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Processo n.º 743/2023
(Autos de recurso contencioso)
     
Relator: Fong Man Chong
Data : 30 de Maio de 2024

Assuntos:

- Cessão de quota duma sociedade comercial que é titular da licença de promoção de jogo

SUMÁRIO:

I – Resulta provado que a licença de promoção de jogo, inicialmente titulada por uma sociedade comercial, em que, em substância, é detida por sócio que, actualmente, detém uma quota correspondente a 99% do capital da Recorrente/Sociedade Comercial, portanto um sócio dominante e por causa desse domínio, na situação em que esse sócio perca a posição dominante sem que, do mesmo passo, ela se transmita para outro sócio, daí resulte uma transmissão da licença daquele para este, justamente porque, faltará a este o domínio da sociedade que permita afirmar ser ele o verdadeiro titular da licença, ainda que por interposta sociedade comercial.

II - A falta da relação de domínio impede que o sócio se comporte em relação à licença como se fosse o verdadeiro titular da mesma, como se o seu “proprietário” (não percamos de vista que, juridicamente, a licença continua a ser detida, em exclusivo, pela Recorrente/Sociedade Comercial), que é uma sociedade comercial.

III – A transmissão de uma parte de quota em resultado da renúncia à posição de domínio por parte do actual sócio dominante, em virtude de o mesmo reduzir a sua participação social a 50% do capital, seria, quando muito uma transmissão material a favor da própria sociedade, a qual, no entanto, não é proibida, pois que a proibição abrange apenas a transmissão a terceiros, como resulta, expressis verbis, do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 16/2022, continuando a mesma sociedade comercial/Recorrente a ser titular da respectiva licença.

IV - A renúncia àquela posição de domínio por parte do sócio dominante constitui como que a contrapartida necessária à manutenção da própria licença, por força do disposto na alínea 5) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 16/2022, em virtude de o mesmo não ser residente permanente de Macau, sendo obrigatória a cessão da respectiva quota por imposição legal recentemente introduzida.

V - Aliás, se bem interpretamos a fundamentação do acto administrativo impugnado, facilmente constataremos que a Administração jamais afirma que tenha ocorrido a transmissão da licença de promotor de jogo da Recorrente a favor de quem pretende adquirir 50% do seu respectivo capital social. O que se deixou exarado naquela fundamentação foi que a projectada operação de entrada de um novo sócio da Recorrente indiciava a possibilidade de existir uma transmissão da licença de promotor de jogo, deste modo se violando o n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 16/2022. Uma coisa, no entanto, é existir uma transmissão da licença, proibida por aquela norma, outra coisa, diferente, é estar meramente indiciada a possibilidade de ter ocorrido essa transmissão, mas não é proibida pela lei.
     
     
O Relator,
     
_______________
Fong Man Chong




















Processo n.º 743/2023
(Autos de recurso contencioso)

Data : 30 de Maio de 2024

Recorrente : A, Limitada (A有限公司)

