打印全文
Processo n.º 73/2021
Recurso Civil
Recorrente: A
Recorrida: B
Data da conferência: 8 de Novembro de 2023
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Alienação do imóvel sem consentimento de um dos cônjuges
- Prazo de caducidade
- Simulação

SUMÁRIO
1. O prazo de caducidade estabelecido no art.º 1554.º n.º 2 do Código Civil aplica-se apenas às situações previstas no n.º 1, em que se inclui a alienação de imóveis comuns do casal sem consentimento de um dos cônjuges, caso em que é assistido ao cônjuge que não deu consentimento o direito à acção de anulação do negócio.
2. Decorre do art.º 232.º do Código Civil que a simulação supõe a alegação e prova de factos que integrem:
- Existência de uma declaração negocial;
- Um acordo entre declarante e declaratário, com intuito de enganar terceiros;
- Existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
São requisitos de verificação cumulativa.
3. Nos termos do n.º 1 do art.º 282.º do Código Civil, a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
4. Nos presentes autos, com a declaração de nulidade por simulação de compra e venda do imóvel, este continuava a pertencer aos bens comuns do casal e só com a outra venda posterior a terceiros, que adquiriram o imóvel a título oneroso e agiram de boa fé, pelo que em relação aos quais não se pode opor a declaração de nulidade nos termos do n.º 1 do art.º 284.º do Código Civil, é que a fração em causa saiu definitivamente do património comum do casal.
5. Sendo evidentemente impossível a restituição do imóvel, atenta a inoponibilidade da nulidade do negócio a terceiro de boa fé, deve ser reposto no património comum do casal o valor correspondente pelo qual foi o imóvel vendido a terceiros.
6. O valor relevante para a fixação do montante de indemnização a pagar ao cônjuge que se deve atender é o valor pelo qual o imóvel foi vendido a terceiros, e não o valor do negócio simulado nem o do mercado na altura de transmissão do imóvel.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
B intentou no Tribunal Judicial de Base uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra A, C, D e E bem como F (Banco), todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:
A. Em relação à fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, do prédio sito na [Endereço(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 198, do Livro BXXXK, ser declarada a nulidade parcial da inscrição n.º XXXXXG, resultante da apresentação n.º 33 de X/X/2003, no que concerne ao regime de bens do Sujeito Activo, e consequentemente, ser ordenado a rectificação de tal inscrição para que da mesma passe a constar que o sujeito activo é casado no regime da comunhão de adquiridos; e
B. No que respeita à fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, do prédio sito na [Endereço(2)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 167 do Livro BXX, ser declarada a nulidade parcial da inscrição n.º XXXXXXG, resultante da apresentação n.º 167 de XX/XX/2006, no que concerne ao regime de bens do sujeito activo e consequentemente, ser ordenada a rectificada de tal inscrição para que da mesma passe a constar que o sujeito activo é casado no regime da comunhão de adquiridos;
Cumulativamente,
C. Ser anulada, por falta de consentimento da Autora, a compra e venda da fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B do prédio sito na [Endereço(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 198 do Livro BXXXK, do 1º para o 2º réu, titulada pela escritura pública de compra e venda de 12 de Setembro de 2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. G a fls. 35 do Livro XXXX, e, consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º XXXXXXG, decorrente da Ap. n.º XX de XX de Setembro de 2012;
D. Ser anulada, por falta de consentimento da Autora, a compra e venda da fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, do prédio sito na [Endereço(2)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 167 do Livro BXX, do 1º para o 2º Réu e titulada pela escritura pública de compra e venda de 12 de Setembro de 2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. G a fls. 37 do Livro XXXX, e consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º XXXXXXG, decorrente da Ap. n.º XX de XX de Setembro de 2012;
Caso assim não se entenda, subsidiariamente aos pedidos C. e D.,
E. Ser declarada a nulidade, por simulação, a compra e venda da fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B do prédio sito na [Endereço(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 198 do Livro BXXXK, do 1º para o 2º réu, titulada pela escritura pública de compra e venda de 12 de Setembro de 2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. G a fls. 35 do Livro XXXX, e, consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º XXXXXXG, decorrente da Ap. n.º XX de XX de Setembro de 2012;
F. Ser declarada a nulidade, por simulação, a compra e venda da fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, do prédio sito na [Endereço(2)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 167 do Livro BXX, do 1º para o 2º Réu e titulada pela escritura pública de compra e venda de 12 de Setembro de 2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. G a fls. 37 do Livro XXXX, e consequentemente, ser também determinada a anulação e cancelamento do registo que titula tal transmissão, ou seja, da inscrição n.º XXXXXXG, decorrente da Ap. n.º XX de XX de Setembro de 2012;
Em qualquer dos casos,
G. Em relação à fracção “B7”, deverão ser também declaradas nulas a venda do 2º para os 3ºs Réus e a hipoteca voluntária a favor do 4º Réu, ambas tituladas pela escritura pública de compra e venda de 04 de Julho de 2016, celebrada no Cartório Notarial do Notário Privado Dr. H a fls. 137 do livro XXX, e consequentemente, ser também declarada a nulidade e ordenado o cancelamento dos registos que as titulam, ou seja, a inscrição n.º XXXXXXG, decorrente da Apresentação n.º XX de XX de Julho de 2016, e a inscrição n.º XXXXXXC, decorrente da Apresentação n.º 62 de XX/XX/2016.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente ao pedido contido em G.,
H. Devem os 1º e 2º Réus ser condenados a pagar à Autora o valor de MOP4.017.000,00, acrescido de juros de mora desde a data em que tal montante foi recebido pelos 1º e 2º Réus, ou seja, 04/07/2016, até integral e efectivo pagamento.

