Processo nº 72/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 23 de Maio de 2024
ASSUNTO:
- Simulação
- Princípio de prova escrita
SUMÁRIO:
O artº 388º do C.Civ. proíbe a prova testemunhal quando se trate de convenções contrárias ao conteúdo de documento autêntico e quanto ao acordo simulatório quando invocado pelos simuladores.
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 72/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 23 de Maio de 2024
Recorrentes: (A)(Recurso Final)
(C) Limited (Recurso Interlocutório)
Recorrido: (B)(Recurso Interlocutório e Recurso Final)
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
(B), com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
(D) (1º Réu),
(E)(2º Réu),
(A)(3ª Ré) e
(C) Limited (4º Réu),
tudo também, com os demais sinais dos autos,
pedindo que:
1. seja declarado a nulidade da escritura pública de compra e venda outorgada pelo Autor e pelo 1.º Réu em 9 de Março de 2010;
2. seja declarado a nulidade da escritura pública de compra e venda outorgada pelos 1.º e 2.º Réus em 30 de Agosto de 2011;
3. seja declarado a nulidade da escritura pública de compra e venda outorgada pelos 2.º e 3.ª Réus em 29 de Agosto de 2018;
4. seja ordenado o cancelamento de registo de aquisição da fracção (inscrito sob os n.ºs …, … e …);
5. seja declarado a nulidade da escritura pública de hipoteca celebrada pelo 3.ª Ré e pelo 4.º Réu em 29 de Agosto de 2018;
6. seja ordenado o cancelamento do correspondente registo de hipoteca (inscrito sob o n.º …).
DO RECURSO DO DESPACHO A FLS. 393/394, TRADUZIDOS A FLS. 809/812:
Proferido despacho a fls. 393/394 em que foi deferido o depoimento de parte dos 1º e 3ª Réus, veio o 4º Réu interpor recurso do mesmo apresentando as seguintes conclusões:
1. No âmbito do requerimento de prova do Autor/Recorrido apresentado a fls. 372, o mesmo solicitou ao douto Tribunal a quo, entre outras coisas, o depoimento de parte do 1.º Réu, relativamente aos factos constantes da base instrutória com os n.ºs 2.º, 3.º, 7.º, 8.º, 12.º, 13.º, 18.º 19.º, 21.º a 23.º, 26.º, 27.º, 33.º, 35.º a 37.º, 48.º e 50.º.
2. Notificado do conteúdo do requerimento de prova do Autor/Recorrido, o 4.º Réu/Recorrente requereu ao douto Tribunal a quo que rejeitasse o supracitado depoimento do 1.º Réu, o que foi indeferido, por despacho de fls. 393-394. Sendo justamente esse o despacho ora em crise.
3. O artigo 345.º do Código Civil (doravante, o “CC”) diz que confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. Encontramos neste enunciado três elementos, pelos quais se caracteriza a confissão: a) um reconhecimento, expresso ou tácito; b) da realidade de um facto; e c) desfavorável ao declarante e favorável à parte contrária.
4. Sucede, todavia, que no caso sub judice a confissão que o Autor/Recorrido pretende extrair do 1.º Réu em depoimento de parte não lhe é, de todo, desfavorável. Dito doutra forma, o 1.º Réu carece de legitimidade para, à luz dos factos transcritos, fazer qualquer tipo de confissão, dada a não desfavorabilidade de tais factos em relação ao mesmo.
5. Desfavorável não equivale a tudo e alguma coisa, sendo antes aquilo que é contrário aos interesses do confitente, nos precisos termos do modelo avançado pelo Professor Doutor José LEBRE DE FREITAS.
6. O 1.º Réu não tem qualquer interesse em contestar a veracidade dos factos constantes dos quesitos invocados, desde logo, porque o facto de os negócios em apreço virem eventualmente a ser declarados nulos por força da alegada simulação não colide com qualquer interesse do 1.º Réu, já que regressando o bem em questão à titularidade formal do Autor/Recorrido, como (alegadamente) aquele (o 1.º Réu) não pagou qualquer preço, não lhe resulta dali qualquer consequência negativa.
7. O efeito que, em abstracto, a alegada simulação eventualmente confessada é idónea a produzir é simplesmente o retorno (formal, i.e., ao nível do registo) do imóvel ao seu verdadeiro titular, aqui Autor/Recorrido, por força da nulidade decorrente do n.º 2 do 232.º em conjugação com os artigos 279.º e 282.º, todos do CC, dali não resultando qualquer efeito contrário aos interesses do 1.º Réu.
8. Substantivamente, as partes apenas fingiram celebrar o negócio de compra e venda do imóvel em apreço (hipoteticamente), mas o mesmo nunca produziu os seus efeitos, por força da referida nulidade. Quer isto ainda dizer que, aquilo que no fundo já pertencia ao Autor/Recorrido regressará formalmente às suas mãos (hipoteticamente) - como se sabe, constitui entendimento pacífico que, no nosso ordenamento jurídico, o registo predial tem natureza declarativa e não constitutiva (por não dar nem tirar direitos), destinando-se o mesmo a dar publicidade à situação jurídica dos prédios tendo em vista a segurança do comércio imobiliário (cfr. artigo 1.º do Código de Registo Predial).
9. Quanto ao requisito da titularidade concreta, pelo confitente, da situação jurídica inicial ou final para que, se se tratasse dum negócio jurídico, exprimiria a legitimidade para a sua prática, decorre da lógica do que se acaba de expor que o imóvel não pertenceu nunca ao 1.º Réu (hipoteticamente), já que o negócio simulado é nulo - não se verificaram, sequer, os efeitos da compra e venda da propriedade em questão. E porque assim é, também por aqui se dá por verificada a indisponibilidade substantiva da confissão.
10. Para quê, então, pedir o depoimento de parte do 1.º Réu, sabendo que nenhum dos factos supra são alegadamente desfavoráveis a este? É simples: através desta manobra processual-legal, o verdadeiro prejudicado - esse sim - será o 4.º Réu, que, com a eventual declaração da nulidade (algo que não se aceita e apenas por dever de patrocínio se concede, até porque dos factos alegados na petição inicial não resulta o preenchimento dos requisitos de que depende a simulação) verá a hipoteca sobre o referido bem cancelada; o que, bem se compreende, resultará em consequências potencialmente desastrosas para os seus interesses.
11. De outra parte, verifica-se sem dificuldade que os quesitos supra procuram sustentar a tese do Autor/Recorrente quanto à suposta existência de uma simulação, sendo que a posição do 1.º Réu face a tal acordo é inteiramente indiferente à posição daquele: o objectivo visado com a alegada simulação foi o de aceder a um financiamento bancário, o que o 1.º Réu logrou inteiramente. E a eventual declaração, pelo Tribunal, de tal simulação, nada irá alterar a este respeito - i.e., o financiamento foi concedido e saldado, e nenhum acto jurídico poderá mais alterar essa realidade. De modo que, os depoimentos do 1.º Réu, no que toca aos mencionados quesitos, não podem conduzir à confissão daqueles factos, porque só há confissão a respeito da realidade desfavorável ao confitente.
12. Em suma, o depoimento de parte requerido pelo Autor/Recorrido não poderia ter sido admitido pelo Tribunal a quo uma vez que os quesitos em apreço não contêm qualquer matéria susceptível de confissão, por ausência de factos que efectivamente pudessem ser desfavoráveis ao 1.º Réu, não se circunscrevendo tal depoimento no âmbito de aplicação do artigo 487º, n.º 1 do CPC, nem tendo aplicação as disposições dos artigos 351º, n.º 4 e 354º, ambos do CC.
13. Andou mal, pois, o Despacho Recorrido ao indeferir o pedido formulado pelo 4.º Réu no seu requerimento de 02/06/2021 (entrada n.º 53806/2021), tendo tal decisão violado o artigo 345.º do CC, dado estarmos perante a preterição de um requisito substantivo positivo essencial da confissão - a desfavorabilidade dos factos a confessar pelo 1.º Réu -, pelo que o Despacho Recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que ordene o indeferimento do requerimento de prova do Autor/Recorrido apresentado a fls. 372.
14. Não se duvida que o depoimento de parte - enquanto meio de prova típico e nominado - serve para obter a declaração do reconhecimento da realidade das afirmações sobre factos que sejam havidos como desfavoráveis ao depoente (contra se pronuntiatio); que o mesmo é dizer, no anverso, para lograr o reconhecimento de factos constitutivos do direito da parte contrária, ou a negação da verificação da ocorrência dos factos constitutivos da contraparte.
15. Do acervo factual vertido nos quesitos resulta clara a intenção do Autor/Recorrido em fazer prova da alegada simulação através do depoimento do 1.º Réu. Sucede que, como vimos, nenhum dos quesitos mencionados conduz propriamente a uma confissão, por ausência de factos que sejam havidos como desfavoráveis ao 1.º Réu. Para além deste impedimento, deparámo-nos ainda com um outro, ao nível substantivo. Referimo-nos à proibição de prova constante do n.º 1 do artigo 388.º do CC que, aliado ao seu n.º 2, veda aos simuladores a prova da simulação por meio de testemunhas. Tomados à letra estes dois preceitos, temos que aos simuladores estariam vedados de convocar apenas as testemunhas para prova da simulação, deixando aberta a hipótese da prova da simulação por via do depoimento de parte.
16. Tal raciocínio seria, no entanto, uma inversão flagrante e inadmissível da teleologia contida naquelas normas, facilmente se subvertendo aquilo que o legislador pretendeu justamente impedir com aquelas, ou seja, que qualquer meio não escrito, seja ele testemunhal, por depoimento de parte ou por presunção judicial - meios probatórios de reconhecida falibilidade -, se faça prevalecer sobre a autoridade e estabilidade da prova documental que, por sua natureza, é mais segura - em conformidade com a máxima letfres passent témoins.
17. Como assinala o ilustre Professor LUÍS ALBERTO CARVALHO FERNANDES - referindo-se à prova testemunhal em concreto -, “Trata-se de afastar os riscos inerentes à falibilidade e fragilidade da prova testemunhal. Seria, na verdade, inadmissível pôr assim ao alcance de um dos simuladores, contra o outro, ou de ambos contra terceiros, um meio relativamente fácil de, simulando a simulação, atacar um negócio verdadeiro e sem vício, que se tornou incómodo ou indesejável, ponto em causa a sua eficácia e frustrando a confiança que justificadamente a outro parte ou terceiro nele fundou. Estar-se-ia, do mesmo passo, a destruir, com base numa prova insegura, a melhor fé que um documento merece. Raciocínio que, mutatis mutandis, se aproveita inteiramente no campo de aplicação da prova por depoimento de parte.
18. De tal modo que se fez já jurisprudência nesse sentido, nos termos do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/26/2001 (Processo n.º 0120567), e ainda, a contrario, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/27/2005 (Processo n.º 1285/04-1).
19. Assim se vê, por todo o exposto, que não é admissível à luz do nosso Direito (ressalvadas certas e determinadas excepções) recorrer-se à prova por depoimento de parte, rectius, do próprio Réu simulador, para se fazer prova da sua própria torpeza em juízo - na linha do conhecido brocardo nemo auditur propriam turpitudinem allegans.
20. Como tal, ao decidir de forma diversa, ou seja, ao decidir pelo deferimento do requerimento de prova da Autor/Recorrido na parte em que admitiu o depoimento de parte do 1.º Réu, o douto Tribunal a quo violou o disposto no artigo 388.º do CC, n.ºs 1 e 2.
Notificada da admissão do recurso, o Autor e agora Recorrido contra-alegou apresentando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Juiz do Tribunal Judicial de Base que deferiu o depoimento de parte do 1.º Réu.
B. O recurso interposto pelo Recorrido (sic) tem, principalmente, duas invocações, uma é que os factos objecto de confissão não são desfavoráveis ao 1.º Réu e a segunda é a inadmissibilidade do depoimento de parte do 1.º Réu.
C. O legislador não tem intenção de limitar o sentido de “desfavorável” definido no artigo 345.º do Código Civil ao dano concretizável ou quantificável, pelo que, ao utilizar o aludido preceito legal, o utilizador da lei não deve fazer à vontade a interpretação restritiva do referido preceito legal para mero dano pecuniariamente quantificável.
D. O “desfavorável” mencionado no referido preceito legal deve implicar os factos que não têm vantagens para o confitente e são oponíveis ao confitente, incluindo os factos constitutivos de direito invocados pelo Recorrido.
E. De facto, os factos objecto de depoimento de parte do 1.º Réu podem conduzir à nulidade do acto de compra e venda por si realizado, sendo, manifestamente, factos que não têm vantagens para o 1.º Réu e são oponíveis ao 1.º Réu, pelo que, o Recorrido não consegue compreender por que os factos que podem conduzir directamente à nulidade do referido acto de compra e venda não são factos desfavoráveis ao 1.º Réu.
F. O artigo 388.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil só impõe limitação à prova testemunhal, o legislador não faz expressamente a mesma limitação à confissão.
G. Na jurisprudência também se afirma que a confissão é um dos meios de prova para comprovar a simulação.
H. O entendimento doutrinário geral preconiza que caso a pessoa que invoca a simulação não tenha ou impossibilite de obter a prova escrita dos factos simulados, a lei deve permitir a título excepcional a admissão da prova testemunhal, senão impedirá a descoberta da verdade.
I. Em caso de ser admissível a prova testemunhal, deve-se ainda entender que é admissível a confissão como meio de prova, a não admissão do depoimento de parte do 1.º Réu afecta necessariamente o direito ao julgamento justo do Recorrido e o seu direito à prova.
J. Não se deve fazer a interpretação restritiva ou a aplicação analógica do artigo 388.º n.º 2 do Código Civil para proibir provar o acordo simulatório por confissão.
DO RECURSO DA DECISÃO FINAL:
Proferida sentença, foi julgada parcialmente procedente a acção intentada pelo Autor, improcedente a excepção da 3.ª Ré e procedente a excepção do 4.º Réu, e decide os seguintes:
1. Declara a nulidade, por simulação, da compra e venda da fracção autónoma “BN11” em causa realizada entre o Autor (B)e o 1.º Réu (D) mencionada no ponto 3.º dos factos provados e ordena o cancelamento da correspondente inscrição n.º …;
2. Declara a nulidade da compra e venda da fracção autónoma “BN11” em causa realizada entre o 1.º Réu (D) e o 2.º Réu (E)mencionada no ponto 6.º dos factos provados e ordena o cancelamento da correspondente inscrição n.º …;
3. Declara a nulidade da compra e venda da fracção autónoma “BN11” em causa realizada entre o 2.º Réu e a 3.ª Ré (A)mencionada no ponto 15.º dos factos provados e ordena o cancelamento da correspondente inscrição n.º …;
4. Julga que o vício da nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda da fracção autónoma “BN11” em causa realizado entre o Autor (B)e o 1.º Réu (D) e o vício da nulidade dos negócios posteriores não podem ser arguidos contra o 4.º Réu nos termos do artigo 235.º do Código Civil, e em consequência, mantêm-se válidos o acto de hipoteca voluntária mencionado no ponto 16.º dos factos provados e a correspondente inscrição n.º ….
Não se conformando com a decisão final proferida veio a 3ª Ré e agora Recorrente apresentar as seguintes conclusões e pedidos:
I. Objecto de recurso
1. O presente recurso tem por objecto:
a) O despacho proferido em 25 de Maio de 2023 pelo Tribunal a quo que deu como provadas as matérias de facto (daqui em diante “despacho de matéria de facto recorrido”), quanto às respostas dadas aos quesitos 5.º, 7.º, 10.º, 11.º, 14.º, 18.º a 20.º, 26.º e 27.º, 50.º, 76.º, 80.º, 81.º, 83.º, 84.º e 85.º da base instrutória, são respectivamente as seguintes a base instrutória em causa e as respostas dadas pelo Tribunal a quo:
- Quesito 5.º: Dado que o autor, em 2008. contraiu empréstimo junto do Banco (X) e que tinha um vencimento relativamente mais baixo, o autor não conseguiu pedir, junto do mesmo banco, o empréstimo garantido por segunda hipoteca para ajudar o 1.º réu a liquidar suas dívidas?
Provado: Dado que o autor, em 2008, contraiu empréstimo junto do Banco (X) e que o salário que auferia na altura, o autor não conseguiu pedir, junto do mesmo banco, o empréstimo garantido por segunda hipoteca para ajudar o 1.º réu a liquidar suas dívidas.
- Quesito 7.º: O autor e o 1.º réu solicitaram parecer junto ao 2.º réu quanto à matéria de solução das dívidas.
Ficou provado.
- Quesito 10.º: O 2.º réu sugeriu ao autor e ao 1.º réu que o autor transmitisse a fração ao 1.º réu por via de falsa compra e venda para que o 1.º réu pudesse utilizar a fracção para contrair empréstimo junto do banco, de tal modo a liquidar as dívidas a terceiro?
Provado: Dado que o autor não conseguiu pedir o empréstimo junto do Banco, garantido por segunda hipoteca, o 2.º réu sugeriu ao autor e ao 1.º réu que o autor transmitisse a fração ao 1.º réu por via de falsa compra e venda para que o 1.º réu pudesse utilizar a fracção para contrair empréstimo junto do banco, de tal modo a liquidar as dívidas a terceiro.
- Quesito 11.º: A fim de ajudar o 1.º réu a resolver as dificuldades financeiras, o autor aceitou a sugestão dada pelo 2.º réu?
Ficou provado.
- Quesito 14.º: Pelo que o 2.º réu tinha perfeito conhecimento do pormenor da transacção da fracção feita entre o autor e o 1.º réu?
Ficou provado.
- Quesito 18.º: No mesmo dia, o autor também levantou HK$880.000,00 em numerário e entregou ao 1.º réu HK$600.000,00 para que este pudesse reembolsar directamente as dívidas contraídas a terceiro?
Ficou provado.