Entidade Recorrida : Secretário para a Economia e Finanças

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Limitada (A有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 09/08/2023, veio, em 12/10/2023, interpor o recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 7, tendo formulado as seguintes conclusões:
(1) 司法上訴人於2023年8月份向經濟財政司司長提交了該公司股東變更之申請。然而,被上訴之批示對司法上訴人申請轉換公司股東一事作出不予許可之決定。
(2) 為此,司法上訴人不服並提出本上訴,主張因違反法律之原因聲請撤銷被上訴之批示,理由如下:
(3) 司法上訴人為公司法人,所營事業為推介娛樂場幸運博彩或其他方式的博彩,公司股東現有兩位,大股東是香港永久性居民,占公司股額99%,另一位股東僅占公司股額1%,上述兩位公司股東均是司法上訴人之行政管理機關成員。
(4) 司法上訴人持有博彩中介准照,該准照是於第16/2022號法律生效前依法獲批的,准照的有效期至2023年12月31日。
(5) 根據現已生效的第16/2022號法律[娛樂場幸運博彩經營業務制度]第55條及第8條之規定,司法上訴人之博彩中介准照於上述法律生效後繼續有效,但續期時就須符合上述法律第8條之所有要件,其中一項要件是“50%或以上的公司資本由年滿二十一歲的澳門特別行政區永久性居民持有”。
(6) 換言之,司法上訴人若要成功續期博彩中介准照,必然需要轉換公司股東,使公司不少於50%的股轉換給一位年滿二十一歲的澳門特別行政區永久性居民持有。
(7) 根據第16/2022號法律第18條規定,博彩中介轉換公司股東須獲經濟財政司司長許可,基於此,司法上訴人為著符合該法規定之續期前提條件,故向經濟財政司司長申請轉換公司股東,股權變動後原公司大股東占公司股額由99%降至50%;原公司小股東則失去其僅占的1%公司股額,並退出公司不再為行政管理機關成員;新股東則占公司股額50%,並成為行政管理機關成員。
(8) 為著讓當局審批司法上訴人的申請及對新股東的審查,司法上訴人亦已向當局提供了一份[轉股、增加資本及合併合同]、一份擬變更後之[公司章程]、一份關於新股東之[個人資料披露表]、一份有關新股東作為博彩中介的股東、行政管理機關成員、主要僱員及其他之[個人資料披露表]、以及新股東之澳門永久性居民身份證。
(9) 然而,被上訴之批示對司法上訴人轉換公司股東的申請不予許可。其理由主要是因為博彩中介准照的不可轉移性,認為司法上訴人公司轉換股東實質上就是轉移博彩中介准照。然而,被上訴之批示這樣的解釋明顯是不合理。
(10) 首先,雖然第16/2022號法律明確規定博彩中介准照是不可轉讓,但沒有明確規定獲批准照的公司不可轉換公司股東,而是讓經濟財政司對轉換公司股東作事前監管。政府一向不批准轉讓博彩中介准照主要原因是避免炒賣,以及要對博彩行業之有效監管。
(11) 於本案中,司法上訴人申請加入一位年滿21歲的澳門居民作股東並持50%的股,僅是順迎新法之要求,背後絕無存在任何炒賣博彩中介准照的動機。而司法上訴人作相關申請時,亦有提交新股東之個人資料披露表,從而讓當局也可審查新股東是否符合法律所要求的適當資格,這也沒有加大當局管理層面上的困難。
(12) 第二,被上訴之批示可能是要質疑司法上訴人為何不將現時大股東的股額轉讓給現另一位公司小股東,因該小股東是澳門居民,故以此符合新法要求?然而,倘原大股東將公司股權轉讓給原小股東,變相是要原小股東加大投資,眾所周知,公司股東雖然是對公司擁有權利及有權分享盈餘,但同時亦有各種義務,尤其是要負擔公司之虧蝕,加上博彩中介行業是需要投入巨額金錢作運營,且回報不確定,認為不能因此要求司法上訴人的原小股東強迫接受加大投資的風險。
(13) 第三,被上訴之批示嚴重損害了司法上訴人之既得利益,上訴人是在第16/2022號法律生效前獲批博彩中介准照,在獲得准照後,上訴人亦與承批公司簽定博彩中介合同,且已經開展博彩中介的業務。所以,在保障投資者利益層面上,在法律容許下司法上訴人應有繼續經營博彩中介之權利。
(14) 雖然第16/2022號法律對博彩中介公司之申請發牌及續期要求上加入了50%或以上的公司資本由年滿二十一歲的澳門特別行政區永久性居民持有之要求,但該法律並沒有不准非澳門居民作為博彩中介公司的股東及據位人,換言之,就博彩中介准照的發牌申請方面,是可以接受公司股權50%由澳門永久性居民持有,50%由外地(當然包括香港)居民持有的組合,既然如此,為何就不接納已存在的博彩中介公司申請轉換公司股東,並以上述的組合續期博彩中介准照?這明顯是有失公平。
(15) 而回顧在審議[娛樂場幸運博彩經營業務制度]之法案時,作為提案人之政府在提到中介人的立法上,指出立法目的是要保障博彩中介能在繼續從業的前提下,加強對行業的規管,讓有關行業循良性、合理的方向發展。所以,現時被上訴之批示所持之理由明顯是難以今人信服,該決定違背了立法意圖,剝奪現有的從業者繼續營業的機會,更嚴重損害澳門特別行政區作為保障投資者合法權益的形象。
(16) 綜上所述,被上訴之批示沒有考慮到司法上訴人是要遵守新法律的續期要求才申請轉換公司股東,亦沒有充分理解博彩中介准照不可轉移性與轉換公司股東之實質分別,僅以一刀切的方式作出不合理的決定,這嚴重損害了上訴人作為行業一分子之既得利益,違反了第16/2022號法律之立法意圖,亦違反了《行政程序法典》第5及第8條所規定善意、公平及適度原則,故應被撤銷。
綜上所述,現向尊敬的中級法院法官 閣下請求如下:
a) 接納本司法上訴;及
b) 根據《行政程序法典》第55條之規定,著令被司法上訴實體呈交被司法上訴的批示之行政卷宗正本,並將之附入本司法上訴卷宗內,及視為本卷宗之組成部份;及
c) 被上訴之批示沒有考慮到司法上訴人是要遵守新法律的續期要求才申請轉換公司股東,所以該決定違反了第16/2022號法律之立法意圖,亦違反了《行政程序法典》第5及第8條所規定善意、公平及適度原則,故應被撤銷。
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 43 a 47, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. O poder previsto no art. 18, n. 1, da Lei 16/2022 tem natureza discricionária;
II. A lei proíbe terminantemente a transmissão, por qualquer forma, das licenças concedidas para a actividade de promoção do jogo (art.7, n. 3);
III. Autorizar a transmissão, para um novo sócio, de parte muito significativa da quota de um sócio que detém 99% do capital numa sociedade promotora do jogo seria, de facto, uma forma de contornar a proibição referida no número anterior;
IV. Sendo assim, ao indeferir, discricionariamente, o requerimento da recorrente, o órgão recorrido não actuou com total desrazoabilidade, nem incorreu em erro manifesto.
V. Consequentemente, não houve violação dos princípios gerais do procedimento administrativo;
VI. A licença concedida para o exercício da actividade de promoção do jogo está, naturalmente, sujeita a um prazo de caducidade;
VII. A renovação da licença concedida à recorrente está dependente da verificação dos requisitos previstos na lei vigente, não existindo um direito absoluto a essa renovação.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 101 a 104, pugnando pelo provimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