Por sentença proferida nos autos n.º CV2-16-0069-CAO, o Tribunal julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu:
1. Ordenar a rectificação da inscrição nº XXXXXG, resultante da apresentação n.º XX, de X de Abril de 2003, relativo à fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, do prédio sito na [Endereço(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 198, do Livro BXXXK, por forma a constar que o 1º Réu, A (甲), estava casado com a Autora, B (乙), no regime supletivo da lei chinesa;
2. Ordenar a rectificação da inscrição nº XXXXXXG, resultante da apresentação nº XXX, de XX de Novembro de 2006, relativo à fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, do prédio sito na [Endereço(2)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 167 do Livro BXX, por forma a constar que o 1º Réu estava casado com a Autora, no regime supletivo da lei chinesa;
3. Declarar nula a compra e venda da fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F, feita entre o 1º Réu e o 2º Réu, C (丙), através da escritura pública de compra e venda, de 12 de Setembro de 2012;
4. Ordenar o cancelamento da inscrição nº XXXXXXG, resultante da apresentação n.º XX, de XX de Setembro de 2012 relativo à fracção autónoma F18, correspondente ao 18º andar F;
5. Declarar nula a compra e venda da fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, feita entre o 1º Réu e o 2º Réu, através da escritura pública de compra e venda, de 12 de Setembro de 2012;
6. Declarar nula a compra e venda fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, efectuada entre o 2º e os 3º Réus, D (丁) e E (戊), através da escritura pública de compra e venda, de 4 de Julho de 2016;
7. Declarar nula a constituição de hipoteca feita pelos 3ºs Réus e 4º Réu, F (己), através da escritura pública de compra e venda, de 4 de Julho de 2016;
8. Absolver os 3ºs e 4º Réus dos pedidos formulados pela Autora relativos aos negócios jurídicos de transmissão e oneração da fracção autónoma B7, correspondente ao 7º andar B, declarando-se que os efeitos das invalidades acima referidas não lhes são oponíveis; e
9. Condenar os 1º e 2º Réus a pagar à Autora a quantia de MOP$3.500.000,00 acrescida de juros calculados, à taxa de 9,75% ao ano, contados a partir de 22 de Setembro de 2016 até integral e efectivo pagamento;
10. Absolver os 1º e 2º Réus dos restantes pedidos formulados pela Autora. (cfr. fls. 844 a 869 dos autos)

Inconformados com a sentença, recorreram a Autora B e o 1.º Réu A para o Tribunal de Segunda Instância, que no Processo n.º 451/2020, tomou a seguinte decisão:
1. Concedendo-se provimento parcial ao recurso interposto pelo 1º Réu, mantém-se, contudo, a decisão recorrida em 3, 4 e 5 mas por fundamento diverso – nulidade decorrente da simulação – daquele com base no qual ali se decidiu;
2. Concede-se provimento ao recurso da Autora e em consequência revoga-se a sentença recorrida quanto ao valor fixado em 9 condenando-se os 1º e 2º Réus a pagar à Autora a quantia de MOP4.017.000,00, mantendo-se em tudo o mais o decidido quanto a juros.
3. Nega-se provimento em tudo o mais ao recurso do 1º Réu. (cfr. fls. 1095 a 1123 dos autos)

Desse acórdão vem o 1.º Réu A interpor recurso para o Tribunal de Última Instância, suscitando as seguintes questões:
- Erro na aplicação do regime jurídico respeitante à venda dos bens comuns;
- Inexistência de negócio simulado entre o 1.º Réu e o 2.º Réu; e
- Início de contagem dos juros sobre o valor em que foi condenado a devolver à Autora.
Contra-alegou a Autora, defendendo a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção da decisão recorrida.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Foi dada como assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora e o 1.º Réu contraíram casamento na República Popular da China, em XX de X de 1985 (alínea A) dos factos assentes).
- Em 02 de Abril de 2003, por escritura pública celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. I, a fls. 140 do Livro XX, o 1.º Réu adquiriu, pelo preço de MOP$1.848.360,00, a fracção autónoma B7, correspondente ao 7.º andar B, do prédio sito na [Endereço(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXXX, a fls. 198, do Livro BXXXK (alínea B) dos factos assentes).