- Quesito 19.º: Embora o autor e o 1.º réu tenham celebrado a escritura pública de compra e venda indicada na al. C) dos factos assentes, o 1.º réu não tinha a intenção de adquirir a fracção e o autor também não tinha a intenção de vendê-la, a finalidade de ambos só era para ajudar o 1.º réu a utilizar a fracção para contrair empréstimo junto do banco?
Ficou provado.
- Quesito 20.º: O acordo celebrado entre o autor e o 1.º réu é um acordo com intenção de enganar o Banco (Y)?
Provado: O autor e o 1.º réu tinham a intenção de enganar o Banco (Y) para conceder o empréstimo.
- Quesito 26.º: Dado que o crédito do autor foi reembolsado mediante o empréstimo contraído pelo 1.º réu junto do Banco (Y), o 1.º réu, sub-rogar, obteve o crédito do Banco (X) sobre o autor, mas como a compra e venda feita entre o autor e o 1.º réu não era uma transação real, o autor a cada dois meses ia pagar ao 1.º réu em numerário para ajudar o 1.º réu a pagar prestações junto do Banco (Y), operação esta feita tal como se fosse reembolsada mensalmente a quantia ao Banco (X) pelo autor?
Provado: Dado que o crédito do autor foi reembolsado mediante o empréstimo contraído pelo 1.º réu junto do Banco (Y), o 1.º réu, sub-rogar, obteve o crédito do Banco (X) sobre o autor, mas como a compra e venda feita entre o autor e o 1.º réu não era uma transação real, o autor a cada dois meses ia pagar ao 1.º réu em numerário para ajudar o 1.º réu a pagar prestações junto do Banco (Y), operação esta feita tal como se fosse reembolsada mensalmente a quantia ao Banco (X) pelo autor.
- Quesito 27.º: A fim da apurar a verdadeira propriedade da fracção, em 31 de Março de 2010, na presença de (F) como testemunha, o 1.º réu assinou uma declaração donde constando que o 1.º réu exigiu ao autor que emprestasse a fracção ao 1.º réu, a fim de contrair empréstimo junto do banco e prometeu que iria transmitir incondicionalmente a fracção ao autor?
Provado; A fim da apurar a verdadeira propriedade da fracção, em 31 de Março de 2010, na presença de (F) como testemunha, o 1.º réu assinou uma declaração constante de fls. 107 dos autos, donde constando que o 1.º réu exigiu ao autor que emprestasse a fracção ao 1.º réu, a fim de contrair empréstimo junto do banco e prometeu que, no futuro, depois de liquidado o empréstimo do banco, iria transmitir incondicionalmente a fracção ao autor.
- Quesito 50.º: Depois de os 1.º e 2.º réus terem celebrado a escritura pública de compra e venda indicada na al. F) dos factos assentes, o 1.º réu não contou imediatamente ao autor a matéria de transmissão da fracção, pelo que o autor ainda de dois em dois meses pagou ao 1.º réu em numerário para servir de pagamento de prestações junto do banco?
Provado: Depois de celebrada a escritura pública de compra e venda indicada na al. F) dos factos assentes, o autor ainda pagou ao 1.º réu em numerário tal como foi referido na resposta dada ao quesito 26.º.
- Quesito 76.º: Depois de ter celebrado com o 2.º réu a respectiva escritura pública de compra e venda e hipoteca, a 3.ª ré imediatamente celebrou com o 2.º réu o contrato de arrendamento (daqui em diante “contrato de arrendamento”), dando de arrendamento a fracção ao 2.º réu, com prazo de arrendamento de 30 de Agosto de 2018 a 29 de Agosto de 2019, não renovável automaticamente decorrido o prazo de arrendamento, e depois deve o 2.º réu restituir a fracção à 3.ª ré?
Não ficou provado.
- Quesito 80.º: Decorrido o prazo de arrendamento, o 2.º réu não restituiu a fracção à 3.ª ré conforme estipulado no supracitado contrato de arrendamento, nem lhe pagou qualquer renda?
Não ficou provado.
- Quesito 81.º: Pelo que a 3.ª ré constitui advogado e mandou carta ao 2.º réu no sentido de exigir-lhe que confirmasse a intenção de continuidade de tomar de arrendamento a fracção ou restituísse a fracção à 3.ª ré caso não mostrasse tal intenção?
Não ficou provado.
- Quesito 83.º: Se a 3.ª ré tomou conhecimento, através do seu amigo, de que o 2.º réu necessitava de dinheiro e portanto, urgiu vender a supracitada fracção?
Não ficou provado.
- Quesito 84.º: A 3.ª ré nunca soube que o autor era verdadeiro proprietário da supracitada fracção, nem saiba que o autor sempre vivia na fracçao e muito menos ainda o acordo celebrado entre o autor e os 1.º e 2.º réus?
Não ficou provado.
- Quesito 85.º: Se a 3.ª ré soubesse que o autor era o verdadeiro proprietário da referida fracção e ali sempre vivia, não arranjaria sarilhos para adquirir a supracitada fracção mesmo que o 2.º réu tivesse oferecido um valor mais baixo do que o de mercado?
Não ficou provado.
b) Em 22 de Fevereiro de 2023, o Tribunal a quo alterou o despacho de factos assentes quanto à al. M) do despacho saneador proferido em 5 de Fevereiro de 2023 pelo Juiz responsável pelo presente caso (daqui em diante “despacho de alteração recorrido”), passando o facto a ser o seguinte, depois de alteração (aqui se dá por integralmente reproduzido):
- M) De acordo com o contrato-promessa de compra e venda, a 3.ª ré já pagou ao 2.º réu o sinal no valor de HK$4.000.000,00 e iria pagar o valor remanescente de HK$3.800.000,00 no dia da transação de compra e venda (vd. o acima)
c) Em 28 de Julho de 2023, o Tribunal a quo proferiu a sentença seguinte (vd. fls. 661 a 670v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) (daqui em diante “sentença recorrida”) na qual decidiu:
- 1. Declarar que é simulada a compra e venda da fracção autónoma em causa “BN11” referida no ponto n.º3 dos factos provados, celebrada entre o autor (B)e o 1.º réu (D), mais declarando-a nula e ordenando o cancelamento da respectiva inscrição n.º…;
- 2. Declarar nula a compra e venda da fracção autónoma em causa “BN11” referida no ponto n.º6 dos factos provados, celebrada entre o 1.º réu (D) e o 2.º réu (E), mais ordenando o cancelamento da respectiva inscrição n.º...;
- 3. Declarar nula a compra e venda da fracção autónoma em causa “BN11” referida no ponto n.º15 dos factos provados, celebrada entre o 2.º réu (E)e a 3.ª ré (A), mais ordenando o cancelamento da respectiva inscrição n.º...;
2. Inconformada com o despacho de matéria de facto recorrido, com o despacho de alteração recorrido e com a sentença recorrida, a recorrente considera que:
a) O despacho de matéria de facto ora recorrido padece dos vícios de omissão na apreciação das provas e de violação da regra de experiência comum;
b) O despacho de alteração ora recorrido viola o princípio da iniciativa das partes e o do contraditório;
c) A sentença ora recorrida padece do vício de errada aplicação da lei.
3. Pelo que vem interpor o presente recurso ordinário junto de V. Ex.as.
II. Fundamento de recurso
1) Impugnação do despacho de matéria de facto ora recorrido
4. Salvo o devido respeito, a recorrente só vem impugnar as respostas dadas aos quesitos 5.º, 7.º, 10.º, 11.º, 14.º, 18.º a 20.º, 26.º e 27.º, 50.º, 76.º, 80.º, 81.º, 83.º, 84.º e 85.º da base instrutória, no despacho de matéria de facto recorrido proferido em 25 de Maio de 2023 pelo Tribunal a quo.
A. Quesito 5.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
5. Inconformada com a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 5.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, a recorrente vem impugná-la.
6. Dado que nos autos não há qualquer prova que o recorrido tentasse pedir empréstimo junto do Banco (X), garantido por segunda hipoteca, e por falta da prova, não se pode julgar provado que o recorrido não conseguiu pedir empréstimo garantido por segunda hipoteca junto do Banco (X) para ajudar o 1.º réu (D) a liquidar suas dívidas.
7. Na fundamentação do despacho de matéria de facto, o Tribunal a quo também não especificou qual a razão foi retirada a resposta ao quesito 5.º.
8. Com base nisso, considera a recorrente que o quesito 5.º do despacho de matéria de facto não pode ser dado como provado.
B. Quesitos 7.º, 10.º, 11.º e 14.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
9. Inconformada com as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 7.º, 10.º, 11.º e 14.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, a recorrente vem impugná-las.
10. Na qualidade da parte, alegou o 1.º réu (D) que foi o 2.º réu (E)quem sugeriu a ele e ao recorrido (B)que se pudesse transmitir a fracção em causa ao 1.º réu (D), a fim de obter o empréstimo de valor mais elevado para ajudar o 1.º réu (D) a liquidar suas dívidas (vd. Doc. 1. gravado em 22-Fev-2023 às 10.35.35 (4$LD(RP102720319).WAV, de 0:03:05 a 0:04:22).
11. Indicou a testemunha (F) que o 2.º réu chegou a ajudar o recorrido (B) e o 1.º réu (D) a tratar os assuntos relativos à fracção em causa, pelo que o 2.º réu sabia a razão pela qual o recorrido (B) tinha cedido a fracção ao 1.º réu (D), visa obter o empréstimo de valor mais elevado para ajudar o 1.º réu (D) a liquidar suas dividas, mas ambos o recorrido (B) e o 1.º réu não tinham intenção de proceder à compra e venda da fracção em causa (vd. Doc. 6. gravado em 22-Fev-2023 às 11.42.43 (4$LF74G102720319).WAV, de 0:43:00 a 0:43:28, 0:45:11 a 0:46:38, 0:47:50 a 0:48:08, 1:13:46 a 1:14:17 e 1:30:04 a 1:30:27)
12. Contudo, a testemunha (F) não conseguiu especificar como é que o 2.º réu ajudou o recorrido (B) e 1.º réu (D) a tratar os assuntos relativos à fracção em causa, a testemunha só tomou conhecimento, através do 1.º réu (D), de que o 2.º réu tinha intervindo nisso (incluindo fazer sugestões), na verdade, a testemunha (F) desconhece quem sugeriu que fosse transmitida a fracção em causa ao 1.º réu (D) para pedir o empréstimo (vd. Doc. 6. gravado em 22-Fev-2023 às 11.42.43 (4$LF74G102720319).WAV, de 0:43:00 a 0:43:28, 0:45:11 a 0:46:38, 0:47:50 a 0:48:08, 1:13:46 a 1:14:17 e 1:30:04 a 1:30:27).
13. Ao mesmo tempo, o 2.º réu (E) nunca disse à testemunha (F) se o 2.º réu (E) sabia ou não qual a razão o recorrido (B) tinha transmitido a fracção em causa ao 1.º réu (D) ou se existe entre eles a intenção de compra e venda, a testemunha, por sua vez, fundamentalmente não tinha certeza se o 2.º réu (E) sabia ou não qual a razão o recorrido (B) tinha transmitido a fracção em causa ao 1.º réu (D) ou se existe entre eles a intenção de compra e venda (vd. Doc.6 – gravado em 22-Fev-2023 às 11.42.43 (4$LF74G102720319).WAV, de 0:43:00 a 0:43:28, 0:45:11 a 0:46:38, 0:47:50 a 0:48:08, 1:13:46 a 1:14:17 e 1:30:04 a 1:30:27).
14. Embora a outra testemunha (G) também tenha indicado que o 2.º réu (E) chegou a ajudar o recorrido (B)a transmitir a fracção em causa ao 1.º réu (D), a testemunha só tomou conhecimento disso através do recorrido (B) e do 1.º réu (D), a testemunha não interveio nisso (vd. Doc.8 – gravado em 22-Fev-2023 às 41.56.17 (4$LLO@NG02720319).WAV, de 0:21:07 a 0:22:10).
15. Dado que o 1.º réu (D) possui a qualidade de parte e sem qualquer fundamento, a sua alegação não deve ser considerada, bem como as testemunhas (F) e (G) não tomaram conhecimento directamente do grua de intervenção do 2.º réu (E), as testemunhas também não conseguiram fazer a descrição de forma concreta.
16. Com base nisso, entende a recorrente que os quesitos 7.º, 10.º, 11.º e 14.º do despacho de matéria de facto ora recorrido não devem ser dados como provados por falta de prova concreta.
C. Quesito 18.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
17. Inconformada com a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 18.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, a recorrente em impugná-la.
18. Embora o 1.º réu (D) tenha confessado que o recorrido (B) tinha-lhe entregado HK$600.000 em numerário no dia de celebração da escritura pública de compra e venda, o 1.º réu (D) possui a qualidade de parte e sem qualquer prova concreta para suportar, a sua alegação não deve ser considerada (vd. Doc.1 –gravado em 22-Fev-2023 às 10.35.35 (4$LD(RP102720319).WAV, de 0:04:23 a 0:04:42).
19. O recorrido (B) não apresentou qualquer prova que ele tinha entregado HK$600.000 em numerário ao 1.º réu (D), o valor de HK$600.000 é considerado como valor bastante elevado em 2010, e mais referiu o recorrido (B) que tinha exigido ao 1.º réu (D) que assinasse a declaração constante de fls. 107 dos autos, mas o recorrido (B) não exigiu ao 1.º réu (D) que assinasse a recepção de HI$600.000 ou fizesse qualquer registo da respectiva recepção e entrega, e isso é contra o senso comum.
20. A testemunha (F) só referiu sinteticamente que o recorrido (B) tinha entregado ao 1.º réu (D) HK$600.000 em numerário para que este pudesse reembolsar as dívidas a terceiro, mas a testemunha (F) não disse ter presenciado a entrega ao 1.º réu (D) de HK$600.000 em numerário por parte do recorrido (B), nem conseguiu indicar como é que o recorrido entregou tal quantia ao 1.º réu (D) (vd. Doc.6 – gravado em 22-Fev-2023 às 11.42.43 (4$LF74G102720319).WAV, de 1:07:08 a 1:07:26 e 1:10:37 a 1:10:56).
21. O recorrido (B) não apresentou qualquer prova se o 1.º réu (D) tinha utilizado a quantia de HK$600.000 entregue pelo recorrido (B) para liquidar suas dívidas devidas a terceiro.
22. Pelo que a recepção e entrega da quantia carece de prova documental e depoimento concreto.
23. Com base nisso, entende a recorrente que o quesito 18.º do despacho de matéria de facto ora recorrido não deve ser dado como provado por falta de prova concreta.
D. Quesitos 19.º, 20.º e 27.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
24. Inconformada com as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 19.º, 20.º e 27.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, a recorrente vem impugná-las.
25. O 1.º réu (D) assinou uma declaração prometendo que depois de liquidado o empréstimo do banco, iria transmitir a fracção em causa ao recorrido (B) (vd. fls. 107 dos autos)
26. A supracitada declaração só foi assinada pelo 1.º réu (D), o recorrido (B) nunca celebrou com o 1.º réu (D) o acordo simulatório.
27. Nos termos do art.º 388.º do Código Civil: dado que o recorrido (B) é um dos simuladores (não quer dizer que a recorrente admita a existência de qualquer acto simulado), na prova de existência de acordo simulatório, não se pode admitir a prova testemunhal.
28. Uma vez que não se pode admitir a prova testemunhal, não se pode levar em consideração as alegações feitas pelas testemunhas no caso, quanto a que se existe o acordo simulatório celebrado entre o recorrido (B) e o 1.º réu (D).
29. As respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 19.º e 20.º do despacho de matéria de facto ora recorrido só se basearam nas alegações das testemunhas e na declaração constante de fls. 107 dos autos, pelo que as respectivas respostas são erradas na aplicação da lei.
30. Caso V. Ex.as entendam que são admissíveis as provas testemunhais quanto a que se existe um acto simulado entre o recorrido (B) e o 1.º réu (D), a recorrente vem impugnar os seguintes:
31. Embora o 1.º réu (D) tenha confessado que a celebração da escritura pública da fracção em causa com o recorrido (B) tinha por finalidade ajudar o 1.º réu (D) a liquidar suas dividas, entre os dois não existia qualquer intenção de compra e venda (vd. Doc.1 –gravado em 22-Fev-2023 às 10.35.35 (4$LD(RP012720319).WAV, de 0:04:51 a 0:05:56), mas o 1.º réu (D) possui a qualidade de parte e sem qualquer prova concreta para suportar, a sua alegação não deve ser considerada.
32. No dia de celebração da escritura pública, o recorrido (B) e o 1.º réu (D) procederam à liquidação das despesas diversas (incluindo a contribuição predial e o foro) (vd. fls. 107v dos autos), o que fizeram justamente mostrar que, em 9 de Março de 2010, os dois tinham a intenção de compra e venda da fracção em causa, e a respectiva liquidação também reuniu a operação de compra e venda em geral.
33. Se o recorrido (B) e o 1.º réu (D) não tivessem a intenção de compra e venda da fracção em causa, fundamentalmente o recorrido e o 1.º réu não tinham que proceder à liquidação das despesas diversas da fracção em causa (incluindo a contribuição predial e o foro) (vd. fls. 107v dos autos)
34. Se ambos o recorrido (B) e o 1.º réu (D) não tivessem a intenção de compra e venda da fracçao em causa, nem tentassem enganar o Banco (Y) para que fosse concedido o empréstimo, o recorrido (B) não tinha que entregar ao 1.º réu (D) determinada quantia a cada dois meses como se tivesse que liquidar dividias junto do Banco (X); ao contrário, podia o recorrido exigir ao 1.º réu que liquidasse primeiramente ao Banco (Y) a quantia de HK$600.000 utilizada pelo 1.º réu e depois cabe ao recorrido, através da conta bancária do 1.º réu, liquidar dívidas ao Banco (Y).
