Processo nº 90/2023
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲) e B (乙), todos melhor identificados nos autos, interpuseram recurso contencioso do despacho do SECRETÁRIO PARA OS TRANSPORTES E OBRAS PÚBLICAS datado de 24.05.2022 que, em sede de recurso hierárquico, confirmou a decisão que ordenou a demolição de obras consideradas ilegais realizadas na fracção O/RC – da qual os ora recorrentes são proprietários – e no parque de estacionamento em cave do [Edifício], (em Macau), e a reposição dos locais afectados; (cfr., fls. 2 a 7 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 08.06.2023, (Proc. n.° 513/2022), julgou-se improcedente o recurso; (cfr., fls. 159 a 176).
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Inconformados, a esta Instância trazem agora os mesmos recorrentes o presente recurso jurisdicional, insistindo no entendimento que expuseram aquando do seu recurso (contencioso) para o Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 186 a 194-v).
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Respondeu a entidade administrativa pugnando pela integral confirmação do Acórdão recorrido, (cfr., fls. 225 a 232), e, remetidos os autos a esta Instância, foram os mesmos com vista ao Exmo. Representante do Ministério Público que, em douto Parecer, e mantendo o seu anterior entendimento, opinou no sentido do provimento do recurso; (cfr., fls. 242 a 243-v).
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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre conhecer.
A tanto se passa.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal de Segunda Instância foram dados como “provados” os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
“a) Pelo Director Substituto da DSSOPT, em 26.01.2022 foram os Recorrentes notificados para no prazo de 15 dias proceder por sua iniciativa à demolição das obras que se indicavam e reposição dos locais afectados nos termos do artº 52º do RGCU, ou no prazo de 8 dias apresentar pedido de legalização de obras nos termos do artº 53º do mesmo diploma;
b) As obras indicadas são:
i. Na fracção OR/C demolição da laje em betão e instalação de escadas em betão para acesso ao parque de estacionamento;
ii. Fechamento dos lugares nº 6 a 10, 23 a 39 e 40 a 47 do parque de estacionamento para veículos do edifício com paredes em alvenaria de tijolo, portão metálico e portão de enrolar metálico.
c) Interposto recurso hierárquico pelos Recorrentes do indicado despacho, veio o mesmo por Despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 24.05.2022 a ser indeferido com base nos fundamentos constantes da informação nº 2059/53/DJU/2022 cujo teor aqui se dá por reproduzido e que consta o seguinte:
1. Em cumprimento do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 11 de Abril de 2022, exarado na proposta n.º 39/03246/DUR/2022, de 1 de Abril, o Departamento de Urbanização (DUR), através da CSI n.º 00538/DUR/2022, de 13 de Abril, solicitou a este departamento a ajuda na análise dos recursos hierárquicos necessários mencionados em epígrafe.
Enquadramento
2. De acordo com os autos de notícia contidos no processo, o DUR verificou a execução das seguintes obras ilegais na fracção autónoma O do rés-do-chão (designada por OR/C no registo da Conservatória do Registo Predial) e no parque de estacionamento em cave do [Edifício], violando o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M (Regulamento Geral da Construção Urbana - RGCU), de 21 de Agosto, alterado pela Lei n.º 6/99/M, de 17 de Dezembro e pelo Regulamento Administrativo n.º 24/2009:
a) Na fracção autónoma OR/C: Demolição de laje em betão e instalação de escadas em betão para acesso ao parque de estacionamento;
b) No parque de estacionamento: Fechamento dos lugares n.ºs 6 a 10, 23 a 39 e 40 a 47 do parque de estacionamento para veículos do edifício com paredes em alvenaria de tijolo, portão metálico e portão de enrolar metálico.
3. Nestas circunstâncias, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através do edital publicado nos jornais em 15 de Fevereiro de 2019, notificou os interessados desconhecidos e, através dos ofícios de 26 de Novembro de 2019, notificou os proprietários (A e cônjuge B, C e cônjuge D) e a arrendatária (E) da fracção OR/C, para se pronunciarem por escrito sobre o assunto.
4. Em 10 de Dezembro de 2019, a advogada Dra. F, na qualidade de mandatária dos interessados referidos, apresentou as respostas à audiência prévia. Depois de auscultar o parecer deste departamento, o DUR acrescentou a matéria de facto sobre a infracção e procedeu novamente à realização da audiência previa dos interessados, mas não recebeu mais nenhuma resposta.