- 1.º Réu, aquando da celebração da escritura de compra e venda da mencionada fracção, declarou que era casado com a ora Autora no regime da separação de bens (alínea C) dos factos assentes).
- Em 14 de Novembro de 2006, por escritura pública celebrada no Cartório da Notária Privada Dra. J, a fls. 106 do Livro XX, o 1.º Réu adquiriu, pelo preço de HKD$1.180.000,00, a fracção autónoma F18, correspondente ao 18.º andar F, do prédio sito na [Endereço(2)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXXX, a fls. 167, do Livro BXX (alínea D) dos factos assentes).
- 1.º Réu, aquando da celebração da escritura de compra e venda da mencionada fracção, declarou que era casado com a ora Autora no regime da separação de bens (alínea E) dos factos assentes).
- Por escritura pública de compra e venda de 12/09/2012, celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. G a fls. 35 do Livro XXXX, o 1.º Réu declarou transmitir ao 2º Réu a supra melhor identificada fracção B7, pelo preço declarado de MOP$1.940.160,00 (alínea F) dos factos assentes).
- Na mesma data, por escritura pública de compra e venda também celebrada no Cartório do Notário Privado do Dr. G a fls. 37 do Livro XXXX, o 1.º Réu declarou transmitir ao 2.º Réu a supra melhor identificada fracção F18, pelo preço declarado de MOP$2.043.360,00 (alínea G) dos factos assentes).
- Por escritura pública de compra e venda de 04/07/2016, celebrada no cartório notarial do Notário Privado do Dr. H, o 2.º Réu declarou transmitir, pelo preço de MOP$8.034.000,00, para os 3.º e 4.ª Réus a referida fracção B7 (alínea H) dos factos assentes).
- Pela escritura pública referida na al. H., os 3.º e 4.ª Réus1 constituíram hipoteca voluntária a favor do 5.º Réu2 F, (Ap. n.º 62 de XX/XX/2016; fls. 65) (alínea I) dos factos assentes).
- A presente acção foi intentada pela Autora em 27 de Julho de 2016 (alínea J) dos factos assentes).
- Relativamente à fracção autónoma B7, a aquisição do 2.º Réu foi registada através da inscrição n.º XXXXXXG, na sequência de Ap. n.º 20 de XX/XX/2012. (fls. 63) (alínea K) dos factos assentes)
- A aquisição da mesma fracção autónoma B7 por parte dos 3.º e 4.ª Réus foi registada através da inscrição n.º XXXXXXG, na sequência de Ap. n.º 61 de XX/XX/2016. (fls. 64) (alínea L) dos factos assentes)
- Relativamente à fracção autónoma F18, a aquisição do 2.º Réu foi registada através n.º XXXXXXG, na sequência de Ap. n.º 19 de XX/XX/2012. (fls. 125) (alínea M) dos factos assentes)
- A presente acção foi registada através das inscrições n.ºs XXXXXF e XXXXXF, ambas datadas de 27 de 07 de 2016, e as respectivas certidões comprovativas de registo foram juntas aos autos em 30 de Agosto de 2016. (alínea N) dos factos assentes)
*
Da Base Instrutória:
- A Autora e o 1.º Réu não celebraram convenção antes ou pós-nupcial (resposta ao quesito 1.º da base instrutória).
- Em 30 de Setembro de 2014, o 1.º Réu intentou acção de divórcio litigioso junto do Tribunal Popular da Cidade de Zhongshan, Província de Guangdong, da República Popular da China (resposta ao quesito 2.º da base instrutória).
- Por sentença proferida no dia 18 de Maio de 2016, pelo Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Zhongshan da Província de Guangdong, da República Popular da China, foi confirmada a decisão proferida em primeira instância que declarou dissolvido por divórcio o casamento da Autora e do 1º Réu (resposta ao quesito 3.º da base instrutória).
- Enquanto estiveram casados a Autora e o 1.º Réu sempre viveram na China Continental (resposta ao quesito 4.º da base instrutória).
- As transmissões referidas em F. e G. não obtiveram o consentimento por parte da Autora, não tendo a Autora sido sida informada que o 1.º Réu iria transmitir tais bens ao 2.º Réu nem que o havia feito (resposta ao quesito 5.º da base instrutória).
- O 1.º Réu é tio do 2.º Réu, filho da irmã do 1.º Réu, 甲甲 (resposta ao quesito 6.º da base instrutória).
- O 1.º Réu iniciou uma relação extraconjugal com outra mulher com quem já tem duas filhas, sendo que a mais velha nasceu em Setembro de 2011 e a mais nova nasceu antes de 27 de Julho de 2016 (resposta ao quesito 6.ºB da base instrutória).
- Pelo menos, pouco depois de Julho de 2013, o 1.º Réu começou a mencionar que se pretendia divorciar da Autora (resposta ao quesito 6.ºC da base instrutória).