35. Dai pode-se verificar que os dois tinham a intenção de compra e vinda da fracção em causa e depois de ter recebido o valor de compra de venda pago pelo 1.º réu (D), o recorrido (B) emprestou ao 1.º réu (D) a quantia de HK$600.000 e recebeu a quantia remanescente.
36. Por outro lado, consta de fls. 107 dos autos uma declaração prestada pelo 1.º réu (D), na presença de (F) como testemunha (daqui em diante “a supracitada declaração”).
37. Embora na supracitada declaração conste a data de 31 de Março de 2010, face à assinatura nela aposta pelo 1.º réu (D), só foi feito o reconhecimento presencial até 26 de Junho de 2019, ou seja, pouco antes da propositura pelo recorrido (B) da presente acção, foi feito o reconhecimento presencial da assinatura do 1.º réu (D) (vd. fls. 107 dos autos)
38. Embora a testemunha (F) tenha alegado ter presenciado a prestação da supracitada declaração pelo 1.º réu (D), a testemunha não conseguiu indicar qual o ambiente em concreto em que o 1.º réu (D) assinou a supracitada declaração ou, no fim de contas, a supracitada declaração foi assinada em 2010 ou em 2019, nem se recordou se a supracitada declaração foi entregue ao recorrido (B) (vd. Doc.6 – gravado em 22-Fev-2023 às 11.42.43 (4$LF74G102720319).WAV, de 0:46:41 a 0:47:38, 0:49:05 a 0:50:15, 0:50:43 a 0:53:02, 1:03:34 a 1:05:45 e 1:11:46 a 1:12:26).
39. A cor da caneta utilizada pela testemunha (F) na supracitada declaração não é igual à utilizada pelo 1.º réu (D) (vd. fls. 107 dos autos)
40. Já que a testemunha (F) indicou que no momento estavam presentes o recorrido (B), o 1.º réu (D) e a própria testemunha, na supracitada declaração não consta a assinatura do recorrido (B).
41. Daí pode-se verificar que o depoimento da testemunha (F) não é credível.
42. Na supracitada declaração só consta a assinatura do 1.º réu (D), mas não a do recorrido (B), pelo que, de maneira nenhuma não se pode provar que ambos o recorrido (B) e o 1.º réu (D) tenham a finalidade simulatória, no sentido de ajudar o 1.º réu (D) a contrair empréstimo junto do banco ou proceder a falsa transacção de compra e venda.
43. Além disso, na supracitada declaração também consta o conteúdo de que o 1.º réu (D) prometeu que depois de liquidada a dívida do banco, iria transmitir incondicionalmente a fracção ao recorrido (B) (vd. fls. 107 dos autos)
44. Como pai do recorrido (B), (H), ao saber que o seu filho, ou seja, o recorrido tinha transmitido a fracção em causa ao 1.º réu (D), não ficou nem um pouco nervoso, não ia procurar saber nem perguntar ao 1.º réu quando é que iria transmitir a fracção em causa ao recorrido (vd. Doc.3 – gravado em 22-Fev-2023 às 10.35.35 (4$LD(RP102720319).WAV, de 0:50:50 a 0:51:24, 1:00:57 a 1:04:57, bem como, gravado em 22-Fev-2023 às 11.42.43 (4$LF74G102720319).WAV, de 0:03:47 a 0:04:41).
45. E pior ainda, mesmo que o recorrido (B) sabia que o 1.º réu (D) tinha transmitido a fracção em causa ao 2.º réu (E), também não tomou qualquer acção concreta incluindo o envio de carta ou propositura de acção junto do tribunal, a fim de exigir ao 2.º réu que transmitisse a fracçao em causa ao recorrido; o recorrido (B) também não exigiu ao 1.º réu que prestasse auxílio para exigir ao 2.º réu a transmissão da fracção para ele.
46. A testemunha (G) só ouviu que o recorrido (B) e o 1.º réu (D) tinham referido brevemente que depois, o 1.º réu provavelmente iria transmitir a fracção ao recorrido (vd. Doc.8 – gravado em 22-Fev-2023 às 14.56.17 (4$LLO@NG02720319).WAV, de 0:28:43 a 0:29:06 e 0:31:34 a 0:31:56).
47. Em 30 de Agosto de 2011, o 1.º réu (D) já transmitiu a fracção em causa ao 2.º réu (E) (vd. fls. 108 a 112 dos autos), mas o recorrido (B) só até Julho de 2019 intentou a presente acção contra todos os réu (incluindo a recorrente).
48. Segundo a atitude laissez-faire do recorrido (B) e do seu pai (H), pode-se verificar que o recorrido (B) não se preocupou com a fracção em causa quando é que vai ser transmitida a ele, pelo que não se consegue saber se o recorrido não tinha a intenção de vender a fracção em causa ao 1.º réu ou tinha a intenção de engar o Banco (Y).
49. As respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 19.º, 20.º e 27.º do despacho de matéria de facto ora recorrido violam a regra de experiência comum, não devendo ser dadas como provadas.
E. Quesitos 26.º e 50.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
50. Inconformada com as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 26.º e 50.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, a recorrente vem impugná-las.
51. Embora o 1.º réu (D) tenha confessado que o empréstimo contraído pelo recorrido (B) junto do Banco (X) tinha sido reembolsado pelo 1.º réu, através da quantia que lhe foi concedida pelo Banco (Y), o recorrido a cada dois meses ia entregar determinada quantia ao 1.º réu para ajudá-lo a reembolsar quantia ao Banco (Y), tal como se fosse reembolsada mensalmente a quantia ao Banco (X) pelo recorrido (vd. Doc.1 – gravado em 22-Fev-2023 às 10.35.35 (4$LD(RP102720319).WAV, de 0:04:51 a 0:05:56), contudo, o 1.º réu (D) possui a qualidade da parte e sem qualquer prova concreta para suportar, a sua alegação não deve ser considerada.
52. As testemunhas (F) e (G) não sabiam se o recorrido (B) ia entregara a cada dois meses determinada quantia em numerário ao 1.º réu (D) para ajuda-lo a reembolsar quantia ao Banco (Y), tal como se fosse reembolsada mensalmente a quantia ao Banco (X) pelo recorrido (vd. Doc.6 – gravado em 22-Fev-2023 às 11.42.43 (4$LF74G102720319).WAV, de 1:10:58 a 1:11:10) e (vd. Doc.8 – gravado em 22-Fev-2023 às 14.56.17 (4$LLO@NG02720319).WAV, de 0:27:13 a 0:27~32 e 0:30:49 a 0:31:05).
53. Nos autos, não há qualquer prova documental que o recorrido (B) a cada dois meses ia entregar determinada quantia em numerário ao 1.º réu (D) para ajudá-lo a reembolsar quantia ao Banco (Y), tal como se fosse reembolsada mensalmente a quantia ao Banco (X) pelo recorrido.
54. Além do mais, o recorrido (B) não indicou qual a quantia que ia entregar ao 1.º réu (D) a cada dois meses.
55. Com base nisso, a recorrente entende que os quesitos 26.º e 50.º do despacho de matéria de facto ora recorrido não devem ser dados como provados por falta de prova concreta.
F. Quesito 76.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
56. Inconformada com a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 76.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, a recorrente vem impugná-la.
57. O 2.º réu (E), em 29 de Agosto de 2018 celebrou com a recorrente o contrato de arrendamento da fracção em causa (vd. fls. 318 dos autos) (daqui em diante “supracitado contrato de arrendamento”).
58. De acordo com a al. F) dos factos assentes, em 29 de Agosto de 2018, o 2.º réu (E) celebrou com a recorrente a escritura pública de compra e venda da fracção em causa (vd. fls. 176 a 182 dos autos).
59. Além disso, a testemunha (I) também indicou que a recorrente, após a aquisição da fracção em causa, deu de arrendamento a referida fracção ao 2.º réu (E) e lhe recebeu a renda (vd. Doc.10– gravado em 22-Fev-2023 às 09.49.35 (4)9%FBNG02720319).WAV, de 0:05:53 a 0:06:55 e 0:13:54 a 0:14:22).
60. Considera a recorrente que o Tribunal a quo, na apreciação da prova, não levou em consideração o contrato de arrendamento de fls. 318 dos autos e os depoimentos prestados pela testemunha (I).
61. Entende a recorrente que o quesito 76.º do despacho de matéria de facto deve ser dado como provado por existirem prova documental e testemunhal.
G. Quesitos 80.º e 81.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
62. Inconformada com as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 80.º e 81.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, a recorrente vem impugná-las.
63. A recorrente constituiu advogado e em 13 de Setembro de 2019 mandou carta de interpelação ao 2.º réu (E) para lhe exigir o pagamento de renda (vd. fls. 319 a 321 dos autos) e depois de frustrada a interpelação, intentou, junto do Tribunal Judicial da Base, acção de despejo contra o 2.º réu (vd. fls. 294 a 321 dos autos)
64. Considera a recorrente que, na apreciação da prova, o Tribunal a quo não analisou nem considerou de forma plena a petição inicial constante de fls. 319 a 321 dos autos e os respectivos anexos.
65. Entende a recorrente que os quesitos 80.º e 81.º do despacho de matéria de facto ora recorrido devem ser dados como provados por existir prova documental.
H. Quesito 83.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
66. Inconformada com a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 83.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, a recorrente vem impugná-la.
67. Segundo o registo predial da fracção em causa pode-se verificar que o 2.º réu (E) deveu dinheiro a (J); e além de (J), o 2.º réu, antes de vender a fracção em causa à recorrente, também deveu dinheiro a (K) (vd. fls. 56 a 88, 151 a 168 dos autos).
68. Além disso, por falta de pagamento de prestações ao (C) Ltd., ora 4.º réu por parte do 2.º réu (E), a fracção em causa também foi penhorada, e antes de a recorrente ter adquirido a fracção em causa junto do 2.º réu, o registo de penhora também pode ser visto no registo predial da referida fracção (vd. fls. 56 a 88 dos autos)
69. Isto é, antes de a recorrente ter adquirido a fracção em causa, segundo o registo predial, podia saber que o 2.º réu contraiu dívidas a outras pessoas (vd. fls. 56 a 88, 151 a 168 dos autos).
70. Indicou também a testemunha (I) que seu amigo sabia que o 2.º réu estava em emergência de dinheiro e urgiu vender a fracção em causa, oferecendo um valor mais baixo do que o de mercado, assim a testemunha apresentou à recorrente a referida fracção, e mais referiu que a recorrente tinha verificado a busca da fracção em causa (vd. Doc.10– gravado em 22-Fev-2023 às 09.49.35 (4)9%FBNG02720319).WAV, de 0:02:04 a 0:03:12, 0:07:04 a 0:07:25 e 0:07:35 a 0:08:31).
71. Quanto ao valor de compra e venda pago pela recorrente ao 2.º réu (E), alegou o 2.º réu que a recorrente emitiu uma ordem de pagamento a favor de (J) no valor de HK$1.990.000,00, tendo (J) já aceitado a referida ordem de pagamento emitida pela recorrente (vd. fls. 598 e 614 dos autos)
72. Daí pode-se verificar que a recorrente através da testemunha (I) e do registo predial da fracção em causa, tomou conhecimento de que o 2.º réu (E) estava em emergência de dinheiro e urgiu vender a fracção, oferecendo um valor mais baixo do que o de mercado; a recorrente também, conforme a instrução dada pelo 2.º réu, pagou valor parcial de compra e venda mediante a emissão da ordem de pagamento a favor de (J), credor do 2.º réu.
73. Na resposta dada ao quesito 83.º do despacho de matéria de facto, o Tribunal a quo não tomou em consideração o registo predial da fracção em causa, a ordem de pagamento emitida a favor de (J) e os depoimentos prestados pela testemunha (I).
74. Entende a recorrente que deve ser dado como provado o quesito 83.º do despacho de matéria de facto ora recorrido por existirem provas documentais e testemunhais.
I. Quesito 84.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
75. Inconformada com a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 84.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, a recorrente vem impugná-la.
76. Indicou a testemunha (I) que a recorrente ficou muito surpreendida quando recebeu a citação sobre o presente caso, mas antes disso, a recorrente nunca ouviu falar da existência do recorrido (B) e no registo predial da fracção em causa nunca consta o recorrido, também não tinha conhecimento de que existe qualquer acordo celebrado entre o recorrido (B), o 1.º réu (D) e o 2.º réu (E)(vd. Doc.10– gravado em 22-Fev-2023 às 09.49.35 (4)9%FBNG02720319).WAV, de 0:04:38 a 0:05:51).
77. Segundo a reacção da recorrente indicada pela testemunha (I) quando aquela recebeu a citação sobre o presente caso, pode-se saber que a recorrente nunca soube que o verdadeiro proprietário da fracção em causa era o recorrido (B), também não sabia que o recorrido sempre vivia na fracção e muito menos ainda a existência do recorrido, o acordo celebrado entre o recorrido, o 1.ºréu e o 2.º réu.
78. A partir do ponto de vista da recorrente, depois de a recorrente ter adquirido a fracção em causa, uma vez que o 2.º réu (E) ainda não encontrou a residência e exigiu à recorrente que lhe desse de arrendamento a fracção, e ambos celebraram o contrato de arrendamento, pelo que a recorrente sempre considerou que era o 2.º réu quem vivia na fracção mas não o recorrido, pois a recorrente nunca soube da existência do recorrido (B).
79. De acordo com as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 67.º e 68.º do despacho de matéria de facto, pode-se verificar que nunca o 2.º réu (E) disse à recorrente a situação concreta da fracção em causa (quanto ao verdadeiro proprietário da fracção e pessoa que vive nela) ou indicou a existência de qualquer situação da falsa transação entre o recorrido (B), os 1.º réu (D) e 2.º réu (E).
80. Não era possível que pudesse a recorrente saber a situação concreta da fracção em causa ou existência de qualquer situação da falsa transação entre o recorrido (B), o 1.º réu (D) e o 2.º réu (E)sem que o 2.º réu lhe tivesse contado os conteúdos acima indicados.
81. Na resposta dada ao quesito 84.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, o Tribunal a quo violou as regras de experiência comum.
82. Com base nisso, entende a recorrente que deve ser dado como provado o quesito 84.º do despacho de matéria de facto ora recorrido.
J. Quesito 85.º do despacho de matéria de facto ora recorrido
83. Inconformada com a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 85.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, vem a recorrente impugná-la.
84. De acordo com as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 67.º e 68.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, não resultou provado que a recorrente, ao saber que o recorrido (B) era o verdadeiro proprietário da fracção em causa e ali vivia, ainda insistiu em celebrar com o 2.º réu (E) a escrita pública de compra e venda.
85. Pelo contrário, segundo a testemunha (I), na aquisição da fracção em causa, a recorrente disse-lhe se o verdadeiro proprietário da fracção não era o 2.º réu (E) mas sim o recorrido (B), não arranjaria sarilhos para adquirir a fracção mesmo que o 2.º réu tivesse oferecido um valor mais baixo do que o de mercado. (vd. Doc.10– gravado em 22-Fev-2023 às 09.49.35 (4)9%FBNG02720319).WAV, de 0:05:53 a 0:06:55 e 0:13:54 a 0:14:22).
86. Com base nisso, entende a recorrente que o quesito 85.º do despacho de matéria de facto deve ser dado como provado.
2) Impugnação do despacho de alteração ora recorrido
87. O recorrido (B), o 1.º réu (D) e o 2.º réu (E) não deduziram reclamação contra o supracitado facto assente da al. M).
88. Na audiência de julgamento realizada em 22 de Fevereiro de 2023, o Tribunal a quo alterou o respectivo facto assente da al. M), passando o facto a ser o seguinte:
- M) De acordo com o contrato-promessa de compra e venda, a 3.ª ré já pagou ao 2.º réu o sinal no valor de HK$4.000.000,00 e iria pagar o valor remanescente de HK$3.800.000,00 no dia da transação de compra e venda (vd. o acima)
89. A recorrente, de imediato, já apresentou reclamação, opondo-se à alteração feita pelo Tribunal a quo, mas o Tribunal a quo manteve a alteração do facto assente da al. M).
90. Salvo o devido respeito, a recorrente vem impugnar o despacho de alteração proferido pelo Tribunal a quo.
91. Alegou o recorrido (B) no art.º 82.º da petição inicial o seguinte:
- 82. No dia de celebração do contrato-promessa de compra e venda, a 3.ª ré já pagou ao 2.º réu o sinal no valor de HK$4.000.000,00 (quatro milhões de dólares de Hong Kong) e iria pagar o valor remanescente de HK$3.800.000 (três milhões e oitocentos mil dólares de Hong Kong) no dia da transação de compra e venda (vd. fls. 19 a 21 do Doc.41)
92. Uma vez que o recorrido (B), na petição inicial, já indicou o facto de a recorrente ter pago o valor de quatro milhões de dólares de Hong Kong (HK$4.000.000,00), a recorrente não impugnou tal facto na contestação.
93. Pelo que, o Juiz responsável pelo caso também considerou como facto assente o que alegou o recorrido (B) no art.º 82.º da petição inicial (al. M), também reúne o princípio dispositivo previsto no art.º 5.º do Código Civil.
94. O que o Tribunal a quo alterou o facto assente da al. M) do despacho saneador proferido em 5 de Fevereiro de 2021 pelo Juiz responsável pelo caso fez com que a recorrente não conseguisse impugnar tal facto na contestação, prejudicando o direito da recorrente à impugnação e violando o princípio dispositivo previsto no art.º 5.º do Código Civil.
95. Com base nisso, entende a recorrente que deve ser mantido o facto assente da al. M) do despacho saneador proferido em 5 de Fevereiro de 2021 pelo Juiz responsável.
3) Quanto à sentença recorrida
A) Inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé
96. Salvo o devido respeito, a recorrente considera que a sentença recorrida padece do vício de errada aplicação da lei.
97. De acordo com a certidão de registo predial da fracção em causa (fls. 56 a 88 dos autos), antes de vender a fracção à recorrente, o proprietário da fracção em causa era o 2.º réu (E), tendo a recorrente adquirido de forma onerosa a fracção em causa do titular aparente, ora 2.º réu.
