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Processo nº 245/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Maio de 2024

ASSUNTO:
- Decisão penal condenatória
- Declaração de quitação
- Natureza do acidente

SUMÁRIO:
- Nos termos do art.º 578º do CPC, “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”.
- Tratando-se dum acidente de trabalho e viação, o facto de a sinistrada do acidente ter ressarcido dos danos sofridos não é razão bastante para se declarar extintas todas as acções em que uma das seguradoras pretende valer o seu direito, já que o direito à indemnização no acidente de trabalho é um direito indisponível, não cabendo ao trabalhador sinistrado decidir do seu destino.
- O acidente de trabalho pode ocorrer na ida para o local de trabalho ou no regresso deste, quando for utilizado o meio de transporte conforme acordo estabelecido entre o empregador e o trabalhador.
O Relator
Ho Wai Neng






















Processo nº 245/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Maio de 2024
Recorrente: A, S.A. (Ré)
Recorrida: B, S.A. (Autora)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – RELATÓRIO
Por sentença de 03/11/2023, julgou-se a acção procedente e, em consequência, condenou a Ré A, S.A. no pagamento de uma indemnização no montante de MOP435,500.70.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
1. No processo-crime, a C (ofendida) e a ora ré, chegaram a acordo para pagamento da indemnização, tendo a decisão judicial recaído exclusivamente na parte criminal, não se podendo concluir que o arguido tenha sido o responsável pelo acidente de viação ou que a ofendida não tivesse também responsabilidade, pelo que as circunstâncias do acidente quanto à responsabilidade do ilícito civil não ficaram provadas na parte criminal, nem na acção de sub-rogação por não ter sido produzido prova.
2. A C e a ré, por meio de transacção extrajudicial acordaram na composição do litígio, com a referida transacção extrajudicial a C considerou-se ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo que não poderia sub-rogar os direitos cuja titularidade já não detinha em virtude de a 09 de Março de 2018 e por via da referida transacção extrajudicial os ter prescindido, faltando a legitimidade que deve conduzir à absolvição.
3. O acidente não ocorreu no local de trabalho e o trabalhador utilizava transporte próprio, a cláusula inserta no contrato de seguro celebrado entre a entidade empregadora e a autora corresponde à vontade contratual que apenas produz efeitos entre as partes no sentido de indemnizar o trabalhador, o que nos termos da lei em vigor não é caraterizável como acidente de trabalho.
4. Perante o resultado de duas perícias médicas, com resultados diferentes, a decisão recorrida ao optar pelo resultado obtido no processo laboral deve fundamentar a sua posição, o que não sucedeu constituindo vício de falta de fundamentação.
5. Não foi feita prova de que a trabalhadora tenha recebido o montante de MOP68.399,95 que extravasa o fixado na conciliação laboral, havendo vício de falta de prova para a decisão.
*
A Autora B, S.A. respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 764 a 770 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1) A Autora é uma empresa que se dedica à actividade seguradora, devidamente legalizada e autorizada a celebrar contratos de seguro em todos os ramos, com os seus segurados. (Fls. 9 a 32 dos autos). (A)
2) A Ré é uma empresa que se dedica igualmente à actividade seguradora. (Fls. 35 a 77 dos autos). (B)
3) No âmbito da sua actividade, a Ré celebrou um contrato de seguro do Ramo Automóvel com D, com o montante seguro de MOP1,500,000.00 por acidente, titulado pela apólice n.º XXXXXXX. (Fls. 342 dos autos). (C)
4) Através do aludido contrato de seguro, foi transferida para a Ré a responsabilidade civil emergente da circulação do motociclo com a matrícula MO-XX-XX. (D)
5) No âmbito da sua actividade, a Autora celebrou um contrato de seguro do Ramo de Acidentes de Trabalho com a XX, S.A., titulado pela apólice n.º CIM/EGI/2016/003292. (Fls. 33 a 34 dos autos) (1.º)
6) No dia 17 de Setembro de 2016, pelas 23H30, ocorreu um acidente de viação, em Macau, na Ponte de Amizade. (2.º)
