanto o animus possiendi.
     26. Sendo que também o corpus (elemento material da posse) é inegável que existia, resultando plenamente provado dos autos que a 1.ª Ré detém o poder de facto dos prédios.
     27. A 1.ª Ré ademais praticou actos típicos de proprietário do domínio útil como o de proceder a obras de manutenção e conservação, permitir que pessoas lá vivessem, decidindo quem podia ter acesso ao prédio e celebrando os contratos de eletricidade e água do espaço.
     28. As declarações de circunstância feitas pelo presidente da Associação à polícia não podiam servir de contraprova desse facto, porquanto poderiam ter vários sentidos e dos próprios autos resultou que já antes declarara ser proprietário de “todos os prédios” daquele quarteirão.
     29. Dos documentos dos autos constantes dos autos os prédios n.º 73-75 ficaram integralmente desocupados em 1996, pelo que se iniciou aí a posse reiterada dos mesmos por parte da 1.ª Ré, nos termos do art.º 1187.ª, al. a), do CCM.
     30. Sendo essa posse não titulada, pacífica porquanto foi adquirida sem violência, pública porquanto foi exercida de modo manifestamente cognoscível à 1.ª Ré e de boa-fé porquanto esta sempre actuou na convicção de que os mesmos haviam sido abandonados.
     31. Sendo que testemunhas produzidas pela Autora confirmaram que era perfeitamente cognoscível, mesmo analisado do exterior do prédio, que havia gente a residir nesses prédios e que os mesmos se encontravam sob a posse da 1.ª Ré.
     32. Nos termos do art.º 1221.º do CCM, a posse de boa-fé não titulada confere o direito a adquirir por usucapião no prazo de 15 anos, prazo esse que in casu se completou em 2012 e, portanto, antes de ser interrompido pela oposição da Autora ocorrida em 2014.
     32. Pelo que se afigura ter sido violado o disposto nos artigos 1187.º, 1218.º e 1221.º, todos do Código Civil de Macau, ao ter julgado improcedente a excepção da usucapião deduzida pela 1.ª Ré.
     33. Saiu plenamente comprovada a existência de um contrato de arrendamento celebrado entre a 1.ª Ré e os anteriores proprietários dos prédios 69-75 sitos na Rua XXX, tendo por objecto o prédio n.º 71 a que se reportam os autos.
     34. A transferência da propriedade (e do domínio útil) não faz cessar o contrato de arrendamento que a onere, ficando o comprador onerado por esse vínculo contratual.
     35. Alterando-se a resposta aos quesitos 13.º a 16.º da BI, nos termos requeridos, então só poderá ser julgada procedente a excepção da subsistência de um contrato de arrendamento referente ao prédio n.º 71.
     36. Tratando-se a 1.ª Ré de arrendatária do espaço, a acção de reivindicação não é a acção própria para a Autora pedir a restituição do prédio n.º 71, muito menos não tendo provado – nem tampouco alegado – que o contrato de arrendamento cessou de vigorar.
     37. Tendo a 1.ª Ré a posição de arrendatária do prédio n.º 71, a venda do domínio útil desse prédio, ocorrida em 1996, é ineficaz quanto a ela, porquanto foi preterida a formalidade do direito de preferência que cabia aos arrendatários nessa data, fruto do disposto no art.º 1117.º do CCIV de 1966.
     38. O arrendamento só pode cessar nos termos previstos na lei (art.º 1013.º do CCM), pelo que não se tendo feito cessar o arrendamento por uma das formas previstas na lei, devia ter o douto Tribunal a quo negado a pretensão da Autora em lhe ver ser restituído o prédio n.º 71, por falta de fundamento de cessação do arrendamento.
     39. Sendo que devia ter sido a 1.ª Ré absolvida do pedido, e ao não ter assim decidido, foram violados os artigos 1013.º e 1235.º, n.º 2, do actual CCM e ainda o disposto no art.º 1117.º do CC de 1966.
     40. Saiu provado que a Autora contratou os serviços de uma empresa especializada, pelo custo de MOP$120,000.00, para demolir os prédios sub judice em Março de 2014 e que já havia negociado um contrato de arrendamento para esse espaço.
     41. Pediu a Autora para ser ressarcida tanto do valor despendido para a demolição como por virtude dos lucros cessantes relativos ao arrendamento celebrado.
     42. Procedendo a defesa supra efectuada no sentido de que a 1.ª Ré era possuidora dos prédios n.º 73-75, como se julga que devia ter sido reconhecido, então está afastada a ilicitude da alegada actuação da 1.ª Ré ao se opor à demolição dos prédios, porquanto enquanto possuidora exerceu um direito que lhe competia.
      43. Ainda que se entenda que a 1.ª Ré não era possuidora de boa-fé dos prédios n.º 73-75, hipótese que se abre sem se conceder, sempre se diga que a conduta dos moradores não lhe pode ser imputável.
     44. Como já acima se alegou (conclusão 9.ª), o Tribunal a quo errou ao dar como provado o que se perguntava no quesito 3.º, uma vez que as pessoas colectivas só podem ser responsabilizadas, ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual, pela actuação dos titulares dos seus cargos sociais, nos mesmos termos previstos para a responsabilidade do comitente.
     45. Não se tendo, in casu, provado qualquer comissão da 1.ª Ré nesse sentido.
     46. Alterando-se a resposta ao quesito 3.º da BI nos termos requeridos, necessariamente decai um dos elementos da responsabilidade civil extracontratual: a imputabilidade.
     47. Concluindo-se que a douta Sentença recorrida violou os artigos 152.º, 477.º e 493.º, todos do Código Civil de Macau, ao condenar a 1.ª Ré a indemnizar a Autora por actos que a ela não podem ser legalmente imputados.
     48. Mesmo que assim não se entenda, sempre se diga que a conduta da Autora, em última análise, é consubstanciadora de uma situação de abuso do direito.
     49. Resultou provado que a Autora contratou, em 2014, os serviços de algumas pessoas para negociarem com a 1.ª Ré e restantes moradores a desocupação dos prédios n.º 71,73 e 75.
     50. Uma dessas pessoas declarou que negociou com a 1.ª Ré a desocupação em 2014, e que caso não houvesse acordo o litígio seria resolvido no tribunal.
     51. Mas passado uns meses, ao invés de recorrer às vias judiciais, a Autora decidiu contratar uma equipa de demolição e celebrar um contrato de arrendamento para um espaço que bem sabia estava a ser ocupado por diversas pessoas, com, na sua visão, a sua plena “tolerância”.
     52. Tratando-se isto de uma manifesta situação de abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium, em que a Autora fez a contraparte confiar numa certa conduta, mas depois pratica o oposto a essa confiança gerada.
     53. Abuso do direito que devia ter sido declarado e reconhecido pelo douto Tribunal recorrido, havendo sido violado o disposto no art.º 326.º do CCM, por ter sido desaplicado num quadro que impunha a sua aplicação.
     54. A douta Sentença recorrida condenou ainda a 1.ª Ré a pagar uma sanção pecuniária compulsória de MOP$8,800.00 por cada dia em de atraso na restituição dos prédios.
     55. Naturalmente que a 1.ª Ré irá cumprir espontaneamente o que os Venerandos Tribunais determinarem quanto a este litígio, assim que haja decisão transitada em julgado.
     56. Ainda assim, não pode deixar a 1.ª Ré de apontar a este segmento da Sentença recorrida o exagero do valor da sanção aplicada.
     57. Os critérios utilizados pelo douto Tribunal a quo para fixar o valor da sanção pecuniária compulsória, não estão, a nosso ver, e ressalvado o devido respeito, de acordo com o disposto na lei.
     58. Contesta-se o facto de o douto Tribunal a quo considerar que inexiste nos autos informação sobre a capacidade económica dos réus, uma vez que consta dos autos que a 1.ª Ré pediu e foi-lhe concedido apoio judiciário atinente à nomeação de patrono e à isenção de custas e preparos.
     59. Sendo que o apoio judiciário é apenas concedido a quem tenha comprovada insuficiência de meios económicos (cfr. o artigo 1.º do Regime Geral do Apoio Judiciário), aqui decorrendo, no mínimo, uma presunção judicial de que a 1.ª Ré não tem elevados meios económicos ao seu dispor.
     60. E ao contrário daquilo que se afirma na douta Sentença recorrida, a 1.ª Ré, em último ratio, não estava a ocupar “abusivamente” os prédios sub judice, porquanto, em última análise, a ocupação da 1.ª Ré foi tolerada pela Autora, como ela própria confessa nos autos.
     61. Em lado nenhum na Lei se diz que a sanção deve ter em conta o valor diário (muito menos triplicado) de um arrendamento que não se chegou a concluir.
     62. Pelo que, e ressalvado o devido respeito em sentido diverso, violou a douta Sentença recorrida, neste segmento, o disposto no art.º 333.º do CCM, devendo ser revogada também nessa parte.
     63. Foi também a 1.ª Ré condenada em multa por litigância de má-fé, tendo especialmente por base o facto de o presidente da sua AG ter declarado à polícia, em Março de 2014, não saber quem era o proprietário do prédio.
     64. Salvo o devido respeito, crê-se que se deu demasiada relevância a declarações de circunstância de uma única pessoa (que nem sequer legalmente representa a 1.ª Ré, porquanto isso compete à administração da Associação).
     65. As declarações, na forma em que foram proferidas, podem ter vários significados, e a verdade é que a mesma pessoa declarou a uma testemunha da Autora que era proprietária de todos aqueles prédios.
     66. Não tendo ele testemunhado em audiência não se podem retirar ilações concretas do sentido em que as suas palavras foram proferidas.
     67. É mister ter presente de que a 1.ª Ré se trata de uma associação centenária, e que os factos sub judice se reportam há 10, 20, e em alguns casos, mais que 60 anos atrás.
     68. A medida para se ajuizar da litigância de má-fé tem de naturalmente partir da natureza do litigante, sendo que a 1.ª Ré trata-se de uma pessoa colectiva, na qual a grande parte dos titulares dos órgãos sociais já não são as mesmas pessoas que eram na altura em que os factos a que se reportam os autos ocorreram.
     69. Mesmo que se diga que houve negligência da 1.ª Ré na obtenção, confirmação e descrição de alguns dos factos alegados, nunca essa negligência se tratou de uma negligência grave, que desse azo a uma multa por litigância de má-fé.
     70. Pelo que se afigura que o douto Tribunal recorrido, ao ter condenado a 1.ª Ré por litigância de má-fé, violou o disposto no art.º 385.º do CPCM, devendo ser a 1.ª Ré absolvida desse pedido.
     71. A 1.ª Ré pediu, em reconvenção, que (i) fosse declarada legítima proprietária do domínio útil dos prédios sub judice ou, subsidiariamente (ii) que fosse declarado válido o arrendamento celebrado quanto ao prédio n.º 71 e que em consequência (iii) fosse a Autora condenada a indemnizá-la, a título de benfeitorias, tendo todos os pedidos sido declarados improcedentes.
     72. No entanto, resultou provado que a 1.ª Ré exerceu a posse dos prédios n.º 73-75 a que se reportam os autos por período suficiente para adquirir, por usucapião, o seu domínio útil.
     73. Dos autos resultou que ela detinha tanto o corpus como o animus da posse.
     74. Sendo que tal posse (de boa-fé, pública, pacífica e não titulada) confere o direito à 1.ª Ré a adquirir os mesmos por usucapião quando decorrido o prazo de 15 anos, prazo esse que se completou em 2012.
     75. Pelo que incorreu a douta Sentença recorrida em violação dos artigos 1187.º, 1218.º e 1221.º, todos do Código Civil de Macau, ao ter declarado improcedente este pedido reconvencional da 1.ª Ré.
     76. Julga-se também ter saído plenamente provado, documental e testemunhalmente, que a 1.ª Ré é legal arrendatária do prédio n.º 71, desde os anos 50 do século passado.
     77. Todos os elementos dos autos apontam para a existência de um contrato de arrendamento celebrado entre a 1.ª Ré e os então proprietários do domínio útil deste prédio.
     78. Pelo que em 1996 a Autora assumiu a posição de senhoria nesse contrato, e não tendo feito cessar o arrendamento por qualquer das vias legalmente previstas, devia o douto Tribunal a quo ter condenado a Autora a reconhecer a existência e subsistência desse contrato de arrendamento,
     79. Absolvendo a 1.ª Ré do pedido de restituição do prédio n.º 71 por esse efeito, por haver fundamento legal – o arrendamento – a essa devolução.
     80. Devendo ademais ter sido declarada ineficaz a venda do domínio útil do prédio n.º 71 em relação à 1.ª Ré, por preterição do direito de preferência que a ela cabia conforme o disposto no Código Civil de Macau vigente em 1996.
     81. Da prova resultante dos autos saiu provado que a 1.ª Ré fez obras de conservação e manutenção dos prédios sub judice no valor de MOP$560,500.00.
     82. Resultou provado que a 1.ª Ré começou a ocupar o prédio n.º 71 por via de um contrato de arrendamento, contrato esse que não cessou por qualquer via legal, pelo que a 1.ª Ré deve ser indemnizada pelas benfeitorias – comprovadas – que realizou no prédio.
     83. A resposta ao quesito 22 da BI só podia ser positiva e sendo positiva só poderá proceder este pedido reconvencional da 1.ª Ré, porquanto resultou provado, documental e testemunhalmente, que as obras realizadas pela 1.ª Ré eram manifestamente necessárias, nos termos do art.º 208.º do CCM, por estar em perigo a ruína do prédio.
     84. Ao ter negado procedência a este pedido violou a douta Sentença recorrida o disposto nos artigos 208.º, 1028.º e 1198.º do Código Civil, por terem sido desaplicados num quadro que impunha a sua aplicação.
     
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    C (Autora), veio, 25/11/2019, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 1167 a 1190.
    Esta peça tem 163 artigos, mas não tem conclusões.
    