98. Na aquisição da fracção em causa, o recorrido (B) ainda não fez o registo da acção de simulação, a recorrente não é terceira de má fé.
99. Afirma o Dr. Carlos Alberto da Mota Pinto que o conceito de boa fé refere-se ao desconhecimento do acto simulado na aquisição do respectivo direito, o mero conhecimento ou suspeita de possível existência do acto simulado não é suficiente para constituir a má fé; em relação à má-fé do simulador, mesmo que o adquirente tivesse conhecimento ou suspeita de possível existência do acto simulado na aquisição do respectivo direito, o adquirente só cometeu uma “negligência desculpável” (pecados veniais)
100. Segundo as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 67.º e 68.º do despacho de matéria de facto ora recorrido, pode-se saber que o 2.º réu (E) nunca disse à recorrente a situação concreta da fracção em causa (quanto ao verdadeiro proprietário da fracção e pessoa que vive nela) ou indicou a existência de qualquer situação da falsa transação entre o recorrido (B), os 1.º réu (D) e 2.º réu (E).
101. Não era possível que pudesse a recorrente saber a situação concreta da fracção em causa (quanto ao verdadeiro proprietário da fracção e pessoa que vive nela) ou existência de qualquer situação da falsa transação entre o recorrido (B), o 1.º réu (D) e o 2.º réu (E)sem que o 2.º réu lhe tivesse contado os conteúdos acima indicados.
102. Se V. Ex.as concordarem com o despacho saneador proferido em 5 de Fevereiro de 2021 pelo Juiz responsável pelo caso, devem manter o facto assente da al. M), e em conjugação com o facto da al. P), a recorrente já pagou integralmente o valor ao 2.º réu (E)para adquirir a fracção em causa.
103. Se V. Ex.as considerem que deve ser mantido o despacho de alteração recorrido, segundo constam de fls. 598 e 614 dos autos, o 2.º réu (E), no dia de celebração do contrato-promessa de compra e venda, já declarou ter recebido o sinal de HK$4.000.000 pago pela recorrente, no qual, tendo a recorrente emitido uma ordem de pagamento no valor de HK$1.990.000 a favor de (J) para servir do sinal a pagar ao 2.º réu para adquirir a fracção em causa (vd. fls. 598 dos autos). (J) já aceitou a respectiva ordem de pagamento (vd. fls. 614) e o 2.º réu já recebeu o valor remanescente em numerário (vd. fls. 598 dos autos).
104. Nos autos, o recorrido nunca questionou se a recorrente não tinha pago ao 2.º réu (E) o sinal de HK$4.000.000.
105. E o valor remanescente já foi pago pelo (C) Ltd., ora 4.º réu, mediante o empréstimo que à recorrente tinha sido concedido, conforme indicado no facto assente da al. P).
106. Face ao acto de compra e venda, a recorrente já pagou o imposto de selo sobre a transação junto da Direcção dos Serviços de Finanças (vd. fls. 290 a 293 dos autos).
107. Daí pode-se saber que é real o acto de compra e venda feito entre a recorrente e o 2. réu (E), como a recorrente já pagou integralmente ao 2.º réu o valor acordado, sendo a sua aquisição de forma onerosa.
157. (sic.) A recorrente é terceira de boa fé.
159. (sic.) Nos termos do art.º 235.º do Código Civil, a nulidade proveniente do acto simulado praticado entre o recorrido (B)e o 1.º réu (D) não é oponível à recorrente.
108. Com base nisso, entende a recorrente que a sentença recorrida erradamente aplicou a lei, devendo ser revogada.
B) Abuso do direito
109. Indica a sentença recorrida que, nos termos do disposto no Código Civil, não se impede ao recorrido (B) a invocação da existência de simulação, pelo que a invocação de simulação por parte do recorrido não conduziu ao abuso de direito.
110. Salvo o devido respeito, a recorrente não se conforma com isso.
111. O recorrido (B) pode, contra o outro simulador, ou seja, o 1.º réu (D), invocar a nulidade do acto de compra e venda pela transmissão da fracção em causa.
112. Mas o art.º 234.º do Código Civil não dispõe que o recorrido (B), como um dos simuladores, pode invocar a simulação contra o 2.º réu (E), a recorrente e o 4.º réu (C), Ltd. que não são simuladores.
113. O próprio recorrido (B) tinha acordo antes com o 1.º réu (D) para praticar o acto simulado (isto não quer dizer que a recorrente admita a existência de acordo simulatório entre os dois), bem como o recorrido sabia que o 1.º réu já tinha transmitido a fracção em causa ao 2.º réu (E).
114. Supõe-se que o recorrido (B) tenha feito um acordo simulatório com o 1.º réu (D) e combinado quando o 1.º réu liquidasse o empréstimo do Banco (Y), iria transmitir a fracção em causa ao recorrido, na verdade, o empréstimo do Banco (Y) já foi liquidado integralmente em 30 de Agosto de 2011, mas o 1.º réu ainda não transmitiu a fracção ao recorrido; ao mesmo tempo, ao saber a liquidação integral do empréstimo concedido pelo Banco (Y), o recorrido também não exigiu ao 1.º réu que lhe transmitisse a fracção.
115. Desde a prática do acordo simulatório entre o próprio recorrido (B) e o 1.º réu (D) (isto não quer dizer que a recorrente admita a existência do acordo simulatório entre os dois) até à propositura da presente acção pelo recorrido em 29 de Julho de 2019, já decorreram 9 anos, não tendo o recorrido, durante esse período, intentado acção contra os 1.º réu (D) e 2.º réu (E), mas veio a intentar a acção, depois de feitas várias transacções de compra e venda, o acto praticado pelo recorrido é “venire contra factum proprium”, destruindo a estabilidade das transacções de mercado.
116. Quer dizer a propositura da presente acção por parte do recorrido (B) é um abuso de direito previsto no art.º 326.º do Código Civil, tendo exercido ilegitimamente o direito, não pode o recorrido, invocando a nulidade de simulação, intentar a presente acção contra a recorrente, devendo o direito da recorrente ter prioridade sobre o do recorrido.
117. Com base nisso, entende a recorrente que a sentença recorrida erradamente aplicou a lei, devendo ser revogada.
Pelo acima exposto, roga-se a V. Ex.as que se dignem
1. Admitir o presente recurso nos termos da lei;
2. Julgar procedente o recurso: e
3. Declarar:
a) Revogação do despacho de matéria de facto ora recorrido, quanto às respostas dadas aos quesitos 5.º, 7.º, 10.º, 11.º, 14.º, 18.º a 20.º, 26.º e 27.º, 50.º, 76.º, 80.º, 81.º, 83.º, 84.º e 85.º da base instrutória do despacho saneador, procedendo à alteração seguinte:
- Quesito 5.º: Dado que o autor, em 2008. contraiu empréstimo junto do Banco (X) e que tinha um vencimento relativamente mais baixo, o autor não conseguiu pedir, junto do mesmo banco, o empréstimo garantido por segunda hipoteca para ajudar o 1.º réu a liquidar suas dívidas?
Não ficou provado.
- Quesito 7.º: O autor e o 1.º réu solicitaram parecer junto ao 2.º réu quanto à matéria de solução das dívidas.
Não ficou provado.
- Quesito 10.º: O 2.º réu sugeriu ao autor e ao 1.º réu que o autor transmitisses a fração ao 1.º réu por via de falsa compra e venda para que o 1.º réu pudesse utilizar a fracção para contrair empréstimo junto do banco, de tal modo a liquidar as dívidas a terceiro?
Não ficou provado.
- Quesito 11.º: A fim de ajudar o 1.º réu a resolver as dificuldades financeiras, o autor aceitou a sugestão dada pelo 2.º réu?
Não ficou provado.
- Quesito 14.º: Pelo que o 2.º réu tinha perfeito conhecimento do pormenor da transacção da fracção feita entre o autor e o 1.º réu?
Não ficou provado.
- Quesito 18.º: No mesmo dia, o autor também levantou HK$880.000,00 em numerário e entregou ao 1.º réu HK$600.000,00 para que este pudesse reembolsar directamente as dívidas contraídas a terceiro?
Não ficou provado.
- Quesito 19.º: Embora o autor e o 1.º réu tenham celebrado a escritura pública de compra e venda indicada na al. C) dos factos assentes, o 1.º réu não tinha a intenção de adquirir a fracção e o autor também não tinha a intenção de vendê-la, a finalidade de ambos só era para ajudar o 1.º réu a utilizar a fracção para contrair empréstimo junto do banco?
Não ficou provado.
- Quesito 20.º: O acordo celebrado entre o autor e o 1.º réu é um acordo com intenção de enganar o Banco (Y)?
Não ficou provado.
- Quesito 26.º: Dado que o crédito do autor foi reembolsado mediante o empréstimo contraído pelo 1.º réu junto do Banco (Y), o 1.º réu, sub-rogar, obteve o crédito do Banco (X) sobre o autor, mas como a compra e venda feita entre o autor e o 1.º réu não era uma transação real, o autor a cada dois meses ia pagar ao 1.º réu em numerário para ajudar o 1.º réu a pagar prestações junto do Banco (Y), operação esta feita tal como se fosse reembolsada mensalmente a quantia ao Banco (X) pelo autor?
Não ficou provado.
- Quesito 27.º: A fim da apurar a verdadeira propriedade da fracção, em 31 de Março de 2010, na presença de (F) como testemunha, o 1.º réu assinou uma declaração donde constando que o 1.º réu exigiu ao autor que emprestasse a fracção ao 1.º réu, a fim de contrair empréstimo junto do banco e prometeu que iria transmitir incondicionalmente a fracção ao autor?
Não ficou provado.
- Quesito 50.º: Depois de os 1.º e 2.º réus terem celebrado a escritura pública de compra e venda indicada na al. F) dos factos assentes, o 1.º réu não contou imediatamente ao autor a matéria de transmissão da fracção, pelo que o autor ainda de dois em dois meses pagou ao 1.º réu em numerário para servir de pagamento de prestações junto do banco?
Não ficou provado.
- Quesito 76.º: Depois de ter celebrado com o 2.º réu a respectiva escritura pública de compra e venda e hipoteca, a 3.ª ré imediatamente celebrou com o 2.º réu o contrato de arrendamento (daqui em diante “contrato de arrendamento”), dando de arrendamento a fracção ao 2.º réu, com prazo de arrendamento de 30 de Agosto de 2018 a 29 de Agosto de 2019, não renovável automaticamente decorrido o prazo de arrendamento, e depois deve o 2.º réu restituir a fracção à 3.ª ré?
Provado.
- Quesito 80.º: Decorrido o prazo de arrendamento, o 2.º réu não restituiu a fracção à 3.ª ré conforme estipulado no supracitado contrato de arrendamento, nem lhe pagou qualquer renda?
Provado.
- Quesito 81.º: Pelo que a 3.ª ré constitui advogado e mandou carta ao 2.º réu no sentido de exigir-lhe que confirmasse a intenção de continuidade de tomar de arrendamento a fracção ou restituísse a fracção à 3.ª ré caso não mostrasse tal intenção?
Provado.
- Quesito 83.º: Se a 3.ª ré tomou conhecimento, através do seu amigo, de que o 2.º réu necessitava de dinheiro e portanto, urgiu vender a supracitada fracção?
Provado.
- Quesito 84.º: A 3.ª ré nunca soube que o autor era verdadeiro proprietário da supracitada fracção, nem saiba que o autor sempre vivia na fracçao e muito menos ainda o acordo celebrado entre o autor e os 1.º e 2.º réus?
Provado.
- Quesito 85.º: Se a 3.ª ré soubesse que o autor era o verdadeiro proprietário da referida fracção e ali sempre vivia, não arranjaria sarilhos para adquirir a supracitada fracção mesmo que o 2.º réu tivesse oferecido um valor mais baixo do que o de mercado?
Provado.
b) Revogar o despacho de alteração ora recorrido, mantendo o seguinte facto assente da al. M) do despacho saneador proferido em 5 de Fevereiro de 2021 pelo Juiz responsável pelo presente caso:
- M) No dia de celebração do contrato-promessa de compra e venda, a 3.ª ré já pagou ao 2.º réu o sinal no valor de HK$4.000.000,00 e iria pagar o valor remanescente de HK$3.800.000 no dia da transação de compra e venda (vd. o acima)
c) Revogar a sentença ora recorrida, declarando improcedentes os pedidos formulados pelo recorrido contra todos os réus (incluindo a recorrente).
4. Condenar o recorrido (B)(autor) a pagar a taxa de justiça e os custos judiciais, bem como os honorários do presente recurso.
Pelo Autor/Recorrido foi apresentada contra-alegações com a seguintes conclusões:
I. A recorrente inconformada com a sentença de acção ordinária de declaração sob o n.º CV2-19-0090-CAO, do Tribunal a quo, interpôs o presente recurso.
II. A recorrente apresentou na sua alegação de recurso as seguintes três partes principais:
a) O despacho de factos materiais provados recorrido enferma dos vícios de omissão na apreciação da prova e violação do princípio de regras da experiência comum;
b) A alteração do despacho recorrido violou aos princípios da parte e do contraditório;
c) A decisão recorrida enferma do vício de erro na aplicação de direito no julgamento.
III. Salvo o devido respeito pela opinião diferente, o recorrido não concordava com o entendimento da recorrente e que, vem, opor com os seguintes fundamentos.
A. Contra o despacho de factos materiais provados recorrido, enferma dos vícios de omissão na apreciação da prova e violação do princípio de regras da experiência comum, invocado pela recorrente
IV. A recorrente entende que o artigo 5.º do despacho de factos materiais provados recorrido, constava falta de prova, assim, não devia ser provado.
V. Mas, de acordo com a resposta constante no ofício da Direcção dos Serviços de Finanças, lavrado nas fls. 426 dos autos, indicava bem que o rendimento do recorrido, durante o ano de 2010, era somente MOP85.213,00, ou seja, MOP 7.101,00 por mês.
VI. Mesmo que todas as testemunhas e os depoimentos de parte não tivessem alegados o respectivo assunto, pode também o Tribunal a quo conjugar-se as provas documentais e através dos factos a presumir e provar o facto por provar acima referido.
VII. Pelo que seja diferente a da invocada por recorrente que não havendo qualquer prova que comprovava o facto do artigo 5.º constante do despacho de factos materiais recorrido, aliás, não tinha violado qualquer princípio de prova legal, pois, deve ser considerado como provado o facto acima referido.
VIII. A recorrente entende que os artigo 7.º, 10.º, 11.º, 14.º, 18.º-20.º, 26.º-27.º, 50.º do despacho de factos materiais provados recorrido, constavam faltas de provas, assim, não deviam ser provados.
IX. Em primeiro lugar, a recorrente julga que o depoimento de parte do 1.º réu seja inadmissível.
X. Não tendo o legislador o intuito de aproveitar o artigo 346.º, n.º 2 do Código Civil a limitar o princípio de livre convicção dos tribunais na apreciação das respectivas confissões.
XI. Aliás, neste caso, o Tribunal a quo não ponderou apenas o depoimento de parte do 1.º réu, mas, sim, foi ponderado, complexamente, conforme as várias provas documentais constantes dos autos, como base fundamental das provas objectivas, mais, integrado os depoimentos das diversas testemunhas, que comprovando entre eles, conclui-se que sejam como provados os aludidos factos por provar.
XII. A recorrente concentrava em salientar, parcialmente, o depoimento de parte do 1.º réu, não ligando e negando as outras provas documentais constantes dos autos integrais, bem como o entendimento lógico e as provas probatórias dos depoimentos de outras testemunhas, essa conduta é sem fundamento.
XIII. Em segundo lugar, a recorrente julga que o Tribunal a quo violou o princípio de prova legal na apreciação das provas visadas, sendo impossível através das testemunhas a provar a simulação.
XIV. Na jurisprudência afirma também que as testemunhas são uma das provas para provar o negócio simulado.
XV. Constavam vulgarmente nas doutrinas a opinião de: a pessoa que invoque simulação com falta ou não de encontra munido de uma prova escrita suficiente sobre o facto de simulação, deve a lei admitir excepcionalmente as testemunhas, pelo contrário impedindo saber a verdade dos factos, pelo que deve ser interpretada restritivamente nos termos do artigo 388.º, n.º 2 do Código Civil.
XVI. Neste caso, tendo o recorrido já apresentado os documentos juntos anexados na petição inicial, como provas documentais que invocam a existência de negócio simulado.
XVII. Tanto o depoimento de parte do 1.º réu, bem como os depoimentos das testemunhas sirvam meramente para intensificar que entre os autor e réu não efectuaram qualquer declaração de vontade, e não violaram ao abrigo do artigo 388.º, n.º 2 do Código Civil.
XVIII. Salvo o melhor respeito, perante as diferentes dúvidas apresentadas por recorrente, o recorrido entende que todas essas questões da recorrente, estão a duvidar apenas a livre convicção feita por Meritíssimo Juiz, o que não reflectiam qual era o erro notório na apreciação das provas feita por Juízo a quo. O erro notório inclui a violação de regras na apreciação das provas e provas probatórias, enquanto a convicção dos tribunais é uma lógica de compatibilidade entre as regras da experiência da vida e as coisas.
XIX. Em suma, o recorrido julga que não havendo basicamente os fundamentos apresentados por recorrente e que esses fundamentos são insuficientes a sustentar para efectuar qualquer alteração por si requerida.
XX. A recorrente entende que os artigo 76.º, 80.º, 81.º, 83.º, 84.º, 85.º, do despacho de factos materiais provados recorrido, enfermam dos vícios de omissão na apreciação das provas, assim, não deviam ser provados.
XXI. De facto, tendo o Tribunal a quo já bem esclarecido no despacho de factos materiais provados que tinha sido ponderado as respectivas provas documentais e testemunhais, fazendo com que provasse os respectivos factos.