7) Em que foram intervenientes D e C. (3.º)
8) O condutor D do motociclo com a matrícula MO-XX-XX, circulava na faixa esquerda da Ponte de Amizade, e seguiu em direcção de Macau para Taipa. (4.º)
9) A condutora C do motociclo com a matrícula MK-XX-XX, circulava na berma da faixa esquerda da Ponte de Amizade, e seguia na mesma direcção, ou seja, Macau para Taipa. (5.º)
10) Quando se aproximou do poste de iluminação 706C03, o motociclo MO-XX-XX entrou na berma da faixa esquerda, onde circula o motociclo de matrícula MK-XX-XX, provocando o embate. (6.º)
11) Na sequência do embate, C foi projectado para o chão, juntamente com o seu motociclo. (7.º)
12) Na sequência do embate, C sofreu lesões graves, tendo precisado de tratamento hospitalar. (8.º)
13) O condutor D conduziu de forma desatenta e descuidada, não cumprindo os deveres de circular com atenção e cuidados próprios de quem conduz na estrada. (9.º)
14) Aquando do acidente supra descrito C era trabalhadora da XX, S.A., desempenhando, sob ordens e direcção desta. (10.º)
15) Auferindo o salário mensal de MOP20,349.01. (11.º)
16) Aquando do acidente C estava a conduzir o seu motociclo para se deslocar para o seu local de trabalho. (12.º)
17) Resulta da apólice de seguro n.º CIM/EGI/2016/003292:
“Conditions:
(…)
9) To and From Work Place Clause
This policy is extended to cover employees against death or injury whilst they are proceeding from one point to place of employment and vice versa by any means of transportation service including public / private transport or on foot.”. (Fls. 33 a 34 dos autos) (13.º)
18) O direito à indemnização de C, trabalhadora da XX, S.A., resulta expresso no contrato de seguros de acidente de trabalho celebrado entre a aqui Autora e a sua entidade patronal. (14.º)
19) Assim, o supra descrito acidente deu origem a um Processo para a efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho, que correu termos no juízo laboral do Tribunal Judicial de Base sob o n.º LB1-17-0415-LAE. (Fls. 91 a 97 dos autos) (15.º)
20) Do acidente em apreço resultaram para a C lesões no braço direito, mão direita, lesões nos joelhos e na anca, sendo as lesões mais graves nos tornozelos e no pulso direito, melhor descritas no auto de exame medico a fls. 92 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido. (16.º)
21) Em consequência do acidente, a C sofreu uma incapacidade absoluta para o trabalho (ITA) desde 17 de Setembro de 2016 a 02 de Fevereiro de 2018, num total 206 dias. (17.º)
22) Pelo que, do dia 17 de Setembro de 2016 até ao 02 de Fevereiro de 2018, a C faltou ao trabalho. (18.º)
23) Em consequência do acidente, a C sofreu uma incapacidade permanente parcial de 8%. (19.º)
24) Em 10 de Abril de 2018, no âmbito do aludido processo LB1-17-0415-LAE, foi realizada a Tentativa de Conciliação. (20.º)
25) No âmbito da qual foram acordadas as indemnizações legais devidas à C. (21.º)
26) A C nasceu em 02 de Janeiro de 1987. (22.º)
27) A Autora pagou à C a quantia de MOP195,350.50, a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial de 8%. (Fls. 98 a 101 dos autos) (23.º)
28) 原告已支付的“ITA暫時絕對無能力”金額為MOP93,153.20,其中:
- 金額分別為MOP1,808.80、MOP3,165.40、MOP23,062.20、MOP6,330.80、MOP3,165.40、MOP5,426.40、MOP8,139.60及MOP 9,044.00,由原告透過支票支付給受害人僱主,並由僱主支付給受害人;
- 而金額分別為MOP6,330.80、MOP3,165.40、MOP14,018.20、3,165.40、MOP1,808.80、MOP452.20及MOP4,069.80,原告已直接支付給受害人。
29) A Autora pagou à C a quantia de MOP146,997.00, a título indemnização pelas despesas médicas, medicamentosa, cuidados de enfermagem e internamento hospitalar despendidos pela C. (25.º)
30) Em 09 de Março de 2018, C e a Ré, por meio de transacção extrajudicial, acordaram que, C, com a quitação do pagamento, se considerou ressarcida de todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, por si sofridos em consequência do sinistro em discussão nos presentes autos. (Fls. 343 dos autos) (26.º)
31) Ao abrigo da referida transacção, a Ré indemnizou C na quantia de MOP260,000.00 referentes aos danos peticionados por esta no processo-crime sob o n.º CR4-18-0146-PCS. (Fls. 343 e 344 dos autos) (27.º)
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“...