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    B, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 18/06/2019, dela veio, em 27/09/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1123 a 1153, tendo formulado as seguintes conclusões :
     A. Da impugnação da matéria de facto – Não podia a resposta aos quesitos 2.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória ter sido positiva.
     B. Isto por a matéria quesitada respeitar a factos para cuja prova era exigível documento escrito, conforme resulta do disposto no artigo 49.º, n.º 1 do Código Comercial aplicável por força do art.º 558.º, n.º 2 do CPC.
     C. Deverão, portanto, as respostas aos quesitos 2.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória ser alteradas em conformidade, máxime no que respeita ao preço dos trabalhos de demolição e à sua ulterior variação para mais.
     D. Tem, por conseguinte, de ser revogado o ponto 2 do segmento decisório da sentença ora recorrida, na parte que condenou o 2.º Réu a suportar metade do valor de MOP120,000.00 do custo da demolição referido na resposta ao quesito 5.º da Base Instrutória, com as legais consequências.
     E. A resposta ao quesito 3 da Base instrutória deveria ter sido explicativa, pelo que deve ser alterada em conformidade com a prova produzida em juízo e especificada nas páginas 6 a 10 do corpo destas alegações.
     F. As respostas dadas aos quesitos 6.º a 11.º da Base Instrutória devem ser modificadas para "Não provado" porque a convicção do Tribunal a quo indicado no acórdão da matéria de facto se fundou no depoimento do administrador da XXX, J (que lhe ocultou os contornos da relação do seu consócio K na XXX - e dela também administrador - com a sociedade Autora) e no contrato falso ou nulo de fls. 779.
     G. DA FALSIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE FLS. 779
     H. Em face dos sinais exteriores do contrato de fls. 779 a que se referem os quesitos 7.º a 11.º da base instrutória, designadamente a dissemelhança da assinatura do K nele aposta com a assinatura aposta na procuração de fls. 75, pode o tribunal de recurso, oficiosamente, declará-lo falso (art.º 366.º, n-º 3 do Código Civil), o que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.
     I. Por outro lado, face à manifesta dissemelhança da assinatura atribuída ao administrador K (K alias K) da “XXX ” aposta no contrato do arrendamento de fls. 779 com a assinatura aposta pelo mesmo administrador na procuração de fls. 75,
     J. podia/devia, na esteira da jurisprudência fixada pelo TUI nesta matéria, ter sido perguntado na Base Instrutória se a assinatura atribuída ao administrador K (K alias K) da “XXX ” aposta no contrato do arrendamento de fls. 779 tinha sido feita por ele?
     K. Devia, pois, o Tribunal ter perguntado na base instrutória se se a assinatura atribuída ao administrador K (K alias K) da “XXX ” aposta no contrato do arrendamento de fls. 779 tinha sido feita por ele.
     L. Isto por se tratar de um facto instrumental resultante da instrução e discussão da causa (art.º 5.º, n.º 2 do CPC) de que era lícito ao Tribunal a quo conhecer dado servir de prova indiciária à resposta ao facto essencial perguntado no quesito 7.º da Base Instrutória e se afigurar indispensável à boa decisão do pedido indemnizatório a que respeita o ponto 2 do segmento decisório da sentença recorrida.
     M. Assim não sucedeu, pelo que, se porventura não for declarada a falsidade do contrato de arrendamento fls. 779 a que se referem os quesitos 7.º a 11.º da base instrutória nos termos do art.º 366.º, n.º 3 do Código Civil, deverá a sentença recorrida ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629.º, n.º 4 do CPC por se mostrar indispensável ampliação da base instrutória para o exame e boa decisão da causa.
     N. Da impossibilidade ab initio do cumprimento do contrato de fls. 779 pela Autora – Por outro lado, o cumprimento da condição sine qua non ou pré-condição de demolição antes de 15/05/2014 prevista no artigo 1.º do contrato de arrendamento de fls. 779 celebrado em 14/03/2014 era impossível desde o início pela Autora (Art.º 752/1 ex vi dos artigos 400.º e 753/1, todos do Código Civil).
     O. Isto por ela não dispor da necessária licença de demolição dos prédios sitos na Rua do XXX n.º 169, e na Rua XXX n.ºs 67 e 69, nem ter tempo suficiente para concluir os trabalhos de demolição dos restantes 6 prédios antes do termo do prazo, em 18/04/2014, das licenças de fls. 67, 68, 780 e 780v, mesmo que tivesse começado a obra no dia 15/03/2014.
     P. Tal significa que quando a Autora e a XXX assinaram o contrato de arrendamento em 14/03/2014, ambas as partes sabiam que era impossível à Autora cumpri-lo, o que revela que nenhuma das partes queria o negócio nele simulado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 232.º do Código Civil.
     Q. A impossibilidade, desde o início, do cumprimento do contrato de arrendamento de fls. 779 é, portanto, exclusivamente imputável à Autora face ao disposto no artigo 752.º, n.º 1 aplicável por força dos artigos 400.º e 753.º, n.º 1, todos do Código Civil.
     R. O incumprimento do contrato de arrendamento de fls. 779 (bem como a responsabilidade pelos prejuízos daí supostamente advenientes para a Autora) nunca poderia, portanto, ter sido imputado ao 2.º Réu, impondo-se, nessa medida, a revogação da sua condenação no ponto 2 do segmento dispositivo da sentença recorrida.
     S. Da nulidade do contrato de arrendamento (simulação) - o que resulta dos autos e do exame crítico das provas de que se deu conta no corpo destas alegações, é que a Autora e a companhia “XXX ” nunca realmente quiseram o contrato de arrendamento de fls. 779,
     T. o qual foi celebrado apenas para que a Autora conseguisse substanciar e demonstrar a realidade da causa de pedir do pedido de indemnização formulado na alínea g) do petitório da petição inicial com o intuito de assim enganar o tribunal e indevidamente se locupletar à custa dos RR.
     U. Deverá, portanto, o contrato de arrendamento ser declarado o nulo pelo TSI nos termos do disposto no art.º 279 ex vi do artigo 232.º, n.º 1 e 2 do Código Civil e, por conseguinte, ser revogado o ponto 2 do segmento decisório da sentença ora recorrida, com as legais consequências.
     V. Da anulação da sentença recorrida - Caso, porventura assim não se entenda, sempre, na esteira de VIRIATO LIMA, "Manual de Direito Processual Civil", Macau, CFJJ, 2.ª edição, 2008, p. 401, deviam os factos instrumentais enunciados nas páginas 19 e 20 do corpo destas alegações,
     W. incluindo os factos (especificados nas páginas 17 a 19 do corpo destas alegações) relativos à impossibilidade originária da Autora no cumprimento da obrigação de demolição antes de 15/05/2014 prevista no artigo 1.º do contrato,
     X. ter sido perguntados na base instrutória, dado serem instrumentais à resposta ao facto essencial quesitado no item 7.º da Base Instrutória e se afigurarem indispensáveis à boa decisão do pedido indemnizatório a que respeita o ponto 2 do segmento decisório da sentença recorrida.
     Y. Assim não sucedeu, pelo que nada a obstar a que a sentença seja anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629.º, n.º 4 do CPC.
     Z. A resposta aos quesitos 13.º e 14.º da Base instrutória deveria ter sido positiva.
     AA. Primeiro, por não se poder dizer que “… não tendo sido produzida nem sequer por testemunhas prova alguma do arrendamento.”, conforme, a fls. 965, se escreveu na fundamentação do acórdão da matéria de facto.
     BB. Segundo, por se verificar um erro claro de julgamento por parte do Tribunal a quo, resultante da falta de avaliação das provas apresentadas
     CC. Terceiro, por nada obstar à alteração das respostas aos referidos quesitos em conformidade com a prova, designadamente testemunhal, produzida e especificada nas páginas 21 a 27 do corpo destas alegações.
     DD. Também a resposta aos quesitos 15.º, 16.º e 25.º da Base Instrutória deveria ter sido positiva face à prova, designadamente testemunhal e documental, produzida em juízo e especificada nas páginas 27 a 30 do corpo destas alegações.
     EE. Também a resposta ao quesito 17.º da Base Instrutória deveria ter sido positiva face à prova, designadamente testemunhal e documental, produzida em juízo e especificada nas páginas 30 a 34 do corpo destas alegações.
     FF. Dos pontos 1, 2, 3 e 5 do segmento decisório da sentença recorrida - O 2.º Réu não se conforma, pois, com as respostas aos quesitos 2.º a 11.º, 13.º a 17.º e 25.º da Base Instrutória, nem, por conseguinte, com o decidido nos pontos 1 (última parte), 2, 3 e 5 do segmento decisório da sentença recorrida.
     GG. Da nulidade do contrato de arrendamento (art.º 274.º do CCivil) - Tendo em conta a natureza da concessão do terreno por aforamento, a sua finalidade, o disposto no contrato de arrendamento de fls. 779, o depoimento do J quanto à utilização pretendida, a manifesta inexistência de licença de utilização para o período subsequente à demolição, o disposto nos artigos artigo 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 6/99/M, de 17 de Dezembro a lei 6/99/M, e jurisprudência do TUI sobre a matéria, não podiam a Autora e a XXX ter outorgado tal contrato de arrendamento.
     HH. Isto por o mesmo se destinar a uma novel utilização não licenciada, logo contrária à lei, o que vicia de nulidade o referido contrato de arrendamento, nos termos do disposto nos artigos 273.º, n.º 1 e 279.º, do Código Civil e dos artigos 5.º e 7.º, n. os 1 e 2 da referida Lei n.º 6/99/M.
     II. Deverá, portanto, o mesmo contrato ser declarado nulo pelo TSI nos termos do disposto no art.º 279 do Código Civil e, por conseguinte, ser revogado o ponto 2 do segmento decisório da sentença ora recorrida, com as legais consequências.
     JJ. Por outro lado, do confronto da finalidade de “depósito de materiais e equipamentos de materiais de construção” (a que se destina o contrato de arrendamento) com o objecto social de mera consultoria da XXX, resulta que tal contrato é nulo por violação do princípio da especialidade, conforme resulta do disposto nos artigos 144/1, 8/3 e 273.º do Código Civil e 177/1 do Código Comercial.
     KK. Se assim não fosse, o disposto no artigo 179.º, n.º 5, al. b) do Código Comercial e o disposto nos artigos 30.º, n.º 2-6 e 62.º, al. c), ambos do Código do Registo Comercial, de nada (e para nada) valeria.
     LL. Do valor da indemnização - Caso, porventura se entenda haver responsabilidade do 2.º Réu, a sua quota-parte da responsabilidade dos prejuízos supostamente sofridos pela Autora cifra-se apenas em MOP390,720.00, ou seja, cingir-se-á ao valor proporcional da renda dos prédios (n.os 73 e 75 da Rua XXX) por ele ocupados.
     MM. Dito por outras palavras, a haver responsabilidade do 2.º Réu ela cifrar-se-á em 22% do valor total da renda acordada para os 9 prédios objecto do contrato de arrendamento de fls. de fls. 779, já deduzido do valor do pagamento antecipado da renda (MOP80,000.00) e do valor do depósito (MOP160,000.00) previsto no artigo 6.º do contrato de arrendamento de fls. 779.
     NN. Donde resulta dever ser revogado o ponto 2 do segmento decisório da sentença por a actuação do 2.º Réu respeitar apenas aos prédios por si ocupados, reduzindo-se o valor da sua condenação, a final, de MOP1.068,000.00 para MOP390,720.00.
     OO. Em qualquer caso, afigura-se existir fundamento suficiente para a anulação da sentença ora recorrida nos termos e para os efeitos do art.º 629.º, n.º 4, do CPC, designadamente por se verificar a indispensabilidade da ampliação da base instrutória.
     Senão vejamos:
     PP. Primeiro, devia o Tribunal a quo ter selecionado para a base instrutória a questão de “O senhor L foi atribuído o poder de dar de arrendamento os prédios em causa pela família da "M"?”, que serve também para explicar porque razão se formou nos residentes a convicção de que o senhor L era proprietário dos prédios em causa (cfr. depoimento da testemunha N (aos minutos de 16:55 a 17:42 da Gravação : Translator 02 – Recorded on 14-Mar-2019 at 15.59.46 (2RA}S{(W04320319)).
     QQ. Isto por se tratar de facto essencial para prova do quesito 14.º da Base Instrutória e facto instrumental para provar os quesitos 13.º, 15.º e 16.º da Base Instrutória e relativo a matéria indispensável ao exame e boa decisão da causa, designadamente para a decisão da excepção deduzida pela 1.º Ré nos artigos 93.º a 143.º da sua contestação de fls. 108 a 216 e a da excepção deduzida pelo 2.ª Réu nos artigos 1.º a 27.º da sua contestação de fls. 253 a 262 a que respeita o ponto 5 do segmento decisório da sentença recorrida,
     RR. Segundo, devia o Tribunal a quo ter selecionado para a base instrutória o alegado pelo 2.º Réu no artigo 14.º da sua contestação de fls. 253 a 262, perguntando se “Nunca houve, entre a 1 ª Ré e o Réu ora contestante, qualquer formalidade, pelo que não existem recibos dos pagamentos de renda efectuados?”.
     SS. Isto por se tratar de facto instrumental para provar o quesito 20.º da Base Instrutória e relativo a matéria indispensável ao exame e boa decisão da causa, designadamente para a decisão da excepção deduzida pelo 2.ª Réu nos artigos 1.º a 27.º da sua contestação de fls. 253 a 262 a que respeita o ponto 5 do segmento decisório da sentença recorrida,
     TT. Terceiro, devia o Tribunal a quo ter selecionado para a base instrutória a questão de saber se “O era membro da 1.ª Ré e se a ele cabia o cargo de recolher a renda para depois pagar ao senhorio do prédio n.º 71?”, que serve também para explicar o alegado no artigo 15.º da contestação da 1.ª Ré de fls. 108 a 216 e o facto de o senhor O ser o verdadeiro arrendatário do prédio n.º 71 (cfr. depoimento da testemunha N (aos minutos de 30:22 a 31:419 da Gravação : Translator 02 – Recorded on 14-Mar-2019 at 15.59.46 (2RA}S{(W04320319)).
     UU. Isto por se tratar de facto instrumental para a resposta aos quesitos 13.º a 16.º e 25.º da Base Instrutória e relativo a matéria indispensável ao exame e boa decisão da causa, designadamente para a decisão das excepções deduzidas pela 1.º Ré nos artigos 93.º a 143.º da sua contestação de fls. 108 a 216 a que respeita o ponto 5 do segmento decisório da sentença recorrida,
     VV. Quarto, devia o Tribunal a quo ter selecionado para a base instrutória a questão de saber se “A senhora P pertencia à família “M” e/ou à família do senhor L ou com estes tinha uma outra relação?”, que serve também para explicar porque os contratos de electricidade e água do prédio n.º 71 constavam o nome da senhora P desde 1973 (cfr. artigo 17.º da contestação da 1.ª Ré de fls. 108 a 216 e facturas dos serviços de electricidade e água de fls. 178 a 189) e como funcionar o procedimento de dar de arrendamento preferido na altura pelo senhorio dos prédios em causa.
     WW. Isto por se tratar de facto instrumental para prova do quesito 16.º da Base instrutória e respeitar a matéria indispensável ao exame e boa decisão da causa, designadamente para a decisão das excepções deduzidas pela 1.º Ré nos artigos 93.º a 143.º da sua contestação de fls. 108 a 216 a que se refere o ponto 5 do segmento decisório da sentença recorrida.
     XX. Quinto, devia o Tribunal a quo ter selecionado para a base instrutória o alegado pela 1.ª Ré no artigo 38.º da sua contestação de fls. 108 a 216, perguntando se “A sede da Associação Ré ficou inundada por diversas vezes, nomeadamente no ano de 1997, 2006, 2008 o que, para além dos danos causados ao imóvel, causou a destruição de muitos documentos ali guardados (e.g. tais como facturas de contas de água, electricidade, obras e outros)?”, que explica a razão da impossibilidade de apresentar pela 1.ª Ré os recibos de pagamento de renda e as facturas de contas de água, electricidade, obras e outros.
     YY. Isto por ser tratar de facto instrumental para provar os quesitos 13.º, 21.º a 24.º, 28.º e 29.º da Base Instrutória e respeitar a matéria indispensável ao exame e boa decisão da causa, designadamente para a decisão das excepções e reconvenções deduzidas pela 1.º Ré nos artigos 93.º a 225.º da sua contestação de fls. 108 a 216 a que se refere o ponto 5 do segmento decisório da sentença recorrida.
     ZZ. Sexto, devia o Tribunal a quo ter selecionado para a base instrutória as questões de saber se “O 2.º Réu tomou conhecimento de que os prédios n.os 73 e 75 foram adquiridos pela Autora só no próprio dia agendada para a demolição, ou seja, o dia 15 de Março de 2014??” e se “Os RR. tomaram conhecimento da decisão da demolição dos prédios n.os 73 e 75 só no próprio dia agendada para a demolição, ou seja, o dia 15 de Março de 2014?”, sendo isto alegado nos artigos 3.º, 41.º, 43.º, 47.º, 48.º da contestação do 2.º Réu de fls. 253 a 261 como razão da oposição à demolição feita pelo 2.º Réu e os demais residentes dos prédios n.os 73 e 75 em 15/03/2014.
     AAA. Isto por se tratarem de factos instrumentais para a resposta ao quesito 3.º da Base Instrutória e respeitarem a controvertida e indispensável ao exame e boa decisão da causa, designadamente para a decisão dos pedidos f) e g) da Petição Inicial julgados nos pontos 2 e 3 do segmento decisório da sentença recorrida,
     BBB. Sétimo, devia o Tribunal a quo ter selecionado para a base instrutória a questão de saber se “O senhor Q é membro da 1.ª Ré? E se na altura ajudava as pessoas que vieram da China para Macau encontrar casa?” resultante do alegado nos artigos 3.º e 5.º da contestação do 2.º Réu de fls. 253 a 262.
     CCC. Isto por se tratarem de factos instrumentais para provar os quesitos 18.º e 19.º da Base Instrutória e respeitarem a matéria indispensável ao exame e boa decisão da causa, designadamente para a decisão da excepção deduzida pelo 2.ª Réu nos artigos 1.º a 27.º da sua contestação de fls. 253 a 262 a que se refere o ponto 5 do segmento decisório da sentença recorrida,
     DDD. Oitavo, devia o Tribunal a quo devia ter selecionado para a base instrutória a questão de “O senhor Q na altura ajudava as pessoas que vieram da China para Macau encontrar casa?”, que serve também para investigar sobrea a existência de um contrato oral de arrendamento entre o 2.º Réu e o senhor L.
     EEE. Isto por se tratar de facto instrumental para provar os quesitos 3.º e 5.º da Base Instrutória e respeitar a matéria indispensável ao exame e boa decisão da causa, designadamente para a decisão da excepção deduzida pelo 2.ª Réu nos artigos 1.º a 27.º da sua contestação de fls. 253 a 262 a que se refere o ponto 5 do segmento decisório da sentença recorrida,
     FFF. Nono, devia o Tribunal a quo ter selecionado para a base instrutória a questão de saber levantada no artigo 10.º da contestação do 2.º Réu de fls. 253 a 262 de saber se “O senhor Q é membro da 1.ª Ré e lhe cabia o cargo de recolher renda dos residentes dos prédios em causa?”, para se investigar como é que era paga a renda pelos residentes dos prédios em causa.
     GGG. Isto por se tratar de facto instrumental para provar o quesito 20.º da Base Instrutória e respeitar a matéria indispensável ao exame e boa decisão da causa, designadamente para a decisão da excepção deduzida pelo 2.ª Réu nos artigos 1.º a 27.º da sua contestação de fls. 253 a 262 a que respeita o ponto 5 do segmento decisório da sentença recorrida,
     HHH. Nada disto consta da base instrutória, pelo que sempre deverá a sentença ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629.º, n.º 4 do CPC.
     