XXII. A recorrente manifestava com discordância aos factos provados por Tribunal Colectivo, a fim de tentar duvidar a livre convicção do juiz, as dúvidas contra a convicção objectiva, lógica e as leges artis, formada por Tribunal a quo, não são permitidas por lei, pois, não reunindo ao princípio da livre apreciação das provas, nos termos do artigo 558.º do Código de Processo Civil.
XXIII. Contudo, salvo o melhor respeito, o recorrido entende que todas essas questões da recorrente, duvidavam apenas a convicção feita por Meritíssimo Juiz, os factos entendidos por Tribunal a quo, não tinha violado ao princípio das provas legais, o ponto de vista da recorrente é improcedente.
B. Relativamente a impugnação levantada contra a alteração do despacho recorrido, constante da petição inicial da recorrente
XXIV. Em primeiro lugar, o recorrido julga que se pretendesse impugnar a decisão do Tribunal a quo, deve, dentro do prazo legal, apresentar recurso contra a supra decisão do aludido douto Tribunal a quo.
XXV. Dado que não havendo recurso apresentado, dentro do prazo legal, contra a supra alteração de alínea M) de Factos Assentes, assim, a actual impugnação da recorrente contra a respectiva decisão encontrava-se fora do prazo, pelo que requer-se ao Venerando Juiz que não aprecie a questão levantada por recorrente.
XXVI. Mesmo que o Venerando Juiz entendesse em diferente, ou seja, entendendo que a recorrente poderia impugnar-se a supra decisão proferido por Presidente do Tribunal Colectivo no presente recurso, mas o recorrido julgava que caiba ao Presidente do Tribunal Colectivo o direito para a respectiva alteração dos factos assentes do despacho saneador.
XXVII. Neste caso, de acordo com a acta de audiência de julgamento, constante de fls. 590 a 595 dos autos, o Presidente do Tribunal Colectivo efectuou apenas o esclarecimento correspondente e a recificação à alínea M) de Factos Assentes, que não excedeu a competência do Presidente do Tribunal Colectivo, nos termos do artigo 553.º, n.º 2, alínea f) do Código de Processo Civil.
XXVIII. Tendo a recorrente apresentada ao Tribunal a quo as correspondentes provas documentais (constantes de fls. 596 a 598 dos autos), na sequência dela se tinha pagada ou não o sinal ao 2.º réu, pois, exerceu-se o seu direito de ónus da prova.
XXIX. Pelo que a decisão proferida por Tribunal a quo não tinha prejudicado o direito de impugnação da recorrente, nem violado ao princípio dispositivo.
C. Contra a decisão recorrida enferma do vício de erro na aplicação de direito no julgamento, invocada por recorrente
XXX. A recorrente entende que a sentença recorrida enferma do vício de erro na aplicação de direito, a mesma pertencia terceira de boa fé, pelo que o negócio simulado entre os recorrido e 1.º réu não pode ser contra a terceiros de boa fé.
XXXI. De acordo com os esclarecimentos feitos nos Acórdão n.º 69/2014, do Tribunal Colectivo, do Tribunal de Última Instância de Macau e Acórdão do Processo n.º 99A841, do Tribunal Colectivo, do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, ora caso, o facto de simulação invocado por recorrido neste processo reúne natureza do facto constitutivo, pelo que deve caber o recorrido fazer a prova; caso contrário, o facto de terceiro de boa fé envolvido no negócio de compra e venda deste processo seja integrado na excepcão peremptória, pois, devendo a recorrente fazer a prova, por o aludido facto pertence um facto impeditivo neste ora caso.
XXXII. A recorrente para que seja garantida nos termos do artigo 235.º do Código Civil, tem que ser obrigatoriamente apresentar e provar que na altura de celebração da escritura pública de compra e venda do respectivo imóvel com o 2.º réu, desconheça que constava a simulação, porque a sua boa fé declarada, impede a concreta efectivação e execução do direito invocado por autor, bem como anulando o efeito do respectivo negócio jurídico, por isso, deve a recorrente responsabilizar em apresentar e provar o aludido facto impeditivo do direito, nos termos do artigo 335.º, n.º 2 do Código Civil.
XXXIII. O recorrido concordava totalmente com a descrição, constante de fls. 29 a 30, do despacho de factos materiais provados do Tribunal a quo, pois, constavam diversos pontos anormais e injustificáveis, a recorrente nunca chegou a ter fornecida os respectivos comprovativos.
XXXIV. A recorrente não conseguia provar o seu desconhecimento da simulação existente na determinação do negócio jurídico, assim sendo, como o incumprimento de ónus da prova, deva ela aceitar a decisão desfavorável contra si.
XXXV. Em segundo lugar, a recorrente julga que a nulidade da simulação invocada nesta acção, levantada por recorrido, pertença um abuso do poder, sucede que entendesse com erro na aplicação de direito na decisão recorrida, pelo que deve ser revogada.
XXXVI. Sendo o negócio simulado praticado por recorrido e 1.º réu ter sido decorrido quanto tempo, desde a sua prática até ao presente, o recorrido nunca teve o intuito em vender a fracção, o mesmo é evidentemente interessado da fracção, assim, fazendo com que tivesse legitimidade contra a nulidade do negócio simulado, invocada por 2.º réu e recorrente.
XXXVII. O abuso do direito, nos termos do artigo 326.º do Código Civil, significa que quando um sujeito que goze o exercício dos seus direitos, embora a sua forma não ter violada as normas legais específicas, mas o seu exercício do direito violava manifestamente o princípio de boa fé, o bom costume ou afastava o objectivo social ou económica pretendido pelo legislador na disposição do aludido direito, sendo assim, um exercício indevido do direito, isto é, o abuso do direito. O título executivo da presente execução, indicado no artigo 38.º de alegações de recurso, mostrava-se meramente “Grupo X”, mas, era de conhecimento público que a própria sala VIP “X”, não reúne qualidade de personalidade jurídica, não podendo ser o sujeito da respectiva relação de crédito, pelo que na discussão da questão sobre o devedor de obrigação visada, tem que encontrar o sujeito da relação jurídica que tinha concedido o montante do respectivo contrato de crédito, isto é, o concreto mutuante.
XXXVIII. O abuso do direito é um dos tipos traduzidos do princípio de boa fé e concretiza-se através do princípio de protecção da confiança.
XXXIX. Conforme a opinião do académico de Portugal, Menezes Cordeiro, não tendo a recorrente chegada a fornecer qualquer facto que mostre o recorrido ter aplicado acto concreto que permita a constituição de relação da confiança das partes, fazendo com que a recorrente acreditasse que o autor não se aplicaria o acto de venire contra factum proprium a deteriorar as suas expectativas positivas criadas.
XL. Ademais, como a opinião constante da decisão recorrida do Tribunal a quo, “Para o efeito de equilíbrio do interesse, o Código Civil estipulou os artigos 284.º e 235.º como as duas circunstâncias excepcionais dos princípios gerais do artigo 282.º, a fim de proteger o direito do adquirente de boa fé na transacção superveniente. Por palavras simples, para o efeito dos princípios gerais, caso o titular de aquisição de direito não conseguir provar a sua boa fé em superveniente, assim, implicará a nulidade da sua aquisição superveniente. Neste caso, é impossível a 3.ª ré provar a sua boa fé, aliás, os factos provados ora caso também não conseguiam mostrar que o autor (apesar de ser interveniente da simulação de transacção, mas a lei não proibia que o mesmo invoque a nulidade da simulação), durante o exercício do seu direito através da presente acção, constava o abuso do poder ou a violação notória de boa fé, nos termos do artigo 326.º do Código Civil, essa excepção da 3.ª ré é improcedente.”
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Do Recurso interlocutório interposto pelo 4º Réu.
Configurando estes autos no que aos Réus concerne uma situação de litisconsórcio necessário, os Recursos interpostos aproveitam aos compartes – nº 1 do artº 588º do CPC -.
O provimento do recurso pode ter influência no exame ou decisão da causa se vier a ser provido – nº 3 do artº 628º do CPC -.
Destarte, impõe-se conhecer do mesmo.
Se bem entendemos as alegações do 4º Réu vem este sustentar que a confissão do 1º Réu sobre os factos relativamente aos quais foi pedido o seu depoimento não lhe são desfavoráveis e, não lhe são desfavoráveis porque o retorno do bem à titularidade do Autor não belisca os interesses do 1º Réu dado que os objectivos conseguidos com a simulação que era o 1º Réu aceder a um financiamento já foram conseguidos e saldados e sendo o negócio simulado nulo o regresso do bem à titularidade do Autor não é contrário aos interesses do 1º Réu.
Diríamos até, que em sede de alegações de recurso o 4º Réu quase confessa reconhecer a simulação entre o Autor e o 1º Réu.
Pelo caminho invoca que a procedência da invocada nulidade é prejudicial aos seus interesses uma vez que daí poderá resultar a nulidade do negócio consigo celebrado.
Invoca também a impossibilidade da prova testemunhal em sede de acções de simulação.
Começando pelo fim, a questão dos meios de prova para convencer da veracidade dos factos sendo a causa de pedir a simulação do negócio é matéria a ser apreciada em sede de impugnação da matéria de facto e, ou da legalidade da decisão que venha a ser proferida.
Não se descurando a exigência da necessidade de prova documental a prova testemunhal segundo a jurisprudência maioritária não está proibida havendo aquela outra.
Quando à possibilidade do depoimento de parte este terá de ser apreciado em face do disposto no artº 477º do CPC e seguintes.
Já discorreu o Recorrente o suficiente sobre o propósito do depoimento de parte ser a confissão e que esta só é admissível quanto a factos que lhe são desfavoráveis.
Tem também razão o Recorrente quando invoca que se o 1º Réu confessar os factos que integram a simulação isso vai prejudica-lo a si porque daí poderá resultar a nulidade do negócio consigo celebrado.
Mas já não tem razão quando invoca ser irrelevante para o 1º Réu o resultado da acção.
Se tivesse havido apenas um negócio simulado o bem estaria ainda em nome do 1º Réu e a única maneira do Autor reaver o que diz ser seu era através da declaração de nulidade da simulada venda.
Dúvidas não há que não reconhecendo o 1º Réu a titularidade do Autor quanto ao bem lhe são desfavoráveis os factos de onde resulta a simulação.
No caso em apreço segundo se alega não houve apenas um negócio simulado mas quatro.
Logo, todos os factos de onde resulta a simulação são desfavoráveis ao 1º Réu que assim terá vendido coisa que sabia não ser sua caso a simulação quanto a si se venha a provar.
Destarte, não assiste razão ao Recorrente sendo improcedentes as conclusões de recurso, nada havendo a apontar ao despacho que deferiu o depoimento de parte do 1º Réu, impondo-se decidir em conformidade.
Do Recurso interposto da decisão final.
Vem a 3ª Ré interpor recurso da decisão final.
Nas suas alegações e conclusões de recurso vem a 3ª Ré:
- Impugnar o despacho de alteração da redacção da alínea M) dos factos assentes;
- Impugnar a decisão da matéria de facto quanto aos itens 5º, 7º, 10º, 11º, 14º, 18º a 20º, 26º, 27º, 50º, 76º, 80º, 81º, 83º, 84º e 85º da Base Instrutória.
- Erro na aplicação de direito por inoponibilidade da simulação a terceiros de boa-fé e abuso de direito do Autor.
Atacando-se a decisão sobre a matéria de facto é por aí que iniciamos a apreciação do recurso pois depende desta a solução de direito a seguir.
Da impugnação do despacho de alteração da redacção da alínea M dos factos assentes.
No artº 82º da p.i. dizia-se que:
«No dia de celebração do contrato-promessa de compra e venda, a 3.ª Ré já pagou ao 2.º réu o sinal no valor de HK$4.000.000,00 (quatro milhões de dólares de Hong Kong) e iria pagar o valor remanescente de HK$3.800.000,00 (três milhões e oitocentos mil dólares de Hong Kong) no dia da transação de compra e venda (vd. fls. 19 a 21 do Doc.41).» Veja-se fls. 8 e 222v.
Este facto não foi contestado e como tal foi levado à alínea M) dos factos assentes – cf. fls. 353v.
Entendeu-se no despacho recorrido alterar a redacção desta alínea para:
«De acordo com o contrato-promessa de compra e venda, a 3.ª ré já pagou ao 2.º réu o sinal no valor de HK$4.000.000,00 e iria pagar o valor remanescente de HK$3.800.000,00 no dia da transação de compra e venda (vd. o acima)».
Porém, a diferença entre a primitiva redacção e segunda é que da primeira resulta que a 3ª Ré pagou HKD4.000.000,00 e da segunda resulta que o Contrato de Promessa de Compra e Venda diz que pagou, sendo que, vai uma grande diferença entre dizer-se que está pago e que há um documento que refere que foi pago.
De acordo com o princípio do dispositivo cabe às partes escolher os factos que invocam e a forma como o fazem em vista do reconhecimento do seu direito.
Em momento algum se invocou a versão que foi introduzida em sede de audiência de julgamento.
O facto tal como foi invocado na p.i. não foi contestado com todas as consequências que daí possam resultar.
Destarte, carece de fundamento a alteração introduzida impondo-se revogar o despacho recorrido mantendo a redacção da alínea M) dos factos assentes na sua versão original.
Da impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos itens 5º, 7º, 10º, 11º, 14º, 18º a 20º, 26º, 27º, 50º 76º, 80º, 81º, 83º, 84º e 85º da Base Instrutória.
A matéria de facto em causa já se mostra sobejamente reproduzida supra.
É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto:
«Quanto ao depoimento de parte do 1º Réu e do 3º Réu, e aos depoimentos das testemunhas, cumpre analisar as seguintes duas questões:
-1. In casu, entre os demandados há litisconsórcio necessário, e a validade, da compra e venda entre o 2º Réu e o 3º Réu e da hipoteca entre o 3º Réu e o 4º Réu, pode ser prejudicada pela conclusão referente à validade dos negócios jurídicos entre o Autor e o 1º Réu, e entre o 1º Réu e o 2º Réu. Nesta circunstância, ao abrigo dos dispostos no art.º 346.º, n.º 2 do Código Civil, o depoimento de parte, do 1º Réu e do 3º Réu, não tem força probatória plena.
Porém, ainda cumpre analisar se as declarações prestadas pelos dois Réus acima referidos não têm qualquer valor probatório, ou ainda podem ser apreciadas pelo tribunal de acordo com o princípio da livre convicção.
No caso do 3º Réu, a legitimidade dele para constituir hipoteca a favor do 4º Réu depende da manutenção da sua qualidade de proprietário, pelo que os factos reconhecidos pelo 3º Réu, ainda que não o favoreçam, não têm força probatória plena. No entanto, o depoimento de parte do 3º Réu respeita, obviamente, a factos desfavoráveis ao 3º Réu, e pode o tribunal, nos termos do art.º 354.º do Código Civil, apreciar as respectivas declarações em conformidade com o princípio da livre convicção.
Quanto ao 1º Réu, o despacho constante das fls. 393v e 394 dos autos já procedeu à análise conforme o art.º 345.º do Código Civil, e reconheceu que ao 1º Réu é exigível prestar depoimento de parte sobre os quesitos. Dito por outra palavra, o referido despacho reconheceu que os respectivos quesitos respeitaram a factos favoráveis ao Autor mas desfavoráveis ao 1º Réu. E é de manter tal reconhecimento antes de ser ilidido o respectivo despacho.
Importa ainda mencionar que, este Tribunal concorda que os quesitos enumerados (ou pelo menos, parte dos mesmos) nas fls. 393v e 394 dos autos respeitam a factos desfavoráveis ao 1º Réu. Damos aqui um exemplo para justificar o nosso entendimento: supõe-se que foi simulado o negócio entre o Autor e o 1º Réu, e o 1º Réu, sem comunicar ao Autor, fez negócio com o 2º Réu, e fraudou o 2º Réu, ou dito por outra palavra, supõe-se que o 2º Réu acreditou na validade do negócio entre ele e o 1º Réu. Nesta hipótese, quando o 1º Réu preste depoimento de parte, uma das possibilidades é o 1º Réu alegar ser simulado o negócio realizado com o Autor, mas ao mesmo tempo, admitir que ocultou o facto ao Autor e fraudou o 2º Réu. Neste caso, o 1º Réu reconhece uns factos que lhe sejam manifestamente desfavoráveis, uma vez que com base nos factos reconhecidos por ele (ocultou o facto ao Autor e fraudou o 2º Réu), é provável que o 2º Réu, perante a declaração de nulidade do negócio (entre o 1º Réu e o 2º Réu), exija ao 1º Réu a restituição do preço de venda e a indemnização. O referido exemplo visa demonstrar que, no caso vertente, não é possível afirmar, antes do depoimento de parte prestado pelo 1º Réu, que todos os quesitos enumerados nas fls. 393v e 394 dos autos não respeitam a factos desfavoráveis ao 1º Réu.
No que diz respeito ao depoimento concretamente prestado pelo 1º Réu na audiência, por ter conteúdo desfavorável ao 1º Réu, pode ser apreciado pelo tribunal de acordo com o princípio da livre convicção, conforme o art.º 354.º do Código Civil, como sucedeu no caso do 3º Réu. Além disso, o 1º Réu só interveio na acção na qualidade de réu e não apresentou a sua própria petição, pelo que, do seu depoimento não constam factos que lhe sejam favoráveis (supõe-se que há opinião contrária, segundo a qual as declarações contêm factos que favorecem o 1º Réu, ainda pode o tribunal, de acordo com o princípio da livra convicção, apreciar os mesmos factos, complementares ou instrumentais, em conjugação com outras provas constantes dos autos – cfr., neste sentido e na perspectiva do direito comparado, o Ac. STJ, proc. n.º 5419/17.5T8BRG.G1-A.S1, de 2022-06-21, e outras decisões judicias mais antigas invocadas neste acórdão, todos proferidos em casos semelhantes ao caso concreto).