- As transmissões referidas na F. e G. são falsas e tiveram o único intuito de furtar tais bens à partilha na sequência do divórcio entre a Autora e o 1.º Réu (resposta ao quesito 7.º da base instrutória).
- O 1.º Réu não tinha intenção de vender as fracções ao 2.º Réu (resposta ao quesito 8.º da base instrutória).
- O 2.º Réu não tinha intenção de adquirir as fracções B7 e F18, tendo o 2.º Réu aceitado colaborar com o 1.º Réu, seu tio, no estratagema de retirar tais fracções do alcance da ora Autora (resposta ao quesito 9.º da base instrutória).
- O 2.º Réu não recorreu a qualquer empréstimo bancário para a aquisição das fracções (resposta ao quesito 10.º da base instrutória).
- Não houve pagamento de qualquer preço por conta das referidas transmissões referidas na F) e G) (resposta ao quesito 11.º da base instrutória).
- Um ano depois da transmissão da fracção B7, a Administração do condomínio do prédio onde a mesma se situava, continuava a enviar a correspondência para o 1.º Réu (resposta ao quesito 14.º da base instrutória).
- Na data da sua transmissão para o 2.º Réu (Setembro de 2012), a fracção B7 tinha um valor de mercado de MOP$7,000,000.00 (resposta ao quesito 15.º da base instrutória).
- Em Setembro de 2012, a fracção F18 tinha um valor de mercado de MOP$6,100,000.00 (resposta ao quesito 16.º da base instrutória).
- Em 4 de Julho de 2014, a fracção B7 foi vendida aos 3.ºs Réus pelo preço de MOP8,034,000.00 (resposta ao quesito 19.º da base instrutória).
- Antes de 13 de Novembro de 2014, a Autora já sabia que o 1.º Réu já tinha alienado ao 2.º Réu C as fracções autónomas B7 e F18 (resposta ao quesito 21.º da base instrutória).
- À data da celebração da escritura de 4 de Julho de 2016, o 4.º Réu desconhecia a existência de qualquer simulação, erro ou reserva que pudesse existir sobre um negócio anterior, celebrado em 2012, entre o 1.º Réu e o 2.º Réu (resposta ao quesito 23.º da base instrutória).
- A aquisição do imóvel B7 pelos 3.ºs Réus bem como a constituição da hipoteca a favor do 4.º Réu foram feitas a título oneroso (resposta ao quesito 24.º da base instrutória).
- Os pais do 2.º Réu são proprietários da fracção G18 contígua à fracção F18, as quais se apresentam como uma única fracção, sem qualquer divisória, em termos práticos (resposta ao quesito 25.º da base instrutória).
- Os 3.ºs Réus desconheciam quaisquer irregularidades anteriores à sua aquisição do imóvel (resposta ao quesito 27.º da base instrutória).

3. Direito
Cabe apreciar as questões suscitadas pelo recorrente.

3.1. Do erro na aplicação do regime jurídico respeitante à venda dos bens comuns
Invocando a errada aplicação do regime jurídico respeitante à venda dos bens comuns, imputa o recorrente a violação do disposto nos art.ºs 1548.º n.º 1 e 1554.º do Código Civil, alega a recorrente que os pedidos formulados pela Autora na sua petição inicial deveriam ter sido decididos de acordo com o estatuído na lei de Macau (designadamente nos art.ºs 1543.º e seguintes), nomeadamente no art.º 1554.º n.º 2 do Código Civil e conclui pela caducidade do direito à acção por banda da Autora.
Ora, no que concerne à aplicação da lei sobre a matéria, da leitura simples do acórdão ora recorrido decorre que o TSI entende que “pretendendo a Autora defender o seu direito sobre bens imóveis e vigorando quanto a este, na situação em apreciação, o prazo de caducidade do art.º 1554.º é este o aplicável por força das normas de conflito supra indicadas e não qualquer outro previsto na Lei da RPC” e que “quando a acção foi instaurada há muito que havia decorrido o prazo de 6 meses a que alude o n.º 2 do art.º 1554.º do C.Civ.”, para depois concluir que “Tendo caducado o direito à acção da Autora com base na indicada norma, haveria de se ter julgado improcedente os pedidos formulados em C e D e absolvidos os Réus dos pedidos”.
Evidentemente, o entendimento do TSI não se diverge do defendido pelo recorrente, na medida em que se considera aplicável a Lei de Macau que prevê o prazo de 6 meses para exercer o direito de anulação do negócio jurídico (n.º 2 do art.º 1554.º do Código Civil), e não a Lei da RPC.
Nas suas alegações, afirma o recorrente que no art.º 1554.º do Código Civil estão previstas as sanções para a violação da norma contida no n.º 1 do art.º 1548.º do Código Civil, ou seja, para os casos em que um dos cônjuges vendeu imóveis comuns sem consentimento do outro, e ao mesmo tempo, pretende a sua absolvição de todos os pedidos, e não apenas os pedidos C e D, formulados pela Autora por entender que o direito à acção já se encontrava caducada.