事由:回覆轉換公司股東、變更公司股東之間的股權、變更公司機關據位人和增加公司資本之申請
基於第16/2022號法律《娛樂場幸運博彩經營業務制度》第七條第三款的規定,貴公司申請將半數的股(表示公司資本之50%)對外轉予新股東B先生,將影響其原控權股東的地位,此變更事項存在移轉中介准照的可能性,實質上可以造成轉移原博彩中介准照的效果,是故經濟財政司司長於2023年09月08日作出批示,根據上指法律第十八條第一款的規定,對於博彩中介轉換公司股東的申請不予許可。
針對經濟財政司司長的決定,利害關係人可根據《行政程序法典》第一百四十九條規定,於十五日內向作出行為者提出聲明異議;另亦可根據《行政訴訟法典》第二十五條及第二十六條所規定的期間內,向澳門特別行政區中級法院提出司法上訴。
最後,基於審批 貴公司變更公司股東之間的股權和變更公司機關據位人申請的前提,取決於經濟財政司司長許可轉換公司股東,故前述申請已無需要再審理。至於增加公司資本的申請,貴公司只須根據第16/2022號法律《娛樂場幸運博彩經營業務制度》第三十條第一款(七)項,“自修改公司章程之日,或訂立準公司協議之日起五日內,將該等事實通知博彩監察協調局”。
根據第16/2022號法律《娛樂場幸運博彩經營業務制度》第十八條第二款規定,發出公司股東之間的股權、公司機關據位人的變更許可屬博彩監察協調局局長的權限,故針對此申請事項利害關係人可根據《行政程序法典》第一百四十九條規定,於十五日內向博彩監察協調局局長提出聲明異議;另亦可根據《行政訴訟法典》第二十五條及第二十六條所規定的期間內,向澳門特別行政區行政法院提出司法上訴。