Daí que, não é verdade que o depoimento de parte do 1º Réu não tem qualquer valor probatório ou não pode ser ponderado pelo tribunal. Mas isso também não significa que o tribunal admite, completa e irreflectidamente, a veracidade do que alegou o 1º Réu, uma vez que, sendo o 1º Réu uma das partes, deve o tribunal agir com toda a prudência, e só considerar, perante a existência de outro princípio de prova mais suficiente e objectivo na causa, se o depoimento de parte do 1º Réu coincide com o respectivo princípio de prova.
O tribunal adoptará o mesmo critério ao examinar o depoimento de parte do 3º Réu.
-2. Apesar de o Autor ter participado nos acordos simulatórios (pelo menos no negócio realizado com o 1º Réu), conforme consta da petição inicial, é jurisprudência de Macau interpretar restritivamente o art.º 388.º do Código Civil, no sentido de não ser necessariamente proibida a prova por testemunhas. (Cfr. o Acórdão do TSI, de 3 de Março de 2022, no Processo n.º 1116/2020)
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Começamos por analisar os art.ºs 1.º a 27.º do factum probandum.
Relativamente aos respectivos quesitos, dos autos constam, designadamente, os seguintes elementos atendíveis:
- Após a análise dos documentos constantes das fls. 183 a 188 e 191 dos autos, cremos que até Maio de 2019, o Autor tinha suportado as despesas de água e electricidade da fracção; até Junho de 2019, tinha suportado as despesas de condomínio; e até Maio de 2019, os foros e as contribuições prediais. Essas provas não só mostram que pelo menos antes de 13 de Fevereiro de 2020 (data em que o 3º Réu intentou a acção de despejo que correu termos sob o n.º CV2-20-0009-CPE), os 1º a 3º Réus não suportaram as supracitadas despesas, mas também convencem o tribunal de que o Autor e os seus familiares moraram sempre na fracção envolvida e nunca desocuparam a mesma, até ao presente momento;
- Das fls. 101 dos autos resulta que, no dia 11 de Março de 2010, o Autor levantou efectivamente um montante de HKD$880.000,00 em numerário, e é possível que parte deste montante fosse entregue ao 1º Réu, conforme pretende o Autor;
- Das fls. 107 dos autos consta um documento aparentemente assinado pelo 1º Réu no dia 31 de Março de 2010. O reconhecimento notarial do mesmo documento foi feito em momento posterior, não podendo garantir que a assinatura no documento foi necessariamente apostada em Março de 2010. O teor as fls. 419 dos autos mostra, no mínimo, que a assinatura no respectivo documento pertence ao 1º Réu;
- As fls. 89 a 92, 93 a 98, e 99 dos autos bastam para demonstrar que o Banco (Y) concedeu um empréstimo de HKD$1.980.000,00 em Março de 2010. E tal montante não só revela que em Março de 2010, o preço de mercado da fracção envolvida não foi inferior a HKD$1.980.000,00 (logicamente, os bancos não estão dispostos a conceder um empréstimo no valor equivalente a 100% do valor estimado da fracção), mas também revela que o preço de compra e venda entre o Autor e o 1º Réu (HKD$1.300.000,00) não correspondeu ao preço de mercado.
Afigura-se-nos que, as supracitadas provas são suficientes para suscitar, razoavelmente, dúvidas sobre a veracidade do negócio entre o Autor e o 1º Réu.
Com base na existência das referidas provas objectivas, o Tribunal passa a examinar os depoimentos das testemunhas. Na verdade, os depoimentos das testemunhas (H), (L), e, designadamente, (F), que alegou ser testemunha da assinatura do documento constante das fls. 107 dos autos, e (G), que alegou que em 2010, ouviu dizer que o 1º Réu contraiu dívida a terceiro, correspondem às aludidas provas objectivas, e após a comparação, torna-se razoável e acreditável a versão fáctica do “negócio simulado” pretendido pelo Autor, o que leva o Tribunal a crer que, entre o Autor e o 1º Réu não existiam as intenções de vender e de comprar o imóvel envolvido, e o respectivo negócio foi efectuado para ajudar o 1º Réu a liquidar a dívida.
O depoimento de parte do 1º Réu não passa de reforço da credibilidade da respectiva versão fáctica.
As análises e provas acima expostas constituem fundamentos com base nos quais o Tribunal procedeu ao reconhecimento dos art.ºs 1.º a 27.º do factum probandum.
O art.º 19.º do factum probandum revelou que os dois não tinham intenção de compra e venda, o que equivale a revelar a simulação indicada no art.º 10.º do factum probandum, pelo que o Tribunal reservou a expressão de “simulação”.
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A seguir, continuamos a analisar os art.ºs 28.º a 62.º, 64.º e 67.º do factum probandum.
Quanto aos aludidos quesitos referentes ao negócio entre o 1º Réu e o 2º Réu, dos autos constam, designadamente, os seguintes elementos atendíveis:
- Pela análise acima referida, as provas documentais constantes dos autos revelam que o Autor suportou as despesas ordinárias da fracção envolvida, e até ao presente momento, o Autor e os seus familiares moraram sempre na fracção envolvida e nunca desocuparam a mesma;
- Após a análise sintética das fls. 108 a 112, 113 a 119, e 416 dos autos, reevla-se que em Agosto de 2011, o valor de HKD$2.100.000,00 foi muito inferior ao preço de mercado da fracção envolvida. Da respectiva escritura pública de hipoteca consta o capital de HKD$2.681.000,00. E como atrás já se referiu, logicamente, os bancos não estão dispostos a conceder um empréstimo no valor equivalente a 100% do valor estimado da fracção. Por isso, mesmo supondo que estivesse o banco disposto a conceder um empréstimo no valor equivalente a 100% do valor estimado do imóvel envolvido, tal valor estimado não seria inferior a HKD$2.681.000,00 em Agosto de 2011, e sabemos que a estimação do banco reflecte melhor o valor de mercado de imóveis na maioria das vezes;
- Das fls. 318 e v dos autos consta um contrato de arrendamento aparentemente celebrado entre o 2º Réu e o 3º Réu, no qual não se mencionou que a família do Autor estava a utilizar a fracção, ou que o 2º Réu tinha arrendado a fracção a terceiro;
- Normalmente, se for contraído casamento sem convenção antenupcial, após o divórcio, os cônjuges não têm direito sobre a fracção adquirida pela outra parte antes da celebração do casamento. Por isso, a versão fáctica do Autor apresenta-se, em certa medida, irrazoável.
Atendendo aos supracitados elementos, este Tribunal entende que o 2º Réu sabia que o Autor utilizou sempre a fracção envolvida e não era verdadeiro o negócio entre o Autor e o 1º Réu, e também concorda que é duvidoso o negócio entre o 1º Réu e o 2º Réu, senão, não era possível ao Autor utilizar a fracção envolvida sem pagar as rendas depois de Agosto de 2011 (importa salientar que, mesmo depois de ser transferida a fracção do 2º Réu para o 3º Réu, o Autor ainda continuou a utilizar a mesma fracção). Porém, na ausência do 2º Réu, entende o Tribunal que, obviamente, não é seguro concluir que o 1º Réu transmitiu a fracção envolvida ao 2º Réu por motivo e no contexto alegado pelo Autor, apenas com base nos aludidos indícios objectivos, no depoimento de parte do 1º Réu e nos depoimentos das testemunhas.
As análises acima expostas são suficientes para especificar os fundamentos com base nos quais o Tribunal procedeu ao reconhecimento dos art.ºs 28.º a 62.º, 64.º e 67.º do factum probandum.
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A seguir, analisamos os art.ºs 63.º, 68.º a 74.º, e 75.º a 85.º do factum probandum.
Para os aludidos quesitos relevam os seguintes elementos:
- Pela análise acima referida, as provas documentais constantes dos autos revelam que o Autor suportou as despesas ordinárias da fracção envolvida, e até ao presente momento, o Autor e os seus familiares moraram sempre na fracção envolvida e nunca desocuparam a mesma;
- O aludido elemento, conjugado com o que alegou o 3º Réu no seu articulado, são suficientes para mostrar que, após a celebração da escritura pública de compra e venda entre o 2º Réu e o 3º Réu, este último não pagou os foros, as contribuições prediais e as despesas de condomínio. Verifica-se aqui algo anormal, porque após a aquisição de uma fracção, mesmo que seja a mesma arrendada ao vendedor, ainda cabe ao comprador suportar as despesas que só o proprietário da fracção assumirá, tais como os foros, as contribuições prediais e as despesas de condomínio (salvo convenção em contrário, no entanto, do contrato de arrendamento constante das fls. 318 e v dos autos, alegadamente celebrado entre o 2º Réu e o 3º Réu – cuja veracidade não é reconhecida pelo tribunal – consta que cabe ao locador pagar os foros, as contribuições prediais e as despesas de condomínio)
- No seu depoimento de parte, o 3º Réu admitiu que antes da celebração do contrato-promessa de compra e venda e da escritura pública de compra e venda, e depois da conclusão da transacção, ele não se deslocou pessoalmente ou encarregou outrem de visitar e verificar a situação da fracção envolvida (vide as fls. 592 e v dos autos);
- O depoimento de parte prestado pelo 3º Réu sobre os art.ºs 71.º e 72.º do factum probandum (vide as fls. 592 e v dos autos);
- De acordo com o conteúdo objectivo do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o 2º Réu e o 3º Réu, o 3º Réu já pagou ao 2º Réu um sinal de HKD$4.000.000,00. E das fls. 614 e 598 dos autos resulta que, o 3º Réu, sob indicação do 2º Réu, emitiu a favor de (J) uma livrança no valor de HKD$1.990.000,00, e já foi levantada a respectiva quantia por (J). Não sendo (J) o 2º Réu, e segundo revelam as fls. 162 a 164 e 168 dos autos, parece que existiu entre (J) e o 2º Réu uma relação obrigacional. No que concerne ao restante valor de HKD$2.010.000,00, para além da descrição objectiva no contrato-promessa entre o 2º Réu e o 3º Réu, e das declarações prestadas pelo 2º Réu a fls. 598 dos autos, não se encontra nos autos outra prova documental que demonstre o pagamento correspondente. De facto, HKD$2.010.000,00 não é uma quantia diminuta, e mesmo que fosse feito em numerário o pagamento ao 2º Réu, é legítimo esperar que o 3º Réu também precisasse de levantar dinheiro do banco, e devesse guardar o respectivo registo escrito. Na falta do registo escrito correspondente, é difícil reconhecer o pagamento integral do sinal de HKD$4.000.000,00 indicado no contrato-promessa.
- A testemunha (I) alegou que foi ele que apresentou o 3º Réu a comprar a fracção envolvida, e ele ficou a saber, por um terceiro de apelido “Tam”, talvez de nome “XX”, que alguém intentou vender a fracção envolvida. A testemunha só afirmou genericamente que o 3º Réu não tinha conhecimento dos problemas existentes da fracção envolvida, limitando-se a dizer que “XX” deu o número de telefone do “proprietário” à testemunha, que por sua vez, transmitiu-o ao 3º Réu, e depois, o 3º Réu, por si próprio, comunicou com o “proprietário”, sem intervenção da testemunha. Assim sendo, os depoimentos da referida testemunha não podem explicar, seguramente, como é que o respectivo “proprietário” comunicou com o 3º Réu, e se, durante a comunicação, o 3º Réu tomou conhecimento dos problemas existentes nos negócios anteriores.
Analisando todas as provas constantes dos autos, e atendendo aos elementos acima expostos, este Tribunal entende que é difícil provar o “desconhecimento” do 3º Réu (vide, nomeadamente, os art.ºs 84.º e 85.º do factum probandum). Além disso, afigura-se-nos também que as provas constantes dos autos não se mostram suficientes para comprovar a versão contrária, ou seja, o “conhecimento” da respectiva situação por parte do 3º Réu.
As análises acima expostas são suficientes para especificar os fundamentos com base nos quais o Tribunal procedeu ao reconhecimento dos art.ºs 63.º, 68.º a 74.º, 64.º e 67.º do factum probandum.
*
Por fim, quanto ao art.º 86.º do factum probandum, é de mencionar que, o 4º Réu, sendo uma instituição financeira, exerce actividades que abrangem a concessão de crédito ao cliente para obter retribuição. Dito por outra palavra, a validade dos negócios de compra e venda tem, obviamente, impacto directo sobre a validade da hipoteca que o comprador constituirá a favor do banco, pelo que, normalmente, é difícil esperar, que o banco, tendo consciência da existência de vícios na aquisição do comprador e na aquisição anterior, venha a correr o risco de conceder empréstimo ao comprador mais recente. Nestes termos, e tendo ouvido a testemunha (M), este Tribunal acredita que, para o 4º Réu, existiu entre o 3º Réu e o 4º Réu um negócio normal, e durante o tratamento do pedido de empréstimo segundo a prática habitual, o 4º Réu não tinha conhecimento da existência de qualquer vício nas transmissões entre o 3º Réu e os anteriores proprietários registados.».
A primeira questão que se impõe apreciar consiste em saber se foi violada norma expressa que exija certa espécie de prova para a demonstração do facto ou que viole a força probatória de determinado meio de prova.
O artº 388º do C.Civ. proíbe a prova testemunhal quando se trate de convenções contrárias ao conteúdo de documento autêntico e quanto ao acordo simulatório quando invocada pelos simuladores.
No caso em apreço todos os negócios de compra e venda e constituição de hipoteca a favor do 4º Réu e objecto destes autos foram celebrados por escritura pública.
Sobre esta matéria em sede jurisprudência comparada é esclarecedor o Acórdão do STJ Português de 07.02.2017 proferido no processo 3071/13.6TJVNF.G1.S1 consultado em www.dgsi.pt do qual transcrevemos o seguinte:
«2-2- O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil excepciona a admissibilidade da prova testemunhal quando se tenha “por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.
Cabem no âmbito do preceito as convenções que contrariam (ou se opõem) ao declarado no documento assim como todas as que acrescentam (ou adicionam) qualquer clausulado.
Mas o legislador foi mais longe, ao detalhar no n.º 2 que a proibição é aplicável ao “acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores”.
Pretendeu, assim, deixar claro que a proibição também abrange aquele vício de vontade, ou seja apenas aquela divergência entre a vontade e a declaração, que não as outras.
Na vigência do Código Civil 1867, o Prof. Beleza dos Santos explicava o regime legal: “Em conclusão: se o acto simulado consta de um documento autêntico ou de um documento de igual força, nos termos do artigo 2432.º e 2433.º do Código Civil, os simuladores, seus herdeiros ou representantes que não devam reputar-se terceiros em relação a esse acto, só podem demonstrar a simulação se exibirem uma prova plena que destrua a eficácia da que resulta daqueles documentos, tal como um documento da mesma natureza ou igual valor ou uma confissão judicial. (Código Civil, art.º 2412.º). Se esse acto não consta de documentos autênticos ou de igual força, então os simuladores e seus representantes podem utilizar-se de qualquer meio probatório para demonstrar a simulação, devendo aplicar-se as regras gerais em matéria de prova.” (in “A Simulação em Direito Civil”, II, 151).
Assim se entendia pacificamente.
A polémica surge nos trabalhos preparatórios do vigente Código Civil e na tendência da doutrina para menorizar (quiçá por razões sociológicas) a valia da prova testemunhal (cf. os Profs. Pires de Lima e A. Varela: que a apodavam de “prova extremamente insegura” – in “Código Civil Anotado” I, 4.ª ed.; “… falibilidade e fragilidade da prova testemunhal” –Prof.Carvalho Fernandes – “A Prova da Simulação Pelos Simuladores”, apud “O Direito” 124.º, 1992, IV, 600; “ …esconjurar os perigos que a prova testemunhal poderia provocar: qualquer acto poderia ser contraditado.” Ac STJ de 5.6.2007-07A3134).
Antes de prosseguirmos deter-nos-emos nas palavras do Prof. Manuel de Andrade ao referir que “os simuladores em geral procuram as trevas, fogem de testemunhas. Por outro lado, está pouco divulgada entre nós a prática das contra-declarações. Em regra, portanto, não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções”. (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 1972, p. 207).
É certo que a demonstração da simulação é quase uma “probatio diabólica”, mesmo para os terceiros lesados, ou enganados.
Mas esta é questão que transcende o âmbito deste Acórdão onde o que está em causa é a prova da simulação invocada pelos simuladores.
Ora, se nestes casos, sendo vedada a prova testemunhal também ficará vedado o recurso às presunções judiciais – prova da primeira aparência (presunção simples) – “ex vi” do artigo 351.º do Código Civil.
Restariam, a nível de presunções, e com o merecido respeito pelo Prof. Manuel de Andrade, as presunções legais, sendo que os outros meios de prova que restariam seriam a documental (com as restrições do n.º 1 do artigo 394 CC) e a confissão.
2-3- Retomando os atrás referidos trabalhos preparatórios do Código Civil, iremos percorrer a história do n.º 2 do artigo 394.º citado.
O Prof. Vaz Serra (in “Provas – Direito Probatório Material”- BMJ 112, p. 194-197; 219-232; 236-292) invocando os artigos 1417.º e 2724.º do Código Civil Italiano de 1942 e 1347 e 1348 do Código Civil Francês, projectou uma norma que permitia que os simuladores pudessem, excepcionalmente usar a prova testemunhal, mas apenas se:
- existisse um princípio de prova escrita “proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante” ou quando “da qualidade das partes, da natureza do contrato, ou de quaisquer outras circunstâncias seja verosímil que tenham sido feitas contradeclarações”;
- impossibilidade material ou moral de obtenção de prova escrita.
Esta formulação, decalcada dos artigos 2724.º do “Codice” (“vi è um principio di prova per iscritto …”, “quando il contraente è stato nell´impossibilità morale o materiale di procurarsi una prova scritta”) e 1347.º e 1348.º do “Code” nada tem, portanto, de original e foi definitivamente arredada pelo legislador da lei expressa.