Verifica-se uma manifesta incoerência entre a afirmação do recorrente e a sua pretensão.
De facto, nos termos do n.º 1 do art.º 1548.º do Código Civil, a alienação de imóveis comuns carece do consentimento de ambos os cônjuges e são anuláveis os actos praticados contra tal norma a requerimento do cônjuge que não deu o seu consentimento, sendo que o direito de anulação “pode ser exercido nos 6 meses subsequentes à data em que o requerente teve conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos 3 anos sobre a sua celebração”, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do art.º 1554.º do Código Civil.
Daí que, tal como reconhece o recorrente, a aplicação do n.º 2 do art.º 1554.º sobre o prazo de caducidade de 6 meses tem como “pressuposto” a previsão nos art.ºs 1548.º n.º 1 e 1554.º n.º 1, ambos do Código Civil.
Por outras palavras, fora dos casos previstos no art.º 1554.º n.º 1 do Código Civil, não há lugar à aplicação do n.º 2 do mesmo artigo. Ou seja, o prazo de caducidade estabelecido no art.º 1554.º n.º 2 aplica-se apenas às situações previstas no n.º 1, em que se inclui a alienação dos imóveis comuns do casal sem consentimento de um dos cônjuges, caso em que é assistido ao cônjuge que não deu consentimento o direito à acção de anulação do negócio.
No caso vertente, uma vez provado que o recorrente vendeu, sem consentimento da Autora, os imóveis que pertenciam aos bens comuns do casal, o exercício do direito à acção de anulação dessa venda pela Autora fora do prazo de 6 meses implica a improcedência dos pedidos formulados pela Autora em C e D e a absolvição do Réus dos mesmos.
Foi assim que decidiu o Tribunal ora recorrido.
Ora, os pedidos C e D foram formulados como pedidos principais e cumulativos, pretendendo a Autora a anulação das compras e vendas das frações autónomas B7 e F18, “por falta de consentimento da Autora (cfr. fls. 21 e 22 dos autos).
É ainda de reparar que, para além dos pedidos principais, a Autora formulou também a título subsidiário os pedidos E e F, peticionando a declaração de nulidade, “por simulação”, das compras e vendas das fracções autónomas B7 e F18 (cfr. 22 e 23 dos autos).
Sem dúvida, a aplicação do n.º 2 do art.º 1554.º do Código Civil não pode extrapolar a sua previsão, impossível de alargar para os pedidos subsidiários formulados pela Autora, que pretende ser declarada a nulidade das compras e vendas das fracções em causa.
Assim sendo, forçosamente é de concluir pela sem razão do recorrente, por não se vislumbrar o imputado vício de errada aplicação do regime jurídico.

3.2. Da inexistência de negócio simulado entre o 1.º Réu ora recorrente e o 2.º Réu
Conhecendo dos pedidos formulados subsidiariamente pela Autora em E e F, com transcrição da matéria de facto provada nas respostas aos quesitos 7.º a 11.º e 14.º a 16.º, considera o TSI que há divergência entre a vontade real dos declarantes e a declaração, no intuito de enganar a Autora, vício este que implica a nulidade do negócio, e de acordo com o n.º 2 do art.º 234.º do Código Civil, a Autora tem legitimidade para arguir a simulação do negócio em causa, pelo que julga procedentes os pedidos E e F e, em consequência, declara a nulidade por simulação das compras e vendas das fracções autónomas B7 e F18.
Insurgindo-se contra a decisão do TUI, e na discordância com os factos provados contidos nas respostas aos quesitos 7.º a 11.º, defende o recorrente que não se verifica nos negócios celebrados entre ele e o 2.º Réu a simulação.
Desde logo, é de constatar que no seu recurso interposto da sentença de primeira instância, o ora recorrente não chegou a questionar as respostas dadas aos quesitos 7.º a 11.º, muito menos cumprir o disposto no art.º 599.º do CPC, limitando-se a impugnar a matéria de facto respeitante à resposta ao quesito 21.º, daí que o TSI não se pronunciou sobre a matéria de facto provada constante naqueles quesitos 7.º a 11.º, que passou a consolidar-se.
Por outro lado, é consabido que, nos termos do art.º 47.º n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, apenas conhece de matéria de direito, excepto disposição em contrário das leis de processo.
Ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 649.º do CPC, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”
Fica assim delimitada a competência do TUI em apreciar a decisão proferida pelo TSI quanto à matéria de facto, que é, em princípio, intocável, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.º 2 do art.º 649.º do CPC.