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, Limitada, melhor identificada nos autos, veio interpor o presente recurso contencioso em que pediu a anulação do acto administrativo praticado do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido de mudança dos respectivos sócios.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação e nela pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i.)
Comecemos por enunciar, em linhas gerais, o quadro fáctico relevante para a compreensão do presente litígio. É ele o seguinte.
A Recorrente é uma sociedade comercial com um capital social de 100 000 patacas.
Os seus sócios são C, residente permanente da Região Administrativa Especial de Hong Kong, e que detém uma quota de 99 000 patacas e D, que detém uma quota no valor de 1 000 patacas.
A Recorrente é, desde 2007, detentora da licença de promotor de jogo n.º EXX7.
A Recorrente pretende aumentar o seu capital social para 10 000 000 de patacas, a ser detido em duas quotas de 50% cada uma, pelo actual sócio, C, e por um novo sócio, B, pelo requereu ao Secretário para a Economia e Finanças autorização para a mudança de sócios.
Essa autorização foi indeferida pela Entidade Recorrida, com fundamento no facto de ser, citamos, «materialmente possível existir indício da transmissão da licença de promotor de jogo e, deste modo, violar a referida norma jurídica (leia-se: o artigo 7.º da Lei n.º 16/2022)».
Sendo este o quadro fáctico essencial a considerar, olhemos, agora, para o direito aplicável, na perspectiva que aqui interessa, que é a da aferição da legalidade do acto em função, claro está, dos fundamentos invocados na petição do recurso.
(ii)
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 16/2022, «está sujeita a autorização do Secretário para a Economia e Finanças, sob pena de nulidade, a mudança de sócios da sociedade ou a alteração do contrato de promoção de jogos pelo promotor de jogo». Apesar de a norma acabada de transcrever não concretizar, não pode deixar de se entender que, a autorização da mudança aí prevista estará sujeita, no que respeita à qualidade dos sócios, aos mesmos pressupostos a que o está a emissão e a renovação da própria licença.
Ora, como resulta do artigo 8.º da Lei n.º 16/2022, a emissão e a renovação da licença de promotor de jogo, depende, de, no que respeita aos sócios da sociedade licenciada da verificação dos seguintes requisitos: (1) serem os mesmos pessoas singulares com capacidade de exercício de direitos; (2) que uma percentagem igual ou superior a 50% do capital social ser detida por residentes permanentes da RAEM que tenham completado 21 anos de idade; (3) que os seus sócios, não tenham sido declarados insolventes ou falidos, nem serem responsáveis por dívidas derivadas da insolvência ou falência de terceiros e, finalmente, (4) que os sócios sejam idóneos.
Se em relação os três primeiros requisitos enunciados não existem dúvidas de serem os mesmos de verificação objectiva, já quanto ao último, atinente à idoneidade dos sócios, também nos parece incontroverso que o mesmo abre uma margem de discricionariedade à Administração, mediante a utilização de um conceito jurídico indeterminado. Significa isto, portanto, que, se Administração indeferir uma mudança de sócios com fundamento na falta de idoneidade dos novos sócios, o controlo judicial desse indeferimento será, como sabemos, limitado às situações de erro manifesto ou de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, incluindo a violação intolerável dos princípios gerais da actividade administrativa.
(iii)
Todavia, no caso em apreço, o indeferimento da mudança de sócios teve um outro fundamento. A Administração considerou que a pretendida mudança de sócios podia materializar uma transmissão da licença de jogo, a qual é proibida por lei.
O Recorrente não se conforma com este entendimento da Administração. Segundo diz, a mudança que a sociedade pretende introduzir visa, apenas, a conformação com a exigência constante da alínea 5) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 16/2022, segundo a qual, uma percentagem igual ou superior a 50% do capital social deve ser detida por residentes permanentes da RAEM que tenham completado 21 anos de idade.
Com todo o respeito pela opinião contrária, parece-nos que o Recorrente tem razão. Pelo seguinte.