  本案中,原告以第40/95/M號法令第58條第1款的規定,要求代位行使遇難人對引致交通事故之車輛之保險人之權利。
  第40/95/M號法令第58條第1款規定,º如意外同時為交通事故及工作意外,由根據本法規之規定獲轉移而承擔工作意外責任之保險人作彌補,並由其代位行使遇難人對引致交通事故之車輛之保險人之權利。º
  根據獲證事實,本案受害人同時為交通事故及工作意外的受害人,而原告作為工作意外的保險公司,在是次事故中已向受害人支付:
- 長期部份無能力之減值賠償MOP195,350.50;
- “ITA暫時絕對無能力”金額MOP93,153.20;
- 醫療費總數為MOP146,997.00。
  即在是次意外中,原告支付了合共MOP435,500.70的損害賠償。
  由於被告作為交通事故的保險公司需要對是次意外負責,而原告作為工作意外的保險公司已向受害人支付了上述金額,根據第40/95/M號法令第58條第1款的規定,原告有權代位取得被害人上述金額之權利。
  基於此,裁定原告提出的請求,理由成立,被告須向原告支付MOP435,500.70以及自傳喚之日至完全支付時按法定利率計算的利息。
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  IV – 判決
  綜上所述,本院裁定原告提出的請求,理由成立,判處被告澳門保險股份有限公司須向原告支付總額MOP435,500.70,以及自傳喚之日至完全支付時按法定利率計算的利息。
…”。
Cumpre agora apreciar as questões suscitadas pela Ré, ora Recorrente.
A - Da decisão penal condenatória
Alega a Ré que não foi apreciada a questão da responsabilidade civil derivada do acidente no processo-crime nº CR4-18-0146-PCS, pelo que incumbe à Autora o ónus da prova dos factos constitutivos do alegado direito de sub-rogação, o que não foi feito.
Ficaram provados na sentença proferida no processo-crime os seguintes factos:
- 2016年09月17日晚上約11時30分,被害人C駕駛編號MK-XX-XX的重型電單車沿友誼大橋方向由澳門往氹仔的左車道路緣線上行駛。
- 當時,嫌犯D駕駛編號MO-XX-XX的重型電單車接載雷良珊沿友誼大橋方向由澳門往氹仔左車道行駛。
- 當被害人駕駛上述電單車駛至友誼大橋近燈柱706C03時,嫌犯突然將其電單車從左車道駛至左路緣,被害人收掣不及引致其所駕駛的上述電單車車頭與嫌犯所駕駛的上述電單車的左車身發生碰撞,意外後導致被害人人車倒地受傷。
- 事故發生時為夜間,天睛,地面乾爽,交通密度正常。
- 上述碰撞直接造成被害人全身多處軟組織挫擦傷,經法醫鑑定,被害人的傷勢需6個月康復。傷勢詳見卷宗第45頁臨床法醫學鑑定書,為著適當效力,在此視為全部轉載。
- 上述交通事故直接造成被害人之編號MK-XX-XX重型電單車車頭、車頭蓋、左右兩邊牛角及把手、右邊倒後鏡、左右兩邊車身花損,維修費用約澳門幣陸仟捌佰圓。
- 嫌犯沒有謹慎注意路面情況,明知車輛行駛期間應儘量靠近路緣,且應與路緣保持足夠距離以免發生意外,但在案發時,嫌犯本應注意且能注意,實際上卻沒有注意與被害人所駕駛的電單車保持足夠的通行距離,以致交通事故之發生並對被害人身體的完整性造成傷害。
- 嫌犯在自由及有意識的情況下作出上述行為,且清楚知道其行為是法律所不容,以及會受法律制裁。
另外證明以下事實(Mais se provou) :
- 案發時,位處嫌犯左車道的前方車輛正在慢駛。
- 案發時,被害人所駕駛的電單車的車速比嫌犯所駕駛的電單車的車速更高。
- 被害人明知行車時應靠車行道左方通行,並儘量靠近路緣通行,但其卻左車道路緣線上行駛,以及在本應注意且能注意,卻在未能確定其超車操作不會引致其車輛與同向在左車道行駛的車輛碰撞的危險,且在超車前未能確定其所行駛的路線在安全超車所需的距離及寬度方面均暢通無阻的情況下,便在左路緣線上進行超車操作,沒有謹慎注意路面實際情況,因而收掣不及引致其所駕駛的電單車車頭與嫌犯所駕駛的電單車的左車身發生碰撞,這是導致是次交通事故的發生的原因之一。
- 嫌犯現為學生兼職跆拳道教練,每月收入約澳門幣2,000至3,000元。
- 嫌犯未婚,無需供養任何人。
- 嫌犯學歷為大學四年級程度。
- 嫌犯否認被指控的事實。
- 嫌犯刑事紀錄證明,嫌犯為初犯。
Nos termos do art.º 578º do CPC, “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”.
Assim, os factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime presumem-se provados em relação à Ré.
Portanto, não basta impugnar a matéria de facto alegada pela Autora. É necessário ilidir a presunção legal acima em referência.
Como a Ré não fez qualquer prova para ilidir a presunção legal em causa, bem decidiu o Tribunal a quo, pelo que o recurso não deixará de se julgar improvido nesta parte.
B - Da declaração de quitação