É que, como adverte Rodrigues Bastos, em anotação à norma semelhante do Código de Processo Civil português, “repare-se, porém, que ainda aqui – e sempre – a actividade do Tribunal se situa no estrito campo da observação da lei; ele não faz a censura da convicção formada pelas instâncias quanto à prova; limita-se a reconhecer e a declarar, em qualquer dos casos, que havia obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado. É uma censura que se confina à legalidade do apuramento dos factos – e não respeita directamente à existência ou inexistência destes”.3
E “constitui matéria de facto, insindicável, em princípio, pelo TUI, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova ou, ainda, quando o tribunal recorrido violar qualquer norma legal, na utilização dos seus poderes”.4
“O apuramento da vontade real das partes de um negócio, incluindo a sua intenção na redacção de uma cláusula do mesmo, constitui questão de facto, para o qual o TUI não tem poder de cognição”, sendo certo que “pertence à esfera dos factos, a existência da declaração em si, pertencendo à esfera do direito as questões de qualificação e de eficácia jurídicas do que se prove ter sido declarado”.5
No caso ora em apreciação, cremos que carece o TUI de poder de cognição para conhecer da matéria de facto posta em causa, pois tal matéria nem sequer foi impugnada pelo recorrente no seu recurso para o TSI e no presente recurso, não obstante a impugnação feita pelo recorrente, este não chegou a indicada qualquer norma legal que no seu entender foi violada.
Ora, face à matéria de facto dada como assente, nomeadamente as respostas aos quesitos 7.º a 11.º, é de concluir pela existência de simulação nos negócios jurídicos de compra e venda dos imóveis em causa.
Dispõe o art.º 232.º do Código Civil o seguinte:
Artigo 232.º
(Simulação)
1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.
3. Para efeitos do número anterior, considera-se suficiente a observância no negócio simulado da forma exigida para o dissimulado, contanto que as razões determinantes da forma do negócio dissimulado não se oponham a essa validade.
Decorre dessa norma que a simulação supõe a alegação e prova de factos que integrem:
- Existência de uma declaração negocial;
- Um acordo entre declarante e declaratário, com intuito de enganar terceiros;
- Existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.6
São requisitos de verificação cumulativa.
E havendo várias modalidades da simulação, uma das distinções faz-se, quanto ao intuito de enganar terceiros, entre simulação inocente e simulação fraudulenta, consoante se houve mero intuito de enganar terceiros, sem intenção de os prejudicar, ou intuito de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar qualquer norma da lei, sendo a simulação fraudulenta mais frequente.
É de salientar que, para preenchimento do conceito de simulação, não é exigível a intenção de prejudicar terceiros, sendo bastante o intuito de enganar. É neste ponto em que se fala da distinção entre simulação inocente e simulação fraudulenta.
Outra distinção estabelece-se entre simulação absoluta e simulação relativa.
Na primeira, as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio. Há apenas o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais.
Na simulação relativa, as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por detrás do negócio simulado (ou aparente, fictício ou ostensivo) há um negócio dissimulado (ou real, latente ou oculto).
A distinção entre simulação absoluta e simulação relativa tem a importância derivada de esta última gerar um problema solucionado pelo art.º 233.º n.º 2 do Código Civil. Enquanto o negócio simulado é nulo, e na simulação absoluta se não põe nenhum problema por detrás dele não haver outro negócio, na simulação relativa surge o problema do tratamento a dar ao negócio dissimulado ou real que fica a descoberto com a nulidade do negócio simulado.
Na realidade, enquanto o negócio simulado está ferido de nulidade, o negócio dissimulado merece o tratamento jurídico que lhe corresponderia se tivesse sido concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.7
No caso vertente, os elementos fácticos constantes das respostas aos quesitos 7.º a 11.º são os seguintes:
- As transmissões referidas na F) e G) são falsas e tiveram o único intuito de furtar tais bens à partilha na sequência do divórcio entre a Autora e o 1.º Réu (resposta ao quesito 7.º da base instrutória).
- O 1.º Réu não tinha intenção de vender as fracções ao 2.º Réu (resposta ao quesito 8.º da base instrutória).
- O 2.º Réu não tinha intenção de adquirir as fracções B7 e F18, tendo o 2.º Réu aceitado colaborar com o 1º Réu, seu tio, no estratagema de retirar tias fracções do alcance da ora Autora (resposta ao quesito 9.º da base instrutória).
- O 2.º Réu não recorreu a qualquer empréstimo bancário para a aquisição das fracções (resposta ao quesito 10.º da base instrutória).
- Não houve pagamento de qualquer preço por conta das referidas transmissões referidas na F) e G) (resposta ao quesito 11.º da base instrutória).
Ora, a matéria de facto assente revela claramente que as transmissões referentes às fracções autónomas B7 e F18 não são verdadeiras, sendo que o ora recorrente e o 2.º Réu fizeram os negócios de compra e venda, sem haver pagamento de qualquer preço por conta dessas transmissões, com “o único intuito de furtar tais bens à partilha na sequência do divórcio entre a Autora e o 1.º Réu” e “no estratagema de retirar tias fracções do alcance da ora Autora”, o que permite concluir que as compras e vendas foram feitas para enganar a Autora (prejudicando até os seus direitos e interesses).
