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Processo n.º 212/2024
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 23 de Maio de 2024

ASSUNTOS:

- Suspensão da instância ordenado pelo julgador nos termos do artigo 223º/1 do CPC

SUMÁRIO:

    Quando a decisão de uma causa depende de uma outra (ainda que seja um processo-crime), ou seja, quando a situação jurídica deste processo pode ser modificada ou influenciada determinantemente por decisão de um outro processo pendente, é de entender que existe causa justificativa para suspender a instância deste processo ao abrigo do disposto no artigo 223º/1 do CPC, de modo a evitar proferir-se decisões contraditórias ou praticar actos processuais inúteis que possam pôr em causa a justiça material.

O Relator,

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Fong Man Chong
Processo nº 212/2024
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 23 de Maio de 2024

Recorrente : - A (Macau), S.A. (Credora Reclamante)

Objecto do Recurso : - Despacho que decidiu a suspensão da instância (決定中止訴訟程序之批示)

Exequente : - Banco B, S.A. (中國工商銀行(澳門)股份有限公司)

Executado : - C

Credora : - D


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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A (Macau), S.A., Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 12/07/2023 (fls. 24), veio, em 27/07/2023, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 3 a 6, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. O presente recurso versa sobre o Despacho proferido a fls. 417 que decretou a suspensão da instância deste processo, nos termos do disposto no artigo 223° n.º 1 do CPC, até que seja proferida decisão transitada em julgado sobre a questão da propriedade do bem apreendido no processo n.º CR2-22-0147-PCC.
     II. A Recorrente não concorda com a decisão em crise e entende que a mesma padece de erro quanto à aplicação da Lei.
     III. A decisão da presente causa não está dependente do julgamento de qualquer outra decisão a tomar em qualquer outro processo, e não parece ter ocorrido "outro motivo justificado" para o decretamento da suspensão dos autos, pelo que andou mal o Tribunal a quo ao invocar e aplicar o artigo 223° n.º 1 do CPC.
     IV. O banco Exequente e a Recorrente são titulares de direitos reais de garantia sobre o imóvel penhorado nos presentes autos e os créditos desta já foram reclamados e não foram impugnados.
     V. A sentença que reconheça e gradue os créditos prevista no artigo 761º n.º 1 do CPC não está dependente do julgamento de qualquer outra decisão a tomar, incluindo no processo criminal onde o bem penhorado se encontra apreendido.
     VI. A indisponibilidade resultante da apreensão é uma indisponibilidade relativa, pelo que nada obsta a que se prossiga para a fase de pagamento e que se realize a venda judicial, inexistindo "motivo justificado" para o decretamento da suspensão dos autos.
     VII. Este entendimento já foi sufragado pelo Tribunal a quo, em processo que corre os seus termos sob o n.º CV3-22-0060-CEO.
     VIII. A decisão tomada no processo crime não é, à data da apresentação das presentes alegações, definitiva, pelo que a apreensão poderá vir a ser levantada e a disponibilidade absoluta do imóvel poderá regressar à esfera jurídica do Executado.
     IX. Acresce que, a venda judicial do imóvel penhorado poderá ser realizada em condições que levem em conta a apreensão que se encontra provisoriamente registada, nomeadamente mencionando a referida apreensão nos anúncios e editais que publicitam da venda judicial do imóvel, o que acautelará devidamente os interesses dos eventuais proponentes.
     X. Finalmente, refere-se que, nos termos do n.º 2 do artigo 103º do Código Penal, a apreensão judicial de bem não pode prejudicar os direitos de terceiro de boa-fé, onde se inclui a aqui Recorrente.
     XI. Quando aceitou a hipoteca voluntária do Executado sobre o imóvel em apreço, a Recorrente desconhecia legitimamente que o mesmo pudesse vir a ser - no futuro - apreendido à ordem de um qualquer processo criminal e tomou todas as medidas preventivas que lhe eram exigíveis antes de aceitar a constituição da referida garantia real.
     XII. A hipoteca a favor da Recorrente foi constituída e registada em momento muito anterior à ordem de apreensão, razão pela qual a Recorrente sempre deverá ser considerada um terceiro de boa-fé e os seus direitos merecem protecção legal.
     XIII. A Decisão recorrida deverá ser substituída por uma outra que decrete o prosseguimento dos presentes autos e a realização dos seus termos subsequentes, incluindo a sentença de verificação e graduação de créditos e a venda judicial do imóvel penhorado, o que, desde já, como a final, se requer.
     XIV. A Recorrente entende que o Despacho em crise padece de erro na determinação da norma aplicável ao aplicar o artigo 223º n.º 1 do CPC e que as normas jurídicas que, deviam ter sido aplicadas são as previstas nos artigos 761º, 765º e seguintes e 779º e seguintes do CPC.
     Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, proferirem Vossas Excelências decisão que revogue o Despacho recorrido e que ordene o prosseguimento dos presentes autos, nos termos expostos,
     Assim fazendo, Vossas Excelências, uma vez mais a boa e sã Justiça!