Decorre da norma do n.º 3 do artigo 7.º da Lei 16/20022, que a licença de promotor não pode ser transmitida, por qualquer forma, a terceiros. Se o for, daí resultará face ao disposto na alínea 3) do n.º 1 do artigo 12.º daquele diploma legal, o respectivo cancelamento (apesar de a consequência legalmente prevista para a transmissão da licença ser o respectivo cancelamento, a verdade é que, no caso, estranhamente, a Administração não actuou como era imposto pela vinculação legal resultante da alínea 3) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 16/2022, cancelando a licença, tendo optado, antes, sem que se perceba bem porquê, por não autorizar a requerida mudança de sócios).
A transmissão da licença pode ocorrer de várias formas. Uma delas é, seguramente, a da alienação de participações sociais na sociedade detentora da licença. Neste ponto, acompanhamos a Administração. No entanto, para que, nesse caso e transmissão de quotas, se possa falar de uma substancial transmissão da licença, parece-nos indispensável que o transmissário da participação adquira uma posição dominante na sociedade, que lhe permita comportar-se em relação aos bens que integram o património da sociedade, licença incluída, como se fosse, ele próprio o titular dos mesmos, que justifique, nesse contexto, a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, detentora formal da licença de promotor de jogo, mas transformada em mero instrumento de interposição entre essa licença e o seu verdadeiro detentor.
Esta nossa proposta interpretativa no sentido de que para que se possa, neste contexto, falar de transmissão da licença se mostra necessário que haja a transmissão de mais de 50% do capital social ou, então, a transmissão do capital do sócio dominante, é, sem bem vemos, claramente confirmada do que cremos ser o lugar paralelo emergente da alínea 1) do n.º 2 do artigo 144.º da Lei n.º 10/2013 (aí se estabelece que se considera haver transmissão das situações resultantes da concessão por arrendamento de terrenos quando ocorra a transmissão superior a 50% do capital social ou do capital social do sócio dominante, quando o concessionário seja uma sociedade comercial).
Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 212.º do Código Comercial, sócio dominante «é a pessoa singular ou colectiva que, por si só ou conjuntamente com outras sociedades de que seja também sócio dominante ou com outros sócios, a quem esteja ligado por acordos parassociais, detém uma participação maioritária no capital social, dispõe de mais metade dos votos ou do poder de fazer eleger a maioria dos membros da administração» (destacado nosso). A verdade, porém, é que nada disto se verifica na situação vertente. A pessoa que pretende entrar no capital da Recorrente como novo sócio, não irá ter a posição de sócio dominante, e por isso não nos parece que se possa dizer que aquela entrada no capital social consubstancie, em sentido material, uma transmissão a seu favor da licença de promotor de jogo.
É certo que, com a pretendida recomposição societária, o sócio C deixará de ter a posição dominante de que actualmente desfruta. No entanto, daí não se pode extrair, sem mais, na falta da transmissão dessa posição dominante para quem intenciona entrar, na qualidade de novo sócio, no capital social da Recorrente, que este seja verdadeiro transmissário da licença de promotor de jogo. Se é certo dizer-se que a licença, em substância, é detida pelo sócio que, actualmente, detém uma quota correspondente a 99% do capital da Recorrente, por isso que ele é o sócio dominante e por causa desse domínio, não é certo, ao invés, dizer-se que, na situação em que esse sócio perca a posição dominante sem que, do mesmo passo, ela se transmita para outro sócio, daí resulte uma transmissão da licença daquele para este, justamente porque, faltará a este o domínio da sociedade que permita afirmar ser ele o verdadeiro titular da licença, ainda que por interposta sociedade comercial. A falta da relação de domínio impede que o sócio se comporte em relação à licença como se fosse o verdadeiro titular da mesma, como se fosse, vamos dizê-lo sem rigor, o seu «proprietário» (não percamos de vista que, juridicamente, a licença continua a ser detida, em exclusivo, pela Recorrente, que é uma sociedade comercial, e por isso, a falar-se de transmissão daquela em resultado da renúncia à posição de domínio por parte do actual sócio dominante, em virtude de o mesmo reduzir a sua participação social a 50% do capital, seria, quando muito uma transmissão material a favor da própria sociedade, a qual, no entanto, não é proibida, pois que a proibição abrange apenas a transmissão a terceiros, como resulta, expressis verbis, do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 16/2022).