Está assim demonstrada a verificação cumulativa de todos os requisitos da simulação: houve as declarações negociais sobre as transmissões dos imóveis bem como o acordo entre o ora recorrente e o 2.º Réu, com intuito de enganar a Autora e a declaração negocial divergiu-se completamente da vontade real daqueles, que nem sequer tinham intenção de vender e comprar.
Trata-se duma simulação absoluta.
Resumindo, é de considerar simuladas e, portanto, nulas as compras e vendas celebradas entre o ora recorrente e o 2.º Réu, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 232.º do Código Civil.
Não merece censura o acórdão recorrido.

3.3. Do valor de indemnização e do início de contagem dos juros sobre tal valor
Na óptica do recorrente, o valor a pagar à Autora devia ser aquele determinado no momento de venda do imóvel pelo recorrente ao 2.º Réu, e não da venda pelo 2.º Réu aos terceiros.
Defende ainda que devia ser aplicado a jurisprudência fixada no acórdão proferido pelo TUI no Processo n.º 69/2010, começando a contar os juros devidos a partir do momento em que é definitivamente fixado o montante de indemnização.
O acórdão do TSI, na parte ora posta em causa, tem o seguinte teor, que merece o nosso acolhimento:
«Aqui chegados cabe agora apreciar do recurso da Autora quanto ao valor da indemnização em que os 1º e 2º Réus foram condenados e do recurso do 1º Réu quanto a esse mesmo valor e momento a partir do qual são devidos os juros.
Sobre esta matéria entendeu-se na sentença recorrida que o valor da indemnização a que a Autora teria direito seria igual a metade do valor de mercado da fracção autónoma B7 uma vez que, por força da inoponibilidade da nulidade aos 3º e 4º Réus a Autora não pode reaver a sua metade relativamente à mesma.
Discordamos contudo.
Está decidido com força de caso julgado que as fracções autónomas eram bem comum do casal.
Procede a acção quanto à nulidade das vendas feitas entre os 1º e 2º Réus.
De acordo com o disposto no artº 282º do C.Civ. a nulidade teria por consequência a devolução de tudo quanto se prestou, o que neste caso se reconduziria à restituição das fracções autónomas ao património comum.
Contudo, por força da inoponibilidade da nulidade aos 3º e 4º Réus, a fracção autónoma B7 não pode reingressar ao património comum dos cônjuges.
Logo, o património comum do casal ficou empobrecido pelo valor desta fracção autónoma.
Os 1º e 2º Réus estão obrigados a reparar a situação criada, pelo que, de acordo com o disposto no artº 556º e 560º do C.Civ., não sendo possível a restituição da fracção autónoma, impõe-se repor o seu valor em dinheiro.
De acordo com o disposto no artº 558º do C.Civ. o tribunal deve atender aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Ora, no caso em apreço começa por se concluir que a fracção é bem comum do casal, que a venda feita da fracção autónoma é nula e que a mesma foi depois vendida de forma que veio a ter eficácia pelo valor de MOP8.034.000,00.
Ou seja, o acto pelo qual a fracção autónoma sai definitivamente do património comum é a venda aos 3º Réus por aquele valor.
Atente-se que por força da nulidade da venda entre os 1º e 2º Réu, sendo que aquele nunca teve intenção de vender nem este de comprar, esta venda aos 3º Réus na prática é como se fosse feita pelo 1º Réu para retirar o bem do património comum.
Logo, o benefício que a Autora deixou de receber corresponde a metade do valor pelo qual a fracção autónoma foi vendida aos 3º Réus ou seja MOP4.017.000,00 como é pedido em H.
Destarte deve ser concedido provimento ao recurso da Autora e negado provimento ao recurso do 1º Réu quanto ao valor da indemnização.

Do recurso do 1º Réu quanto ao momento a partir do qual são devidos os juros.
Pelos fundamentos dela constantes e que nos dispensamos de aqui reproduzir com base no disposto nos artº 793º nº 1, 794º nº 1 e 795º nº 1 todos do C.Civ. entendeu-se que os juros eram devidos desde que os Réus foram interpelados para cumprir o que no caso em apreço corresponde à data da citação que se entendeu ser 22.09.2016.
Recorrendo a Acórdão de uniformização de jurisprudência quanto a indemnização pecuniária por facto ilícito, pretende o 1º Réu que os juros sejam devidos apenas da data em que foi proferida sentença.
Contudo, a jurisprudência uniforme não se aplica “in casu” uma vez que a indemnização não decorre de facto ilícito.
Pelo que se mostra certa a decisão recorrida quanto ao momento a partir do qual são devidos os juros.»
Salvo o muito respeito por opinião diferente, entendemos que não merece censura o acórdão recorrido, tanto na parte relativa ao valor de indemnização como na respeitante ao momento a partir do qual se deve começar a contar os juros.