5. Assim, o caso foi analisado pelo DUR na proposta n.º 00781/DURDEP/2022, de 21 de Janeiro e, por despacho do director substituto da DSSOPT de 26 de Janeiro de 2022, foram ordenados aos referidos interessados que procedessem, por sua iniciativa, no prazo de 15 dias contados a partir da data de recepção da notificação, à demolição das obras acima indicadas e à reposição dos locais afectados, nos termos do disposto no artigo 52.º do RGCU, ou no prazo de 8 dias contados a partir da data de recepção da notificação, à apresentação do pedido de legalização de obras, nos termos do disposto no artigo 53.º do mesmo norma.
6. Em 22 de Fevereiro de 2022, os interessados foram notificados do despacho mencionado no ponto anterior, através dos ofícios n.ºs 01569/DURDEP/2022, 01571/DURDEP/2022 e 01573/DURDEP/2022, de 28 de Janeiro.
7. Todavia, inconformados com a decisão, em 9 de Março de 2022, vêm os proprietários A e B, C e D e a arrendatária “E”, todos representados pela advogada Dra, F, apresentar no Gabinete do STOP três recursos hierárquicos necessários, com os números de registo da DSSOPT 33367/2022, 33374/2022 e 33376/2022, respectivamente.
Análise
8. De acordo com os artigos 145.º e 147.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), os recursos hierárquicos foram interpostos ao órgão competente, em tempo oportuno e os recorrentes são partes legítimas.
I. Relativamente aos dois recursos hierárquicos interpostos pelos proprietários A e cônjuge B, C e cônjuge D
9. Uma vez que os argumentos do recurso hierárquico interposto por A e B e o interposto por C e D são idênticos, fazemos uma análise conjunta.
10. Nos pontos 4 a 12 dos recursos hierárquicos, os recorrentes defendem que as obras alegadamente ilegais são apenas obras de modificação no interior da fracção OR/C e foram concluídas há muito tempo, sem alteração da área e da finalidade da fracção nem instalação de escadas em betão para acesso ao parque de estacionamento, pois, em seu critério, são obras previstas na subalínea i) da alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do RGCU, não incorrendo na violação do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma.
11. Nos termos da subalínea i) da alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do RGCU, a realização das obras de modificação, conservação e reparação no interior das fracções autónomas com uma área bruta de utilização igualou inferior a 120 m2, que não se destinem à finalidade habitacional, não carecem da aprovação de projecto e emissão de licença, desde que não impliquem a alteração da finalidade e da área das fracções ou da estrutura do edifício, nem afectem o funcionamento normal do sistema de prevenção contra incêndios eventualmente existente nas fracções.
12. No entanto, de acordo com o auto de noticia datado de 3 de Julho de 2019 e conforme os factos indicados nas propostas nºs 00781/DURDEP/2022 e 39/03246/DUR/2022, as obras realizadas na fracção OR/C incluem a demolição de laje em betão entre essa fracção e o parque de estacionamento e a instalação de escadas em betão pata aceder ao parque de estacionamento, formando a ligação da fracção OR/C ao espaço fechado do parque de estacionamento em cave, o que implicam uma alteração da estrutura do edifício, portanto, as referidas obras não se enquadram no disposto da subalínea i) da alínea a) do n.º 3 do artigo 3.º do RGCU.
13. Neste caso, trata-se de uma obra que nos termos resultantes do disposto no n.º 1 do artigo 2.º conjugado com o disposto no artigo 3.º do RGCU, está sujeita a licenciamento. E estando a violar o disposto no n.º 1 do artigo 3.º, as obras em causa devem, por isso, ser consideradas ilegais.
14. Assim, por força dos artigos 52.º e 53.º do mesmo diploma, as obras executadas sem a licença que dela careçam, mesmo que tenham sido concluídas, podem ser mandadas demolir se forem consideradas insusceptíveis de legalização.
15. A possibilidade de legalização das obras ilegais foi avaliada na proposta n.º 03916/DURDEP/2021, de 23 de Abril, entretanto, uma vez que a realização dessas obras interfere com a utilização das partes comuns do edificio (o parque de estacionamento), impõe-se uma prévia autorização dos condóminos, prestada através de deliberação tomada em assembleia geral do condomínio, de acordo com o estipulado no artigo 1324.º do Código Civil, alterado pelo artigo 70.º da Lei n.º 14/2017, e nos termos do disposto no 1.º 1 do artigo 14.º da mesma lei. Mas não foi recebido qualquer pedido de legalização de obras.