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    C (Autora), veio, 25/11/2019, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 1193 a 1216.
    Esta peça processual tem 164 artigos, mas sem CONCLUSÕES também.
     
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     a) A Autora é uma sociedade comercial, com sede em Macau e constituída segundo o direito local, que tem como objecto principal a realização de investimentos imobiliários; (alínea a) dos factos assentes)
     b) A 1ª Ré é uma associação de direito privado, com sede em Macau e constituída segundo o direito local, cujo Presidente da Direcção é R; (alínea b) dos factos assentes)
     c) A RAEM é dono do domínio directo do prédio urbano sito em Macau, na Rua XXX, com descrição sob nº 1630, 1631, 1632, 1633, 1634, 1237, 1238, 1239, 1240, 1241; (alínea c) dos factos assentes)
     d) Os prédios acima referidos eram registados como bens de sacrifício de família “M” em 28.05.1958; (alínea d) dos factos assentes)
     e) S, é herdeira da família “M” e adquiriu por sucessão hereditária do domínio útil dos prédios referidos em c), e apresentou ao registo em 23.02.1993; (alínea e) dos factos assentes)
     f) A Autora adquiriu o domínio útil dos prédios referidos em c) de S, em 17 de Junho de 1996, conforme. escritura pública de compra e venda a fls. 59 a 64 dos autos; (alínea f) dos factos assentes)
     g) O prédio urbano sito na Rua XXX nº 67, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº 1237, livro B7, folhas 252v; (alínea g) dos factos assentes)
     h) O prédio urbano sito na Rua XXX nº 69, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº 1238, livro B7, folhas 253v; (alínea h) dos factos assentes)
     i) O prédio urbano sito na Rua XXX nº 71, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº 1239, livro B7, folhas 254v; (alínea i) dos factos assentes)
     j) 0 prédio urbano si to na Rua XXX nº 73, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº 1240, livro B7, folhas 255v; (alínea j) dos factos assentes)
     k) O prédio urbano sito na Rua XXX nº 75, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº 1241, livro B7, folhas 256v; (alínea k) dos factos assentes)
     l) Os prédios 67 e 69 da Rua Nova dó Comércio foram demolidos pela DSSOPT, em 2000, tendo a Autora sido notificada para pagar, e tendo pago, a respectiva despesa de demolição, conforme documentos a fls. 327 a 332 dos autos, os quais se dão por integralmente reproduzidos; (alínea k1) dos factos assentes)
     m) A cobrança da Contribuição Predial Urbana dos exercícios de 1990 a 1994 foi emitida em nome de M, como se mostra pelas certidões da DSF juntas a fls. 331 a 335 dos autos; (alínea k2) dos factos assentes)
     n) A cobrança da Contribuição Predial Urbana do exercício de 1995 foi emitida em nome de S, como se mostra pelas certidões da DSF juntas a fls. 331 a 335 dos autos; (alínea k3) dos factos assentes)
     o) Desde 1996, as cobranças da Contribuição Predial Urbana dos prédios nº 67, 69, 71, 73 e 75 da mesma Rua XXX passaram a ser emitidas em nome da Autora, como se mostra pelas certidões da DSF juntas a fls. 336 a 343 dos autos; (alínea k4) dos factos assentes)
     p) Os prédios referidos em g) a k) estão a serem usados pela 1ª Ré, a A; (alínea l) dos factos assentes)
     q) Os RR. recusaram a entrega dos prédios referidos em g) a k) à Autora; (alínea m) dos factos assentes)
     r) O senhor O, faleceu em 1998; (alínea n) dos factos assentes)
     s) Os prédios com os nºs 161, 165, 169, 173 e 177 da Rua do XXX formam um gaveto com os prédios nºs 67, 69, 71, 73 e 75 da Rua XXX; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
     t) A Autora contratou os serviços de uma empresa para proceder à demolição de todos prédios indicados supra e em c); (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
     u) A demolição dos prédios nºs 161, 165, 173 e 177 da Rua do XXX e dos nºs 73 e 75 da Rua XXX, foi agendada para o dia 15 de Março de 2014, mas devido à oposição dos 1º e 2º Réus e outras pessoas não foi possível realizá-la; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
     v) A Autora teria de pagar pela demolição dos prédios 73 e 75 o preço de MOP190.000,00 à Companhia T; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
     w) Como a Companhia T não pôde demolir os prédios 73 e 75 no dia 15 de Março, como estava agendado, não obstante ter colocado no terreno todos os meios técnicos e humanos necessários para o fazer, aquela Companhia apresentou uma nova proposta para a demolição que, se for realizada ainda durante 2014 custará mais MOP20.000,00 e se vier a ser realizada só em 2015, custará mais MOP120.OOO,OO; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
     x) Após obter a licença de demolição dos últimos prédios, a Autora negociou um contrato de arrendamento dos terrenos resultantes da demolição dos prédios; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
     y) Em 14 de Março de 2014, na véspera das últimas demolições, a Autora formalizou e celebrou o dito contrato de arrendamento com a Companhia XXX do terreno correspondente aos prédios nºs 161, 165, 169, 173 e 177 da Rua do XXX e aos nºs 67, 69, 73 e 75 da Rua XXX, de modo a rentabilizar aquele espaço até à aprovação do projecto de arquitectura pela DSSOPT; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
     z) O contrato de arrendamento acima referido foi celebrado por dois anos; (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
     aa) No contrato de arrendamento acima referido ficou estabelecida a renda mensal de MOP80.000,0·0 para o primeiro ano e a renda mensal de MOP88.000,00 para o segundo ano; (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
     bb) Naquele contrato ficou ainda estipulado, o pagamento de MOP240.000,00, correspondente ao valor de um mês da renda e ao depósito-caução correspondente a dois meses da mesma, pagamento que o arrendatário efectuou de imediato; (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
     cc) Ao não poder disponibilizar o referido espaço, a Autora não vai receber a renda mensal de MOP80.000,00 entre Maio de 2014 e Maio de 2015 (MOP960.000,00) e a renda mensal de 88.000,00 entre Maio de 2015 e Maio de 2016 (MOP1.056.000,00); (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)
     dd) A 1ª Ré procedeu a algumas obras de conservação e manutenção do prédio referido em i); (resposta ao quesito nº 21 da base instrutória)
     ee) Nas obras realizadas despendeu a primeira Ré MOP560,500.00; (resposta ao quesito nº 23 da base instrutória)
     ff) A 1ª Ré consentiu que U, V, W, X e Y, respectivamente entre si, mãe, filho, nora e dois netos, têm um quarto onde habitam na Rua XXX; (resposta ao quesito nº 26 da base instrutória)
     gg) A partir do início de 2014 o contrato de fornecimento de água e electricidade do prédio referido em i) está em nome da 1ª Ré. (resposta ao quesito nº 29 da base instrutória).

* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Nesta sede, cumpre executar o decidido pelo venerando TUI.
    Antes de mais, importa destacar um ponto: relativamente à matéria de facto impugnada pela 1ª Ré, o TUI confirmou a decisão deste TSI, à excepção da impugnação da matéria factual feita pelo 2º Réu, aquele venerado Tribunal mandou que seja apreciada a impugnação feita pelo mesmo, por omitir a respectiva pronúncia por parte este TSI.
    Ora, como há impugnação repetida, feita pela 1ª Ré e pelo 2º Réu, respectivamente, a fim de se perceber toda problemática em discussão, mantemos a nossa análise anteriormente feita sobre a impugnação feita pela 1ª Ré, para depois podermos remeter para a referida análise para fundamentar a nossa posição no que toca à impugnação feita pelo 2º Réu.
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    Na decisão anterior, escrevemos (decisão esta que foi confirmada pelo TUI):
    “(…)
Como a 1ª Ré e o 2º Réu vêm impugnar a matéria de facto, comecemos por analisar estas questões neste domínio levantadas.
A 1ª Ré, ora Recorrente, veio a impugnar a matéria de facto, atacando as respostas dadas pelo Colectivo aos seguintes quesitos (por ordem e por grupo indicados pela própria Recorrente/1ª Ré):
- 3º quesito;
- 13º a 15º quesitos ;
- 16 quesito;
- 22º quesito;
- 25º e 26º quesitos;
- 27º quesito.
*
A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
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Quesito 3º

A demolição dos prédios nºs 161, 165, 173 e 177 da Rua do XXX e dos nºs 73 e 75 da Rua XXX, foi agendada para o dia 15 de Março de 2014, mas com a intervenção dos 1º, 2º RR e demais pessoas, os trabalhos de demolição não lograram realizar?
Provado que a demolição dos prédios nºs 161, 165, 173 e 177 da Rua do XXX e dos nºs 73 e 75 da Rua XXX, foi agendada para o dia 15 de Março de 2014, mas devido à oposição dos 1º e 2º Réus e outras pessoas não foi possível realizá-la;

Ora, não há contradição nem omissões encontradas na resposta dada pelo distinto Colectivo, já que efectivamente foram as pessoas da 1ª Ré que impediram a tentativa de demolição dos prédios em causa, sendo irrelevantes se as pessoas eram ou não membros ou representantes da 1ª Ré/Associação. A resposta é conforme com os depoimentos das testemunhas ouvidas, quer arroladas pela Autora, quer pela 1ª Ré. Foi justamente por causa da intervenção de pessoas ligadas à 1ª Ré que não foi possível a demolição. É um argumento falido defender que as pessoas intervenientes nesse evento não eram representantes da 1ª Ré/Associação.
Pelo que, julga-se infundada a impugnação neste ponto.
*
Quesitos 13º a 16º
13º
     Em 1957, o imóvel referido em I) foi dado em arrendamento verbal pelo Senhor L aliás L1, para a Associação Ré, tendo sido acordado o pagamento da renda mensal no valor de MOP300,OO (trezentas patacas), o que perfazia o valor anual de MOP3.600,00 (três mil e seiscentas patacas)?
     Não Provado;
14º
     Senhor L aliás L1 é membro da família M e tinha poderes para dar de arrendamento?
     Não Provado;
15º
     Em data não apurada, L aliás L1deixou de deslocar-se ao imóvel para cobrar a renda?
     Não Provado;
16º
     A renda continuou a ser paga, no local, pelo Senhor O, tesoureiro da 1ª Ré, ao genro de L aliás L1, Senhor XX, e a P, descendente de L aliás L1?
     Não Provado;

     A 1ª Ré veio a defender que a sua ocupação estava legitimada por um acordo de arrendamento, remontado ao ano de 1957 e pagava rendas a um senhor.
     A 1ª Ré queria apoiar-se no teor do documento de fls. 799 e seguintes dos autos, mas não tem razão:
     1) - Primeiro, os nomes referidos nos quesitos em análise não se referem à pessoa mencionada no documento de fls. 803, depois, este último documento fala já do ano 1996, e não do ano 1957;
     2) - Segundo, não existem documentos para comprovar os factos inserido nos quesitos acima referido;
     3) -Terceiro, estamos perante uma acção de reivindicação, tais matérias são um pouco irrelevantes para o pedido da Autora, tendo em conta a data da ocupação pelos Réus mencionada nos quesitos em análise.
     Pelo expendido, julga-se infundada também a impugnação nesta matéria.
*
Quesito 22º
22º
     Essas obras aumentaram o valor do prédio?
     Não Provado;

     Não existem provas para demonstrar que as obras aumentam o valor do prédio. Não há contradição nem omissão na resposta, o que determina também a improcedência da impugnação da matéria em causa.

Quesito 25º
25º
     A partir de 1991, a 1ª R não conseguiu encontrar o dono e deixou de pagar a renda ao dono?
     Não Provado;

     A impugnante está a atacar a convicção do Tribunal, pretendendo impor uma versão resultante do depoimento das testemunhas por ela arroladas.

Quesito 26º
26º
     A partir de 1992, a 1ª R. deu de arrendamento, por contrato verbal, partes dos prédios urbanos, nomeadamente o primeiro andar e segundo andar, às seguintes pessoas, pelo valor de renda mensal de MOP180,00 (cento e oitenta patacas):
     1. YYY, Rua XXX, nº 75, 3º andar;
     2. YYY, Rua XXX;
     3. YYY, Rua XXX, nº 73, 2º andar;
     4. YYY, Rua XXX, nº 75, 3º andar;
     5. O segundo Réu, B, Rua XXX, nº 75;
     6. YYY, Rua XXX, nº 73, r/c;
     7. YYY, Rua XXX, nº 75, 2º andar;
     8. YYY, Rua XXX, n° 73, 2º andar;
     9. F, Rua XXX, nº 75, r/c;
     10. U, Rua XXX, n° 71, 2º andar;
     11. YYY, Rua XXX;
     12. V, Rua XXX;
     13. W, Rua XXX;
     14. X; Rua XXX;
     15. Y, Rua XXX;
     16. YYY, Rua XXX, nº 73, 2º0 andar?
     Provado apenas que a 1ª Ré consentiu que U, V, W, X e Y, respectivamente entre si, mãe, filho, nora e dois netos, têm um quarto onde habitam na Rua XXX;
     A intenção da impugnante é a seguinte:
     A resposta deve passar a consignar que também F, G e H viviam naqueles prédios sob autorização da 1ª Ré
     Em vão, porque tais nomes não constam do quesito citado.
     Julga-se improcedente a impugnação em causa.”
*
    A seguir, a propósito da impugnação feita pelo 2º Réu, escrevemos:
    “(…)
De seguida, passemos ver a impugnação da matéria de facto feita pelo 2º Réu.
Este veio atacar as respostas dos quesitos 2º, 4º e 5º , 6º a 11º.

Quesito 2º

A Autora contratou os serviços de uma empresa para proceder à demolição de todos prédios supra referidos bem como os referidos em E)?
Provado que a Autora contratou os serviços de uma empresa para proceder à demolição de todos prédios indicados supra e em C);

Não tem razão, visto que:
Foi requerida junta da DSOPT e emitida a competente licença de obras para demolição dos prédios em causa conforme o teor de fls. 67;
O preço para a demolição pode ser acordado verbalmente, não estando sujeito à forma especial da prova. Por outro lado, à data do acontecimento estiveram presentes alguns trabalhadores da companhia comercial encarregada da demolição.
E, como a demolição não foi realizada, obviamente não existe recibo de tal preço.
Pelo que, julga-se improcedente a impugnação nesta parte da matéria.
*
Quesito 3º

A demolição dos prédios nºs 161, 165, 173 e 177 da Rua do XXX e dos nºs 73 e 75 da Rua XXX, foi agendada para o dia 15 de Março de 2014, mas com a intervenção dos 1º, 2º RR e demais pessoas, os trabalhos de demolição não lograram realizar?
Provado que a demolição dos prédios nºs 161, 165, 173 e 177 da Rua do XXX e dos nºs 73 e 75 da Rua XXX, foi agendada para o dia 15 de Março de 2014, mas devido à oposição dos 1º e 2º Réus e outras pessoas não foi possível realizá-la;

Está-se a atacar a convicção do julgador
Na verdade, a resposta visa tão somente esclarecer que a demolição não foi feita por impedimento de algumas pessoas ligadas à 1ª Ré, se as pessoas no local se sentiram medo ou outra coisa é irrelevante. Assim, não havendo omissões nem contradições na resposta, julga-se também infundada a impugnação feita pelo 2º Réu.
*

Quesitos 6º a 11º

     Após obter a licença de demolição dos últimos prédios, a Autora negociou um contrato de arrendamento dos terrenos resultantes da demolição dos prédios?
     Provado;

     Em 14 de Março de 2014, na véspera das últimas demolições, a Autora formalizou e celebrou o dito contrato de arrendamento com a Companhia XXX do terreno correspondente aos prédios nºs 161, 165, 169, 173 e 177 da Rua do XXX e aos nº 67, 69, 73 e 75 da Rua XXX, de modo a rentabilizar aquele espaço até à aprovação do projecto de arquitectura pela DSSOPT?
     Provado;

     O contrato de arrendamento acima referido foi celebrado por um ano, renovável por mais um ano?
     Provado que o contrato de arrendamento acima referido foi celebrado por dois anos;

     No contrato de arrendamento acima referido ficou estabelecida a renda mensal de MOP80.000,0·0 para o primeiro ano e a renda mensal de MOP88.000,00 para o segundo ano?
     Provado;
10º
     Naquele contrato ficou ainda estipulado, o pagamento de MOP240.000,00, correspondente ao valor de um mês da renda e ao depósito-caução correspondente a dois meses da mesma, pagamento que o arrendatário efectuou de imediato?
     Provado;
11º
     Ao não poder disponibilizar o referido espaço, a Autora não vai receber a renda mensal de MOP80.000,00 entre Maio de 2014 e Maio de 2015 (MOP960.000,00) e a renda mensal de 88.000,00 entre Maio de 2015 e Maio de 2016 (MOP1.050.000,00)?
     Provado que ao não poder disponibilizar o referido espaço, a Autora não vai receber a renda mensal de MOP80.000,00 entre Maio de 2014 e Maio de 2015 (MOP960.000,00) e a renda mensal de 88.000,00 entre Maio de 2015 e Maio de 2016 (MOP1.056.000,00);
     É certo que o impugnante atacar também as respostas dos quesitos 13º a 16º, 25º, 17º,
     Mas estas impugnações não foram levadas às conclusões, como tal deve entender-se que tais foram renunciadas nos termos do artigo 598º/4_ do CPC, ficamos dispensados de nos pronunciarmos.
     Depois, nas suas conclusões sob as alíneas Z) a HH) o Recorrente/2º Réu voltou a tocar matéria de facto, pedindo, desta vez, que seja anulada a sentença OFICIOSAMENTE com base no artigo 629º/4 do CPC, atacando todas as respostas que lhe sejam desfavoráveis.
     Ora, digamos desde já que ele não tem razão, visto que:
     a) – Se ele achasse que determinada matéria devia ser seleccionada para o saneador, devia reclamar nos termos do disposto no artigo 430º/3 do CPC, aquando da notificação do saneador, mas não o fez!
     b) – Nitidamente o que verdadeiramente o Recorrente/2º Réu desejava era ter mais um “chance” (oportunidade) para repetir o julgamento com vista a obter matéria que lhe seja mais favorável, o que não é possível nem a lei processual permite, já que o recurso não visa este objectivo;
     c) – Trantando-se de uma acção de revindicação, à Autora compete provar a titularidade de um direito real, e às partes contrárias provar a sua ocupação ou detenção legítima. No caso, a Autora nunca estabeleceu qualquer acordo com os Réus, nem directamente nem através de representantes.
     d) Pelo expendido, este Tribunal de recurso não pode voltar a tocar estas matérias por lhe faltar a base legal para esta finalidade.
     Julga-se deste modo improcedente esta parte do recurso.”

    Ora, a fim de dar cumprimento ao ordenado pelo TUI, cabe frisar que há “duplicação parcial da impugnação de matéria de facto”, pois, basta fazer uma leitura comparativa sobre a matéria de facto acima transcrita, é fácil verificar que a 1ª Ré impugnou a matéria constante dos seguintes quesitos:
    - 3º quesito;
     - 13º a 15º quesitos ;
     - 16 quesito;
     - 22º quesito;
     - 25º e 26º quesitos;
     - 27º quesito.
    E, a 2º Réu impugnou as respostas dadas aos seguintes quesitos pelo Tribunla de 1ª instância:
    - 2º a 5º , 6º a 11º, e ainda 13º a 16º , 25º e 17º . É sobre esta última parte que o venerando TUI entendeu que houve omissão de pronúncia, sendo certo que sobre a matéria constante destes quesitos, já procedemos à análise quando apreciamos o recurso impugnatório da 1ª Ré, à excepção dos quesitos 2º a 5º e 17º (mas a matéria do quesito 3º já foi objecto de análise na parte anterior).

    Ora, em matéria de apreciação crítica das provas, o artigo 436º do CPC manda:
(Princípio da aquisição processual)
O tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.
    Nestes termos, depois de reapreciados todos os elementos probatórios disponíveis nos autos, se a nossa conclusão é no sentido de que não há erro na apreciação de provas e as respostas dadas pelo Tribunal recorrido estão bem fundamentadas e assim decidimos manter as respectivas respostas, não vejamos com que fundamento é que a impugnação feita pelo 2º Réu pode proceder, pois as provas são e devem ser apreciadas em conjunto e não isoladamente.
    Assim, no que se refere à matéria constante dos quesitos 6º a 11º, mantemos a nossa reposta sobre esta parte de matéria impugnada, remetemos para os termos analíticos sobre a impugnação feita pela 1ª Ré.
*
    Relativamente aos quesitos 2º, 4º e 5º, que têm o seguinte teor:


     A Autora contratou os serviços de uma empresa para proceder à demolição de todos prédios supra referidos bem como os referidos em E)?
     Provado que a Autora contratou os serviços de uma empresa para proceder à demolição de todos prédios indicados supra e em C);
     (…)

     A Autora vai ter de pagar pela demolição dos prédios 73 e 75 o preço de MOP190.000,00 à Companhia T?
     Provado apenas que a Autora teria de pagar pela demolição dos prédios 73 e 75 o preço de MOP190.000,00 à Companhia T;

     Como a Companhia T não pôde demolir os prédios 73 e 75 no dia 15 de Março, como estava agendado, não obstante ter colocado no terreno todos os meios técnicos e humanos necessários para o fazer, aquela Companhia apresentou uma nova proposta para a demolição que, se for realizada ainda durante 2014 custará mais MOP120.000,00 e se vier a ser realizada só em 2015, custará mais MOP140.OOO,OO?
     Provado apenas que como a Companhia T não pôde demolir os prédios 73 e 75 no dia 15 de Março, como estava agendado, não obstante ter colocado no terreno todos os meios técnicos e humanos necessários para o fazer, aquela Companhia apresentou uma nova proposta para a demolição que, se for realizada ainda durante 2014 custará mais MOP20.000,00 e se vier a ser realizada só em 2015, custará mais MOP120.OOO,OO;
    (…)

    Nesta parte da matéria, o Colectivo formou a sua convicção nos seguintes termos:
    “(…)
     No que concerne ao item 1º da base instrutória o mesmo resultou provado por acordo das partes.
     Relativamente à demais matéria da base instrutória, no que concerne aos itens 2º a 5º a convicção do tribunal resultou do depoimento da testemunha (segunda a ser ouvida) T o qual era o responsável pelas obras de demolição dos prédios a que se reportam os autos e que não se realizou quanto aos prédios da Rua XXX porque a ela se opunham várias pessoas entre elas um sujeito que se dizia ser Presidente da Associação de Ginástica conhecido como sendo Z. Mais declarou esta testemunha que a demolição dos prédios da Rua XXX custava MOP190.000,00 e que não sendo feita naquele dia mas sendo feita ainda durante o ano de 2014 custaria mais MOP20.000,00 e se fosse feita durante o ano de 2015 mais MOP120.000,00, ou seja, MOP210.000,00 e MOP310.000,00 como a testemunha expressamente referiu, informando que após 2015 não havia previsão do preço uma vez que não se podia prever os custos com mão de obra e materiais. A convicção do tribunal quanto à data e a quem se opôs à realização da demolição resulta da certidão da PSP junta a folhas 69.
     No que concerne à matéria dos itens 6º a 11º a convicção do tribunal resulta do depoimento da testemunha J gerente da Companhia XXX e do contrato e licença de demolição juntos a fls. 778 a 780, sendo que a versão apresentada se mostra credível segundo as regras da experiência, não tendo sido apresentada prova em contrário e nada obstando a que o contrato pudesse decorrer pelo menos durante os dois anos previstos.
     Relativamente à matéria do item 12º não foi apresentada prova alguma.
    (…)”.
    