O que acontece, ao menos, na aparência que flui dos autos, é que a renúncia àquela posição de domínio por parte do sócio C constitui como que a contrapartida necessária à manutenção da própria licença, por força do disposto na alínea 5) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 16/2022, em virtude de o mesmo não ser residente permanente de Macau. Daí que seja essa, como alega a Recorrente, a causa próxima dessa renúncia e não, ao que parece, a intenção de transmitir a licença de que a mesma é titular a favor de quem pretende assumir a qualidade de novo sócio.
Aliás, se bem interpretamos a fundamentação do acto administrativo impugnado, facilmente constataremos que a Administração jamais afirma que tenha ocorrido a transmissão da licença de promotor de jogo da Recorrente a favor de quem pretende adquirir 50% do seu respectivo capital social. O que se deixou exarado naquela fundamentação foi que a projectada operação de entrada de um novo sócio da Recorrente indiciava a possibilidade de existir uma transmissão da licença de promotor de jogo, deste modo se violando o n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 16/2022. Uma coisa, no entanto, é existir uma transmissão da licença, proibida por aquela norma, outra coisa, diferente, é estar meramente indiciada a possibilidade de ter ocorrido essa transmissão. E a questão, salvo o devido respeito, contrariamente ao que parece entender a Administração, não é de grau. Ou ocorreu transmissão da licença e esta deve ser cancelada, ou não ocorreu, e neste caso, nenhuma consequência desfavorável para o titular da licença pode a Administração extrair com base em meros indícios de uma possível, mas não demonstrada, transmissão.
Entendemos, assim, que a Administração, ao concluir que, com base na indiciação de uma possível transmissão da licença de promotor de jogo de que a Recorrente é titular, podia praticar o acto de indeferimento do pedido de mudança de sócios aqui impugnado, incorreu no vício de violação de lei, o qual, de acordo com o disposto no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, implica a anulabilidade do acto recorrido (segundo a melhor doutrina, a violação de lei, «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis», abrangendo, portanto, entre outras situações, «o erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas»: assim, por todos, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3.ª edição, Coimbra, 2017, pp. 345-347).
De referir, finalmente, que o mencionado vício, apesar de não ter sido expressamente invocado como tal pela Recorrente, corresponde apenas a uma diferente qualificação jurídica da causa de pedir que a mesma alegou, e daí que nada obste, parece-nos, a que o recurso seja provido com base nessa diferente qualificação, face ao disposto no n.º 6 do artigo 74.º do CPAC (jura novit curia).
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado procedente, devendo, em consequência, ser anulado o acto recorrido.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida padece do vício de violação da lei, tal como configurada pelo Recorrente, pois, está em causa a aplicação do artigo 18º da Lei nº 16/2022 (Regime da actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar em casino) , de 19 de Dezembro, que estipula:
Autorização de alteração
     1. Está sujeita a autorização do Secretário para a Economia e Finanças, sob pena de nulidade, a mudança de sócios da sociedade ou a alteração do contrato de promoção de jogos pelo promotor de jogo.
     2. Está sujeita a autorização do director da DICJ, sob pena de nulidade, a alteração, pelo promotor de jogo, de qualquer uma das seguintes situações:
     1) Participações representativas do capital social por parte dos sócios da sociedade;
     2) Constituição dos órgãos sociais;
     3) Titulares dos órgãos sociais ou principais empregados.
     3. À alteração do contrato de promoção de jogos referida no n.º 1 aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 10.º.