16. Por outro lado, os recorrentes alegam ainda, nos pontos 13 a 20 dos recursos hierárquicos, que não foram efectuadas obras que alteraram os projectos desde a aquisição da fracção OR/C e dos lugares de estacionamento, que desconheciam a existência dessas obras e que não eram os donos de obra, por isso, consideram que não devem ser responsáveis pela demolição dessas obras e reposição dos locais afectados, bem como pelo pagamento de multa.
17. Na verdade, como se demostrou na nossa informação n.º 71/DJU/2020, de 6 de Agosto, ainda que os recorrentes tenham adquirido o imóvel no exacto estado em que se encontra actualmente, isso não os isenta do dever de repor a legalidade urbanística violada, pois só estes estão em posição de acatar, cumprir, a obrigação de demolir a obra de modificação e ampliação ilegal, imposta pela Administração, uma vez que, enquanto proprietários da fracção autónoma, só eles têm o domínio da mesma (da coisa, do imóvel) a que aquela obrigação se encontra ligada, Cabe, portanto, aos adquirentes repor a conformidade entre a construção (a coisa) e o projecto de obra, por forma a harmonizar a fracção autónoma com o seu estatuto jurídico-administrativo,
18. Por conseguinte, mesmo que as obras ilegais tenham sido executadas por proprietário anterior, como os recorrentes são os donos e legítimos proprietários da sobredita fracção, tendo obrigação de dar cumprimento à legislação em vigor, salvaguardando o estado legal da sua propriedade, pelo que devem assumir a responsabilidade da demolição das respectivas obras ilegais e reposição do estado anterior à violação da lei.
19. Quanto à aplicação ou não de multa a que se refere o artigo 65.º do RGCU, é de esclarecer que esta não constitui objecto dos presentes recursos, porquanto a proposta n.º 00781/DURDEP/2022 apenas transcreveu o n.º 1 do artigo 65.º do RGCU e o despacho do director substituto de 26 de Janeiro de 2022 apenas ordenou a demolição das referidas obras ilegais, mas não tomou qualquer decisão relativa à aplicação da multa.
20. Pelo exposto, atendendo a que os factos e os argumentos apresentados pelos recorrentes não são suceptíveis de alterar a decisão, consideramos que os dois recursos hierárquicos devem ser indeferidos, mantendo-se a ordem da demolição das obras ilegais aos proprietários A e B, C e D, proferida pelo director substituto da DSSOPT de 26 de Janeiro de 2022, por falta de fundamento suficiente que determine a sua revogação ou alteração.
II. Relativamente ao recurso hierárquico interposto pela arrendatária “E”
(…)
Conclusão
28. Face ao exposto, consideramos que os dois recursos hierárquicos interpostos por A e B e por C e D devem ser indeferidos, mantendo-se a ordem de demolição das obras ilegais aos referidos recorrentes, proferida pelo director substituto da DSSOPT de 26 de Janeiro de 2022.
29. Quanto ao recurso hierárquico interposto pela “E”, (…)
30. Se for este o entendimento superior, deve esta Direcção dos Serviços por força das competências delegadas pelo n.º 1 da Ordem Executiva n.º 184/2019. publicada no Boletim Oficial da RAEM, Número Extraordinário, I Série, de 20 de Dezembro, remeter o processo ao Gabinete do STOP para os devidos efeitos.
À consideração superior.
d) O prédio a que se reportam os autos é composto por Cave, Rés-do-chão e 11 andares – certidão do registo predial a fls. 347 e seguintes do PA apenso -;
e) A fracção OR/C destina-se a comércio e fica situada ao nível do Rés-do-Chão;
f) Na Conservatória do Registo Predial está inscrita a favor dos Recorrentes a aquisição da fracção OR/C do prédio descrito sob o nº XXXXX a folhas XXv do Livro BXX – certidão do registo predial a fls. 347 e seguintes do PA apenso -”; (cfr., fls. 166-v a 172, pág. 16 a 27 do Ac. recorrido).
Do direito
3. Como resulta do que se deixou relatado, vem A e B recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que, negando o anterior recurso contencioso que interpuseram, considerou que o “acto administrativo” aí objecto de recurso não padecia de nenhum dos vícios que pelos ditos recorrentes lhe eram imputados.
Como se viu, o acto administrativo em questão ordenou a demolição de obras consideradas ilegais realizadas na fracção O/RC – da qual os ora recorrentes são proprietários – e no parque de estacionamento em cave do [Edifício], em Macau, e a reposição dos locais afectados.