    Nestes termos, não encontamos vícios invalidantes nos termos invocados pelo impugnante, aliás o que ele fez foi atacar a convicção do julgador, pretendendo impôr a sua versão factual mas sem base probatória. Ou seja, não se verificam elementos disponíveis nos autos que imponham uma versão factual diversa da fixada pelo Tribunal recorrido.
    Improcede assim esta parte impugnatória da matéria de facto.
*
    Sobre a matéria do quesito 17º, que tem o seguinte teor:
  
  17º
O 2° Réu é inquilino do primeiro piso do prédio 73 e 75 melhor identificado nos autos desde o mês de Agosto ou Setembro de 1987?
Não Provado;
    Tribunal Colectivo que decidiu esta matéria fundamentou a decisão nos seguintes termos:
     “(…)
     Os itens 17º a 20º incidem sobre um suposto arrendamento pelo 2º Réu do primeiro piso dos prédios sitos no nºs 73 e 75 a ter acontecido em 1987. Ora, da visita realizada ao local não foi possível visitar o nº 75, mas apenas o primeiro andar e sótão do nº 71 e o R/c, primeiro andar e sótão do nº 73, tendo-se percebido perfeitamente que não há ligação nenhuma entre o nº 73 e o nº 75. No R/c do nº 73 manifestamente não vive ninguém, sendo um armazém com móveis velhos que manifestamente haviam sido arrumados recentemente, sendo evidente e manifesta a limpeza recente de parte do espaço sem prejuízo da terra que havia em cima dos móveis velhos não havendo qualquer vestígio de quem quer que seja que ali vivesse. No primeiro andar havia três quartos e um espaço aberto central com uma mesa e televisão ladeado por duas camas que tanto podiam servir de sofá como de cama, um espaço destinado a cozinha ao fundo e uma casa de banho composta apenas por latrina. No sótão há dois quartos e no meio um espaço aberto por cima da mesa do andar inferior por onde passa a luz exterior para esse piso. Podendo haver pessoas, pelo que nos apercebemos todos do sexo masculino, que por ali pernoitem ou que durante o dia ali estejam convivendo e às vezes descansando e/ou dormindo naquelas camas/quartos. Contudo o espaço por si não configura ser a residência de alguém e menos ainda que fosse todo ele a habitação do 2º Réu. Por outro lado o que resulta do depoimento da testemunha F é que há umas pessoas que ficam por lá, e que a própria testemunha quando lhe apetece descansa lá numa cama qualquer e deixa lá os materiais e ferramentas de trabalho, começando por referir que vivia lá mas quando confrontado em ter requerido e ter-lhe sido atribuída uma habitação pelo governo de Macau, inverteu o seu depoimento e afinal já lá não vivia, vivia antes com a sua família embora às vezes também ficasse por ali durante o dia e às vezes lá guardasse as ferramentas. A décima quarta testemunha a ser ouvida, AA conheceu o 2º Réu nos anos oitenta e disse que este viveu lá mas que depois deixou de viver lá e não sabe onde ele vive, versão que também é confirmada pela vigésima primeira testemunha a ser ouvida, AB o qual disse que o 2º Réu vivia no nº 75 em 1987 mas que depois deixou de lá viver não sendo capaz de precisar a data desconhecendo onde vive actualmente. O 2º Réu em momento algum conseguiu exibir documentos ou prova que demonstrassem esse arrendamento, sendo que os supostos recibos de pagamentos de renda juntos aos autos nada provam uma vez que se assumiu terem sido lavrados recentemente uma vez que alegam que os originais se destruíram, contudo, à míngua de prova que o demonstre não tem o tribunal elemento algum de onde se possa convencer pela versão do 2º Réu.
     Por outro lado, a Autora juntou aos autos os documentos de fls. 799 a 837 de onde resulta que quem vendeu os imóveis dos autos à Autora, no ano de 1996 fez acordos com os inquilinos no sentido de desocupar os imóveis nº 75, situação que foi confirmada pela quinta testemunha a ser ouvida, AC e sexta testemunha a ser ouvida AD, pelo que, não tendo os documentos de fls. 799 a 837 sido impugnados, e perante a oposição de depoimentos, entende o tribunal não haver elemento algum que demonstre que o 2º Réu em 1996 ali residisse ou tivesse tomado de arrendamento o imóvel. (…)”.
    Sobre esta parte, o 2º Réu impugnou nos seguintes termos:
    “(…)
     DD. Também a resposta aos quesitos 15.º, 16.º e 25.º da Base Instrutória deveria ter sido positiva face à prova, designadamente testemunhal e documental, produzida em juízo e especificada nas páginas 27 a 30 do corpo destas alegações.
     EE. Também a resposta ao quesito 17.º da Base Instrutória deveria ter sido positiva face à prova, designadamente testemunhal e documental, produzida em juízo e especificada nas páginas 30 a 34 do corpo destas alegações.
     FF. Dos pontos 1, 2, 3 e 5 do segmento decisório da sentença recorrida - O 2.º Réu não se conforma, pois, com as respostas aos quesitos 2.º a 11.º, 13.º a 17.º e 25.º da Base Instrutória, nem, por conseguinte, com o decidido nos pontos 1 (última parte), 2, 3 e 5 do segmento decisório da sentença recorrida.
     GG. Da nulidade do contrato de arrendamento (art.º 274.º do CCivil) - Tendo em conta a natureza da concessão do terreno por aforamento, a sua finalidade, o disposto no contrato de arrendamento de fls. 779, o depoimento do J quanto à utilização pretendida, a manifesta inexistência de licença de utilização para o período subsequente à demolição, o disposto nos artigos artigo 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 6/99/M, de 17 de Dezembro a lei 6/99/M, e jurisprudência do TUI sobre a matéria, não podiam a Autora e a XXX ter outorgado tal contrato de arrendamento. (…)”.
    Ora, não encontramos elementos probatórios bastantes que invalidem a decisão do Tribunal de 1ª instância, nem o impugnante chegou a indicá-los concretamente, o que ele fez não passa de atacar a convicção do julgador e quer que seja aceite a sua versão factual, o que é normal para quem seja um dos litigantes, só que isso não basta, é preciso indicar concretamente quais elementos que são suficientes para chegar a uma conclusão diversa da tirada pelo Tribunal recorrido, o que ele não fez!
    Por outro lado, o Recorrente veio também a defender o aditamento de alguns (novos) quesitos para a base instrutória, pretensão da uma ampliação de factos, matéria esta que relegamos para a sede própria, ou seja, para a sede em que analisamos a decisão sobre o mérito de causa, a fim de saber se, conjugados com os demais factos assentes, há necessidade ou não para tal pretendida ampliação.
    Pelo que, improcede toda esta parte (impugnatória) do recurso interposto pelo 2º Réu.
*
    Prosseguindo:
    Concluída a análise da materialidade factual, passemos a ver o mérito de acção.
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este fundamentou a sua douta decisão nos seguintes termos:
C, com sede em Macau na XXX.
Vem instaurar a presente acção declarativa de condenação contra,
A, com sede em Macau no nº 71 da Rua XXX; e,
B, com o domicílio no nº 73 e 75 da Rua XXX, Macau; e,
Interessados Incertos.
Alega a Autora que em 17.06.1996 comprou o domínio útil dos prédios que identifica o qual está inscrito no registo predial a seu favor e que contratou uma empresa para proceder à demolição dos mesmos, sendo que a demolição dos prédios com o nº 73 e 75 não se realizou devido às acções intimidatórias de um conjunto de pessoas ligadas à A impedindo que os trabalhos de demolição progredissem. A Autora não havia requerido a demolição do prédio com o nº 71 uma vez que estava a negociar uma solução com os ocupantes. A realização de demolição quanto mais tarde no tempo mais cara vai ficar à Autora, para além desta, após obter a licença de demolição dos prédios ter celebrado um contrato de arrendamento dos terrenos onde estavam os prédios a demolir pelo qual iria receber a renda mensal que indica. A actuação dos Réus ao impedir a demolição causou prejuízos à Autora os quais quantifica.
Pelo que vem pedir que julgando-se a acção procedente por provada sejam os Réus condenados:
1. A reconhecer a Autora como única e legítima proprietária do domínio útil dos prédios sitos em Macau, com os números 71, 73 e 75 da Rua XXX;
2. A reconhecer a Autora como única e legítima proprietária do domínio útil dos terrenos correspondentes aos prédios sitos em Macau, com os números 67 e 69 da Rua XXX;
3. A restituir à Autora, livre e desocupado de pessoas e bens, o prédio com o número 71 da Rua XXX e ainda os terrenos correspondentes aos prédios com os números 67 e 69 da mesma Rua XXX, no prazo a fixar pelo Tribunal;
4. Ser o 2º Réu condenado a restituir à Autora, livres e desocupados de pessoas e bens, os prédios sitos em Macau, com os números 73 e 75 da Rua XXX, no prazo a fixar pelo Tribunal;
5. Serem os 3º Réus Incertos, condenados a restituir à Autora livres e desocupados de pessoas e bens, os prédios sitos em Macau, com os números 73 e 75 da Rua XXX, no prazo a fixar pelo Tribunal;
6. Serem os Réus condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do previsto no artigo 333º do Código Civil, a fixar segundo a equidade, por cada dia de atraso na entrega dos prédios à Autora;
7. Serem os Réus condenados a pagar os prejuízos causados à Autora em virtude da obstrução às demolições, prejuízos a apurar em execução de sentença, mas que à data da propositura da presente acção, totalizam MOP2.156.000,00.
Citados os Réus para querendo contestarem vieram fazê-lo os seguintes:
Pela primeira Ré foi apresentada contestação onde invoca a excepção peremptória da posse e aquisição prescritiva (usucapião) alegando que tendo inicialmente tomado de arrendamento o prédio sito no nº 71, a partir de 1991 nunca mais apareceu alguém a cobrar a renda nem houve mais contactos com o senhorio pelo que a Associação em 1992 decidiu apropriar-se dos prédios sito nos números 67, 69, 71, 73 e 75, passando a comportar-se relativamente aos mesmos como sendo a sua dona, dando-os em arrendamento às pessoas que indica os quais reconhecem a Ré como proprietária dos mesmos pagando-lhe as rendas, sendo certo que também é a primeira Ré quem faz as obras de manutenção dos prédios em causa e paga as contas referentes aos prédios em causa em causa, nunca a Autora tendo contactado a Ré nem tido a posse sobre os referidos prédios.
Caso a excepção invocada não proceda, ainda em sede de excepção vem a 1ª Ré invocar ter tomado de arrendamento o prédio sito no nº 71 pelo que não é esta acção o meio adequado para por fim a essa relação para além de ter sido preterido o seu direito de preferência.
Mais se defende a 1ª Ré por impugnação.
Reconvindo vem a 1ª Ré alegar ter adquirido por usucapião os prédios sitos nos números 67, 69, 71, 73 e 75 da Rua XXX ou subsidiariamente alega ser arrendatária do prédio sito no nº 71.
Concluindo pede a 1ª Ré que:
1) A petição da Autora seja julgada improcedente por não provada e, consequentemente, seja a Associação R. absolvida de todos os pedidos formulados pela sociedade A.;
2) Deve a excepção peremptória, consubstanciada na posse e na usucapião do direito de propriedade do domínio útil dos prédios urbanos sitos nos nºs 67, 69, 71, 73, e 75 da Rua XXX, ser declarada procedente, por provada, a favor da Associação Ré;
Subsidiariamente pede que:
3) Deve a excepção peremptória, por falta de interesse processual, consubstanciada na existência da relação de locação (arrendamento) entre a Associação Ré, na qualidade de arrendatária, e a Sociedade A., na qualidade de Senhoria, relativamente ao prédio urbano sito no nºs 71 da Rua XXX, ser julgada procedente por provada. E,
4) Subsidiariamente, deve a excepção peremptória de violação do direito de preferência da Ré, nos termos da lei vigente à altura da alienação do prédio registado com o número 1239, proceder, por provada e, consequentemente, ser a compra e venda de 17 de Junho de 1996 titulada por escritura pública da mesma data (Doc. 4 da P.I) ser declarada nula pelo Meritíssimo Tribunal, relativamente ao prédio registado com o número 1239, nos termos do artigo 279 º e 287 º do CC e com os efeitos previstos no artigo 282º do mesmo Código ou, se Meritíssimo Tribunal entender que o vício por violação do direito de preferência da Ré é o da anulabilidade, ser a referida alienação anulada com todos os efeitos legais.
Em sede de Reconvenção, vem a 1ª Ré pedir:
a) Seja a Associação Ré declarada, para todos os efeitos legais, designadamente para efeitos de registo na Conservatória do Registo Predial de Macau, única e legítima possuidora e proprietária do domínio útil dos prédios sitos em Macau na Rua XXX, nºs 67, 69, 71, 73, e 75, descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs 1.237, 1.238, 1.239, 1.240 e 1.241 do livro B7, de fls. 252v a 256v, ordenando-se o cancelamento da inscrição com o número 12.870, na Conservatória do Registo Predial, de 13 de Setembro de 1996, atinente ao invocado Direito de Propriedade do domínio útil da Sociedade Autor sobre os prédios urbanos sub judice, bem como se ordene o cancelamento da inscrição hipotecária 72738C e de qualquer outra que possa contender com o direito de propriedade da Associação Ré em causa, a partir do ano de 1992, cuja declaração ora se peticiona;
Ou subsidiariamente:
b) Seja declarado válido e vigente o contrato de locação (arrendamento) sub judice atinente ao prédio urbano sito no número 71 da Rua XXX, celebrado verbalmente com a Associação Ré e o então proprietário desse prédio, no ano de 1957, até à presente data, com todas as consequências legais;
c) E em consequência: seja a Sociedade Reconvinda condenada a pagar a quantia, a título de indemnização, pelas benfeitorias efectuadas pela Associação Reconvinte, no valor global de MOP1.060.500.00 (um milhão e sessenta mil e quinhentas patacas).
Pelo segundo Réu foi deduzida contestação vindo alegar em sede de excepção ter tomado de arrendamento a quem indica o “referido prédio” pagando a renda à Associação primeira Ré, e defendendo-se também por impugnação, concluindo pedindo que:
a) Seja a excepção peremptória invocada ser julgada procedente e o 2º Réu absolvido dos pedidos a) e d); ou,
b) O Tribunal julgar improcedente, por não provados os seus pressupostos, os pedidos a) e d) a absolver o Réu;
c) Deve o Tribunal entender ter o Réu agido em legítima defesa e considerar procedente a correspondente excepção e declarar improcedente o pedido g) e absolver o Réu do mesmo;
Ou subsidiariamente,
d) Considerar não provados os danos alegados e pedidos, declarar o pedido g) improcedente e absolver o Réu do mesmo.
Replicando quanto às excepções (pelo 1º e 2º Réus) e Reconvenção (pela 1ª Ré) apresentadas veio a Autora defender-se por impugnação, concluindo pela improcedência das excepções invocadas e da Reconvenção, pedindo a condenação dos 1ª e 2º Réus como litigantes de má-fé.
Por requerimento de fls. 351 veio a 1ª Ré desistir do pedido reconvencional feito a título principal de que havia adquirido por usucapião os prédios sitos nos nºs 67, 69, 71, 73 e 75, passando a ser o pedido reconvencional principal aquele que havia sido feito a título subsidiário.
A fls. 426 a 434 ocorre a mudança de mandatário da 1ª Ré.
Foi proferido despacho saneador, sendo admitida a reconvenção e julgada válida a desistência do pedido reconvencional principal, não sendo admitida a tréplica apresentada. Foi seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Interposto recurso do despacho saneador na parte em que julgava válida a desistência do pedido reconvencional, notificado o legal representante da 1ª Ré para ratificar a desistência o que este expressamente recusou a fls. 607, por despacho de fls. 610 veio a ser dada sem efeito a homologação da desistência do pedido reconvencional.
Por despacho de fls. 614 foi aditada à base instrutória a matéria do pedido reconvencional.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.