Não obstante, e ao arrepio da letra o Prof. Vaz Serra insistiu na defesa da sua tese (v.g. R.L.J. 107.º, 311 ss, anotando o Acórdão do STJ de 4 de Dezembro de 1973).
Também vieram aderir a tal interpretação os Profs. Mota Pinto e Pinto Monteiro (embora em parecer – “Arguição da Simulação Pelos Simuladores. Prova Testemunhal”, CJ, X, 1985, 3.ª 11 ss) com o argumento nuclear maleabilizar o artigo 394.º e, de certo modo, o Prof. Carvalho Fernandes (ob. loc. cit. 615) pondo a tónica na eventualidade de “resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro”. (Mas este Autor chama a atenção para que não se ponha em causa a «ratio» do preceito nem se sobreponha” à certeza da prova documental, a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais”.
2-4- Só com muitas reservas podemos concordar com o “novo” entendimento.
A tese em apreço não vale “jure constituto”, tanto assim que constou de uma proposta (trabalhos preparatórios do Código Civil) que não obteve acolhimento no n.º 2 do artigo 394.º.
Ademais, o legislador deixou clara no n.º 1 uma regra e enfatizou-a no n.º 2 reportando-a ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado “quando invocados pelos simuladores”.
Se tivesse querido flexibilizar este preceito tê-lo-ia dito expressamente, acolhendo a proposta do Prof. Vaz Serra, ou inserindo-o, sem qualquer “distinguo” na regra geral do n.º 1.
Como refere o Cons. Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código Civil”, II, 177) o entendimento flexível colide com o direito legislado.
De todo o modo, ainda fica alguma perplexidade quando se refere a expressão “princípio de prova” (ou “começo de prova”).
O conceito só pode ter correspondência no de “fumus bonni juris”, ou prova indiciária, sobretudo elaborado em sede de procedimentos cautelares.
A assim não se entender caímos nos princípios de experiência geral, de verosimilhança que a nada mais conduzem do que a presunções simples, judiciais ou de experiência (cf. Profs. Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, I, 3.ª ed., 310; Prof. A. Varela, in “Manual de Processo Civil”, 1984, 486; e Prof. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 191).
Ora, já deixámos dito que, inadmitida a prova testemunhal não são de admitir presunções judiciais (artigo 351.º do Código Civil).
Daí que o tal “princípio de prova” só poderia ser constituído por qualquer dos documentos a que se refere o n.º 1 do artigo 394.º que, se não unívocos, só poderão tornar-se completos se conjugados com a prova secundária (que ,então, se concede ser testemunhal), complementar ou, com rigor, meramente residual, e só por si sem valor autónomo, por não lho permitir o n.º 2 do artigo 394.º.
De todo o modo, não repugna aderir à interpretação menos restritiva, desde que o “princípio de prova” seja um documento que não integre facto – base de presunção judicial pois sendo-o o n.º 2 do artigo 394.º poderia entrar em colisão com o citado artigo 351.º CC.
Daí que, adicionando esse documento a existência de acordo simulatório ou um negócio dissimulado se possa lançar mão da prova testemunhal para confirmar ou infirmar, tornando-se, então, o primeiro elemento de prova e sem que colida com o citado n.º 2 do artigo 394.º (v.g. os Acórdãos do STJ de17.6.2003 -03A1565; de 5.6.2007 –Pº 7A1364; Pº 758/06.3TBCBR-BP1.S1; e de 9.7.2014 -5944/07.6TBVNG.P1:S1)».
Em sentido idêntico ao daquele Acórdão veja-se Acórdão deste Tribunal de Segunda Instância de 09.05.2019 proferido no processo que correu termos sob o nº 240/2019.
Vejamos agora se no caso em apreço existe esse princípio de prova escrita.
No caso em apreço temos 2 negócios que se alega serem simulados, a saber as compras e vendas entre o Autor e 1º Réu e entre este e o 2º Réu.
Contudo, a factualidade impugnada quanto aos itens 5º, 7º, 10º, 11º, 14º, 18º a 20º, 26º, 27º e 50º versa apenas sobre o negócio celebrado entre o Autor e o 1º Réu, pelo que, por agora apenas essa será objecto de apreciação por este tribunal.
Na fundamentação do tribunal “a quo” mencionam-se os documentos de fls. 183 a 188 e 191.
Os documentos de fls. 186 a 188 são facturas de electricidade em nome de sujeito que não é aqui parte de Dezembro de 2018, Abril e Junho de 2019 referentes à fracção autónoma a que se reportam estes autos.
Os documentos de fls. 137 a 143 (estes não mencionados na decisão recorrida) emitidos em nome do 2º Réu e fls. 183 emitido em nome da 3ª Ré e os de 184 e 185 nada provam de relevante para a tese invocada pelo Autor, sendo certo que não há um único meio de prova de quem os pagou.
Os documentos de fls. 189 e 190 nada provam igualmente. Embora não mencionados na decisão recorrida o mesmo se diga dos documentos de fls. 103 a 106 e 120 a 136.
O documento de fls. 191 em nome do 2º Réu também nada prova para a tese do Autor uma vez que não se sabe quem o pagou.
Destarte, com base nestes documentos nada podemos concluir, sendo que até aqui não temos um princípio de prova escrita que indicie a simulação.
Documento de fls. 101 referido na decisão impugnada, conjugado com os documentos de fls. 99 e 100 permitem-nos concluir que na conta bancária do Autor no dia a seguir à outorga da escritura celebrada com o 1º Réu entraram HKD1.980.000,00 que supostamente correspondem à ordem de caixa a fls. 99 o que não corresponde ao valor da compra e venda, o qual como se deu como provado foi de HKD1.300.000,00, nem exactamente ao valor do empréstimo contraído pelo 1º Réu que foi de MOP2.070.292,36. Também não se percebe porque é que esta ordem de caixa é emitida a favor do Autor e este valor é creditado na conta do Autor se não corresponde ao valor da compra e venda.
Se o empréstimo foi contraído pelo 1º Réu seria na conta deste que devia ser depositado o valor do mesmo ainda que deduzido do valor da compra e venda este a depositar na conta do Autor.
Segundo as regras da experiência seria normal que tivesse sido emitido um cheque bancário ou uma ordem de caixa no valor da compra e venda e esse valor tivesse sido creditado na conta do vendedor aqui Autor. O remanescente do valor correspondente ao empréstimo contraído pelo 1º Réu seria creditado na conta do 1º Réu. Mas nada disso aconteceu.
Se se tivesse procedido segundo aquilo que é praxe em qualquer negócio deste género, uma vez que o valor que foi creditado na conta do Autor já excedia em HKD680.000,00 o valor da compra e venda, o normal seria estes terem ficado na conta do 1º Réu para resolver os seus problemas financeiros que ao que parece seriam de HKD600.000,00 por ter sido esse o valor que recebeu do Autor, sem que houvesse necessidade de andar a “passear em numerário HKD600.000,00” cujo volume ainda que seja em notas de HKD1.000,00 é considerável.
O valor creditado na conta do Autor são HKD1.980.000,00.
Se a este valor deduzirmos os HKD600.000,00 que como resulta da resposta dada ao quesito 18º da Base Instrutória seria o valor das dificuldades financeiras do 1º Réu e que este teria de pagar a terceiros, na mão do Autor ficaram HKD1.380.000,00, montante este ainda superior ao valor da compra e venda (1.300.000,00) em HKD80.000,00.
Destes documentos resulta apenas que foram levantados os HKD880.000,00.
Tudo o que os documentos indiciam é contraditório com a versão que se pretende apresentar.
Em suma o que daqui resulta é que deste negócio resultou o Autor pagar o empréstimo que tinha antes da venda e ter ainda feito seus HKD280.000,00 resultante da diferença entre os HKD880.000,00 que levantou da sua conta e os HKD600.000,00 que terá entregue em numerário ao 1º Réu e ainda HKD345.062,89 de cujo destino ninguém fala e que ficaram na conta do Autor como resulta de fls. 101 e que corresponde à diferença dos HKD1.980.000,00 menos os HKD880.000,00 que foram levantados e menos os HKD754.937,11 que foram usados para pagar o empréstimo que o Autor tinha garantido por hipoteca sobre a fracção em causa.
Ou seja neste negócio aceitando que o Autor entregou ao 1º Réu os HKD600.000,00 ficaram na sua mão depois de pago o empréstimo que havia contraído a quantia de HKD625.062,89.
Assim sendo, daqui não resulta nenhum documento que possa ser princípio de prova escrita relativamente ao acordo simulatório.
O Autor recebeu o preço pelo qual vendeu e o 1º Réu ficou com a diferença entre o preço por que comprou e o empréstimo que pediu.
Bem antes pelo contrário, o que resulta da compra que o Autor fez inicialmente a seu favor, da compra e venda entre o Autor e 1º Réu, da compra e venda entre o 1º Réu e o 2º Réu e da subsequente hipoteca feita pelo 2º Réu sobre o imóvel é que Autor, 1º Réu e 2º Réu sempre contraíram empréstimos e constituíram hipotecas sobre o imóvel em causa em valor superior ao das compras e vendas o que indicia que usavam o imóvel para se financiarem e obterem empréstimos dando o imóvel em garantia, o que não permite concluir pelo acordo simulatório.
Do documento de fls. 107 v. resulta que o Autor e o 1º Réu terão assinado um documento – usual aquando da transferência de propriedade de fracções em que resulta a forma como aquando da venda acordaram na partilha das despesas relativas à fracção a que se reportam os autos nomeadamente quanto aos valores devidos por cada de contribuição predial e arrendamento do terreno, sendo que o Autor pagou os primeiros 68 dias e o 1º Réu os restantes. Acrescentando a final que se fosse atribuída a isenção do pagamento para o ano em curso o comprador aqui 1º Réu teria de devolver o valor que nos termos daquele documento recebeu.
Ora esta partilha das despesas não é necessária para se realizar a compra e venda, mas é comumente usada quando há uma transacção real e efectiva entre vendedor e comprador.
No verso deste documento consta uma declaração que parece ter sido assinada em 31.03.2010 pelo 1º Réu em que declara que por problemas financeiros seus pediu ao Autor a fracção a que se reportam os autos emprestada para fazendo de contas que a comprava pedir ao banco um empréstimo dando a mesma em garantia para assim poder solver os problemas financeiros, comprometendo-se a uma vez pago esse empréstimo voltar a transferir a titularidade do direito sobre a fracção para o Autor, com base na qual se deu como provado o item 27º da Base Instrutória.
Pretende-se que esta declaração a fls. 107 seria o princípio de prova de escrita que completado com depoimentos testemunhais seria suficiente para fazer a chamada prova diabólica da simulação.
Quando se fala de princípio de prova escrita esse documento não pode conter o facto que é objecto de decisão nos autos o que redundaria em presunção judicial que como vimos no citado Acórdão do STJ Português não é permitido.
Repete-se a parte já citada que a esta matéria alude:
«De todo o modo, não repugna aderir à interpretação menos restritiva, desde que o “princípio de prova” seja um documento que não integre facto – base de presunção judicial pois sendo-o o n.º 2 do artigo 394.º poderia entrar em colisão com o citado artigo 351.º CC.».
Admitir como princípio de prova escrita uma simples declaração assinada pelo simulador em que expressamente assume e confessa a simulação corresponde a aceitar como tal um documento que integra o “facto”.
Mas ainda que remotamente o pudesse ser, esta declaração alegadamente é assinada pela primeira vez pelo 1º Réu em 31.03.2010 quando esta feita no verso do tal acerto de contas datado de 09.03.2010 e a assinatura só vem a ser reconhecida em 26.06.2019 quando a acção é apresentada em Julho de 2019.
Ou seja, cabe perguntar porque é que se o acerto de contas é de 09.03.2010 data da escritura porque é que a declaração não foi assinada na mesma data? Não há justificação.
Se havia interesse em que a assinatura fosse reconhecida porque não logo em 2010 aquando da escritura pública de compra e venda? Não há justificação.
Esta declaração em síntese mais não é do que o mesmo do que o depoimento do 1º Réu em audiência de julgamento confessando que sim houve o acordo simulatório.
Ora, se nos termos do artº 345º nº 2 do C.Civ. não pode ser aceite a confissão do litisconsorte sendo o litisconsórcio necessário como é o caso dos autos, aceitar esta declaração escrita e assinada pelo 1º Réu ou o seu depoimento de parte como confissão parece-nos ser a mesma coisa, pelo que, não podemos aceitar este documento como princípio de prova escrita.
Por outro lado, considerando que do documento que consta a fls. 107v. e que é a pagina principal em cujo verso foi aposta a suposta declaração de 31.03.2010 resulta uma repartição de despesas que não faz sentido algum se o negócio fosse simulado por ser totalmente desnecessária, bem como que, das transacções financeiras resulta terem ficado para o Autor a quantia de HKD625.062,89 superior ainda aos HKD600.000,00 que alegadamente terá entregue ao 1º Réu o que acrescido dos HKD754.937,11 usados no pagamento do empréstimo que o Autor tinha perfaz HKD1.380.000,00 que praticamente corresponde ao valor declarado para a venda, somos forçados mais uma vez a concluir que não só não há qualquer princípio de acordo simulatório entre o Autor e 1º Réu, como também estar demonstrada uma verdadeira compra e venda.
Concluindo-se pela ausência de princípio de prova escrita quanto ao alegado acordo simulatório entre o Autor e o 1º Réu face ao disposto no artº 388º do C.Civ. mal andou o tribunal “a quo” ao aceitar a prova testemunhal para se convencer pelos factos de onde emerge a simulação entre o Autor e o 1º Réu.
Assim sendo, procede o recurso no que concerne à impugnação da matéria das respostas dadas aos quesitos 7º, 10º, 11º, 14º, 19º, 20º, 26º, 27º e 50º da Base Instrutória cuja resposta haveria de ter sido NÃO PROVADO.
Não sendo objecto de recurso algum mas cujo conhecimento se impõe.
Os quesitos 43º, 45º e 55º da Base Instrutória correspondem à alegada simulação da compra e venda celebrada entre o 1º e 2º Réu.
Ora, não consta da fundamentação do tribunal “a quo” documento algum que seja princípio de prova de escrita quanto ao acordo simulatório.
Sendo vários os negócios celebrados entre os alegados sucessivos simuladores o disposto no artº 388º do C.Civ. aplica-se a cada um dos negócios.
Destarte, os elementos que constam do processo impõem uma decisão diversa daquela que foi feita em 1ª instância uma vez que foi violada regra quanto aos meios de prova admissíveis, pelo que, de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 do artº 629º do CPC se impõe alterar a decisão sobre esta parte da matéria de facto havendo os quesitos 43º, 45º e 55º da Base Instrutória de ser respondidos como NÃO PROVADO.
Da impugnação da matéria das respostas dadas aos quesitos da Base Instrutória 76º, 80º, 81º, 83º, 84º e 85º aos quais foi respondido Não provado.
Respeitam estes quesitos a um eventual contrato de arrendamento da fracção a que se reportam os autos, celebrado entre o 2º Réu e a 3ª Ré referente ao período de 30.08.2018 a 29.08.2019 e que o 2º Réu não havia entregue no termo do contrato e de uma suposta carta a pedir que devolvesse ou confirmasse a intenção de renovar (76º, 80º e 81º) e de como a 3ª Ré soube de que a fracção estava à venda, de que não sabia ser o Autor o dono da mesma e que se soubesse nunca a teria comprado nem que fosse por preço inferior ao de mercado (83º, 84º e 85º).
Para prova de que o contrato de arrendamento foi celebrado juntou a 3ª Ré o documento de fls. 318 o qual é um contrato de arrendamento celebrado entre si e o 2º Réu cujas assinaturas foram reconhecidas com base na pública forma dos respectivos documentos de identificação.
Compulsada a fundamentação do tribunal “a quo” nada resulta que justifique porque se entendeu não ser este documento verdadeiro.
À mingua de outros elementos e na ausência de outra justificação impõe-se concluir pela veracidade da matéria do quesito 76º da Base Instrutória nos termos em que consta do respectivo contrato.
Quanto aos quesitos 80º e 81º da Base Instrutória o seu conteúdo resulta dos documentos a fls. 319 a 321 também não constando da fundamentação do tribunal “a quo” a razão porque se desacreditou dos mesmos, pelo que, também estes à mingua de outro argumento haveriam de ter sido dados como provados.
Quanto aos quesitos 5º, 18º, 83º, 84º e 85º da Base Instrutória a impugnação da Recorrente baseia-se naquela que é a sua apreciação da prova produzida, contudo ao tribunal de segunda instância não cabe em sede de recurso de impugnação da matéria de facto fazer um segundo julgamento da causa, mas apenas, apreciar se houve erro flagrante na apreciação da prova. Ora em face da fundamentação apresentada pelo tribunal “a quo” quanto a estes quesitos e na impugnação apresentada pela Recorrente não podemos concluir que os dois primeiros não hajam sido provados e os restantes hajam sido provados, pelo que, nesta parte improcede o Recurso mantendo-se as respostas dadas.