     4. O promotor de jogo necessita de requerer à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, doravante designada por CRCBM, o registo dos factos em causa após ter obtido as autorizações referidas nos n.os 1 e 2, enviando à DICJ, no prazo de 15 dias a contar da data da conclusão do registo, certidões do registo e dos respectivos documentos arquivados emitidas pela CRCBM.
Pela forma como a norma constante do nº 1 está redigida, o legislador prevê expressamente a possibilidade da mudança de sócios, daí a exigida autorização.
Por outro lado, não é acolher o argumento tecido pela Entidade Recorrida no sentido de que a norma do nº 1 do artigo acima citado confere aquele órgão um poder discricionário, pelo contrário, à luz do conteúdo da norma em causa, a Administração pode autorizar e não autorizar, mas no caso de não autorizar, tem de fundamentar a decisão negativa nos termos das regras gerais, nomeadamente nos termos do artigo 115º do CPA, invocando razões de facto e de direito poderosas para sustentar a decisão de não autorização.
No caso, não se verificam factos que demonstram que a mudança de sócio visa defraudar a lei ou transmitir a respectiva licença de promoção de jogos. Aliás este ónus de prova recai sobre a Entidade Recorrida.
Face ao expendido e ao vício detectado (violação da lei), é de julgar procedente o recurso, anulado-se o acto recorrido.
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Síntese conclusiva:
I – Resulta provado que a licença de promoção de jogo, inicialmente titulada por uma sociedade comercial, em que, em substância, é detida por sócio que, actualmente, detém uma quota correspondente a 99% do capital da Recorrente/Sociedade Comercial, portanto um sócio dominante e por causa desse domínio, na situação em que esse sócio perca a posição dominante sem que, do mesmo passo, ela se transmita para outro sócio, daí resulte uma transmissão da licença daquele para este, justamente porque, faltará a este o domínio da sociedade que permita afirmar ser ele o verdadeiro titular da licença, ainda que por interposta sociedade comercial.
II - A falta da relação de domínio impede que o sócio se comporte em relação à licença como se fosse o verdadeiro titular da mesma, como se o seu “proprietário” (não percamos de vista que, juridicamente, a licença continua a ser detida, em exclusivo, pela Recorrente/Sociedade Comercial), que é uma sociedade comercial.
III – A transmissão de uma parte de quota em resultado da renúncia à posição de domínio por parte do actual sócio dominante, em virtude de o mesmo reduzir a sua participação social a 50% do capital, seria, quando muito uma transmissão material a favor da própria sociedade, a qual, no entanto, não é proibida, pois que a proibição abrange apenas a transmissão a terceiros, como resulta, expressis verbis, do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 16/2022, continuando a mesma sociedade comercial/Recorrente a ser titular da respectiva licença.
IV - A renúncia àquela posição de domínio por parte do sócio dominante constitui como que a contrapartida necessária à manutenção da própria licença, por força do disposto na alínea 5) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 16/2022, em virtude de o mesmo não ser residente permanente de Macau, sendo obrigatória a cessão da respectiva quota por imposição legal recentemente introduzida.
V - Aliás, se bem interpretamos a fundamentação do acto administrativo impugnado, facilmente constataremos que a Administração jamais afirma que tenha ocorrido a transmissão da licença de promotor de jogo da Recorrente a favor de quem pretende adquirir 50% do seu respectivo capital social. O que se deixou exarado naquela fundamentação foi que a projectada operação de entrada de um novo sócio da Recorrente indiciava a possibilidade de existir uma transmissão da licença de promotor de jogo, deste modo se violando o n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 16/2022. Uma coisa, no entanto, é existir uma transmissão da licença, proibida por aquela norma, outra coisa, diferente, é estar meramente indiciada a possibilidade de ter ocorrido essa transmissão, mas não é proibida pela lei.
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Tudo visto, resta decidir.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 30 de Maio de 2024.

Fong Man Chong
(Relator)

Ho Wai Neng
(1o Juiz-Adjunto)

Tong Hio Fong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)

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2023-743-mudar-sócio-imposição-legal