As questões a decidir nesta sede processual consistem em apreciar relativamente à Autora se é a titular do domínio útil sobre os prédios a que se reportam os autos e se os Réus têm a posse ou detém aqueles.
Contudo tendo sido deduzida pela 1ª Ré excepção da prescrição aquisitiva da usucapião e deduzida reconvenção com base nos mesmos factos onde pede para ser reconhecida como titular do direito por o ter adquirido por usucapião, cabe apreciar primeiro da excepção e do pedido reconvencional da 1ª Ré e só em caso de improcedência deste conhecer dos pedidos da Autora.
Procedendo a pretensão da Autora cabe apreciar dos pedidos subsidiários da 1ª Ré, primeiro o da existência de um arrendamento que legítima a 1ª Ré a usar o local e obsta à restituição à Autora e em caso de improcedência deste da violação do direito de preferência da 1ª Ré na transmissão em que a Autora adquiriu o direito e subsequente anulabilidade da compra e venda.
Apreciados os pedidos subsidiários da 1ª Ré, referidos no parágrafo anterior e a excepção do arrendamento invocada pelo 2º Réu, procedendo a pretensão da Autora, cabe conhecer do direito à restituição por banda da Autora.
Procedendo o pedido de restituição da Autora cabe apreciar do pedido indemnizatório formulado por esta uma vez que este pedido pressupõe que foi ilegitimamente impedida de usufruir de coisa sua.
Da sanção pecuniária compulsória.
Por último cabe apreciar do pedido reconvencional da 1ª Ré quanto ao reconhecimento do arrendamento e a condenação do pagamento da Autora/Reconvinda no pagamento das benfeitorias.
Do pedido de condenação como litigantes de má-fé dos 1ª e 2º Réus.

Da instrução e discussão da causa apurou-se que:
(…)

Cumpre apreciar e decidir.

Da excepção peremptória da prescrição aquisitiva da usucapião e do pedido Reconvencional de aquisição do direito por usucapião da 1ª Ré.
Vem a 1ª Ré alegar ter adquirido por usucapião o direito ao domínio útil relativo aos prédios sitos na Rua XXX nº 67, 69, 71, 73 e 75, melhor identificados nos autos.
Nos termos do artº 1491º do Código Civil Português de 1966 tornado extensivo a Macau pela Portaria nº 22869 de 4 de Setembro de 1967 dizia-se «enfiteuse (aforamento) o desmembramento do direito de propriedade em dois domínios, denominados directo e útil».
Com a entrada em vigor do actual Código Civil, nos termos do artº 3º nº 2 al. b) do decreto-Lei nº 39/99/M subsistiram as disposições relativas à enfiteuse.
Da factualidade apurada – al. c) a k) – resulta que os prédios a que se reportam os autos são um “prazo” – artº 1491º nº 2 do C.Civ. de 1966 – isto é, um prédio sujeito ao regime enfitêutico ou de aforamento, estando o domínio directo registado a favor da RAEM e o domínio útil a favor de particular.
Nos termos do artº 7º da Lei Básica os solos são propriedade do Estado, salvo os terrenos e construções que tenham sido reconhecidos como propriedade privada antes do estabelecimento da RAEM.
Nos termos dos nºs 2 e 4 do artº 9º da Lei de Terras (Lei nº 10/2013 de 2 de Setembro), «2. Mesmo que sejam terrenos concedidos, só pode ser adquirido por usucapião o direito resultante da concessão por arrendamento ou o domínio útil nos casos previstos nos nº 3 e 4, sem prejuízo do disposto no nº 5. (…) 4.Tratando-se de concessão onerosa por aforamento antes do estabelecimento da RAEM, só pode ser adquirido por usucapião o domínio útil, inscrito definitivamente a favor de particular no registo predial, quando essa concessão se torne definitiva».
É uniforme a Jurisprudência no sentido de se entender que quando o domínio útil tiver sido reconhecido antes do estabelecimento da RAEM – 20.12.1999 – é passível de ser adquirido por usucapião2.
Nos termos do artigo 1175º do Código Civil de Macau, «a posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real» e adquire-se pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito – al. a) do artº 1187ºdo C.Civ..
Nos termos do artº 1212º e 1221º ambos do C.Civ. a posse não titulada, de boa-fé, pacífica e pública do direito de propriedade ou outros direitos reais quando mantida por mais de 15 anos faculta ao possuidor a aquisição do direito correspondente à sua actuação.
No caso dos autos a 1ª Ré alegava (artigos 25º a 29º da contestação) que como apesar das diligências feitas não encontrou o Senhorio, isto é o dono do prédio decidiu apropriar-se, porque abandonados, não só do prédio sito no nº 71 que diz ter arrendado como também dos prédios sitos nos números 67, 69, 73, e 75 da Rua XXX.
Ora, adquirindo-se a posse nos termos do artº 1187º do C.Civ., alegando a 1ª Ré ser arrendatária do prédio sito no nº 71, havia que ter sido invocada quanto a este a inversão do título da posse nos termos do al. e) do artº 1187º e 1190º ambos do C.Civ., sendo que quanto aos demais poderia ter adquirido a posse nos termos da al. a) do artº 1187º do C.Civ., sendo certo que essa pose seria sempre de má-fé, pois como diz, “decidiu apropriar-se”, o que pressupõe que bem sabia que a eles não tinha direito algum e que lesaria o direito de alguém uma vez que, em ultima análise face à Lei Básica e à Lei das Terras os prédios em causa pertenceriam à RAEM.
Porém, não deixa de ser estranho que a 1ª Ré venha em Fevereiro de 2015 – data em que é apresentada a sua contestação/reconvenção - dizer que em 1992 decidiu apropriar-se dos prédios em causa e quando dois deles foram demolidos pela DSSOPT em 2000 nada tenha dito ou feito como resulta “a contrário” da alínea l) dos factos assentes.
Por outro lado como resulta da fundamentação da factualidade apurada «A prova do contrário do que se pergunta no item 27º resulta de todo o processo, pelo que, embora tecnicamente a resposta do tribunal só possa ser não provado, no caso dos autos, se fosse possível alterar a redacção do quesito a resposta até poderia (ser) provado que a 1ª Ré não é conhecida como a dona do prédio. Tal convicção começa por resultar da certidão da polícia a fls. 69 onde Z, pessoa que actualmente é considerado como sendo quem actualmente dirige de facto a 1ª Ré, declara que não sabe quem é o proprietário do prédio sito na Rua XXX nº 71 nem a quem pagar a renda, pelo que, contrariamente ao que se alega ainda hoje a 1ª Ré se tem como arrendatária do prédio, sendo esta a intenção como o usa e não outra. Por outro lado o que resulta é que não sabem quem é o dono como decorre dos depoimentos das testemunhas F (décima primeira a ser ouvida), AE (décima sexta a ser ouvida), AF (décima sétima a ser ouvida), H (vigésima a ser ouvida) – referindo esta testemunha que nunca ninguém fala quem é o dono - e AB (vigésima primeira a ser ouvida)».
Destarte, não tendo provado a 1ª Ré que decidiu apropriar-se dos prédios em causa ou que exerceu a posse dos mesmos na convicção de que era titular do domínio útil sobre aqueles, só pode improceder a excepção peremptória da prescrição aquisitiva da usucapião e o pedido principal da Reconvenção em que pede que se reconheça ter adquirido por usucapião o domínio útil sobre os prédios em causa.

Cabe agora apreciar se a Autora é titular do domínio útil sobre os prédios a que se reportam os autos e se os Réus têm a posse ou detém aqueles.

Nos termos do nº 1 do artº 1235º do C.Civ. «O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence».
Segundo o artº 1241º do C.Civ. «O direito de propriedade adquire-se por contrato, (…)».
As disposições referentes à acção de reivindicação constantes dos artigos 1235º do C.Civ. e seguintes são aplicáveis à defesa de todo o direito real.
No caso dos autos, não só a Autora goza da presunção de ser o titular do domínio útil sobre os prédios a que respeitam os autos face à presunção decorrente do registo a seu favor nos termos do artº 7º do CRP, como também, está assente que adquiriu o respectivo direito por compra nos termos do nº 1 do artº 402º e alínea a) do artº 1242º ambos do C.Civ..
Pelo que, face ao disposto no nº 1 do artº 402º e alínea a) do artº 1242º ambos do C.Civ. se tem de concluir que a Autora é a titular do domínio útil dos prédios a que se reportam os autos.
Tal como já se referiu da factualidade apurada resulta que o prédio a que se reportam os autos é um “prazo” – artº 1491º nº 2 do C.Civ. de 1966 – isto é, um prédio sujeito ao regime enfitêutico, pelo que, sendo a enfiteuse um direito real, pode o titular do domínio útil recorrer à acção de reivindicação.
Apurando-se que a Autora é titular de direito real sobre os prédios a que se reportam os autos, resulta também da factualidade apurada que a 1ª Ré está a ocupar os prédios indicados nas alíneas g) a k) e que o 2º Réu também se opôs a que a Autora procedesse à demolição dos prédios indicados em i) a k) – cf. alíneas p), q), ff) e gg) -.
Pelo que, deve proceder a pretensão da Autora quanto a serem condenados os Réus a reconhecerem ser aquela a titular do domínio útil dos prédios a que se reportam os autos.

Procedendo a pretensão da Autora cabe, agora, apreciar dos pedidos subsidiários da 1ª Ré, primeiro o da existência de um arrendamento que legítima a 1ª Ré a usar o local e obsta à restituição à Autora e em caso de improcedência deste da violação do direito de preferência da 1ª Ré na transmissão em que a Autora adquiriu o direito e subsequente anulabilidade da compra e venda.

Ora, quanto a esta matéria, ambos os pedidos, embora formulados entre si numa relação de subsidiariedade, emergem da existência de uma relação de arrendamento entre a 1ª Ré e alegadamente anteriores proprietários.
De acordo com o artº 969º do C.Civ. diz-se locação o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.»
Nos termos do nº 1 do artº 335º do C.Civ. cabia à 1ª Ré ter feito a prova dos factos constitutivos do direito que invoca o que não logrou fazer, pelo que, sem necessidade de outras considerações, impõe-se julgar estes pedidos formulados pela 1ª Ré improcedentes.

Da mesma sorte goza a excepção invocada pelo 2º Réu de que havia arrendado o primeiro andar de um dos prédios a que se reportam os autos, uma vez que, não foi feita prova de ter sido celebrado arrendamento algum seja com a 1ª Ré seja com outrem e menos ainda com a Autora ou anteriores proprietários.