Ponderando nos fundamentos de “facto” e de “direito” expostos na referida decisão administrativa e no Acórdão agora recorrido, e tendo presente o pelos ora recorrentes agora (novamente) invocado, (e sendo de notar que se limitam a reproduzir os argumentos antes já apresentados ao Tribunal de Segunda Instância), impõe-se-nos a conclusão que nenhuma censura merece a decisão impugnada.
Passa-se a (tentar) expor este nosso ponto de vista.
Pois bem, para boa – cabal – compreensão do que em causa está, vale a pena recordar as razões do decidido pelo Tribunal de Segunda Instância.
Tem pois o Acórdão recorrido, na parte que agora releva, o teor seguinte:
“Vêm os Recorrentes invocar nas suas alegações de recurso que a abertura feita na base de betão e a construção das escadas aconteceu apenas dentro da fracção OR/C, que a laje de betão serve apenas para dividir a fracção autónoma e que as obras em causa não se enquadram na subalínea i) da alínea a) do nº 3 do artº 3º do Regulamento Geral da Construção Urbana.
Como resulta da certidão do registo predial o prédio em causa é constituído por cave, rés-do-chão e 11 andares.
Quando na alínea b) do nº 1 do artº 1324º do C.Civ. se diz que são comuns “os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras, fachadas e todas as partes que constituam a estrutura dos edifícios” é manifesto que as lages – ou como também se usa dizer as placas – entre pisos ou de cobertura são uma parte da estrutura do edifício sob pena de não poder ser construído em altura e com vários pisos, da mesma forma que os pilares e as colunas e as vigas, etc..
Logo a lage que divide a cave do ré-do-chão, assim como todas as lages que dividem um piso do outro e a que cobre o edifício são uma parte comum do prédio e fazem inquestionavelmente parte da estrutura do mesmo sob pena dos pisos construídos não existirem e ficarmos com uma construção em altura, oca no seu interior, que poderia ter a altura equivalente aos 14 pisos que a compõem (cave + piso zero + 11 andares superiores) mas que nunca teria os 14 pisos por nada haver a separá-los.
Mas, ainda que a fracção tenha dois pisos e a lage dividisse os dois pisos da fracção, não deixava de ser um elemento da estrutura do edifício, da mesma forma que os pilares, colunas e vigas que fazem o parte da estrutura da construção e estão dentro das fracções autónomas. Pelo que, não é o estar dentro ou fora da fracção, mas a função que desempenham na estrutura construída que caracterizam.
No caso em apreço o que sucedeu foi que na fracção dos Recorrentes partiu-se a lage que a dividia da cave.
Logo, partiu-se um dos elementos da estrutura do edifício, e esse elemento da estrutura do edifício não está dentro da fracção, está para além da fracção autónoma precisamente por ser aquilo que a delimita do piso inferior.
Da mesma forma a escada construída e que vai do chão da fracção para o piso inferior destinado a estacionamentos e que já não faz parte da fracção autónoma em causa, não foi construída dentro da fracção, mas sim, a partir do chão desta para o exterior da fracção ligando-a a um outro espaço antes destinado a estacionamento.
As paredes dos parques de estacionamento em causa delimitam-nos do espaço em redor, pelo que também não há como sustentar terem sido obras feitas no interior destes, sendo certo que os parques de estacionamento no caso são apenas demarcados no chão.
O Decreto-Lei nº 79/85/M de 21 de Agosto na subalínea i) da alínea a) do nº 3 do artº 3º reza o seguinte:
Artigo 3.º
(Licenciamento e fiscalização)
1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a execução de obras ou trabalhos referidos no n.º 1 do artigo 2.º não pode ser efectuada sem aprovação do projecto e emissão de licença correspondente pela DSSOPT.
2. Não carece de aprovação de projecto e emissão de licença a execução de obras de modificação, conservação e reparação apenas no interior de uma fracção autónoma habitacional, desde que tais obras não impliquem a alteração da finalidade e da área da fracção ou da estrutura do edifício nem modifiquem os vãos de portas de entrada ou saída, paredes exteriores, vãos de janelas nas paredes exteriores ou rede de abastecimento de água ou de drenagem de águas da fracção, ficando, todavia, essas obras sujeitas a todas as normas legais que lhes sejam aplicáveis.