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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    
    - Em 30/03/2023 nos autos de Execução Ordinária (CV3-22-0059-CEO), veio a Recorrente reclamar os seus créditos nos termos de fls. 19 a 22 destes autos);
    - Em 12/07/2023 foi proferido o despacho constante de fls. 24 (com o seguinte teor: uma fracção autónoma identificada nos autos está “apreendida” à ordem do processo CR2-22-147-PCC, a pedido do MP);
    - Em 12/07/2023 foi proferido o despacho constante de fls. 24, que é objecto deste recurso, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais (sendo o seu conteúdo transcrito integralmente no relatório da decisão).
    
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
    É o seguinte despacho que constitui o objecto deste recurso, proferido pelo Tribunal de primeira instância:
     
     關於中止本案訴訟程序的問題,相信不爭的一點是,在涉及本案被執行人的刑事案件內(卷宗CR2-22-0147-PCC),法院是有可能按照法律宣告被本案(執行程序)查封的不動產歸澳門特別行政區所有,至於過程中,第三人的權利是否受到保護,則取決第三人是否屬善意,以及有否發生《刑法典》第102條第2款規定的情節,因此,客觀而言,在相關刑事案件內就扣押物的處理是會直接影響本執行程序,因為一旦將扣押之物宣告為澳門特別行政區所有,原則上被扣押/被查封的財產即脫離被執行人的財產範圍,如任何第三人無提出適當主張或未經法院確認,其權利也未必受到保護,因此,不能認為刑事卷宗CR2-22-0147-PCC的審理結果與本案的進行無關,而請求執行人及債權人永利渡假村(澳門)股份有限公司的權利是否應受保護的問題,也應該留待日後扣押物確定地被宣告為澳門特別行政區所有時方具備條件作出審理,因為屆時澳門特別行政區才能正式行使其辯論的權利。
     關於這一方面,尊敬的澳門中級法院曾有以下理解:
     “A apreensão decretada no âmbito do processo-crime não tem a natureza nem funciona como direito de garantia, daí que tal apreensão não caduca com a venda do bem em execução, nos termos previstos no artigo 814.º do CC.
     Uma vez que o bem apreendido pode vir a ser declarado perdido a favor da RAEM, nos termos previstos no artigo 101.º e seguintes do Código Penal, convém o juiz mandar sobrestar a venda e aguardar a decisão a ser proferida no respectivo processo penal.
     Não tendo o Tribunal a quo procedido dessa forma, antes mandou prosseguir a execução para a fase de venda judicial, e não obstante que a fracção foi vendida ao adquirente por meio de abertura de propostas em carta fechada, o bem imóvel continua a ser apreendido à ordem da respectiva autoridade judiciária.
     Sendo assim, tanto a venda como os seus actos posteriores não podem produzir quaisquer efeitos jurídicos, ou seja, são ineficazes em relação à dita autoridade, daí que não se vê razão para prosseguir os demais termos processuais, devendo, assim, ser suspensa a instância executiva em relação à fracção autónoma em causa.”
     有見及此,現根據《民事訴訟法典》第223條第1款的規定,宣告中止本案訴訟程序(針對被刑事扣押的不動產),以等待在卷宗CR2-22-0147-PCC內就扣押物的歸屬問題作出轉為確定的裁判,為此,去函該卷宗以便適時將相關裁決通知本案。
     作出通知及採取適當措施。

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    Quid Juris?
    Ora, o artigo 223º do CPC manda:
    
(Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes)
    1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
    2. Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as suas vantagens.
    3. Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
    4. As partes podem acordar na suspensão da instância por prazo não superior a 6 meses.
    
    Ora, cremos que o Tribunal recorrido explicou com clareza por que razões é que foi ordenada a suspensão da instância, porque o imóvel apreendido à ordem do processo-crime pode vir a ser declarado a favor da RAEM, eis a prejudicialidade da questão. A decisão recorrida tem toda a base legal, porque é o artigo 223º/1 que se aplica especificadamente a esta matéria de suspensão.
    Cabe sublinhar que o artigo 223º do CPC confere ao julgador um poder discricionário de mandar suspender a instância até que certas questões pertinentes ou com repercussões ou reflexos importantes sejam resolvidas, que é o caso dos autos.
    É do entendimento dominante nesta matéria ao nível de jurisprudência (citada aqui em nome de Direito Comparado):
    “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda» (A. dos Reis, Com., 3.°-206) (Ac. RP, de 25.6.1969: JR, 15.°-670).”
  
    “A decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja sentença possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito. A verdadeira prejudicialidade e dependência só existe quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da outra causa (Ac. RL, de 20.3.1970: JR, 16. °-256).”
    É também este raciocínio que seguimos para decidir o caso dos autos.
    Dos elementos invocados pelo Tribunal recorrido não resulta que tal decisão violou algum preceito legal ou foi tomada com base nos elementos erroneamente apreciados, pelo que, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual é de manter a decisão recorrida.
    Pelo expendido, é de negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
    
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    Síntese conclusiva:
    Quando a decisão de uma causa depende de uma outra (ainda que seja um processo-crime), ou seja, quando a situação jurídica deste processo pode ser modificada ou influenciada determinantemente por decisão de um outro processo pendente, é de entender que existe causa justificativa para suspender a instância deste processo ao abrigo do disposto no artigo 223º/1 do CPC, de modo a evitar proferir-se decisões contraditórias ou praticar actos processuais inúteis que possam pôr em causa a justiça material.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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    Custas pela Recorrente.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 23 de Maio de 2024.
   Fong Man Chong
(Relator)
   Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
   Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)









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