Entende que a Ré que uma vez que ela e C (ofendida do acidente), por meio de transacção extrajudicial acordaram na composição do litígio, com a referida transacção extrajudicial a C considerou-se ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo que não poderia sub-rogar os direitos cuja titularidade já não detinha.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Sobre a mesma questão, este TSI já se pronunciou nos presentes autos por acórdão de 17/03/2022 (fls. 630 a 637 dos autos), afirmando que “Tratando-se dum acidente de trabalho e viação, o facto de a sinistrada do acidente ter ressarcido dos danos sofridos não é razão bastante para se declarar extintas todas as acções em que uma das seguradoras pretende valer o seu direito, já que o artigo 58º/1 do DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto, estipula que a seguradora do contrato de acidente de trabalho, uma vez que pagou as indemnizações, fica sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação”.
Não pode a Ré voltar a colocar a mesma questão que foi objecto da decisão judicial no mesmo processo, sob pena de violar o caso julgado formal.
Aliás, este TSI tem vindo a defender que:
  “Se num acidente de viação e ao mesmo tempo acidente de trabalho, mesmo que a lesada se tenha declarado ressarcida perante ao Seguradora do ramo automóvel, se a Seguradora laboral satisfez aquela em montantes superiores, na decorrência da aplicação da lei laboral e por se ter até judicialmente considerado que se estava perante matéria indisponível, não pode aquela seguradora opor a tal excepção.” (Proc. nº 210/2009).
   “1. O direito à indemnização no acidente de trabalho é um direito indisponível, não cabendo, por isso, ao trabalhador sinistrado decidir do seu destino.
  2. A norma do n.º 1 do art.º 58.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, definidor do regime jurídico da reparação dos danos mormente emergentes de acidentes de trabalho, a reparação é efectuada pela seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, ficando esta sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veiculo causador do acidente de viação, tem por finalidade assegurar o rápido e efectivo pagamento de indemnização ao trabalhador sinistrado.
  3. Apesar do seu caracter imperativo, a disposição do art. o 60.º do mesmo decreto-Lei n.º 40/95/M, tem que ser interpretada em conjugação com o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, no sentido de que é ainda admissível qualquer acordo ou convenção desde que isso se mostre, em concreto, mais favorável aos direitos e às garantias conferidas nesse diploma legal ao trabalhador.” (Proc. nº 120/2003)
Improcede, portanto, este fundamento do recurso.