3. Sem prejuízo do disposto no n.º 6, podem ser comunicadas de acordo com o disposto no número seguinte e ter início depois da restituição do impresso devidamente carimbado a que se refere o n.º 5, não carecendo de aprovação de projecto e emissão de licença, ficando, todavia, sujeitas a todas as normas legais que lhes sejam aplicáveis:
a) As seguintes obras a realizar em fracções autónomas com uma área bruta de utilização igual ou inferior a 120 m², que não se destinem à finalidade habitacional, desde que não impliquem a alteração da finalidade e da área das fracções ou da estrutura do edifício, nem afectem o funcionamento normal do sistema de prevenção contra incêndios eventualmente existente nas fracções:
i) As obras de modificação, conservação e reparação apenas no interior das fracções;
(…)
Ora, tendo as obras em causa sido realizadas fora da fracção em causa dúvidas não há que não cabem na disposição legal invocada pelos Recorrentes.
Reza o artº 52º do mesmo diploma legal que:
Artigo 52.º
(Suspensão, embargo e demolição de obras)
1. As obras executadas sem a licença de que careçam e as referidas no artigo 3.º que se realizem em violação do disposto no mesmo artigo, bem como as que forem executadas em desacordo com o projecto aprovado ou em violação das normas ou disposições regulamentares aplicáveis, são embargadas, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no presente diploma e demais legislação em vigor.
2. Verificando a fiscalização da D.S.S.O.P.T. a execução de obras nas condições previstas no número anterior, ordenará a imediata suspensão dos trabalhos pelo prazo de 48 horas, ao dono da obra ou seu mandatário e, no caso de estes se não encontrarem no local, ao respectivo encarregado técnico responsável.
3. O fiscal levantará de imediato auto de notícia caso as obras estejam a ser executadas sem licença, ou, nos restantes casos mencionados no n.º 1, registará os factos na folha de fiscalização.
4. O fiscal elaborará ainda, a necessária participação, com circunstanciada descrição dos factos.
5. O Director da D.S.S.O.P.T., mediante despacho devidamente fundamentado a notificar ao faltoso, poderá confirmar a suspensão dos trabalhos ordenada pela fiscalização, determinando em consequência o embargo da obra e respectiva demolição caso assim seja considerado.
6. Quando se encontre concluída a execução de quaisquer obras de construção sem que para as mesmas tenha sido obtida a licença, a respectiva demolição será, quando se entender justificável, ordenada pelo Governador.
7. Da decisão referida no número anterior cabe recurso nos termos gerais, com efeito suspensivo.
De acordo com o que consta da fundamentação subjacente ao acto impugnado e face a tudo quanto já se disse supra a obra realizada havia de ter sido licenciada, pelo que, não o tendo sido encontra-se na situação prevista no artº 52º citado, sendo legal a ordem de demolição.
Mais alegam os Recorrentes não serem os autores das obras em causa e que as mesmas não lhes pertencem.
Ora, não está em causa quem fez ou mandou fazer as obras em causa.
O objecto da ordem de demolição é a existência de construções e demolições feitas numa determinada fracção autónoma sem que estejam licenciadas.
Essa fracção autónoma como resulta dos autos e se deu por provado pertence aos Recorrentes, logo, todas as obras nelas existentes pertencem ao respectivo proprietário, pelo que, a ele cabe proceder à respectiva demolição.
No mesmo sentido veja-se Acórdão deste Tribunal de 20.03.2003 proferido no processo 1136:
«Vêm A e B interpor recurso contencioso do despacho do então Secretário Adjunto para os Transportes e Obras Públicas de 30/9/98 que negou provimento ao recurso hierárquico do despacho do Sub-Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que determinou a demolição de obra executada no terraço do 1ºA do edifício XX, na Taipa, assacando-lhe vício de violação de lei, por manifesta discrepância entre o conteúdo e o objecto do acto e desconformidade absoluta entre este e as normas jurídicas que o mesmo deveria respeitar.
Mas, a nosso ver, sem qualquer razão.
A obra a que supra se alude reporta-se a um compartimento construído em alvenaria de tijolo com cobertura de zinco, sem licença emitida pelos serviços de obras públicas, sito em fracção de que os recorrentes são proprietários.
Estes, começam por alegar que a dita obra foi executada pelos anteriores proprietários antes da aquisição a seu favor, razão por que, em seu critério, a reacção da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes foi manifestamente extemporânea.