Nos termos do nº 2 do artº 1235º do C.Civ. havendo reconhecimento do direito real a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.
Ora, nada se tendo provado que obste à restituição, impõe-se julgar este pedido da Autora procedente.

Procedendo o pedido de restituição da Autora cabe apreciar do pedido indemnizatório formulado por esta uma vez que este pedido pressupõe que foi ilegitimamente impedida de usufruir de coisa sua.
Alega a Autora que havia contratado uma empresa para proceder à demolição dos prédios a que se reportam os autos o que devido à acção dos Réus não foi possível realizar a qual quando vier a ser feita terá um custo superior pelo menos em MOP120.000,00 (cf. al. w)).
Para além disso invoca que havia celebrado um contrato de arrendamento dos terrenos que resultariam da demolição dos referidos prédios de forma a rentabilizar o espaço até poder construir, com o que auferiria MOP2.016.000,00 (cf. als. x) a cc)).
Nos termos do nº1 do artº 477º do C.Civ. «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
São, assim, pressupostos da responsabilidade civil:
- O facto;
- A ilicitude;
- A imputação do facto ao lesante;
- O dano;
- Nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto ao facto este tanto pode ser positivo, traduzido num acto ou acção, como também, negativo traduzido numa omissão quando «haja o dever jurídico de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente teria impedido a consumação desse dano»3
«Por isso, facto voluntário significa apenas, no caso presente, facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade. Para fundamentar a responsabilidade civil basta a possibilidade de controlar o acto ou omissão; não é necessária uma conduta predeterminada, uma acção ou omissão orientada para certo fim (uma conduta finalista). Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por causas de força maior ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas (pessoa que é irresistivelmente impelida por força do vento, por efeito da vaga do mar, por virtude de uma explosão, de uma descarga eléctrica, da deslocação de ar provocada pelo arranque de um avião, ou de outras forças naturais invencíveis).» - Obra citada a pág. 449 -.
A ilicitude pode consistir na violação do direito de outrem (entre as várias formas que aquela pode revestir).
No caso em apreço a detenção do imóvel por banda dos Réus e a não entrega do mesmo à Autora, por violadora do direito de propriedade desta e o inerente direito ao gozo e disposição da coisa por banda da Autora, são o facto ilícito a que alude o artº 477º C.Civ..
A imputação do facto ao lesante traduz-se na culpa do agente, ou seja da violação ter sido praticada com dolo ou mera culpa.
A culpa pressupõe a imputabilidade do agente, ou seja de que este é capaz de discernir os efeitos da sua actuação ou omissão e que tem liberdade de determinação (capacidade intelectual e emocional e capacidade volitiva)4.
Age com mera culpa aquele que em face das circunstâncias do caso podia e devia ter agido de outro modo, sendo este factor apreciado em função do homem médio.
No caso em apreço o que resulta da factualidade apurada é que os Réus se opuseram a que a Autora exercesse o seu direito sendo certo que não tem qualquer direito aos prédios a que se reportam os autos nem tão pouco a usar os mesmos.
Pelo que, se impõe concluir que a sua actuação cabe dentro do dolo eventual.
O dano consiste no prejuízo que a conduta do agente causou a outrem.
Por fim é necessário o nexo de causalidade entre o facto (acção/omissão) e o dano, ou seja, que este resulte daquele.
O terem impedido a demolição dos prédios nº 73 e 75, bem como que a Autora usasse o terreno para o dar em arrendamento como havia contratado implicou para a Autora um acréscimo do preço a pagar no futuro pela demolição e a perda das rendas decorrentes do contrato.
Nos termos do artº 556º do C.civ. «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».
Assim devem os Réus ser condenados a pagar uma indemnização de valor igual ao custo acrescido da demolição de MOP120.000,00 (cf. al. w)) e do montante das rendas que a Autora deixou de auferir no montante de MOP2.016.000,00 (cf. als. x) a cc)), tudo no valor global de MOP2.136.000,00.
Não havendo no caso fundamento para a responsabilidade solidária – artº 506º do C.civ. “a contrário” -, decorrendo a responsabilidade pela indemnização da actuação dos 1ª e 2º Réus deve cada um destes ser condenado no pagamento de metade do valor da indemnização.

Da sanção pecuniária compulsória.

De acordo com o disposto no nº 1 do artº 333º do C.Civ. o autor pode pedir a condenação do Réu a pagar ao ofendido uma quantia pecuniária por cada dia de atraso culposo no cumprimento da obrigação, o que no caso em apreço a Autora faz.
Ora, no caso em apreço um dos pedidos a proceder será o da condenação dos Réus a entregarem à Autora os prédios a que se reportam os autos.
Destarte fundamenta-se que sejam os Réus condenados no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia que se atrasem na entrega da coisa.
De acordo com o disposto no nº 3 do artº 333º do C.Civ. na míngua de elementos sobre a capacidade económica dos Réus, considerando o valor das rendas usado para o cálculo da indemnização – MOP88.000,00 mensais -, mostra-se adequado fixar um montante correspondente ao triplo do valor diário correspondente àquele, isto é, MOP8.800,00.

Por último cabe apreciar do pedido reconvencional da 1ª Ré quanto ao reconhecimento do arrendamento e a condenação do pagamento da Autora/Reconvinda no pagamento das benfeitorias.

Quanto a esta matéria já se referiu supra improceder o pedido de reconhecimento do arrendamento.
Não procede nenhuma causa que legitime a 1ª Ré a ocupar os prédios em causa.
Não se demonstra que as obras realizadas pela 1ª ré hajam sido necessárias e menos ainda a que título hajam sido autorizadas ou realizadas, sendo certo que foram feitas em coisa alheia e sem autorização do dono.
Destarte, sem necessidade de outras considerações carece de fundamento legal o pedido de indemnização da 1ª Ré pelas obras que realizou.

Da litigância de má-fé dos Réus.

A fls. 23 desta sentença diz-se:
«Porém, não deixa de ser estranho que a 1ª Ré venha em Fevereiro de 2015 – data em que é apresentada a sua contestação/reconvenção - dizer que em 1992 decidiu apropriar-se dos prédios em causa e quando dois deles foram demolidos pela DSSOPT em 2000 nada tenha dito ou feito como resulta “a contrário” da alínea l) dos factos assentes.
Por outro lado como resulta da fundamentação da factualidade apurada «A prova do contrário do que se pergunta no item 27º resulta de todo o processo, pelo que, embora tecnicamente a resposta do tribunal só possa ser não provado, no caso dos autos, se fosse possível alterar a redacção do quesito a resposta até poderia (ser) provado que a 1ª Ré não é conhecida como a dona do prédio. Tal convicção começa por resultar da certidão da polícia a fls. 69 onde Z, pessoa que actualmente é considerado como sendo quem actualmente dirige de facto a 1ª Ré, declara que não sabe quem é o proprietário do prédio sito na Rua XXX nº 71 nem a quem pagar a renda, pelo que, contrariamente ao que se alega ainda hoje a 1ª Ré se tem como arrendatária do prédio, sendo esta a intenção como o usa e não outra. Por outro lado o que resulta é que não sabem quem é o dono como decorre dos depoimentos das testemunhas F (décima primeira a ser ouvida), AE (décima sexta a ser ouvida), AF (décima sétima a ser ouvida), H (vigésima a ser ouvida) – referindo esta testemunha que nunca ninguém fala quem é o dono - e AB (vigésima primeira a ser ouvida)».
O que ali se deixou dito e o que resulta dos sinais dos autos é manifesto quanto à 1ª Ré que vem invocar argumentos que tem perfeita consciência que não correspondem à verdade.
Nos termos do artº 385º nº 2 diz-se que litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave deduzir pretensão cuja falta de fundamento não deva ignorar, tiver omitido factos relevantes para a decisão da causa e tiver praticado omissão grave do dever de cooperação.
A actuação da 1ª Ré preenche os requisitos do mencionado preceito, pelo que, ainda que não se demonstre que actuou de modo doloso, era-lhe exigido de acordo com os padrões normais de actuação que tivesse adoptado outro comportamento.
Destarte, deve proceder o pedido de condenação da 1ª Ré como litigante de má-fé, devendo como tal ser condenada na multa igual a 3Uc´s nos termos do nº 2 do artº 101º do RCT.
No que concerne ao 2º Réu não estando preenchidos os pressupostos do assinalado preceito não há fundamento para proceder o pedido de condenação.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção procedente porque provada e em consequência:
1. Condenam-se os Réus a reconhecerem a Autora como titular do domínio útil dos prédios sitos em Macau, na Rua XXX nº 67 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX, livro XX a folhas 252v, do prédio sito na mesma rua no nº 69 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX, livro XX a folhas 253v, do prédio sito na mesma rua no nº 71 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX, livro XX a folhas 254v, o prédio sito na mesma rua no 73 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX, livro XX a folhas 255v e o prédio sito na mesma rua no nº 75 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX, livro XX a folhas 256v e a entregá-los em 30 dias à Autora livres e devolutos de pessoas e bens;
2. Condenam-se a 1ª Ré e o 2º Réu a pagar cada um à Autora uma indemnização no valor de MOP1.068.000,00;
3. Condena-se a 1ª Ré e o 2º Réu a pagar cada um a sanção pecuniária compulsória igual a MOP8.800,00 por cada dia em que cada um deles perdurar na ocupação para além do prazo referido em 1;
4. Condena-se a 1ª Ré como litigante de má-fé na multa igual a 3Uc´s;
5. Julgam-se improcedentes por não provadas as excepções invocadas pelos Réus e o pedido reconvencional absolvendo a Autora de todos eles, sendo o 2º Réu também absolvido do pedido de condenação como litigante de má-fé.
  
Custas a cargos do Réus quanto ao pedido da Autora na proporção de metade para cada um e a cargo da 1ª Ré quanto ao pedido reconvencional.

Registe e Notifique.

Macau, 18 de Junho de 2019.

*
    Ora, tratando-se de uma acção de reivindicação, tem a sua sede legal no artigo 1235º do CCM.
    Além da argumentação ínsita na douta sentença acima transcrita, importa realçar ainda o seguinte:
    1) - Face à argumentação que a 1ª Ré/Recorrente trouxe para este recurso, não é difícil verificar que o que ela fez é discordar da decisão, pois não indicou concretamente qual parte da decisão é que está eivada de vícios, muito menos traz elementos novos para contrariar o decidido.
    2) – Não se deve esquecer que ficam provados os seguintes factos que são suficientes para demonstrar quem é que está a impedir a Autora/Recorrida de exercer os seus direitos enquanto titular do domínio útil dos prédios em causa:
     3) A Autora adquiriu o domínio útil dos prédios referidos em c) de S, em 17 de Junho de 1996, conforme. escritura pública de compra e venda a fls. 59 a 64 dos autos; (alínea f) dos factos assentes)
     4) O prédio urbano sito na Rua XXX nº 67, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº XXX, livro XX, folhas 252v; (alínea g) dos factos assentes)
     5) O prédio urbano sito na Rua XXX nº 69, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº XXX, livro XX, folhas 253v; (alínea h) dos factos assentes)
     6) O prédio urbano sito na Rua XXX nº 71, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº XXX, livro XX, folhas 254v; (alínea i) dos factos assentes)
     7) 0 prédio urbano si to na Rua XXX nº 73, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº 1240, livro B7, folhas 255v; (alínea j) dos factos assentes)
     8) O prédio urbano sito na Rua XXX nº 75, está descrito na Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) sob o nº XXX, livro XX, folhas 256v; (alínea k) dos factos assentes)
     9) Os prédios 67 e 69 da Rua Nova dó Comércio foram demolidos pela DSSOPT, em 2000, tendo a Autora sido notificada para pagar, e tendo pago, a respectiva despesa de demolição, conforme documentos a fls. 327 a 332 dos autos, os quais se dão por integralmente reproduzidos; (alínea k1) dos factos assentes)
     10) A cobrança da Contribuição Predial Urbana dos exercícios de 1990 a 1994 foi emitida em nome de M, como se mostra pelas certidões da DSF juntas a fls. 331 a 335 dos autos; (alínea k2) dos factos assentes)
     11) A cobrança da Contribuição Predial Urbana do exercício de 1995 foi emitida em nome de S, como se mostra pelas certidões da DSF juntas a fls. 331 a 335 dos autos; (alínea k3) dos factos assentes)
     12) Desde 1996, as cobranças da Contribuição Predial Urbana dos prédios nº 67, 69, 71, 73 e 75 da mesma Rua XXX passaram a ser emitidas em nome da Autora, como se mostra pelas certidões da DSF juntas a fls. 336 a 343 dos autos; (alínea k4) dos factos assentes)
     13) Os prédios referidos em g) a k) estão a serem usados pela 1ª Ré, a A; (alínea l) dos factos assentes)
     14) Os RR. recusaram a entrega dos prédios referidos em g) a k) à Autora; (alínea m) dos factos assentes)
    
    1) - Em termos de direito, sublinhe-se que, para que a acção de reivindicação tenha êxito, a Autora deve alegar factos dos quais resulte a aquisição originária do direito real invocado, por si ou pela pessoa que lha transmitiu.
    2) - Só assim não será quando a Autora beneficie da presunção legal do direito real (domínio útil), como a resultante do registo (artigo 7º do CRP), que é o caso, conforme o teor dos documentos de fls. 37 a 58 dos autos.
    3) - Reconhecido o direito real, há lugar à consequente restituição da coisa, a não ser que nos casos em que a possuidora ou detentora seja titular de uma posição jurídica incompatível com o dever de entrega.
    4) - Compete aos Réus provar que são titulares de um direito obrigacional ou real que legitima a ocupação, por exemplo, que é arrendatária.
    5) - Não assim fazendo, a possuidora ou detentora é condenada a restituir o terreno à reivindicante, Autora do processo em causa.
    6) - Neste termos, é do nosso entendimento que a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida e bem fundamentada, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, não havendo, assim, motivos para alterar a decisão tomada.
    Pelo exposto, é de concluir que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
*
    Relativamente ao recurso interposto pelo 2º Réu, formulou este os seguintes pedidos nas conclusões:
    1) Falsidade do contrato de arrendamento de fls. 779;
    2) Impossibilidade ab initio do cumprimento do contrato de fls. 779 pela Autora;
    3) Nulidade do contrato de arrendamento por simulação e por ofensa aos bons costumes (artigo 274º do CCM);
    4) Nulidade do contrato de arrendamento (princípio da especialidade);
    5) Anulação da sentença recorrida;
    6) Valor da indemnização;
    7) Ampliação da base instrutória.
    