C – Da natureza do acidente
Vem a Ré alegar que o acidente em causa nos autos não se trata simultaneamente de um acidente de viação e de trabalho, pelo facto de o sinistrado conduzir veículo próprio.
Também não lhe assiste razão.
Ficou provado que o acidente em discussão nos autos ocorreu quando o sinistrado vinha do seu local de trabalho.
Dispõe o artº 3º alínea a), (6) do Decreto-lei 40/95/M com a versão actualizada pela Lei 6/2015 o seguinte:
  “…
6) No percurso de ida e volta entre a residência e o local de trabalho, quando o trabalhador seja o condutor de qualquer meio de transporte providenciado ou proporcionado pelo empregador, ou por outrem, em nome deste, ou conforme acordo estabelecido com o empregador, nas seguintes situações:
i) Se desloque para o local de trabalho, para efeitos de e em relação com a actividade profissional; ou
ii) Se desloque para a residência, após o termo do tempo de trabalho;
  …”
Como se vê, o acidente de trabalho pode ocorrer na ida para o local de trabalho ou no regresso deste, quando for utilizado o meio de transporte conforme acordo estabelecido entre o empregador e o trabalhador.
Por sua vez, o artº 13º da Portaria 236/95/M - que aprovou as tarifas de prémios de seguro e condições para o ramo de acidentes de trabalho - sob a epígrafe “Cobertura de risco de trajecto” – estabelece que “Quando o segurado pretenda incluir no seguro a cobertura dos acidentes que possam ocorrer durante o trajecto para o local de trabalho ou no regresso deste, há lugar a aplicação da sobretaxa mínima de 0.4%”.
Ou seja, o segurado pode, mediante o pagamento de uma sobretaxa sobre o prémio, incluir no seguro de acidente de trabalho a cobertura dos acidentes que possam ocorrer durante o trajecto para o local de trabalho ou no regresso deste.
No caso em apreço , a clausula 3 da apólice que titula o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre a Autora, ora Recorrida e entidade patronal da sinistrada, prevê que: “Extended to cover any traffic accident sustained by employees during their usual travel to and from the place of employment, within a reasonable travel time, even when the transportation so utilized, if any, is not supplied by the Insured” (o sublinhado e o realçado são nossos).
Evidencia assim que a entidade patronal da sinistrada garantiu de forma expressa a cobertura do risco no caso de acidentes sofridos pelos seus trabalhadores no percurso de e para o local de trabalho, independentemente de estes se deslocarem em veículo próprio ou fornecido pela entidade patronal.
Também demonstra, duma forma indirecta, que existe um acordo, pelos menos tácito, entre a entidade patronal e a trabalhadora no sentido de que para efeitos da qualificação do acidente como o de trabalho, esta pode utilizar meio de transporte próprio para ida e volta entre o local de trabalho e a residência, já que caso não tivesse tal acordo, a entidade patronal não teria celebrado com a Autora o contrato de seguro de acidente de trabalho naqueles termos, mediante pagamento de prémio extra.
Outro facto demonstrativo da existência do acordo em referência é justamente a aceitação por parte da entidade patronal do acidente como o de trabalho na fase da tentativa de conciliação do processo especial laboral respectivo.
Nesta conformidade, se conclui que o acidente em discussão é um acidente de trabalho.
Pelo exposto, é de julgar improvido este argumento do recurso.
D - Das perícias médicas com resultados diferentes
Alega a Ré que “perante o resultado de duas perícias médicas, com resultados diferentes, a decisão recorrida ao optar pelo resultado obtido no processo laboral deve fundamentar a sua posição, o que não sucedeu constituindo vício de falta de fundamentação”.
Não cremos que tenha razão.
Pois, o Tribunal a quo ao seguir o mesmo valor do IPP fixado no processo especial laboral, fazendo referência aos documentos nele extraídos e juntos aos presentes autos a fls. 92 a 97, está a aderir, duma forma implícita, aos fundamentos da opção do processo especial laboral, a saber: “對於遇難人左踝及右腕傷患之長期部份無能力之減值,雖然會診報告之少數意見評定為7%(5%+2%),但從身體檢查結果及會診報告所作之診斷得出遇難人上述部位所遭受傷患的前後情況沒有顯著的好轉變化,因此,本法庭認為身體檢查結果及會診報告就左踝及右腕傷患之長期部份無能力之減值所作之評定[8%(5%+3%)]更具客觀性及合理性,因而採信該評定”.