Conforme a factualidade assente, a fracção autónoma B7 foi vendida, pelo preço de MOP8,034,000.00, aos 3.ºs Réus, que desconheciam quaisquer irregularidades anteriores à sua aquisição do imóvel (alínea H) dos factos assentes e respostas aos quesitos 19.º e 27.º da base instrutória).
Ora, com a declaração de nulidade por simulação de compra e venda da fração B7 entre o recorrente e o 2.º Réu (e também F18), o imóvel continuava a pertencer aos bens comuns do casal e só com a venda aos 3.ºs Réus, que adquiriram o imóvel a título oneroso e agiram de boa fé, em relação aos quais não se pode opor a declaração de nulidade nos termos do n.º 1 do art.º 284.º do Código Civil, é que a fração em causa saiu definitivamente do património comum do casal.
Assim, o valor relevante para a fixação do montante de indemnização que se deve atender é o valor pelo qual o imóvel foi vendido aos 3.ºs Réus, e não o valor de primeira compra e venda entre o recorrente e o 2.º Réu, sendo ainda de salientar que nem foi pago o preço desse negócio.
Na verdade, tal como alega a Autora recorrida, o prejuízo por si sofrido só se consolidou com a venda do imóvel B7 aos 3.ºs Réus, sem a qual seria possível o retorno do mesmo imóvel à esfera jurídica do património comum do casal (que iria ser objecto de partilha pelos cônjuges), tal como sucedeu com a fracção F18.
Nos termos do n.º 1 do art.º 282.º do Código Civil, a declaração de nulidade tem “efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
Ora, sendo evidentemente impossível a restituição do imóvel, atenta a inoponibilidade da nulidade do negócio a terceiro de boa fé, o recorrente tem que repor o valor correspondente pelo qual foi o imóvel vendido aos 3.ºs Réus, integrado no património comum do casal.
Não tem razão o recorrente ao alegar que, com a sua transmissão ao 2.º Réu, o imóvel já saiu da esfera jurídica da Autora e do recorrente, o preço da posterior venda pelo 2.º Réu não tinha nada a ver com a Autora.
É também irrelevante o valor do mercado na altura de transmissão do imóvel ao 2.º Réu.
Assim sendo, tem a Autora direito a receber a quantia corresponde à metade do valor pelo qual a fracção autónoma B7 foi vendida aos 3º Réus, isto é, MOP4.017.000,00.

Quanto ao momento a partir do qual se deve começar a contar os juros sobre o valor fixado, o Tribunal recorrido confirmou a decisão de primeira instância, que por sua vez considerou devidos os juros “calculados, à taxa de 9.75% ao ano, contados a partir de 22 de Setembro de 2016”, data em que foi feita a citação.
Recorrendo ao acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo TUI no Processo n.º 69/2010, sustenta o recorrente que só se deve iniciar a contagem dos juros no momento em que foi proferida a decisão que fixa o montante de indemnização.
No citado acórdão, o TUI fixou a seguinte jurisprudência, obrigatória para os tribunais da RAEM:
“A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n.os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.”
Ora, evidentemente a jurisprudência fixada aplica-se apenas à “indemnização pecuniária por facto ilícito”, e não a qualquer indemnização pecuniária.
No caso vertente, não está em causa uma indemnização que tem origem em “facto ilícito”.
De facto, a condenação do recorrente deveu-se à declaração de nulidade de compra de venda referente à fração autónoma B7, negócio este feito por simulação, e não como consequência de responsabilidade extracontratual por factos ilícitos prevista nos art.ºs 477.º a 491.º do Código Civil.
Daí que não há lugar à aplicação da jurisprudência fixada, acima transcrita.
Sem necessidade de mais considerações, é de julga improcedente o recurso, também nesta parte.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.
Custas pelo recorrente.

                 8 de Novembro de 2023
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
1 Na audiência de discussão e julgamento de 26 de Setembro de 2018, foi suscitado o problema de os Réus D e E terem sido ora designados por 3º e 4º Réus ora por 3ºs Réus, tendo a partir daí sido uniformizado a designação por 3ºs Réus. Por isso, na análise que se segue, esses Réus serão designados por 3ºs Réus.
2 Na audiência de discussão e julgamento de 26 de Setembro de 2018, foi suscitado o problema de o Réu F ter sido ora designado por 5º Réu ora por 4º Réu, tendo a partir daí sido uniformizado a designação por 4º Réu. Por isso, na análise que se segue, esse Réu será designado por 4º Réu.
3 Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Lisboa, 2001, vol. III, 3.ª edição, p. 278.
4 Ac. do TUI, de 11 de Março de 2008, Proc. n.º 51/2007.
5 Ac. do TUI, de 29 de Novembro de 2019, Proc. n.º 111/2019.
6 Cfr. Ac. do TUI, de 11 de Março de 2015, Proc. n.º 10/2015.
7 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, 1992, p. 472 a 474.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




47
Processo n.º 73/2021