    Ora, na contestação que o 2º Réu apresentou formulou apenas os seguintes pedidos:
     Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. certamente suprirá:
     a) deve a excepção peremptória invocada ser julgada procedente e o 2º Réu absolvido dos pedidos a) e d);
     b) o Tribunal julgar improcedentes, por não provados os seus pressupostos, os pedidos a) e d) e absolver o Réu;
     c) deve o Tribunal entender ter o Réu agido em legítima defesa e considerar procedente a correspondente excepção e declarar improcedente o pedido g) e absolver o Réu do mesmo;
     ou subsidiariamente,
     d) considerar não provados os danos alegados e pedidos, declarar o pedido g) improcedente e absolver o réu do mesmo.
    
    É de ver não foi deduzido nenhum pedido reconvencional.
    Porém, curiosamente, neste recurso, o 2º Réu veio a apresentar um conjunto de novos pedidos acima indicados!
    Obviamente carece de fundamento legal.
    Pois, em sede de recurso é que o 2º Réu veio a constituir um novo mandatário (fls. 1013) que apresentou apenas as alegações de recurso.
    Passemos a ver as questões suscitadas.
1 - Falsidade do contrato de arrendamento de fls. 779:

    Relativamente ao contrato de arrendamento de fls. 779 indicada nas Conclusões G a M das alegações do recurso, entende o 2º Réu/Recorrente que ele é falso.
    Mas sem razão porque:
    1) - O Recorrente nunca impugnou a genuinidade do contrato de arrendamento constante da fls. 779 dos autos, tendo apenas requerido a junção do original do mesmo (cfr. fls. 863 dos Autos), o que foi feito.
    2) - Tendo o Recorrente mudado de mandatário nesta fase, vem o actual Ilustre Mandatário invocar um conjunto de questões novas, muito delas não pode o Tribunal ad quem conhecer nesta fase de recurso, por incompatíveis com as normas da lei processual.
    3) - O artigo 469.º do CPC dispõe:
     "1. A impugnação da letra ou assinatura do documento particular ou da exactidão da reprodução mecânica, a negação das instruções a que se refere o n.º 1 do artigo 375.º do Código Civil e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira são feitas no prazo de 10 dias, a contar da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário.
     2. Se, porém, respeitarem a documento junto com articulado que não seja o último, são feitas no articulado seguinte e, se se referirem a documento junto com a alegação do recorrente, dentro do prazo facultado para a alegação do recorrido."
    Depois, o 1.º do artigo 368.º do CCM manda:
     "1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras."
    4) - Como o Recorrente não impugnou, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 469.º do CPC, a genuinidade do contrato de arrendamento nem a autoria da assinatura no mesmo contrato, o seu direito à impugnação precludiu e, consequentemente, o contrato de arrendamento e todas as assinaturas no mesmo devem ser considerados verdadeiras, estando vedado ao Recorrente invocar esta questão em sede de recurso.
    5) – Pelo que, é infundado o argumento tecido pelo Recorrente nesta parte do recurso, mantendo-se a parte decisória da sentença posta em crise.
*
    2 - Impossibilidade ab initio do cumprimento do contrato de fls. 779 (indicada nas Conclusões N a R):
    1) Para vingar a sua tese, o Recorrente invoca o seguinte:
    - "o cumprimento da condição sine qua non ou pré-condição de demolição antes de 15/05/2014 prevista no artigo 1.º do contrato de arrendamento de fls. 779 celebrado em 14/03/2014 era impossível desde o início pela Autora (Art.º 752/1 ex vi dos artigos 400.2 e 753/1, todos do Código Civil)" (Conclusão N);
     - "não dispor da necessária licença de demolição dos prédios sitos na Rua do XXX n.º 169, e na Rua XXX n.ºs 67 e 69, nem ter tempo suficiente para concluir os trabalhos de demolição dos restantes 6 prédios antes do termo do prazo, em 18/04/2014, das licenças de fls. 67, 68, 780 e 780v, mesmo que tivesse começado a obra no dia 15/03/2014" (Conclusão O), diga-se desde já, sem razão, porque:
    a) – Os n.ºs 67 e 69 da Rua XXX já foram demolidos pela DSSOPT em 2000 (cfr. fls. 327 a 332 dos Autos);
    b) – O mesmo aconteceu com o prédio n.º 169 da Rua do XXX, que já fora demolido antes de 2006.
    c) - Segundo a planta cadastral datada de 26/07/2006 (cfr. fls.65 dos Autos), o n.º 169 da Rua do XXX e os n.ºs 67 e 69 da Rua XXX são “T.V.”, significando este “T.V.” que os sítios supra identificados são "Terreno Vazio".
    d) - Visto que o n.º 169 da Rua do XXX e os n.ºs 67 e 69 da Rua XXX já foram demolidos, a Autora não tinha necessidade de requerer uma licença de obra para a demolição de prédios que já estavam demolidos! Aliás, em bom rigor das coisas, a Autora nem sequer precisava de qualquer licença da DSSOPT para demolir os tectos de zinco que foram ilegalmente colocados (após a demolição dos prédios em 2000) nos prédios n.ºs 67 e 69 da Rua XXX (v.g. fls. 71 e 72 dos Autos), uma vez que estes são construções ilegais.
    e) – Importa igualmente sublinhar que o direito do domínio útil a favor da Recorrida está legalmente registado na Conservatória e a DSSOPT emitiu as licenças de obra, pelo que é perfeitamente normal que ambas as partes tivessem a legítima expectativa de que, se a obra de demolição aprovada tivesse sido realizada no dia 15 de Março de 2014, os terrenos teriam sido entregues à Companhia XXX num curto espaço de tempo.
    Pelo que, é despropositado dizer que o contrato de arrendamento da fls. 779 dos Autos é uma situação de "impossibilidade desde o início", o que determina a improcedência da argumentação produzida pela 1ª Ré nesta parte do recurso.
*
    3 – Nulidade do contrato de arrendamento por simulação:
     
    O Recorrente defende a nulidade do contrato de arrendamento por simulação, para tal alegou os seguintes 4 "factos" conclusivos na parte da Fundamentação do Recurso (fls.1132v dos Autos):
    a) Nem a Autora nem a "XXX " participaram o contrato de arrendamento de fls. 779 à Repartição de Finança como lhes impunha o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 19/78/M;
    b) Nem a "XXX " fez o pagamento antecipado da renda (MOP80,000.00) acrescida do depósito (MOP160,000.00), a título de caução prevista no artigo 6.º do contrato de arrendamento de fls. 779;
    c) Nem o contrato de arrendamento de fls.779 foi resolvido por mútuo acordo e devolvida pela Autora as quantias supostamente pagas pelo "contrato de arrendamento" por força do artigo 6.º do contrato aquando da sua celebração em 14/03/2014;
    d) Nem a Autora pagou o selo do arrendamento calculado em relação à renda de todo o tempo do contrato, e por si devido nos termos do disposto no art.º 27.º da Lei n.º 19/78/M.
     Mais um vez sem razão, posto que:
    1) - Está prevista a figura de simulação no artigo 232.º do Código Civil de Macau (CCM):
     "Se, por acordo entre declarante e declaratório, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado."
    Estes 4 factos conclusivos invocados pelo Recorrente não preenchem nitidamente os pressupostos exigidos pelo conceito da simulação, para além de que tal matéria não foi alegada, nem provada em sede própria. Portanto, não faz sentido que em sede de recurso se venha invocar tal matéria.
    Pelo exposto, o contrato de arrendamento da fls. 779 não deve ser declarado nulo porque não existe o vicio da nulidade previsto no artigo 273.º, n.º 1 e no artigo 279.º do CCM.
    Julga-se improcedente também este argumento do Recorrente/2º Réu.
*
    3 – Nulidade do contrato de arrendamento por violação do princípio da especialidade (artigos 144/1, 8/3 e 273.º do Código Civil e 177/1 do Código Comercial)
    1) – No entender do Recorrente/2º Réu, como o objecto social da companhia XXX seja consultaria, esta não podia celebrar um contrato de arrendamento, porque fora do seu objecto social principal. É uma afirmação absurda! Obviamente ela pode celebrar todos os actos jurídicos necessários ao prosseguir aos fins de qualquer sociedade comercial.
    2) - O Recorrente confundiu o fim e o objecto da sociedade comercial: o primeiro é o de "repartirem os lucros resultantes dessa actividade ou de proporcionarem uma economia" (artigo 184.º do CC); o segundo é apenas uma indicação sobre "as actividades que a sociedade se propõe exercer e que constituem aquele".
    3) - A distinção do fim e do objecto da sociedade comercial é importante, pois só o fim é que limita a capacidade da sociedade comercial, como se retira do n.º 1 do artigo 177.º do Código Comercial: "A capacidade das sociedades comerciais compreende os direitos e obrigações necessários, úteis ou convenientes à prossecução do seu fim (...)" (sublinhado nosso)
    Conforme ensina o Prof. Dr. Luís Brito Correia, na sua obra «Direito Comercial» vol. II (Sociedade Comercial), 1989, AAFDL, "Significa que a capacidade de sociedade não fica limitada às actividades estipuladas no contrato de sociedade (como objecto desta - CSC art. 9.º); nem as deliberações dos sócios podem limitá-la, proibindo os administradores de praticar certos actos." (obra supradita, pág. 252, sublinhado nosso).
    5) – Pelo que, este contrato de arrendamento não viola o princípio da especialidade, bem como não viola o disposto no n.º 1 do artigo 144.º do CC, nem no n.º 1 do artigo 177 do Código Comercial.
    Improcede também nesta parte do recurso.
*
    4 - Valor da indemnização
    Nas Conclusões LL, MM e NN, o Recorrente considera que, no caso de ser considerado responsável pelos danos, o valor da sua condenação deve ser MOP390,720.00, com o fundamento de que "cingir-se-á ao valor proporcional da renda dos prédios (n.ºs 73 e 75 da Rua XXX) por ele ocupados", por outra palavra, "a haver responsabilidade do 2.º Réu ela cifrar-se-á em 22% do valor total da renda acordada para os 9 prédios objecto do contrato de arrendamento de fls. de fls.779(...)"
    Ora, o valor da indemnização depende do prejuízo sofrido como, aliás, está estipulado no n.º 1 do artigo 558.º do CC: "O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão."
    No presente caso, o valor global da indemnização é de MOP$2.136.000,00.
    No âmbito da responsabilidade civil, havendo pluralidade de Autoria, como no presente caso, a regra da distribuição da responsabilidade é dependente da culpa, pois segundo o disposto no artigo 490.º do CC: "O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis" (sublinhado nosso).
    Logo, não tem fundamento legal a pretensão do Recorrente querer cingir o valor da indemnização a pagar ao valor proporcional da renda dos prédios ocupados pelo 2.º Réu.
    O grau de culpa dos RR deve ser igual, pois os RR impediram conjuntamente a demolição dos prédios n.º 73 e 75 da Rua XXX.
    Por isso, o valor da indemnização atribuída ao 2.º Réu, ora Recorrente, deve ser igual ao valor suportado pela 1.ª Ré,
    Daí que o valor da indemnização de MOP$1.068.000,00 condenado ao 2 recorrente é correcto, pois este valor corresponde à metade do valor total da indemnização determinada pelo Tribunal.
    Pelo que, carece de fundamentos o recurso nesta parte interposto pelo 2º Réu, o que determina a manutenção do decidido pelo Tribunal a quo.
*

    Por ultimo, relativamente ao pedido da ampliação da base instrutória, carece igualmente de fundamentos, o que o Recorrente/2º Réu pretende é dilatar o processo injustificadamente.
    Pelo que, na sequência de todo o exposto, não se encontrando nenhum vício que conduza à nulidade da sentença, é de manter a decisão recorrida.
*
    Quanto ao demais, mantém-se o já decidido na sentença ora posta em crise, julgando improcedente o recurso do 2º Réu no seu todo!
*
    Com o decidido, fica prejudicado o conhecimento do recurso interlocutório interposto pela Autora nos termos do disposto no artigo 628º do CPC.
*
    Síntese conclusiva:
    I - Ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos nos precisos termos do disposto no artigo 599º do CPC.
    II - Os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova, sendo ilícito invocá-la em sede de recurso, uma vez que tal não foi objecto das decisões recorridas.
    III – Ao Tribunal ad quem só cumpre apreciar as decisões tomadas pelo Tribunal a quo, salvo se a decisão recorrida enfermar de qualquer das nulidades que seja do conhecimento oficioso.
    IV – Numa acção de revindicação, à Autora compete provar a titularidade do direito real alegado, nomeadamente a propriedade, e às partes contrárias provar a sua ocupação ou detenção legítima. Ou seja, compete aos Réus provar que são titulares de um direito obrigacional ou real que legitima a ocupação, por exemplo, que é arrendatário. Não assim fazendo, a possuidora ou detentora é condenada a restituir o imóvel à reivindicante.
*
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos presentes recursos, mantendo-se a sentença recorrida.
*
    Custas pelos Recorrentes.
*
    Registe e Notifique.
*
RAEM, 25 de Abril de 2024.

Fong Man Chong
(Relator)

Ho Wai Neng
(1º Adjunto)

Tong Hio Fong
(2º Adjunto)
    

1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
2Veja-se Acórdão do TUI de 05.07.2006 Processo nº 32/2005.
3 Cit. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., Pág. 448.
4 Obra Cit. pág. 481.
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