Assim, é de negar provimento ao recurso nesta parte.
E - Do montante indemnizatório
Para a Ré, “não foi feita prova de que a trabalhadora tenha recebido o montante de MOP68.399,95 que extravasa o fixado na conciliação laboral, havendo vício de falta de prova para a decisão”.
Antes de mais, é de salientar que não há vício de falta de prova para a decisão de direito, o que pode haver é a falta de prova para a matéria de facto considerada provada, ou seja, para a decisão da matéria de facto.
Para a impugnação da decisão da matéria de facto, o artº 599º do CPC manda que:
1) Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2) No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3) Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4) O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
A Ré não cumpriu o dever de impugnação específica previsto no artº 599º do CPC, pelo que, caso pretender impugnar a decisão da matéria de facto, é de rejeitar o recurso nesta parte.
Não obstante a rejeição do recurso supra em referência, este Tribunal detectou uma contradição insanável da decisão da matéria de facto, que é de conhecimento oficioso nos termos do nº 4 do artº 629º do CPC, a saber:
Perguntou-se no quesito nº 24º da Base Instrutória o seguinte:
  “A Autora pagou à C a quantia de MOP$93,153.20, a título de indemnização pela incapacidade absoluta para o trabalho?”
A resposta do quesito foi de “Não provado” (cfr. fls. 723v. dos autos).
A justificação da referida resposta consiste em:
  “關於疑問點24的數額,根據卷宗資料以及結合上述列表二中“ITA暫時絶對無能力”一欄,當中涉及金額93,153.20澳門元(見載於起訴狀文件7-21):
1) 其中,文件7-12屬於本案受害人之金額為分別為1,808.80、3,165.40、23,062.20、6,330.80、3,165.40、5,426.40、8,139.60及9,044.00之澳門元,有關金額原告已透過支票支付給受害人僱主,並由僱主支付給受害人;
2) 其中,文件13-21金額分別為6,330.80、3,165.40、14,018.20、3,165.40、1,808.80、452.20及4,069.80之澳門元,有關金額原告已直接支付給受害人。”
Porém, da parte da factualidade apurada da sentença final consta que “原告已支付的“ITA暫時絕對無能力”金額為MOP93,153.20,其中:
- 金額分別為MOP1,808.80、MOP3,165.40、MOP23,062.20、MOP6,330.80、MOP3,165.40、MOP5,426.40、MOP8,139.60及MOP 9,044.00,由原告透過支票支付給受害人僱主,並由僱主支付給受害人;
- 而金額分別為MOP6,330.80、MOP3,165.40、MOP14,018.20、3,165.40、MOP1,808.80、MOP452.20及MOP4,069.80,原告已直接支付給受害人。”
Além disso, na fundamentação jurídica, a sentença recorrida afirmou peremptóriamente que a Autora pagou à sinistrada a quantia de MOP$93.153,20, a título de ITA.
Afinal, o facto vertido no quesito 24º ficou não provado ou provado o que consta da parte da fundamentação da convicção?
Face à contradição acima descrita, não resta outra alternativa senão de anular o julgamento do quesito 24º, bem como da decisão final, devolvendo o processo ao Tribunal a quo para responder de novo o quesito 24º e decidir de novo em conformidade com a nova resposta do quesito 24º.
*
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso da Ré;
- anular oficiosamente o julgamento do quesito 24º, bem como da decisão final, devolvendo o processo ao Tribunal a quo para responder de novo o quesito 24º e decidir de novo em conformidade com a nova resposta do quesito 24º.
*
Custas do recurso pela Ré.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 30 de Maio de 2024.
Ho Wai Neng
(Relator)
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz Adjunto)
Rui Carlos do Santos P. Ribeiro
(Segundo Juiz Adjunto)



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245/2024