O artº 3º do Dec Lei 79/85/M [...] (R.G.C.U.) sujeita a licenciamento as obras de modificação ou ampliação de edifícios, sendo que, de acordo com o preceituado [...] do mesmo diploma legal, as obras executadas carecendo de licença, ou que foram executadas em desacordo com o projecto aprovado, podem ser mandadas demolir, se forem consideradas insusceptíveis de legalização.
Ora, a exigência do licenciamento reporta-se ao estatuto jurídico-administrativo da coisa construída ou alterada e a esse estatuto está sempre subordinado o titular dessa coisa.
Tendo-se verificado a alienação da fracção em apreço, o anterior proprietário (presumível autor da obra) perdeu a titularidade da mesma e, consequentemente, a legitimidade para nela intervir, ficando os novos adquirentes vinculados ao cumprimento da ordem emanada da Administração – obrigação de demolir – independentemente de qualquer referência contratual, já que tal vinculação resulta directa e imediatamente da aplicação do referido estatuto à situação actual da fracção em apreço.».
Destarte, impõe-se negar provimento ao recurso”; (cfr., fls. 172 a 195-v, pág. 27 a 34 do Ac. recorrido).
Ora, atento o teor do que se deixou transcrito, sem esforço se conclui que se considerou que as “obras” realizadas e aqui em questão eram “ilegais”, dado que:
- consistiram na demolição da laje em betão da identificada fracção OR/C e que a separava do parque de estacionamento situado na cave, na construção de umas escadas (em betão) para acesso da dita fracção ao referido parque de estacionamento, ligando os dois “espaços”, e o fechamento dos lugares de estacionamento n°s 6 a 10, 23 a 39 e 40 a 47; e, assim,
- implicando as referidas obras uma “alteração da estrutura do edifício”, não se enquadravam no disposto da subalínea i) da alínea a) do n.° 3 do art. 3° do R.G.C.U.;
- constituindo uma obra que nos termos do disposto no n.° 1 do art. 2° conjugado com o disposto no art. 3° do R.G.C.U., estava sujeita a licenciamento; e,
- violando assim o disposto no n.° 1 do art. 3°, eram as obras em causa “ilegais”, podendo – como sucedeu – ser ordenada a sua demolição pelos seus proprietários, os ora recorrentes.
Isto dito, e apresentando-se-nos de subscrever o que – em síntese – se deixou exposto, muito não se mostra preciso acrescentar.
Com efeito, (como nos parece ser de conhecimento comum), uma “lage” é uma placa de matéria dura, horizontal, contínua, apoiada no seu perímetro, (por vezes também em colunas), que constitui o “pavimento” e/ou “tecto” de edificações estruturadas, sendo, por sua vez, (em engenharia civil e arquitetura), considerado o “elemento estrutural” de uma edificação, responsável por transmitir as acções que nela chegam para as vigas (ou directamente para os pilares no caso de lages fungiformes) que a sustentam, e destas para os pilares.
Ora, em face do que se deixou exposto, mostra-se pois de concluir que a “lage” cuja demolição ocorreu na identificada fracção integra a “estrutura do edifício”, e, como tal, adequada foi a solução (jurídica) a que no Acórdão recorrido se chegou, no sentido de que se tratava de uma “obra ilegal” (e que devia ser demolida).
O mesmo se diga relativamente as “escadas” que dão acesso ao parque de estacionamento (ligando a fracção a este espaço), assim como as outras obras neste realizadas, pois que, como se apresenta óbvio, não foram efectuadas “dentro da fracção”, mas, antes, no seu “exterior”, igualmente adequada se nos apresentando desta forma o que relativamente a estas obras se decidiu no aludido aresto do Tribunal de Segunda Instância.
Por fim, e quanto à “responsabilidade” pelas obras, e pela sua demolição, correcta se nos apresenta, também, a conclusão a que se chegou na decisão recorrida.
Com efeito, sendo os recorrentes os – actuais – proprietários da fracção, é pois, aos mesmos, em virtude de tal “qualidade”, que cabem tais “responsabilidades” legais.
Na verdade, e como no Acórdão recorrido se consignou, não está em causa quem fez ou mandou fazer as ditas obras, pois que a razão e objecto da ordem de demolição é a existência de construções feitas (numa determinada fracção autónoma) sem que estejam licenciadas, e sendo os recorrentes, os proprietários da fracção, aos mesmos cabe proceder à respectiva demolição, (como decidido foi).
Assim, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 21 de Novembro de 2023
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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Proc. 90/2023 Pág. 35