Nestes termos, procedendo parcialmente o recurso quanto à impugnação da matéria de factos, impõe-se alterar a mesma de acordo com o agora decidido.
a) Dos factos
Com base no que ficou decidido em 1ª instância e na procedência parcial do recurso quanto à matéria de facto agora decidido, apurou-se a seguinte factualidade:
1. Em 14 de Novembro de 2001, o Autor assinou uma escritura pública no 2.º Cartório Notarial (fls. 75 a 80v do Livro 736A do 2.º Cartório Notarial), nos termos da qual o Autor declarou comprar a fracção autónoma, com finalidade habitacional (doravante designada por “fracção”), situada na Avenida Leste do Hipódromo n.ºs xx, Edifício XX, Bloco x, 11.º andar BN, Macau, pelo preço de MOP$548.900,00. O prédio onde se situa a fracção foi descrito sob o n.º …, inscrito na matriz sob o n.º … e inscrito sob o n.º … (cfr. fls. 43 a 55 e 56 a 88 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea A) dos factos assentes)
2. Em 6 de Maio de 2008, o Autor pediu empréstimo junto do Banco (X) (doravante designado por Banco XX), constituindo uma hipoteca sobre a fracção a favor do Banco XX para garantir o empréstimo concedido pelo referido banco ao Autor no valor de MOP$900.000,00. A referida hipoteca foi inscrita sob o n.º 885202C (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea B) dos factos assentes)
3. Em 9 de Março de 2010, o Autor e o 1.º Réu outorgaram uma escritura pública de compra e venda no Cartório do Notário Privado (Z) (a fls. 29 a 31do Livro do Notário Privado (Z) n.º 549), nos termos da qual o Autor declarou vender a fracção ao 1.º Réu pelo preço de MOP$1.300.000,00 e o 1.º Réu declarou comprar a fracção (cfr. fls. 89 a 92 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea C) dos factos assentes)
4. No mesmo dia, o 1.º Réu assinou uma escritura pública de hipoteca (a fls. … do Livro do Notário Privado (Z) n.º …), nos termos da qual o 1.º Réu declarou constituir uma hipoteca voluntária sobre a fracção a favor do Banco (Y) (doravante designado por “Banco (Y)”) para garantir o empréstimo concedido pelo referido banco ao 1.º Réu no valor de MOP$2.070.292,36 (cfr. fls. 93 a 98 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea D) dos factos assentes)
5. Depois de concluir a aludida transacção e o registo predial, o direito de propriedade sobre a fracção foi inscrito a favor do 1.º Réu sob o n.º …; enquanto a hipoteca a favor do Banco (Y) foi inscrita sob o n.º … (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea E) dos factos assentes)
6. Em 30 de Agosto de 2011, os 1.º e 2.º Réus outorgaram uma escritura pública de compra e venda no Cartório do Notário Privado (W) (a fls. … do Livro do Notário Privado (W) n.º …), nos termos da qual o 1.º Réu declarou vender a fracção ao 2.º Réu, pelo preço de HKD2.100.000,00 e o 2.º Réu declarou comprá-la (cfr. fls. 108 a 112 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (cfr. fls. 108 a 112 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea F) dos factos assentes)
7. No mesmo dia, o 2.º Réu assinou uma escritura pública de hipoteca (a fls. … do Livro do Notário Privado (W) n.º …), nos termos da qual o 2.º Réu declarou constituir uma hipoteca voluntária sobre a fracção a favor do Banco (V) (doravante designado por “(V)”) para garantir o empréstimo concedido pelo referido banco ao 2.º Réu no valor de HKD2.681.000,00 (cfr. fls. 113 a 119 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea G) dos factos assentes)
8. Depois de concluir a aludida transacção e o registo predial, o direito de propriedade sobre a fracção foi inscrito a favor do 2.º Réu sob o n.º ...; enquanto a hipoteca a favor do (V) foi inscrita sob o n.º …(cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea H) dos factos assentes)
9. Em 2 de Maio de 2014, o 2.º Réu assinou uma escritura pública de hipoteca no Cartório da Notária Privada (U) (a fls. … do Livro da Notária Privada (U) n.º …), nos termos da qual declarou constituir uma hipoteca voluntária sobre a fracção a favor da 4.ª Ré para garantir um empréstimo de HKD3.870.000,00, hipoteca essa foi inscrita sob o n.º … (cfr. fls. 144 a 150 e 56 a 88 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea I) dos factos assentes)
10. A 4.ª Ré intentou uma acção executiva sob o n.º CV3-17-0078-CEO contra o 2.º Réu para reclamar o empréstimo e os juros no valor total de MOP$3.895.821,39 e procedeu ao registo de penhora da fracção (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea J) dos factos assentes)
11. Em 18 de Maio de 2018, os 2.º e 3.º Réus celebraram um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual o 2.º Réu prometeu vender ao 3.º Réu e este prometeu comprar a fracção (cfr. fls. 169 a 171 dos autos). (Alínea K) dos factos assentes)
12. Conforme o conteúdo do contrato-promessa de compra e venda, o preço da venda da fracção é de HKD$7.800.000,00 (cfr. acima referido). (Alínea L) dos factos assentes)
13. No dia de celebração do contrato-promessa de compra e venda, a 3.ª ré já pagou ao 2.º réu o sinal no valor de HK$4.000.000,00 (quatro milhões de dólares de Hong Kong) e iria pagar o valor remanescente de HK$3.800.000 (três milhões e oitocentos mil dólares de Hong Kong) no dia da transação de compra e venda (vd. fls. 19 a 21 do Doc.41). (Alínea M) dos factos assentes)
14. Concluída a aludida transacção, o 3.º Réu procedeu ao registo provisório de aquisição da fracção, inscrito sob o n.º ... (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea N) dos factos assentes)
15. Em 29 de Agosto de 2018, os 2.º e 3.º Réus outorgaram uma escritura pública de compra e venda e de hipoteca no Cartório do Notário Privado (T) (a fls. … do Livro do Notário Privado (T) n.º …), nos termos da qual o 2.º Réu declarou vender ao 3.º Réu e este declarou comprar a fracção pelo preço de HKD7.800.000,00 (cfr. fls. 176 a 182 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea O) dos factos assentes)
16. No mesmo dia, o 3.º Réu constituiu uma hipoteca voluntária sobre a fracção a favor da 4.ª Ré para garantir o empréstimo concedido pela 4.ª Ré ao 3.º Réu no valor de HKD3.880.000,00 (cfr. acima referido). (Alínea P) dos factos assentes)
17. Depois de concluir a aludida transacção e o registo predial, o registo do direito de propriedade sobre a fracção a favor do 3.º Réu passou a ser definitivo; enquanto a hipoteca a favor da 4.ª Ré foi inscrita sob o n.º … (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea Q) dos factos assentes)
18. O pedido de registo mencionado na Alínea Q) dos factos assentes foi apresentado à Conservatória do Registo Predial em 30 de Agosto de 2018 (cfr. acima referido). (Alínea R) dos factos assentes)
19. Após a aquisição da fracção, o Autor e os seus familiares residem sempre na fracção, considerando-a como residência da família. (Resposta ao quesito 1.º da base instrutória)
20. O Autor, o 1.º Réu e o 2.º Réu conheceram-se no ensino secundário e tornaram-se melhores amigos. (Resposta ao quesito 2.º da base instrutória)
21. Em 2010, o 1.º Réu precisou de dinheiro com urgência para liquidar a dívida contraída junto de outrem. (Resposta ao quesito 3.º da base instrutória)
22. Em 2010, o Autor trabalhava como croupier no Casino XX, auferindo mensalmente cerca de MOP$13.000,00. (Resposta ao quesito 4.º da base instrutória)
23. Por ter contraído empréstimo junto do Banco XX em 2008 e devido ao rendimento mensal do Autor naquela altura, o Autor impossibilitou de pedir um novo empréstimo através da segunda hipoteca para ajudar o 1.º Réu a pagar a dívida. (Resposta ao quesito 5.º da base instrutória)
24. Em 2010, o 2.º Réu dedicava-se à actividade de mediação imobiliária, sendo dono da Agência XX. (Resposta ao quesito 6.º da base instrutória)
25. Em 2010, o 1.º Réu trabalhava igualmente no Casino XX. (Resposta ao quesito 8.º da base instrutória)
26. O Autor e o 1.º Réu incumbiram o 2.º Réu de proceder às formalidades da compra e venda e contactar o notário privado (Z) para tratar das formalidades da celebração da escritura. (Resposta ao quesito 12.º da base instrutória)
27. O 1.º Réu incumbiu o 2.º Réu de tratar das formalidades de pedir empréstimo bancário. (Resposta ao quesito 13.º da base instrutória)
28. Após a celebração da escritura pública mencionada na Alínea D) dos factos assentes, o Banco (Y) emitiu ao Autor uma livrança bancária no valor de HKD1.980.000,00. (Resposta ao quesito 15.º da base instrutória)
29. Em 10 de Março de 2010, o Autor levantou o dinheiro da aludida livrança bancária e depositou-o na sua conta bancária aberta no Banco XX n.º xxxxxx. (Resposta ao quesito 16.º da base instrutória)
30. Em 11 de Março de 2010, o Autor utilizou a quantia de HKD754.937,11 na aludida conta e o numerário para pagar todo o empréstimo que o Banco XX lhe concedeu no valor de HKD759.585,22. (Resposta ao quesito 17.º da base instrutória)
31. No mesmo dia, o Autor também levantou numerário no valor de HKD880.000,00 e entregou a quantia de HKD600.000,00 ao 1.º Réu para que este liquidasse directamente a dívida para com o terceiro. (Resposta ao quesito 18.º da base instrutória)
32. Antes de outorgar a dita escritura pública de compra e venda, o 1.º Réu não visitou nem examinou a fracção. (Resposta ao quesito 21.º da base instrutória)
33. Depois de outorgar a dita escritura pública de compra e venda, o Autor não entregou a fracção e as suas chaves ao 1.º Réu e o 1.º Réu também nunca pediu ao Autor que lhe entregasse a fracção. (Resposta ao quesito 22.º da base instrutória)
34. O 1.º Réu também não pediu ao Autor que celebrasse o contrato de arrendamento com ele nem lhe pediu que pagasse a renda. (Resposta ao quesito 23.º da base instrutória)
35. Pelo que, o Autor e os seus familiares continuam a residir na fracção como se nunca tivesse outorgado a escritura pública de compra e venda com o 1.º Réu. (Resposta ao quesito 24.º da base instrutória)
36. E o Autor e os seus familiares pagam mensalmente as despesas da fracção, como as despesas de água e electricidade, as despesas de condomínio, o foro, a contribuição predial e todas as despesas relacionadas com a fracção. (Resposta ao quesito 25.º da base instrutória)
37. Ao outorgar a escritura pública de compra e venda em 9 de Março de 2010 com o Autor, o 1.º Réu era solteiro. (Resposta ao quesito 28.º da base instrutória)
38. Caso devolvesse a fracção ao Autor, o 1.º Réu deveria liquidar imediatamente o empréstimo em falta ao Banco (Y) e os correspondentes juros. (Resposta ao quesito 33.º da base instrutória)
39. No dia em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda mencionada na Alínea F) dos factos assentes, o preço da fracção na compra e venda, no valor de HKD2.100.000,00, foi inferior ao preço de mercado geral. (Resposta ao quesito 38.º da base instrutória)
40. Antes de assinar a escritura pública de compra e venda mencionada na Alínea F) dos factos assentes, o 2.º Réu não visitou nem examinou a fracção. (Resposta ao quesito 44.º da base instrutória)
41. Pelo que, o Autor e os seus familiares ainda residem na referida fracção, como se o 1.º Réu nunca tivesse outorgado a escritura pública de compra e venda com o 2.º Réu. (Resposta ao quesito 46.º da base instrutória)
42. E o Autor e os seus familiares continuam a pagar mensalmente as despesas da fracção, como as despesas de água e electricidade, as despesas de condomínio, o foro, a contribuição predial e todas as despesas relacionadas com a fracção. (Resposta ao quesito 47.º da base instrutória)
43. Antes de outorgar o contrato-promessa de compra e venda e a escritura pública de compra e venda mencionados nas Alíneas K) e O) dos factos assentes e depois de concluir a transacção, o 3.º Réu não visitou nem examinou a fracção. (Resposta ao quesito 63.º da base instrutória)
44. Pelo menos em Maio de 2019, o Autor soube que o 2.º Réu transferiu a fracção para o 3.º Réu. (Resposta ao quesito 64.º da base instrutória)
45. Depois de os 3.º e 2.º Réus terem outorgado a escritura pública de compra e venda mencionada na Alínea O) dos factos assentes, o 3.º Réu nunca manifestou ao Autor por via escrita ou verbal que ele adquiriu o direito de propriedade sobre a fracção. (Resposta ao quesito 71.º da base instrutória)
46. Até à data de propositura da presente acção, o 3.º Réu não pediu ao Autor que lhe entregasse as chaves da fracção nem pediu ao Autor que lhe pagasse a renda resultante da utilização da fracção nem pediu ao Autor por qualquer forma que saísse da fracção. (Resposta ao quesito 72.º da base instrutória)
47. Até à data de propositura da presente acção, o Autor e os seus familiares continuam a residir na fracção e pagam mensalmente as despesas da fracção como as despesas de água e electricidade, as despesas de condomínio, o foro, a contribuição predial e todas as despesas relacionadas com a fracção. (Resposta ao quesito 73.º da base instrutória)
48. Após a celebração com o 2º Réu da respectiva escritura pública de compra e venda e hipoteca, a 3ª Ré celebrou, de imediato, com o 2º Réu o contrato de arrendamento (adiante designado por “contrato de arrendamento”), pelo qual arrendou a fracção ao 2º Réu, desde 30 de Agosto de 2018 até 29 de Agosto de 2019, nos termos que constam de fls. 318 e aqui se dão por reproduzidos (Resposta ao quesito 76.º da base instrutória).
49. O 3.º Réu não pagou o foro e a contribuição predial da fracção em causa. (Resposta ao quesito 78.º da base instrutória)
50. O 3.º Réu não pagou as despesas de condomínio da fracção em causa. (Resposta ao quesito 79.º da base instrutória)
51. Após o termo do prazo de arrendamento, o 2º Réu não devolveu a fracção à 3ª Ré conforme o estipulado no supracitado contrato de arrendamento, e deixou de pagar qualquer renda à 3ª Ré (Resposta ao quesito 80.º da base instrutória)
52. Face a isso, a 3ª Ré constituiu advogado para enviar uma carta ao 2º Réu, exigindo que o 2º Réu confirmasse a intenção de renovar o aluguer, ou, querendo desistir de aluguer, devolvesse a fracção à 3ª Ré (Resposta ao quesito 81.º da base instrutória)
53. Em 13 de Fevereiro de 2020, o 3.º Réu intentou uma acção de despejo contra o 2.º Réu no Tribunal Judicial de Base de Macau, pedindo ao tribunal que declarasse a rescisão do alegado contrato de arrendamento celebrado entre o 2.º e o 3.º Réu e a devolução da fracção em causa ao 3.º Réu pelo 2.º Réu. (Resposta ao quesito 82.º da base instrutória)
54. O 4.º Réu, que nos negócios que tiveram por objecto a fracção autónoma discutida nos presentes autos interveio, observou nas duas concessões de crédito bancário com hipoteca a que se referem as escrituras públicas juntas as fls. 144 a 150 e 176 a 182, as práticas normas do giro bancário, desconhecendo qualquer suposto vício dos negócios anteriores. (Resposta ao quesito 86.º da base instrutória)
b) Do Direito
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«O Tribunal deve analisar concretamente os factos dados como provados nos presentes autos e aplicar a lei para dirimir o litígio entre as partes.
O artigo 232.º do Código Civil prevê:
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.”
Conforme o preceito legal acima citado, para provar se um negócio constitui simulação, isto depende da verificação cumulativa dos três requisitos:1
- Existência de uma declaração negocial;
- Um acordo entre declarante e declaratário, com intuito de enganar terceiros;
- Existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante».
Face à procedência do recurso quanto à impugnação da matéria de facto os factos essenciais antes dados como provados e que fundamentavam a conclusão de estarem preenchidos os requisitos da simulação no que concerne à compra e venda celebrada entre Autor e 1º Réu deixaram de existir, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida quando considera este negócio nulo.
De igual modo se impõe decidir quanto ao negócio celebrado entre os 1º e 2º Réus, sendo igualmente revogada a decisão recorrida no que concerne à nulidade do negócio.
Para que se concluísse pela nulidade da compra e venda celebrada entre o 2º Réu e a 3ª Ré era necessário concluir antes de mais serem nulas as anteriores.
Ora assim não acontecendo, não é necessário chamar à colação o disposto nos artº 235º e 284º do C.Civ. uma vez que, como se concluiu o 2º Réu era o proprietário da fracção a que se reportam os autos.
Destarte, impõe-se também revogar a decisão recorrida no que concerne à validade desta compra e venda julgando a acção improcedente quanto à 3ª Ré.
No que concerne à validade da hipoteca do 4º Réu, sendo certo que nesta parte não foi interposto recurso da decisão e que nada se pode nesta sede decidir, tendo-se concluído na decisão agora revogada que o ali decidido não era oponível ao 4º Réu o agora decidido também em nada afecta aquela decisão uma vez que o 4º Réu continua a beneficiar da hipoteca que tem constituída a seu favor para garantia do seu crédito.
Termos em que se impõe decidir em conformidade.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
- Negar provimento ao Recurso interlocutório no que concerne ao depoimento de parte prestado pelo 1º Réu.
- Conceder parcial provimento ao recurso interposto da decisão da matéria de facto e em consequência revoga-se a decisão de alterar a redacção da alínea M) dos Factos Assentes revogando-a e quanto à Base Instrutória decide-se manter como provados nos termos em que o foram os quesitos 5º e 18º, dar também como provados os quesitos 76º, 80º e 81º nos termos supra indicados, dar como não provados os quesitos 7º, 10º, 11º, 14º, 19º, 20º, 26º, 27º, 43º, 45º, 50º e 55º e manter como não provados os quesitos 83º, 84º e 85º e em consequência revogar a decisão recorrida no que concerne aos 1º, 2º e 3ª Réus absolvendo-os dos pedidos, mantendo-se o decidido quanto ao 4º Réu relativamente ao qual não foi interposto recurso.
Custas em ambas as instâncias a cargo do Autor.
Registe e Notifique.
RAEM, 23 de Maio de 2024
Rui Pereira Ribeiro (Juiz Relator)
Fong Man Chong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng (Segundo Juiz-Adjunto)
1 Cfr. Acórdão do T.U.I. no Processo n.º 69/2021, de 13 de Maio de 2015.
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72/2024 CÍVEL 33